Ler o livro online - Lamparina Luminosa

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O dia que todos desapareceram
Christian Piana
O dia que todos desapareceram
Christian Piana
1ª edição
São Bernardo do Campo
Lamparina Luminosa
2013
O texto original “Il giorno che sparirono tutti” foi escrito em italiano entre
setembro 2003 e abril 2004
Texto e fotografias: Christian Piana
Projeto Gráfico: Marco Egizi e Christian Piana
Tradução em português: Joelma Ruas Sobral
Revisão em português: Alessandra Lopes do Nascimento
Revisão em italiano: Viviana Gravano
As licenças deste livro permitem copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, conquanto que sejam para fins não comerciais, que dêem créditos
devidos ao autor e a Lamparina Luminosa, e que as obras derivadas sejam distribuídas
somente sob uma licença idêntica à que governa esta.
O dia que todos desapareceram
Christian Piana
1ª edição
Introdução
Em 2003 em Pristina, no Kosovo, conheci um garoto albanês de aproximandamente 13 anos que, em companhia da mãe e das duas irmãs mais novas, estava
procurando chegar até a Alemanha por via térrea, através a ex Jugoslávia.
Eu estava na semi destruída estação dos ônibus da cidade, em parte queimada e
em parte marcada pelas explosões, esperando o ônibus que me levaria de volta
para Sarajevo. Quando o garoto se aproximou de mim e me perguntou algo em
língua albanesa.
Logo respondi: “me desculpe, não entendo”, Mas ele notou que eu era italiano e,
falando perfeitamente a minha língua, explicou-me que viveu na Itália, mas teve de
voltar à força para a Albânia há poucos anos. Indicou-me sua mãe e suas irmãs,
sentadas em um canto, e me disse que precisava levá-las para a Alemanha, pois lá,
tinha ouvido dizer, encontrariam trabalho e asilo.
Depois, começou a me interrogar sobre a viagem, se os documentos que tinham
estavam corretos e se com os 200 euros, que representavam o total de seus bens,
teriam conseguido chegar.
Eu não sabia o que responder, não sabia nada, na realidade eu também estava
perdido. Havia tomado a decisão de visitar o Kosovo, durante os dois meses que
estive na Bósnia-Herzegovina. Naquele momento, encontrava-me em Pristina na
tentativa, mais aventurosa do que imaginei, de voltar para Sarajevo, através um
ônibus que sequer sabia se realmente teria chegado.
Quando foi claro que eu não o teria ajudado, iniciou a falar comigo de forma
gentil e sorrindo da Itália. Me perguntou onde morava, se era bonito o lugar onde
nasci e o que eu pensava do governo. Em seguida voltou a buscar informações
falando com outras pessoas.
O garoto era o chefe da família. Tinha a responsabilidade de um homem adulto
e seus gestos mostravam um senso de maturidade e proteção surpreendentes.
Ficou claro que a mãe a irmã dependiam dele. Nunca tinha visto nada igual.
Quando finalmente o ônibus chegou, o garoto e sua família, assim como outros passageiros, não conseguiram embarcar. Pelo que entendi, eles não possuíam os documentos necessários para atravessarem a região de Montenegro, se bem me lembro.
Apesar disso, antes que eu partisse, o garoto veio me cumprimentar e eu, que não
sabia o que fazer, dei-lhe um adeus desejando-lhe boa sorte.
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Este surpreendente encontro foi a minha inspiração para este conto, escrito em
Sarajevo entre setembro e dezembro de 2003, período no qual, por interesse
pessoal, de forma completamente independente e autofinanciada, quis realizar
uma reportagem fotográfica sobre a guerra; ou para melhor dizer sobre como
um pais que viveu um conflito brutal se recompõe.
Durante o dia registrava o trabalho realizado pela associação humanitária que
me hospedava, enquanto os finais de semana, os dias de festa e as noites ficava
sozinho, fazendo longas caminhadas na cidade, lendo, sonhando com os olhos
abertos, viajando com a mente e tentando imaginar como um jovem teria vivido
o inicio daquele conflito.
O que teria desejado? Poderia ter desejado que todos sumissem?
Comecei a dar forma à fantasia de um menino que nos primeiros meses de
guerra, se descobre o ultimo ser humano no planeta. Comecei a lhe tecer uma
historia, uma aventura e a escrevê-la durante as horas vazias na associação. E de
pronto comecei a imaginar que o garoto encontrado no Kosovo pudesse ser o
protagonista.
Misturei ao conto inventado muitas coisas que vi e ouvi, mas também muitas
lembranças e elementos que, no passado, fizeram parte da minha vida.
O resultado é este texto, que quis ilustrar com Polaroid feitos em parte durante
as longas caminhadas em Sarajevo, e em parte entre Roma e Milão, nos meses
sucessivos ao meu retorno.
Julho 2013
Christian Piana
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O dia que todos desapareceram
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Il giorno che sparirono tutti
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versão em italiano
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A Rosalinda
Q
uando começaram a falar de guerra, eu pensava que sabia o que
fosse. Pensava nos fuzis, nos canhões e nos tanques de guerra. Mas,
uma vez que a guerra começou, não se viam tanques; em compensação, o
ônibus que, todas as manhãs, esperava na praça para levar as pessoas ao
mercado nos países vizinhos desapareceu. Não se via quase ninguém pela
estrada e nenhum dos meus amigos jogava mais no campo de futebol.
Eu não entendia e meu pai dizia que era culpa da guerra.Assim, perguntei-lhe o que era esta tal de guerra e ele me respondeu que, para nós, pobre
gente do campo, a guerra é uma coisa silenciosa que chega silenciosa.
Papai estava certo. Parecia que todos tinham parado de falar. Não se sentiam as vozes das casas vizinhas e até mesmo o bar, os banquinhos da
praça e todos os lugares de encontro se esvaziaram silenciosamente.
No povoado, tínhamos tantos amigos de família que, tantas vezes, vinham
em casa e nós íamos nas casas deles, à noite, para conversar um pouco e
para jogar baralho. Mas, desde que a guerra começou, ninguém vinha mais
em casa e papai, muitas vezes, quando falávamos os nomes dos velhos amigos de família, dizia que com aqueles ali era melhor não conversar mais.
Mamãe tinha começado a sentir vergonha. Envergonhava-se de tudo. Tinha deixado de sair de casa. Não saía nem mesmo quando era necessário.
Uma vez, de noite, estava acordado na minha cama e ouvi que mamãe
e papai começaram a discutir no quarto deles. Papai reclamava, porque
mamãe não cuidava bem da casa e ela dizia que não queria sair mais
para fazer compras, porque sentia vergonha, dizia que nós não éramos
mais os mesmos.
Eu nunca entendi e continuo a não entender porque nós, de um dia para
o outro, tínhamos ficado diferentes. Na verdade, nada tinha mudado, mas
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o fato é que mamãe não ia comprar mais nem mesmo a carne no sábado
para fazer no domingo e fazia sempre sopa com as verduras da nossa
pequena horta, com grande desprazer meu e do meu irmão.
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No dia em que a guerra começou, eu tinha treze anos, já o meu irmão
Marko era um pouco mais velho. Ele tinha nascido com um problema. O
doutor disse que o problema aconteceu durante o parto: no cérebro de
Marko, por um pouco, chegou pouco oxigênio. Assim, Marko era mais velho do que eu, mas, na verdade, era menor, porque se comportava como
uma criança.
Eu tentava aprender os trabalhos. Ia sempre ajudar o meu pai no campo,
enquanto Marko ficava em casa com a nossa mãe. Tantas vezes, ficava parado olhando a parede até mesmo o dia inteiro; mas, muitas vezes, falava
sem parar, dizendo coisas confusas e inventando histórias incríveis, sem
sentido, para depois chorar sem parar.
Eu gostava mesmo assim de escutar o Marko, porque, alguns dias, as suas
histórias eram tão incríveis que me faziam morrer de rir e ria sem conseguir conter-me, contagiando com a minha risada o Marko e, algumas
vezes, a mamãe, que rindo, colocava uma mão nos cabelos do meu irmão
e dizia: “Marko vive um pouco na terra e um pouco na lua”.
Mas, com a guerra, nossa mãe aprendeu a sentir vergonha de Marko e das
histórias dele também. Ao invés de rir, chorava, e ao invés de dizer que
Marko vivia no mundo da lua, dizia que Marko era doido e que precisava
ir num lugar apropriado para ele.
Em breve, a guerra deixou de ser uma coisa silenciosa, inclusive para
a gente do campo. Ouvia-se ecoar o barulho dos canhões, dos morteiros e dos tiros de pistola-metralhadora vinte e quatro horas por dia. As
explosões em Sarajevo eram como tantas incandescências brancas que
clareavam o céu, ao longe, e pareciam, para nós que estávamos a quase
cinquenta quilômetros, como os raios de um temporal que estava para
chegar. Doravante, mesmo quem quisesse fazer de conta que nada estava
acontecendo não podia: o estrondo que a guerra fazia não deixava ninguém em paz.
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Os nossos pais decidiram que Marko não podia ficar conosco e que o
mandariam para um hospital onde havia outras pessoas como ele. Eu
não queria e fiquei muito zangado. Comecei a berrar que Marko não era
louco, que tinha que ficar conosco, que naquele lugar não estaria bem e
que, aqui, eu poderia protegê-lo, poderia trabalhar para sustentá-lo, se
fosse necessário. Mas a única resposta que me deram foi que eu era ainda
criança e não podia entender.
Enquanto mamãe colocava na mala as poucas coisas que serviam naquele hospital e nosso pai colocava a gravata do melhor traje que ele
dispunha, - olhando-se mil vezes no espelho para encontrar o perfil mais
bonito - meu irmão, também bem vestido, estava imóvel no pátio com
o rosto virado para o sol para aproveitar a luz forte da manhã, da qual
gostava tanto.
E quando a mala e nosso pai estavam prontos, nós nos sentamos à mesa
e olhamos fixamente, sem falar nada, para o relógio. Pelas dez horas,
nossa mãe, chorando, disse-me: “Vai abraçar o teu irmão”. Fi-lo friamente
e Marko pareceu não perceber de tão entretido que estava com o sol.
Mas, quando já estava na estrada, caminhando de mãos dadas com papai,
Marko olhou para trás, olhou para mim e sorriu; depois, olhou para trás
de novo e soltou uma risada alta até que subiram num carro e foram
embora. Percebi que muitos dos nossos vizinhos estavam olhando a cena
pelas janelas, procurando esconder-se, espiando.
A tristeza e a raiva subiram pela minha cabeça e acabei desabando num
pranto que não conseguia controlar. Odiei como nunca o sabor salado
das lágrimas e comecei a correr mais rápido que podia para que o vento
limpasse as lágrimas da minha boca.
Corri talvez por uma hora inteira. Corri o mais longe possível, para a
mata, mesmo tendo sido proibido pelos meus pais, porque era muito
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perigoso. Corri entre as árvores até quando as minhas pernas resistiram,
até que caí exausto na relva.
Fazia tanto tempo que não ia na mata. Normalmente, ia em momentos
como este, quando estava muito chateado para poder aguentar qualquer
pessoa. Na mata, só existiam árvores e passarinhos que viviam a vida deles e cantavam, dando-me paz. Mas a guerra até isso tinha transformado,
porque naquele dia, mesmo ali, onde sempre acreditei que estaria longe
de tudo e de todos, o fragor dos bombardamentos cobria qualquer outro
som, levando embora a velha paz.
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Naquele dia, dei-me conta que algo tinha acabado e que algo novo estava
começando. Pensei novamente em todas as coisas que até alguns tempos
atrás eram normais e que, naquele momento, pareciam velhas e remotas.
Pensei em todas as pessoas que tinha conhecido e como eram belos os
meus pais antes que tudo tivesse mudado. Pensei em Marko e em todas
as coisas que fazia, nas suas roupas, no seu cheiro, nas coisas bonitas dele
e na coisa mais bonita de todas: os seus desenhos.
Marko amava desenhar. Desenhava muito. Para a nossa mãe era quase
um alívio, porque ele desenhava por horas a fio. Bastava colocar sobre
a mesa um papel e um lápis para que Marko parasse de chorar e de devanear e começasse a desenhar. Assim, nossa mãe podia cuidar da casa,
podia ver se as galinhas não saíam do recinto, podia lavar as nossas roupas
sem precisar, sempre, cuidar que Marko não caísse no rio ou se perdesse
pelas estradas.
Nosso pai dizia que Marko desenhava coisas estúpidas e que teria sido
melhor se lhe tivéssemos ensinado a cuidar das galinhas e a gritar quando
alguma delas se distanciava muito do grupo.
Marko desenhava casas marrons, árvores secas, céus com dois ou três
sóis. Desenhava pessoas pequenas e árvores ou passarinhos gigantes.
Uma vez, perto da Páscoa, o nosso tio Amir, que era um soldado, veio nos
visitar e pediu ao meu irmão que lhe fizesse um belo desenho de Páscoa;
mas Marko desenhou duas grandes pombas com um bico comprido e
duas pessoinhas embaixo, à direita, com as mãos para o céu e boquiabertas, que pareciam gritar. O nosso tio olhou o desenho e pareceu meio entristecido. Disse a Marko de ficar com o desenho e perguntou-lhe porque
em cima, à esquerda, ao lado do nome dele, havia duas datas. Meu irmão
respondeu-lhe que uma era a data de hoje e a outra era a data de validade.
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Marko escrevia sempre a data de validade nos seus desenhos. As flores
eram as coisas que ele mais preferia desenhar. Ele tinha me dado de presente um desenho de uma flor roxa com tantas pétalas e folhas e ali também tinha uma data de validade, como se a flor devesse murchar naquele
dia e como se Marko soubesse que todas as coisas têm um tempo e que,
mais dia menos dia, acabam. Refletindo, parecia que Marko soubesse tudo
e que nos contasse através dos seus desenhos.
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Nosso tio, quando viu a data de validade, pensou que fosse um mau
presságio e que talvez morreria naquele dia. Mas não morreu naquele dia,
morreu alguns meses depois, no verão. Armaram-lhe uma emboscada e
atiraram nele.
Quem sabe se aquela mata, onde assassinaram meu tio, era igual àquela
para onde corri e quem sabe se, antes de cair naquela emboscada, tivesse
tido tempo de deitar-se um pouco na grama e de aproveitar o canto dos
passarinhos como eu gostaria de ter feito.
O nosso tio Amir era o melhor de todos os nossos tios.Vivia sempre
contente. Não era um soldado como os outros, que pareciam sempre
sérios e irritados. Nosso tio era bonito. Mamãe dizia que tinha um monte
de admiradoras e que poderia ter sido cantor.Vinha visitar-nos amiúde e,
todas as vezes, trazia algum presente para mim e para o Marko. Eu, quando ouvia o assobio pela estrada, saía como um foguete para encontrá-lo.
Sabia que era o meu tio: era o único alegre que assobiava.
Até a mamãe sabia que só podia ser ele e toda vez que sentia assobiar,
mesmo que tivesse num outro quarto e não me visse, gritava: “ai de ti se
sujar a roupa de barro!” Toda vez, subia no colo dele e perguntava-lhe se
tinha deixado de ser soldado e se tivesse virado cantor. Ele me respondia
que se tivesse virado o cantor destes tempos, receberia pouco e não
poderia nos trazer os presentes.
Eu achava que tio Amir fosse soldado somente por nossa causa, só para
trazer-nos os presentes, porque sabia que ele nos queria tanto bem.
O tio Amir foi o único que quis que Marko ficasse com a família e não
fosse àquele hospital. Sabia que Marko não era doente; dizia sempre aos
meus pais que não era doido, que não devia estar longe, mas devia estar
com a família.
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Dizia sempre que, na Itália, teriam cuidado dele melhor; que se estivéssemos na Itália todos estaríamos melhor.
O tio Amir, quando era jovem, esteve na Itália com uma excursão organizada e desde que voltou, embora tivessem passado muitos anos, continuava a falar da Itália como um lugar mágico, um país dos sonhos. Algumas vezes, mesmo no meio de uma conversa, encantava-se, ficava imóvel,
olhando para o nada com um sorriso estranho; depois, suspirando, dizia
com um ar sonhador: “Ah, se estivéssemos na Itália...”; e eu, curioso: “Se
estivéssemos na Itália o quê?”; “Nada”. Quando penso no tio, pareço entender o que ele queria dizer e dou-lhe razão.
Se tivéssemos estado na Itália, teríamos ficado todos juntos. Talvez nossa
mãe teria voltado a rir como fazia antes e teria deixado de se envergonhar à toa. Talvez nosso pai teria tido ainda amigos com os quais jogar
baralho à noite. Talvez Marko estaria ainda conosco desenhando coisas
estranhas.Talvez teria até parado de colocar as datas de validade nos seus
desenhos.
Pela primeira vez, senti-me realmente cansado. Não estava somente afatigado pela corrida. Estava cansado de todas aquelas mudanças. Estava
cansado de ver as pessoas mudarem. Estava cansado de todas as coisas
que as pessoas faziam. Os seres humanos sabiam fazer somente uma
grande bagunça. Somente os homens podiam fazer uma coisa tão barulhenta como a guerra.
Eu queria viver sem homens, queria que todos os homens desaparecessem da terra!
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L
ogo após ter pensado isso, como por magia, os enormes barulhos
que chegavam de Sarajevo cessaram e devagar os passarinhos tão
desejados voltaram a cantar, fazendo com que eu conseguisse lentamente
deixar de lado todas as lembranças e a adormentar-me olhando os ramos
das árvores que se moviam educadamente com o vento.
As árvores estavam contando algo que não conseguia entender, mas que
soava como uma fábula daquelas que nos contam antes de ir dormir.
Fiquei assim, afundado na relva para escutá-las, até que a luz do céu ficou
avermelhada e entendi que a noite tinha chegado.
Com o medo, aliás, com a certeza que os meus pais estivessem furiosos por causa do meu sumiço, corri para chegar em casa, imaginando o
meu castigo, os xingamentos e a dor do tabefe que provavelmente teria
recebido. Não me surpreendi que, atravessando o povoado não tenha encontrado ninguém, já que estava acostumado a vê-lo deserto. Mas fiquei
surpreso no momento em que coloquei os pés em casa, cabisbaixo: os
meus pais não estavam.
Pensei que papai poderia não ter ainda voltado daquele hospital. Sabia
que ficava longe e, talvez, estando muito cansado, tenha decidido ficar e
dormir ali mesmo. Mas não entendia onde podia ter ido a mamãe, visto
que não queria nunca sair de casa. A ausência deles preocupou-me por
um segundo apenas, porque um segundo depois, veio-me em mente que,
talvez não tivessem notado a minha longa ausência e, desta maneira, não
teriam ficado bravos e nem me teriam castigado.
Esperei os dois, sentado numa cadeira da cozinha. Então, quando escureceu e o meu estômago começou a fazer barulho de tanta fome, comi,
sozinho, um pouco de sopa do dia anterior; fui deitar-me na cama e vencido pela canseira que aquele dia estranho tinha posto em mim, dormi
como uma pedra.
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Na manhã seguinte, acordei sem que mamãe viesse a abrir as cortinas,
chamando-me com uma voz cansada. Acordei sem que Marko gritasse ou
que papai me pedisse para ajudá-lo em algum trabalho que não conseguia
fazer sozinho. Como a manhã anterior, aquela era uma manhã esplêndida
de sol, mas com algo além, aliás, com algo em menos que a tornava mais
bela: os barulhos de canhões não se ouviam. Corri para a cozinha, mas estava vazia. Então, corri para o pátio, mas vi ali somente as quatro galinhas
que ciscavam, como sempre, em modo estúpido, sem perceber o medo
que começava a invadir-me, porque ninguém tinha voltado. Tinha medo
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que tivesse acontecido alguma coisa. Aterrorizava-me a ideia de que os
meus pais, durante a minha ausência, tenham ficado tão preocupados ao
ponto de ir procurar por mim e que, na busca, tenham tido um acidente.
Saí de casa e fui procurá-los nas estradas desoladas do povoado, mas
nada. Então, venci a subjeção que a guerra tinha me ensinado a ter dos
nossos vizinhos de casa e fui bater na porta deles, na esperança que,
espiando, tivessem visto ou ouvido mamãe e papai. Mas nenhum dos nossos vizinhos veio abrir. Fui na casa de outros e de outros ainda, até que
tinha batido, praticamente, em todas as portas sem algum resultado. O
povoado estava vazio, todas as coisas foram deixadas como na última vez
que as vi, como se todos tivessem partido com pressa, sem se preparar,
sem nem mesmo recolher as roupas deixadas para enxugar. Não podia
ter ido todo mundo me procurar. Deveriam ter partido para algo muito
mais importante.
Voltei para casa para esperar, procurando esconder a mim mesmo o
pressentimento ruim que me passava pela cabeça. O pressentimento que,
realmente, todos os seres humanos tivessem desaparecido como tinha
desejado naquele momento de grande desespero.
Voltei a esperar até que a sopa acabou, até que toda a pouca comida dos
pobres habitantes do povoado acabou e não havia mais casas na quais
eu podia entrar, como se fosse o dono, para comer tudo aquilo que era
comestível. Não podia mais permanecer no povoado, deveria procurar
comida em algum outro lugar - melhor na cidade, onde, com certeza, havia geladeiras que teriam protegido os alimentos do mofo e da ação que
o tempo exerce sobre eles.
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Aquela tarde, quando desejei que todos os seres humanos desaparecessem, creio que até mesmo o Tempo suspirou aliviado, porque de todas
as criaturas que sempre viveram a sua tranquila passagem, adaptando-se
a ele e modificando os próprios costumes em base ao efeito que provocava nos dias e nos anos, somente os homens tinham declarado guerra
ao Tempo, procurando marcá-lo e classificá-lo com relógios, calendários,
dietas, tintas para os cabelos e cremes para as rugas. Mas demonstraram
ter sido derrotados nesta batalha, tendo sempre pressa para chegar na
hora certa para um encontro, morrendo de tédio tendo que esperar
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outra hora, entristecendo-se ao se verem ficar mais velhos e completamente cobertos dos seus sinais, maldizendo o Tempo por todas as coisas
que levava embora.
Nenhum ser humano, daquela tarde em diante, pôde mais esforçar-se
para ir contra o Tempo e ele pôde, finalmente, passar livre, como lhe
comprazia, porque eu, embora seja um homem, nunca nem sonhei de
declarar guerra ao Tempo. Desde aquela tarde, dormia quando estava
cansado, comia quando tinha fome e parei, principalmente, de contar os
dias, fazendo do Tempo um meu precioso aliado, que apagou para sempre
a minha ansiedade, o tédio e a pressa; que me fez rir quando me dei conta
que os meus sapatos tinham ficado pequenos, as minhas calças curtas e
a minha blusa apertada e que, muitas vezes, ajudava-me, como com o
Super - o meu grande companheiro de aventura - que, graças ao Tempo,
aprendia sempre mais a confiar e a gostar de mim.
Encontrei Super por acaso, quando cheguei em Sarajevo, quando os
dias ficaram já mais compridos e o calor permitia ficar de camiseta até
mesmo à noite, quando não tinha sol. Não sei descrever os sentimentos
que me devoravam no momento em que coloquei os pés naquela cidade.
Não sei se era medo, estupor ou raiva, mas, seja lá o que fosse, fez-me
logo entender que a guerra tinha sido algo mais que o silêncio dos vizinhos, que a sopa até no domingo.
Quase todos os prédios estavam completamente queimados ou destruídos com enormes falhas ou recobertos de furos de projétis. Atrás de
cada esquina, via novos prédios que pareciam que me estivessem esperando para mostrar-me as suas feridas. Também entrei nos cômodos de
muitos desses. Naqueles que não pareciam atingidos, que possuíam ainda
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as janelas intactas, havia um cheiro forte de fechado, de suor, de roupas
sujas, de homens escondidos há dias, de medo. Enquanto, naqueles completamente devastados, havia o cheiro de objetos perdidos, de recordações mortas, de fotografias queimadas, de nostalgia.
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Andei por horas atordoado entre aqueles prédios, passando por cima
dos destroços derrubados como baba, e pensando no meu pai, quando
me contou quanto tempo tinha levado para construir a nossa casinha,
ressaltando na sua história o suor e o orgulho que o levaram a colocar
cada tijolo. Os homens que tinham destruído esta cidade, provavelmente,
eram pessoas doentes que nunca tiveram tido um motivo para construir
uma casa e, por isso, conheciam somente o enorme orgulho de destruir
e não aquele pequeno e simples orgulho de construir, como o meu pai.
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Caminhei sempre mais feliz por ter feito sumir todos os homens da face
da terra, até que de uma viela que cruzava com aquela que eu estava
percorrendo, veio um barulho que não podia ser causado pelo vento, mas
por alguém que estava esfregando alguma coisa. Parei pelo estupor. Em
seguida, daquela rua saiu rolando uma bola em mau estado e meio murcha e atrás dela vinha um cachorro marrom tão magro que dava para ver
todas as suas costelas; que surpreso mais do que eu, cessou a sua corrida
descoordenada e ficou imóvel olhando para mim. A bola rolou até chegar
aos meus pés e eu, não querendo interromper a brincadeira do cachorro,
dei um chute nela com toda a minha força. Essa voou alto e distante na
direção de um pequeno espaço verde, que tinha todo o ar de um parquinho, mas que parecia ter sido transformado às pressas num cemitério
improvisado. Achando a bola mais interessante do que eu, o cachorro a
seguiu com a sua corrida descoordenada; porém, assim que tocou o chão
daquele cemitério improvisado, a bola fez explodir algo de escondido,
provavelmente, uma mina. A explosão levantou um pouco de pó, destruiu
três sepulturas ali perto, acabou de quebrar os vidros de uma mansão e
arremessou o cachorro, que caiu com a pata posterior claramente cortada. Depois de ter me recuperado do susto, corri até o cachorro que latia
desesperadamente. Mas apenas o toquei para tranquilizá-lo, ele me deu
uma mordida forte, por medo, e depois desmaiou. Eu o carreguei no colo
e corri na direção do hospital que me lembrei de ter visto antes. Assim
que cheguei, com o coração que parecia sair da boca, coloquei-o numa
pia e lavei a pata ferida e os dois cortes nas costas, que tinha descoberto
durante a correria. Então, fui em busca de gazes e desinfetantes, que não
foram difíceis de achar, visto que todas as salas pareciam equipadas para
aquilo que eu estava fazendo. Voltei onde estava o cachorro, que estava
ainda vivo, por milagre. Derramei nele, em abundância, o mesmo líquido
vermelho que passavam em mim quando voltava para casa com os joelhos esfolados e enfaixei-o sem economizar gazes.
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Fiquei a noite inteira vigiando que aquela respiração suave não terminasse. Mas, pela manhã, para a minha grande surpresa, aquele cachorro,
que já tinha dado como morto, abriu os olhos, procurou, sem conseguir,
virar-se para lamber as feridas e caiu novamente adormentado. Eu fiquei
perplexo pelo seu despertar e decidi chamar aquele cachorro de Super,
em homenagem à sua incrível resistência.
De todo modo, tive que passar ainda muitas noites no hospital antes de
ter a certeza que Super tivesse superado o pior: tinha uma pata que continuava a sangrar e uma infecção que parecia aumentar a cada dia. Depois
disso, quando tive a certeza que não morreria, mudamo-nos para um
edifício ainda em bom estado e com todos os vidros intactos: um hotel.
Dentro era muito bonito. Em todos os quartos havia máquinas fotográficas, câmeras, computadores portáteis e telefones com grandes antenas, tudo largado ali, como esquecidos. Mas, acima de tudo, havia lençóis
limpos e água quente no banheiro. Nas cozinhas, tinha mais comida do
que tinha visto em toda a minha vida. Assim, finalmente, consegui comer
carne e fiz Super comer também e, graças a essa, ele parecia melhorar
mais rapidamente.
Nos longos dias, nos quais Super vivia a sua convalescença, eu tinha
pêgo um dos tantos jeeps militares que estavam pela rua e, algumas vezes,
saía do hotel e ia fazer prática de volante. Depois de tê-lo bem amassado
na frente e riscado na parte direita, podia dizer que tinha aprendido a dirigir. Substitui o jeep amassado por um igual, mas novo, e abasteci-o com
gasolina. Estava me preparando para uma viagem.
Enquanto isso, Super readquiria as forças lentamente; passava sempre
mais tempo acordado e tinha sempre mais apetite. As gazes que lhe colocava todo dia ensanguentavam menos e o focinho dele ficou de novo
úmido, sinal que a infecção estava cessando e, com essa, a febre.
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Uma manhã, quando acordei, a primeira coisa que vi foi Super de pé com
três patas que procurava improvisar alguns passos. Ele percebeu que eu
o estava olhando com um grande sorriso e, notando a minha felicidade,
abanou o rabo, tímido, por alguns instantes, depois caiu no tapete, exausto, mas evidentemente satisfeito, deixando-se, pela primeira vez, acariciar
o focinho.
Eu e Super, mesmo sem explosões e tiroteios, vivíamos em guerra, porque tínhamos aprendido que a guerra não é algo que os homens fazem,
mas algo que os homens trazem consigo: depõem como se fosse uma
semente que brota e quando todos os soldados vão embora e a gente
fala de paz, ela permanece nos sinais e na memória das coisas, silenciosa,
mas sempre presente. Naquele momento, não existia mais ninguém que
nos podia fazer mal ou nos matar. A guerra tinha acabado, mas eu entendi
que, na verdade, a guerra teria sempre existido nas feridas de Super, nos
seus olhos lânguidos, no seu medo dos barulhos altos e na sua relutância
em ser acariciado.
A única coisa que podíamos e tínhamos vontade de fazer era viver um
sonho e eu conhecia somente um lugar onde isso era possível: A Itália
do tio Amir.
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Fomos para a Itália sem pressa, sem correr e aproveitamos lentamente a
viagem e também o Mar.
Embora eu e Super nunca tivéssemos visto o Mar, não tínhamos nenhuma
ansiedade, e assim, foi o Mar a nos surpreender e não nós que o encontramos. Ele nos surpreendeu impreparados e nos fez chorar de comoção.
Se nós o tivéssemos procurado, se soubéssemos que estava no final daquela estrada cheia de areia, teríamo-nos preparado, teríamos imaginado
como era, teríamos começado a saboreá-lo; ao invés disso, surpreendeu-nos como um soco no estômago: o mais belo soco no estômago que alguém possa receber. Permanecemos naquela praia por muitos dias antes
de atravessar definitivamente a fronteira italiana. Super, que já conseguia
caminhar com as três patas, brincava com o mar, corria atrás das ondas
e cheirava a água. Queria cheirar aquilo que tinha debaixo, porém, todas
as vezes, entrava somente tanta água no seu focinho. Eu passava o tempo
a molhar-me, a correr atrás de Super e a pensar, olhando aquele imenso
nada feito de água. Eu e Super retomamos a viagem quando estávamos saciados de tranquilidade. Estávamos indo num país estrangeiro, estávamos
um pouco nervosos, devíamos fazer uma provisão daquela tranquilidade.
Na Itália, a primeira coisa que vimos foram grandes e imensas estradas, todas limpas e asfaltadas, até mesmo aquelas aparentemente mais
insignificantes. Em seguida, prados e campos, quilômetros e quilômetros
de campos cultivados, intervalados, algumas vezes, por alguns pequenos
povoados, mas bem conservados, ou por galpões ou fábricas que expeliam ainda fumaça. Em todo lugar, havia placas que indicavam os nomes
dos povoados ou das ruas, obviamente em Italiano, uma língua que não
conhecíamos, mas que não tínhamos necessidade de aprender.
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Nos nossos quilômetros, prosseguíamos vagarosamente, não por escolha,
mas porque todas as ruas estavam cheias de automóveis empilhados nos
fossos, parados no meio da estrada ou emaranhados em grandes colisões
traseiras sem feridos. Todos os carros foram abandonados de repente,
ainda em movimento, sem controle e nós devíamos nos desviar deles,
com cuidado, sem colidir com um deles para não ir parar naquele cemitério de latarias e vidros quebrados.
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Finalmente, depois de toda aquela planura, chegamos numa grande cidade. A última cidade em que estivemos foi a cidade de onde partimos:
Sarajevo. Aqui, como em Sarajevo, havia enormes edifícios nos esperando,
mas estes eram limpos, novos, brilhantes. Muitos eram de vidro ou de
ferro, nenhum estava queimado, nenhum falava de destruição. Certamente, não sofriam, mas não eram, de modo algum, felizes. Depois do desaparecimento dos seres humanos, certamente, não se sentiam liberados,
mas inúteis. Enormes coisas inúteis cheias de coisas inúteis que assistiam
inermes a passagem do último homem no mundo com uma espécie de
olhar melancólico.
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No centro da cidade, tivemos que abandonar o jeep e seguir à pé, porque
o amontoado de carros enlouquecidos, sem dono, era tão grande que
não teria tido o tempo, em toda uma vida, para deslocar todos eles.
Batia um vento delicado, porém forte o bastante para produzir um barulho de vazio quando passava perto dos edifícios. O vento trazia folhas e
muitos papéis. Às vezes, trazia páginas de jornais escritos com a mesma
língua incompreensível das placas, mas com muitas imagens de homens
importantes, bem vestidos e, algumas vezes, imagens de soldados, de homens que atiravam, foto de uma cidade destruída com um pequeno título,
no qual reconhecia somente a palavra Sarajevo.
Nunca tinha ido num parque de diversões. Não sabia como era. No
meu povoado, uma vez ao mês, ia um carrossel. Ali, todos os moleques
se amontoavam para se divertir e bastava a musiquinha repetitiva, tipo
carrilhão, do carrossel para enlouquecer de risadas as crianças e também
os grandes, que procuravam disfarçar, mas, depois do trabalho, passavam
horas inteiras na frente do brinquedo, atraídos pela luz.
Acho que o centro daquela cidade se aproximasse muito à ideia que tinha
de um verdadeiro parque de diversões: era tudo muito bonito. Em todas
as ruas, havia enormes vitrines iluminadas com objetos que nunca tinha
visto, que não sabia nem mesmo para quê serviam e que podiam ser objetos mágicos. Até mesmo as casas eram belíssimas e repletas de coisas.
Eu e Super entrávamos em todo lugar com uma curiosidade insaciável
e tocávamos tudo, tentávamos fazer funcionar tudo, corríamos de uma
vitrine a outra para fazer perguntas a todo objeto inanimado e imóvel
que não nos respondia e que nós transformávamos em brinquedo com a
lógica ditada pela fantasia.
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Havia bares, restaurantes e pastelarias cheias de coisas boas que esperavam somente as nossas bocas inexperientes. E assim, passamos o dia pulando entre objetos macios, brinquedos e doces deliciosos até que diante
a uma loja enorme parei. Era completamente recoberta de imagens de
homens e mulheres, lindos, felizes, que riam, bem vestidos, despreocupados. Provavelmente, eram estes os habitantes desta cidade, antes que desaparecessem. Provavelmente, aqui eram todos felizes. Talvez não mereciam desaparecer. Logo, Super colocou-se do meu lado, quase sem fôlego,
cheirou uma minha mão e eu o olhei. Os seus olhos eram uma pergunta:
“Por que não continuamos a brincar?”. Olhei a pata que faltava de Super e
as suas cicatrizes nas costas, de modo que, as imagens dos homens felizes
transformaram-se e aqueles não pareciam mais sorrisos, mas chacotas,
gozações. Por que os meus pais não podiam também ter aquelas roupas?
Por que somente agora que não tem ninguém, pude comer, pela primeira
vez, aqueles doces deliciosos?
Queria que, por um momento, todos reaparecessem e viessem onde
estou: só o tempo para mostrar-lhes Super e perguntar-lhes se sabiam
porque o tio Amir tinha morrido na mata. Era lógico que eles sabiam.
Tinha visto os jornais com as fotos da guerra e, provavelmente, eles teriam voltado com o mesmo sorriso de gozação e teriam sido tantos para
conseguir escutar um rapazinho e ver um cachorro mutilado. De repente,
experimentei o impulso de pegar uma pedra e atirá-la na vitrine. Mas
enquanto, com raiva, procurava a pedra no chão, percebi que Super tinha
ido esconder-se atrás de um poste ali perto e que me olhava com um ar
assustado. Parei, olhei-o de novo nos olhos, olhei a pata que faltava e as
feridas, mas desta vez, provei somente uma onda de doçura e me contive,
ou melhor, desculpei-me com Super.
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Pela tarde, estávamos atordoados: tinha sido um dia realmente completo.
Eu me sentia repleto, como nunca, de tudo, até mesmo de responsabilidades que não me diziam respeito. Descansamos, sentados nos degraus
de um edifício belo e ficamos em silêncio, escutando o mesmo barulho
do vento de quando chegamos ali. Quando escureceu, entramos no edifício para dormir. Dentro era enorme, diria majestoso. Havia centenas
de pequenas poltronas, até mesmo em cima, nos demais andares. Todas
as poltronas eram viradas para um grande palco iluminado, onde tinham
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reconstruído um canto de um povoado do campo, mas estranho, porque
numa metade parecia o interior de uma casa e na outra metade uma
estrada que se perdia numa paisagem pintada numa toalha gigantesca.
Naquele que parecia o interior da casa, não havia paredes, mas uma cama
e uma mesa; e naquela espécie de campo ao fechado, uma carroça de
feno com uma forquilha. Sabia que só podia ser um teatro, porém, adiei
a curiosidade de explorar aquele lugar estranho para o amanhã. Fui para
a cama, chamei Super, que chegou com um ar comicamente atônito e
juntos caímos num sono pesado.
Quando acordei, Super estava fazendo xixi no feno da carroça. Eu, que
de dentro da casa sem paredes podia vê-lo, não tive coragem de brigar
com ele, porque, no fundo, o xixi ele tinha feito fora. Em seguida, desceu
do palco e começou a cheirar todas as poltronas que, evidentemente, tinham ainda cheiro de homem, enquanto eu me encaminhei pelos espaços
atrás do palco longe das poltronas. E maravilha: entrei numa sala onde parecia que todas as pessoas de toda a história tivessem entrado, tivessem
se despido e tivessem fugido nuas, deixando ali os próprios indumentos.
Pendurados por todo lado não somente vestidos de campesinos e senhores de campo de alguns anos atrás, mas também armaduras de cavaleiros,
roupas de reis, rainhas e príncipes, roupas de astronauta, de bailarinas, de
gnomos e fadas, espadas, coroas, pistolas falsas, escudos, lanças e os mais
variados objetos usados desde a noite dos tempos até o futuro.
Tirei com pressa as roupas estragadas e já curtas que vestia desde a
partida e vesti os collants azuis de príncipe belo, um tule de bailarina, um
colete de cavaleiro e um capacete de astronauta. Peguei uma espada e
um elmo de viking com os chifres para colocar na cabeça de Super que,
porém, quando me viu correr até ele todo entusiasmado vestido daquele jeito, deu um pulo de medo e soltou um grunhido. Tive que tirar o
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capacete para que ele me reconhecesse; aí então, Super se tranquilizou
e veio até mim. Eu corri atrás dele, fingindo ser algum herói que lutava
com algum inimigo e Super envolveu-se na brincadeira. Algumas vezes, eu
corria atrás dele e, outras vezes, ele corria atrás de mim e, mesmo se não
quis mais saber do seu elmo, daquele momento em diante, iniciou um
mundo novo que durou por muito tempo, um mundo onde não existiam
preocupações a não ser aquela de brincar e onde podíamos ser tudo
aquilo que, na fantasia, queríamos ser. Um mundo, onde até Super descobriu uma infância de criança que nunca tinha conhecido, que não tinha
nem limites, nem espaços.
Fizemos daquele teatro a nossa base e decoramos a casa sem paredes
e a estrada do campo com quadros, roupas, armas de brinquedo e tantos daqueles objetos que víamos nas vitrines, que não sabíamos o que
eram, mas dos quais gostávamos do mesmo jeito. Passeávamos por toda
a cidade para viver as nossas histórias. Cada dia, éramos reis, príncipes,
empregados, bombeiros, guerreiros ou exploradores espaciais mandados
em missão e dispersos numa galáxia desconhecida. Tudo era palco das
nossas incríveis aventuras.
Então, uma tarde, quando Super puxava com os dentes uma vassoura
quebrada e eu estava vestido de capitão de um navio, todas as luzes apagaram-se repentinamente. Desapareceu, como num sonho, aquele enorme parque de diversões. A eletricidade nos abandonou assim, sem aviso
prévio, e nós logo entendemos que teríamos que deixar aquela galáxia
distante e voltar a um universo mais real que é a sobrevivência.
Voltar ao teatro foi muito difícil por causa da escuridão e tivemos problemas também na manhã seguinte, porque no teatro não havia janelas
e a escuridão perseverava. Recolhi um pouco de roupas e de armaduras
e espadas aos quais me afeiçoei e saímos do teatro meio entristecidos.
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Ao nosso redor apareceu uma cidade que não reconhecíamos. Notamos,
pela primeira vez, que enquanto brincávamos, vivendo naquele mundo
distante da fantasia, a natureza estava se reconciliando com a cidade, ou
melhor, estava recuperando - e nem tanto discretamente -os seus espaços. Os canteiros tinham superado o espaço definido pelos homens.
Muitas janelas estavam abertas e delas desciam plantas que pendiam até
quase tocar o chão ou que se arrastavam pelos beirais e o asfalto estava
inchado com as novas raízes e as novas arvorezinhas. Aquele verde que,
até então, para nós, era uma selva fantástica, cheia de tigres e leões, agora era somente o sinal de uma inexorável e potentíssima mudança que
podíamos assistir não como protagonistas, mas somente como pequenos expectadores. Toda geladeira e congelador tinha deixado de dar-nos
certeza, porque logo toda a comida estragaria e apodreceria. Naquele
momento, teríamos realmente que sobreviver.
48
4
C
om o tempo, a cidade confundiu-se com o campo, que evidentemente, até aquele momento, tinha ficado afastado e que agora lan-
çava os seus braços até o centro, abatendo o antigo confim dos prados,
dos javalis, dos faisões e de todos aqueles animais aos quais, até então,
tinha sido negada a entrada num território que, centenas de anos atrás,
pertencia a eles. As estradas tinham perdido a prepotência e esforçavam-se inutilmente para parecer com algum tipo de cobra para não serem
engolidas; entretanto, a matéria delas, o cimento, não podia se mexer,
não podia se adaptar e logo cederam com a força das raízes, a força das
coisas animadas.
Logo, tomei parte numa nova classe social que aboliu para sempre as
regras da boa educação, do bom dia e da boa tarde, das mãos lavadas
antes de comer, do pois não, pode falar...estamos escutando as suas justificações...quanto custa isto?....não é teu, não podes pegá-lo...não temos
condições...isto não é digno de um homem!
Virei parte daquilo que a minha professora chamava o ciclo natural das
coisas e entendi realmente, vivendo em primeira pessoa, as regras e a
minha posição na cadeia alimentar: o mais forte come o mais fraco para
sobreviver.
Não era um animal dotado de garras, mas ai de mim, dotado de um fuzil
e de um fidelíssimo cachorro que teve que se readaptar lentamente, à
força, aos tiros; mas que, felizmente, aprendeu a tirar os animais das tocas
e a não fugir mais amedrontado depois do estouro do fuzil.
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Sem perceber, saímos da cidade. Abandonamo-la sem remorsos, mesmo tendo significado tanto para nós. Os dias foram dedicados à busca de outros animais que, muitas vezes, encontrávamos em bandos, em
famílias. Dávamos de cara, tantas vezes, com cachorros que, curiosos,
aproximavam-se de Super e que, muitas vezes, envolviam-no em alguma
brincadeira estranha com farejos e barafundas. Eu era o único animal
sem bando que não podia farejar nenhum semelhante, porém não senti
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a solidão, mas somente uma sensação de irrealidade, de ruptura daquilo
que tinha sempre considerado normal, certo, fixo: uma estranha sensação de loucura. Muitas vezes, sozinho, ria, corria ou deitava-me no chão
sem me perguntar o porquê, sem motivo. Falava com as coisas, com as
árvores, com as minhas mãos, chorava, pedia perdão às pedras mesmo
sem ter feito nada a elas, estava me comportando como o meu irmão
Marko. Talvez fosse louco, mas quem poderia dizê-lo? Super nunca se
escandalizou, nunca se mostrou incomodado e nunca nem mesmo ficou
envergonhado. Agora que, em todo o mundo, não existiam homens, nenhum normal poderia mostrar-me o que era a normalidade e a loucura
tinha perdido o seu significado. Os loucos eram aqueles que destruíam
as coisas e que nos ensinaram a ter medo e vergonha. Os loucos eram os
meus vizinhos que se escondiam atrás das janelas, que tinham esquecido
que nos conhecíamos. Pobres loucos! Tinham esquecido o jogo, tinham
esquecido como era bom passear com um cachorro, tinham esquecido o
quanto era bom amar uma estátua!
Os campesinos do meu povoado diziam que amavam a terra deles,
porque tinham nascido ali, conheciam o odor da terra e sabiam quando
era o tempo de semear e de colher. Meu pai e minha mãe diziam que
tinham crescido como vizinhos de casa, que se casaram cedo e que, com
o tempo, tinham aprendido a amar-se, senão não teriam passado todo
aquele tempo juntos e não teriam tido dois filhos. A minha professora
dizia que se um homem e uma mulher gostam um do outro, se são puros
e se os pais concordam, então, podem amar-se, casar-se e passar o resto
da vida juntos sem frivolidades. Aqui, algo me fujia - além do significado
de pureza e de frivolidades -, estas explicações não correspondiam àquilo
que eu tinha imaginado sobre o amor. Tinha algo a mais.
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Os meus avós jogavam sempre baralho das três às cinco da tarde, em
silêncio, sem dizer uma só palavra; contudo, às vezes, olhavam um para o
outro e sorriam. Então, às cinco, minha avó, sem que meu avô lhe pedisse,
enchia o seu copo de vinho, porque sabia que ele queria. Naquele momento, naqueles gestos reconhecia todo o amor do mundo.
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Meu avô nunca estudou e, provavelmente, nunca nem mesmo leu um
livro, mas um dia disse-me que a primeira vez que tinha visto minha avó
queria virar uma árvore para colocar raízes nos pulmões dela. Eu era
criança, mas sabia que aquele era o famoso amor e a única explicação
adequada para ele.
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Eu encontrei o meu depois de muito tempo. Depois que tinham passado,
talvez, anos naquela Itália sem homens e mulheres. Sentia a barba no meu
rosto e no meu grande companheiro de três patas apareceram alguns
pêlos brancos, quando nos encontramos -depois de ter passado montanhas e rios - numa outra cidade enorme, onde, porém os sinais do tempo
eram mais evidentes por causa de muitas ruínas de alguma civilização
antiga e onde a natureza tinha quase vencido a sua batalha ao som de
ramos e folhas.
Para nos proteger da chuva, entramos no prédio mais próximo. Apareceu-nos uma vila grande e bela próxima a um parque, aliás, uma grande
e bela vila engolida, coberta e escondida por um parque. Mas, entrando,
percebemos que, na verdade, era um grande e belo museu.
Dentro, reinava o mais antigo silêncio e a atmosfera tangível era aquela
de um abandono secular: cada quadro de homem parecia animar-se com
olhares que imploravam atenção e os bustos esculpidos de homens fortes pareciam mostrar uma natural canseira. Poderia ser assustador, mas
não fiquei assustado, porque algo de maior, algo de iluminado estava me
chamando numa outra sala, uma sala meio escondida.
Naquela sala, o meu coração, o meu estômago e os meus braços caíram
ao chão, porque encontrei a mulher mais bela do mundo: uma estátua! E
não tive mais certeza de nada. Não tive certeza de ser um homem, de ser
forte, de estar sozinho e não tive a certeza de estar perante uma estátua.
Não tive certeza se aquilo que estava vendo era feito de pedra ou de
cândida pele. Tive a certeza que aquela esplêndida mulher teria virado na
minha direção uma hora ou outra, teria me olhado surpreendida e teria
escondido o rosto com as mãos, porque estava chorando. Estava em pé,
inclinada para a frente, como para dar um passo: estava coberta somente
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pela metade com um véu; com uma mão no peito, nos seios nús, para
segurar o coração. Olhava para a frente com os olhos tristes e caía-lhe
uma lágrima. Por quê?
Aproximei-me tímido, muito lentamente. Quando estava a poucos
centímetros dela, observei toda a sua beleza e doçura. Observei toda a
sua humanidade. Não podia ser só uma estátua! A sua lágrima perseverava e um pequeno inseto estava caminhando sobre a sua cabeça. Com um
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gesto corajoso, tirei ele dali e então pensei que, talvez, os seus olhos fossem tristes por causa da solidão, por causa do abandono, por todo o pó
que estava sobre o seu corpo e porque, agora, ninguém podia cuidar dela.
Quando a chuva passou, abri as janelas, cortei os ramos que cobriam os
raios de sol e limpei todo o pó dela. Construí a minha cama diante dos
seus pés para não ficar longe dela, para que ela estivesse segura.
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De dia, continuávamos a caçar para poder comer, mas num outro modo,
um pouco distraído. Quando conseguíamos pegar uma presa, não tínhamos mais a curiosidade de explorar, de continuar a andar, de ver, de procurar entender. Tinha somente vontade de voltar para a minha estátua
que me esperava, que precisava de mim.Toda vez, tinha vontade de correr
até ela para ver se ainda estava ali.
Sempre, com maior frequência, abraçava-a e tocava o seu rosto. Percorria com os dedos cada parte do seu corpo para poder recordá-lo, para
poder reconhecê-lo de olhos fechados e, certas vezes, os seus olhos não
pareciam movidos pela tristeza, mas pelo prazer, por uma forte libido.
Assim, beijava-a, acariciava os seus seios, e todas as árvores e o verde fora
do museu - que era a nossa casa - não pareciam simplesmente crescer,
mas pareciam se elevar para pender na nossa direção, pareciam esticar os
dedos para procurar nos alcançar, sem conseguir.
Agora, para deslocar-me, salto ramos, raízes, pedras. Devo pular, escalar
para ver. Todas as folhas tocam o meu rosto; animais astutos, até mesmo microscópicos, atravessam o meu caminho, corajosos e um pouco
mal-educados. Aprendi a fazer pouco barulho quando caminho para não
perturbar, para não ser estúpido.
Às vezes, nesta mata interminável, despontam pedaços de palácio, parede,
cimento, ferro de lampiões. Surgem como gritos que suplicam para não
serem esquecidos, mas o verde os cobre sem piedade. Assim, paro para
observar, fascinado, porque vejo um pedaço de história que está para
desaparecer, devorado pelo tempo. Depois de mim, provavelmente, não
existirá mais ninguém que se lembrará. Mas não importa. Assim é tudo
perfeito, assim existe equilíbrio.
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Todo dia, eu e Super voltaremos para casa depois da caça, ali estará
sempre o meu amor que vai esperar por mim sem se mexer um centímetro sequer.Vai esperar somente por mim e sussurrarei no seu ouvido
e dir-lhe-ei, todo dia, que sou feliz. Falar-lhe-ei das minhas lembranças
como um segredo que ninguém mais poderá ouvir. Falar-lhe-ei de coisas
simpáticas, ridículas. Mas não lhe falarei de guerra, falar-lhe-ei de sonhos.
Contar-lhe-ei que eu queria um sonho, que o encontrei e que o estou
vivendo agora. Contar-lhe-ei do tio Amir, que sabia que, aqui, eu teria
encontrado um sonho.
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Il giorno che spaririono tutti
Versão em italiano
Quando si incominciò a parlare di
guerra pensavo di sapere che cosa
fosse; pensavo a fucili, cannoni e carroarmati; ma una volta che la guerra
iniziò carroarmati non se ne vedevano, in compenso sparì il pullman che
ogni mattina aspettava in piazza per
portare le persone al mercato nei
paesi vicini. Non si vedeva più quasi
nessuno per strada e nessuno dei
miei amici giocava più nel campetto
di pallone.
Io non capivo e mio padre diceva che
era colpa della guerra, così gli domandai che cosa fosse questa guerra: lui
mi rispose che per noi, povera gente
di campagna, la guerra è una cosa
silenziosa che arriva silenziosa.
Papà un po’ aveva ragione, sembrava
che tutti avessero smesso di parlare.
Non si sentiva vociare dalle case
vicine e anche il bar, le panchine della
piazza e tutti i posti di ritrovo si erano silenziosamente svuotati.
In paese avevamo tanti amici di famiglia che spesso venivano da noi o noi
andavamo da loro, alla sera, per parlare un po’e per giocare a carte; ma
da quando c’era la guerra non veniva
più nessuno e papà, ogni tanto, se si
nominavano i vecchi amici di famiglia,
diceva che con quelli era meglio non
parlare più.
La mamma aveva incominciato a vergognarsi, si vergognava per qualsiasi
cosa: aveva smesso di uscire di casa,
non usciva nemmeno per le esigenze.
Una volta, di notte, ero sveglio nel
mio letto e sentii che mamma e papà
si erano messi a discutere nella loro
camera; papà si lamentava del fatto
che la mamma non badasse bene
alla casa e lei diceva che non voleva
più uscire per comprare perché si
vergognava, diceva che noi ormai
eravamo diversi.
Io non ho mai capito, e continuo a
non capire ancora adesso, perché noi,
da un giorno all’altro, eravamo diventati diversi; in realtà non era cambiato
niente, ma fatto sta che la mamma
non andava neanche più a comprare
la carne il sabato per la domenica,
ma con le verdure del nostro piccolo
orto faceva sempre il minestrone con
gran dispiacere mio e di mio fratello.
Il giorno che iniziò la guerra io
avevo tredici anni, mentre mio fratello
Marko era un po’ più grande. Era nato
con qualche problema, il dottore disse
che il problema c’era stato durante il
parto; che nel cervello di Marko per
un po’ era arrivato poco ossigeno,
così Marko era più grande di me, ma
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in realtà era più piccolo perché si
il cielo in lontananza e apparivano, a
comportava come un bambino.
noi che stavamo ad una cinquantina
Io cercavo di imparare i lavori,
di chilometri, come i lampi di un
andavo sempre ad aiutare mio padre
in campagna, mentre Marko rimaneva
a casa con la mamma; molte volte rimaneva fisso a guardare il muro anche
temporale che sta per arrivare. D’ora
in avanti anche chi voleva fare finta di
niente non poteva, il frastuono che
faceva la guerra non lasciava tran-
per tutto il giorno, ma molte volte
quillo nessuno.
parlava senza fermarsi, dicendo parole
I nostri genitori avevano deciso che
confuse ed inventandosi storie incre-
Marko non poteva rimanere con noi
dibili, senza senso, per poi mettersi a
e l’avrebbero mandato in un ospedale
piangere a dirotto.
dove c’erano altre persone come lui;
A me piaceva lo stesso ascoltare Ma-
io non volevo e mi arrabbiai tantissi-
rko perché certi giorni le sue storie
mo, incominciai ad urlare che Marko
erano di una fantasia così incredibile
non era pazzo, che doveva rimanere
che mi facevano morire dal ridere
con noi, che in quel posto Marko
e ridevo senza riuscire a smettere,
sarebbe stato male e che qui io
trascinando nella mia risata Marko e
l’avrei potuto proteggere, avrei anche
certe volte la mamma che, ridendo,
potuto lavorare per mantenerlo, se
metteva una mano nei capelli di mio
c’era bisogno.Ma l’unica risposta che
fratello e diceva: “Marko è un po’ sulla
mi diedero fu che ero ancora troppo
terra ed un po’ sulla Luna”.
piccolo e non potevo capire.
Ma con la guerra nostra madre
Mentre la mamma metteva ordi-
imparò a vergognarsi anche di Marko
natamente nella valigia le poche cose
e delle sue storie; al posto di ridere
che servivano in quell’ospedale e nos-
piangeva, ed al posto di dire che Ma-
tro padre si sistemava bene la cravatta
rko era sulla Luna diceva che Marko
del suo vestito migliore, guardandosi
era pazzo e che aveva bisogno di
mille volte allo specchio per trovare
andare in un posto adatto a lui.
il suo profilo più bello; mio fratello,
Dopo poco la guerra smise di
essere una cosa silenziosa anche per
la gente di campagna; per ventiquattro
ore al giorno si sentivano rimbomba-
anche lui vestito bene, stava immobile
nel cortile con la faccia rivolta al sole,
per godersi la forte luce del mattino
che gli piaceva tanto.
re le cannonate, i mortai ed i colpi di
Poi quando la valigia e nostro padre
mitra; le esplosioni su Sarajevo erano
furono pronti ci sedemmo al tavolo
tanti bagliori bianchi che rischiaravano
e fissammo senza parlare l’orologio;
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verso le dieci nostra madre, piangendo, mi disse: “vai ad abbracciare
tuo fratello”; io lo feci, freddamente
e Marko sembrò non accorgersene,
concentrato com’era sul sole, ma
mentre era già sulla strada, camminando per mano con papà, Marko si girò,
mi guardò e mi sorrise, poi si rigirò e
scoppiò in una fortissima risata finché
non salirono in una macchina e se ne
andarono; mi accorsi che molti dei
nostri vicini stavano guardando la scena da dietro le loro finestre cercando
di non farsi vedere, spiando.
La tristezza e la rabbia mi salirono
sino agli occhi in un pianto che non
riuscivo a controllare, odiai come non
mai il sapore salato delle lacrime sulla
bocca e mi misi a correre più forte
che potevo per farmi levare dall’aria
quelle lacrime dalla bocca .
Corsi forse per un’ora, corsi il più
lontano possibile, nel bosco, anche se
i miei genitori me lo avevano vietato
perché era troppo pericoloso; corsi
tra gli alberi finché le gambe mi ressero, finché caddi esausto sull’erba.
Era tanto che non andavo nel bosco,
di solito ci andavo in momenti come
questi, quando ero troppo arrabbiato
per sopportare qualsiasi persona; nel
bosco c’erano solo alberi ed uccellini
vo sempre creduto di essere lontano
da tutti e tutto, il boato dei bombardamenti copriva qualsiasi altro rumore
portandosi via la vecchia pace.
Quel giorno mi resi conto che qualcosa era finito e qualcosa di nuovo
stava iniziando; ripensai a tutte le
cose che sino a qualche tempo prima
erano normali e che in quel momento
apparivano vecchie e lontane, ripensai
a tutte le persone che avevano
conosciuto, a quanto erano belli i miei
genitori prima che tutto cambiasse, e
ripensai a Marko, a tutte le cose che
faceva, ai suoi vestiti, al suo odore, alle
cose belle di lui ed alla cosa più bella
di tutte: i suoi disegni.
Marko amava disegnare, disegnava
tantissimo, per nostra madre era quasi un sollievo perché Marko disegnava
per ore intere; bastava appoggiare
sul tavolo qualche foglio di carta ed
una matita perché Marko smettesse
di piangere e di dire parole a vanvera
ed incominciasse a disegnare. Così
nostra madre poteva badare alla casa,
poteva controllare che i polli non
uscissero dal cortile, poteva lavare i
nostri vestiti senza dover in continuazione controllare che Marko non
finisse nel fiume o andasse a perdersi
per le strade.
guerra aveva cambiato anche questo,
Nostro padre diceva che Marko
disegnava cose stupide e che sarebbe
stato meglio insegnargli a guardare
le galline e ad urlare se qualcuna si
perché quel giorno anche lì, dove ave-
allontanava troppo.
che facevano la loro vita e canticchiavano regalandomi la pace. Ma la
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Marko disegnava case marroni,
morì qualche mese dopo, d’estate;
alberi secchi, cieli con due o tre soli,
gli fecero un agguato nel bosco e gli
disegnava persone piccole ed alberi o
spararono.
uccelli giganti.
Chissà se quel bosco era uguale a
Una volta, verso Pasqua, ci venne a
quello dove io ero andato a correre,
trovare nostro zio Amir che faceva il
e chissà se prima di finire in quella ag-
soldato e disse a mio fratello di fargli
guato aveva avuto il tempo di sdraiarsi
un bel disegno sulla Pasqua, ma Marko
un po’ sull’erba e di godersi il canto
disegnò due enormi colombe con un
degli uccellini come avrei voluto fare io.
becco lunghissimo e due persone piccole in basso a destra con le mani in
alto e la bocca aperta che sembrava
urlassero. Nostro zio guardò il disegno e sembrò essere un po’ triste;
disse a Marko di tenersi il disegno e
gli domandò perché in alto a sinistra,
di fianco al suo nome, c’erano due
date: mio fratello gli rispose che una
era la data di oggi, ed una era la data
di scadenza.
Marko metteva sempre la data di
scadenza nei suoi disegni. La cosa che
preferiva disegnare erano i fiori; a me
aveva regalato un disegno di un fiore
viola con tantissimi petali e foglie,
anche lì c’era la data di scadenza,
sembrava che il fiore dovesse appassire quel giorno e che Marko sapesse
che tutte le cose hanno il loro tempo
e prima o poi finiscono. A ripensarci
sembrava che Marko sapesse tutto e
ce lo dicesse con i disegni.
Nostro zio quando vide la data di
Nostro zio Amir era il più bravo di
tutti i nostri zii, era sempre contento;
non era un soldato come gli altri che
sembravano sempre seri ed arrabbiati.
Nostro zio era bello, la mamma diceva che aveva un sacco di ammiratrici e
che avrebbe potuto fare il cantante.
Ci veniva a trovare spesso e ogni
volta portava qualche regalo a me e
a Marko; io quando sentivo fischiettare per la strada partivo come un
razzo correndogli incontro: sapevo
che era lo zio, era l’unico allegro che
fischiettava.
Anche la mamma sapeva che poteva
essere solo lui e ogni volta che sentiva fischiettare, anche se era in un’altra
stanza e non vedeva, mi urlava: “guai a
te se ti sporchi i vestiti di fango!”.
Ogni volta gli saltavo in braccio e gli
chiedevo se avesse smesso di fare il
soldato e avesse incominciato a fare
il cantante. Lui mi rispondeva che se
avesse fatto il cantante di questi tempi
scadenza pensò che fosse un ma-
avrebbe guadagnato poco e non ci
laugurio e che forse sarebbe morto
avrebbe potuto portare i regali.
quel giorno; ma non morì quel giorno,
70
Io pensavo che lo zio Amir facesse il
alla sera, forse Marko sarebbe ancora
soldato solo per noi, solo per portarci
con noi a disegnare cose strane, forse
i regali, perché sapevo che ci voleva
avrebbe smesso anche di mettere le
un gran bene.
date di scadenza sui suoi disegni.
Lo zio Amir era stato l’unico a volere
Per la prima volta mi sentii veramen-
che Marko restasse in famiglia e non
te stanco; non ero solo stanco per
andasse in quell’ospedale, sapeva che
la corsa, ero stanco per tutti quei
Marko non era malato, diceva sempre
cambiamenti, ero stanco di vedere
ai miei genitori che non era pazzo,
cambiare le persone, ero stanco per
che non doveva stare lontano ma
tutte le cose che le persone faceva-
doveva rimanere in famiglia.
no. Gli uomini sapevano solo fare un
Diceva sempre che in Italia
gran casino. Solo gli uomini potevano
l’avrebbero curato meglio, che se
fare una cosa così rumorosa come la
fossimo stati in Italia tutti staremmo
guerra.
meglio.
Io volevo vivere senza uomini, volevo
Lo zio Amir era stato da giovane in
che sparissero tutti gli uomini dalla
Italia con una gita organizzata e da
terra!
quando era tornato, nonostante fossero passati parecchi anni, continuava
a parlare dell’Italia come un posto
2
magico, un paese dei sogni. Ogni
tanto, anche in mezzo ai discorsi, si in-
Subito dopo aver pensato questo,
cantava, rimaneva fisso a guardare per
come per magia, terminarono gli
aria con uno strano sorriso, poi sospirando diceva con aria sognante: “ah se
fossimo in Italia...”; ed io curioso: “se
fossimo in Italia cosa?” ; “niente”.
enormi boati che arrivavano da Sarajevo e piano piano gli uccellini tanto
desiderati tornarono a canticchiare,
così che riuscii lentamente a mettere
Quando penso allo zio forse capisco
da parte tutti i ricordi e ad assopir-
cosa voleva dire e gli do ragione.
mi guardando i rami degli alberi che
Se fossimo stati in Italia saremmo
rimasti tutti insieme; forse nostra
si muovevano educatamente con il
vento.
madre sarebbe tornata a ridere, come
Gli alberi mi stavano raccontando
faceva una volta e avrebbe smesso di
qualcosa che non riuscivo a capire ma
vergognarsi per qualsiasi cosa; forse
che suonava come una favola di quelle
nostro padre avrebbe avuto ancora
che si raccontano prima di andare a
degli amici con cui giocare a carte
dormire.
71
Rimasi così, affondato nell’erba ad as-
di minestrone del giorno prima, mi
coltarli, finchè la luce del cielo non si
andai a sdraiare nel letto e vinto dalla
fece rossastra e capii che era arrivata
stanchezza che quella strana giornata
la sera.
mi aveva messo addosso, mi addor-
Con la paura, anzi con la sicurezza
mentai come un sasso.
che i miei genitori fossero molto
La mattina dopo mi svegliai senza che
arrabbiati per la mia scomparsa, corsi
la mamma venisse a tirare le tende
per tornare a casa immaginando la
chiamandomi con la sua voce stanca,
mia punizione, le sgridate e il dolore
senza che Marko urlasse o che papà
dello schiaffo che probabilmente
mi ordinasse di andarlo ad aiutare in
avrei ricevuto. Non mi sorprese che
qualche lavoro che non riusciva a fare
nell’attraversare il paese non incontrai
da solo. Come la precedente, quella
nessuno, tanto ero abituato a vederlo
mattina era splendida di sole ma con
deserto, ma rimasi sbalordito nel
qualcosa in più, anzi con qualcosa
momento in cui misi i piedi e la testa
in meno che la rendeva più bella: i
bassa dentro casa; i miei genitori non
boati dei cannoni continuavano a non
c’erano.
sentirsi. Corsi in cucina ma era vuota,
Pensai che papà poteva non essere
allora corsi nel cortile ma vi trovai
ancora tornato da quell’ospedale,
solo le quattro galline che razzola-
sapevo che era lontano e magari, tro-
vano, come al solito, stupidamente
ppo stanco per tornare, aveva deciso
senza rendersi conto della paura che
di fermarsi a dormire là; non capivo
incominciava ad invadermi perchè
però dove potesse essere andata la
nessuno era tornato. Avevo paura
mamma, visto che non voleva mai
che fosse successo qualche cosa; ero
uscire di casa. La loro assenza non
terrorizzato al pensiero che i miei,
mi preoccupò che per un secondo,
durante la mia assenza, si fossero
perchè il secondo dopo mi venne in
preoccupati a tal punto da venirmi a
mente che forse non si erano accorti
cercare e magari nella ricerca avesse-
della mia lunga assenza e perciò non
ro avuto un incidente.
si sarebbero arrabbiati e non mi
Uscii di casa e andai a cercarli nelle
avrebbero punito.
strade desolate del paese, ma niente;
Li aspettai seduto in una sedia della
allora vinsi la soggezione che la guerra
cucina, poi quando si fece buio ed il
mi insegnò ad avere dei nostri vicini di
mio stomaco cominciò a far rumore
casa ed andai a bussare alla loro porta
di grande fame, mangiai da solo un po’
nella speranza che spiando avessero
72
visto o sentito mamma e papà, ma dei
Quel pomeriggio, quando espressi
nostri vicini non mi venne ad aprire
il desiderio che sparissero gli uomini,
nessuno; andai da altri ed altri ancora
credo che anche il Tempo tirò un lun-
finchè non bussai praticamente a
go sospiro di sollievo, perché tra tutte
tutte le porte del paese senza risul-
le creature che hanno sempre vissuto
tato; il paese era vuoto, tutte le cose
il suo quieto scorrere, adattandosi a
erano state lasciate nel posto del loro
lui e modificando le proprie abitudini
ultimo utilizzo, come se tutti fossero
in base all’effetto che provocava sui
partiti in fretta senza prepararsi, senza
giorni e sugli anni, solo gli uomini
nemmeno ritirare i panni lasciati
avevano dichiarato guerra al Tempo
ad asciugare. Non potevano essere
cercando di scandirlo e classificarlo
venuti tutti a cercare me, dovevano
con orologi, calendari, diete, tinte per
essere partiti per qualcosa di molto
i capelli e cremine per le rughe, ma
più importante.
Tornai a casa ad aspettare, cercando
di nascondere a me stesso il tremendo presentimento che mi batteva
nella testa, il presentimento che
fossero veramente scomparsi tutti gli
uomini del mondo come io avevo desiderato in quel momento di grande
disperazione.
Tornai ad aspettare finchè il minestrone non finì, finchè tutto il poco
cibo dei poveri abitanti del paese finì
e non c’erano più case nelle quali
io potevo entrare, come se fossi il
padrone, per mangiare tutto quello
che era commestibile. Non potevo
più restare nel paese, dovevo cercare
cibo da qualche altra parte, meglio in
città dove sicuramente c’erano dei
frigoriferi che avrebbero conservato i
cibi dalla muffa e da tutto il lavoro che
il Tempo fa su essi.
avevano dimostrato di esserne sempre usciti perdenti, avendo sempre
fretta di arrivare ad un appuntamento
stabilito ad un’ora, morendo di noia
aspettandone un’altra, rattristandosi
al vedersi vecchi e completamente
coperti dai suoi segni, maledicendolo
per tutte le cose che si portava via.
Nessun uomo da quel pomeriggio
poté più sforzarsi per andare contro
il Tempo e lui riuscì finalmente a scorrere libero, a suo libero piacimento,
perché io nonostante sia uomo non
mi sono mai sognato di fargli guerra.
Da quel pomeriggio dormivo quando
ero stanco, mangiavo quando avevo
fame e smisi, soprattutto, di contare
i giorni facendomi così il Tempo un
prezioso alleato, che mi cancellò per
sempre l’ansia, la noia e la fretta, che
mi fece ridere quando mi accorsi che
le mie scarpe erano diventate piccole,
73
i miei pantaloni corti e la mia maglia
Camminai per ore trasognato tra quei
stretta e che spesso mi aiutava, come
palazzi scavalcando le loro macerie
con Super, il mio grande compagno
cadute come bava, e pensando a mio
di avventura, che grazie al Tempo
padre, a quando mi aveva raccontato
imparava ad avere sempre più fiducia
quanto ci aveva messo per costruire
in me e a volermi sempre più bene.
la nostra piccola casa, sottolineando
nel suo racconto il sudore e l’orgoglio
Incontrai Super per caso, quando
che gli faceva venire aggiungere ogni
arrivai a Sarajevo, quando le giornate
singolo mattone. Gli uomini che ave-
ormai si erano allungate e il caldo
vano distrutto questa città probabil-
permetteva di restare in maglietta
mente erano persone malate che non
anche di sera senza il sole.
avevano mai avuto un motivo per cos-
Non so descrivere i sentimenti che mi
truirsi una casa e perciò conoscevano
divorarono nel momento in cui misi
solo l’enorme orgoglio di distruggere
i piedi in quella città, non so se era
e non quello piccolo e semplice di
paura, stupore o rabbia, ma qualsiasi
costruire come mio padre. Camminai
cosa fosse mi fece subito capire che
sempre più felice di aver fatto sparire
la guerra era stata qualcosa di più del
silenzio dei vicini e del minestrone
anche alla domenica.
Quasi tutti i palazzi erano o completamente bruciati o distrutti con
enormi voragini o ricoperti da fori
di proiettili, dietro ogni angolo ne
vedevo di nuovi che sembrava mi
stessero aspettando per mostrarmi le
loro ferite; in molti entrai anche dentro, negli appartamenti. In quelli che
sembravano non colpiti, con ancora le
finestre intatte c’era un forte odore
di chiuso, di sudore, di panni sporchi,
di uomini nascosti per giorni, di paura;
mentre in quelli completamente
tutti gli uomini dalla terra, finché da
una piccola via che si incrociava con
quella che stavo percorrendo, arrivò
un rumore che non poteva essere
causato dal vento ma da qualcuno che
stava grattando contro qualcosa. Mi
arrestai per lo stupore, poi da quella
via uscì rotolando un pallone tutto
malconcio e mezzo sgonfio con subito dietro un cane marrone, talmente
magro da vedergli tutte le costole,
che sorpreso più di me, arrestò la sua
scoordinata corsa e rimase immobile
a guardarmi. Il pallone rotolò sino ad
arrivare ai miei piedi ed io, non volendo interrompere il gioco del cane, gli
diedi un calcio con tutta la mia forza;
devastati l’odore era quello di oggetti
questo volò alto e lontano in direzio-
perduti, di ricordi morti, di fotografie
ne di un piccolo spazio verde, vicino,
bruciate, di nostalgia.
che aveva tutta l’aria di un parchetto
74
ma che sembrava trasformato in fret-
Passai tutta la notte a sorvegliare che
ta in un cimitero. Il cane trovando il
il suo leggero respiro non terminasse,
pallone più interessante di me lo seguì
ma verso il mattino, con mia grande
con la corsa scoordinata di prima ma
sorpresa, quel cane che ormai avevo
come toccò terra, in quel cimitero
dato per morto, aprì gli occhi, cercò
improvvisato, il pallone fece saltare in
senza riuscirci di piegarsi per leccare
aria qualcosa di nascosto, probabil-
le ferite e ricadde addormentato; io
mente una mina. L’esplosione alzò un
ero stupefatto del suo risveglio e
bel po’ di terra, distrusse tre tombe
decisi di chiamare quel cane Super in
vicine, finì di frantumare i vetri di una
onore della sua incredibile resistenza.
palazzina e proiettò in aria il cane che
Ma comunque dovetti passare ancora
atterrò con una zampa posteriore
un bel po’ di notti in ospedale prima
recisa di netto.
di essere sicuro che Super avesse
Dopo essermi ripreso dallo spavento corsi verso il cane che guaiva
disperatamente ma come lo toccai
per tranquillizzarlo mi diede un
forte morso di paura e poi svenne;
lo caricai di peso e corsi in direzione
dell’ospedale ricordandomi di averlo
visto precedentemente. Una volta
arrivato, con il cuore che sembrava
volermi uscire dalla gola, lo misi in un
lavandino e gli lavai la zampa monca
e due tagli sulla schiena che gli avevo
scoperto durante la corsa, poi andai
in cerca di garze e disinfettante che
non furono difficili da trovare, visto
che ogni stanza sembrava attrezzata
solo per quello che stavo facendo
io. Tornai dal cane miracolosamente
ancora vivo, gli versai in abbondanza
lo stesso liquido rosso che mettevano
passato il peggio: aveva una zampa che continuava a sanguinare ed
un’infezione che sembrava aumentare
ogni giorno. Dopodiché quando fui
sicuro che non sarebbe morto ci
trasferimmo in un edificio ancora in
buono stato e con tutti i vetri intatti,
un albergo; dentro era molto bello, in
ogni stanza c’erano macchine fotografiche, telecamere, computer portatili
e telefoni con grosse antenne, tutto
appoggiato lì, come dimenticato; ma
soprattutto c’erano letti puliti e acqua
calda nel bagno; nelle cucine c’era
più cibo di quanto ne avessi visto in
tutta la mia vita, così finalmente riuscii
a mangiare carne e a farla mangiare
anche a Super che grazie a questa
sembrava migliorare più rapidamente.
Nei lunghi giorni in cui Super viveva
a me quando tornavo a casa con le
la sua convalescenza io avevo preso
ginocchia sbucciate, e lo fasciai senza
una delle tante jeep militari rimaste
risparmio di garza.
per la strada e ogni tanto uscivo
75
dall’albergo e andavo a fare pratica
sempre presente. In quel momento
nella guida; dopo averla ammaccata
non c’era più nessuno che ci poteva
per bene sul davanti e rigata sulla
fare del male o addirittura uccidere,
parte destra si poteva dire che avessi
la guerra era finita, ma io capii che in
imparato a guidare, sostituii la jeep
realtà la guerra ci sarebbe sempre sta-
ammaccata con una uguale ma nuova
ta nelle ferite di Super, nei suoi occhi
e la rifornii bene di benzina; mi stavo
languidi, nella sua paura per i rumori
preparando ad un viaggio.
forti e nella sua fatica a ricevere le
Intanto Super riacquistava lentamente
carezze.
le forze, passava sempre più tempo
La sola cosa che potevamo ed aveva-
sveglio e aveva sempre più appetito;
mo voglia di fare era vivere un sogno
le garze che gli mettevo ogni giorno,
ed io conoscevo un solo posto per
si insanguinavano meno e il suo naso
poterlo fare: l’Italia dello zio Amir.
ridiventò umido, segno che l’infezione
stava terminando e con essa la febbre.
Una mattina quando mi svegliai, la
prima cosa che vidi fu Super in piedi
3
sulle sue tre zampe che cercava di
Andammo in Italia senza fretta, senza
improvvisare qualche passo, si accorse
correre e ci gustammo lentamente
che lo stavo guardando con un largo
tutte le cose del viaggio, anche il Mare.
sorriso e percependo la mia felicità
Nonostante io e Super non avessimo
scodinzolò timido per qualche istante,
mai visto il Mare non avevamo nessu-
poi cadde sulla moquette esausto ma
na ansia così fu lui a sorprendere noi
chiaramente soddisfatto lasciandosi
e non noi a trovare lui; ci sorprese
per la prima volta accarezzare sul
impreparati e ci fece piangere com-
muso.
mossi. Se lo avessimo cercato, se aves-
Io e Super, anche se non c’erano
simo saputo che era alla fine di quella
esplosioni e spari, vivevamo in guerra
strada piena di sabbia ci saremmo
perché avevamo imparato che la
preparati, ce lo saremmo immaginati,
guerra non è una cosa che gli uomini
avremmo iniziato a pregustarlo; ma
fanno ma una cosa che gli uomini
invece ci sorprese come un pugno
portano, depongono come se fosse
nello stomaco, il più bel pugno nello
un seme che germoglia e che quando
stomaco che si possa ricevere.
tutti i soldati se ne vanno e la gente
Rimanemmo in quella spiaggia
parla di pace, rimane nei segni e nella
per molti giorni prima di varcare
memoria delle cose, silenziosa ma
definitivamente il confine italiano.
76
Super che ormai riusciva a camminare
controllo e noi le dovevamo schivare
sulle sue tre zampe giocava con il
con cura senza sbatterci contro e
mare, rincorreva le onde ed annusava
andare a far parte di quel cimitero di
l’acqua; voleva annusare anche quello
lamiere e vetri rotti.
che c’era sotto ma tutte le volte gli
entrava solo della grande acqua nel
naso. Io passavo il tempo a bagnarmi,
Finalmente, dopo tutta quella pianura arrivammo in un’immensa città.
a rincorrerlo e a pensare guardando
L’ ultima città in cui eravamo stati era
quell’immenso nulla fatto di acqua.
la città da cui eravamo partiti: Saraje-
Io e Super ripartimmo quando eravamo sazi di tranquillità, stavamo andando in un paese straniero, eravamo
un po’ agitati, dovevamo fare scorta di
quella tranquillità.
vo; anche in questa come a Sarajevo
ad aspettarci c’erano enormi palazzi
ma questi erano puliti, nuovi, brillanti,
molti erano di vetro o di ferro, nessuno era bruciato, nessuno parlava di
distruzione, non soffrivano di certo
In Italia la prima cosa che vedem-
ma non erano per niente felici. Dopo
mo furono grandi ed enormi strade,
la scomparsa degli uomini, sicuramen-
tutte pulite ed asfaltate, anche quelle
te, non si sentivano liberati, ma inutili,
apparentemente più stupide; e poi
grosse cose inutili piene di cose inutili
prati e campi, chilometri e chilometri
che assistevano inermi al passaggio
di campi coltivati, interrotti ogni tanto
dell’ultimo uomo nel mondo con una
da qualche paesino piccolo ma ben
specie di sguardo malinconico .
tenuto o da qualche capannone o
fabbrica che ancora fumava. Ovunque
c’erano cartelli che indicavano i nomi
dei paesini o le vie, ovviamente, in
Italiano, una lingua che non conoscevamo ma che non avevamo bisogno di
imparare.
Nei nostri chilometri procedem-
Nel centro della città dovemmo
abbandonare la jeep e proseguire a
piedi perché il groviglio di macchine
impazzite senza padrone era così
enorme che non avrei avuto il tempo
in tutta la vita per spostarle tutte.
Tirava un vento delicato ma abbas-
mo lentamente, non per scelta ma
tanza forte da produrre un rumore
perché tutte le strade erano piene di
di vuoto quando passava vicino ai
macchine accatastate nei fossi, ferme
palazzi. Il vento portava foglie e
in mezzo alla strada o aggrovigliate
molte cartacce, a volte portava fogli
in enormi tamponamenti senza feriti;
di giornali scritti con la stessa lingua
tutte le macchine in corsa erano state
incomprensibile dei cartelli ma con
abbandonate all’improvviso senza
molte immagini di uomini importanti
77
vestiti bene e a volte immagini di
C’erano bar , ristoranti e pasticcerie
soldati, di uomini che sparavano, foto
piene di cose buone che aspettavano
di una città distrutta con un titolo
solo le nostre inesperte bocche e
piccolo in cui riconoscevo solo la
così passammo la giornata saltando
parola Sarajevo.
tra oggetti morbidi, giocattoli e buoni
Non ero mai stato in un parco
divertimenti, non sapevo come
fosse, nel mio paese veniva una
volta all’anno una giostra dove tutti
i ragazzi si accalcavano per divertirsi,
e bastava la musichetta ripetitiva tipo
carillon della giostra per fare impazzire di risate i bambini e anche i grandi,
che cercavano di nasconderlo, ma
dopo il lavoro passavano ore intere
dolci, finché davanti ad un grande negozio mi arrestai: era completamente
ricoperto da immagini di bei uomini
e belle donne felici che ridevano, vestiti bene, spensierati, probabilmente
erano questi gli abitanti di questa città
prima che sparissero, probabilmente
qui erano tutti felici, forse non si meritavano di sparire; poi mi si affiancò
Super con il fiatone, mi annusò una
mano ed io lo guardai, i suoi occhi
davanti alla giostra, attratti dalle luci.
erano una domanda: “perché non con-
Penso che il centro di quella città si
tinuiamo a giocare?”, guardai la zampa
avvicinasse molto all’idea che mi ero
mancante di Super e le sue cicatrici
fatto di un vero parco dei divertimen-
dietro alla schiena così che le immagi-
ti: era tutto bellissimo, in tutte le vie
ni degli uomini felici si trasformarono
c’erano grosse vetrine illuminate con
e non mi sembrarono più sorrisi
oggetti che non avevo mai visto, che
quelli che avevano ma dei ghigni, delle
non sapevo nemmeno a cosa servis-
beffe. Perché anche i miei genitori non
sero e che potevano essere oggetti
potevano avere quei vestiti? perché
magici. Anche le case erano bellissime e strapiene di cose; io e Super
solo adesso che non c’e’ nessuno io
ho potuto mangiare per la prima volta
entravamo ovunque con una curiosità
quei buonissimi dolci?
insaziabile e toccavamo tutto, pro-
Avrei voluto che per un attimo fos-
vavamo a fare funzionare ogni cosa,
sero ricomparsi tutti e fossero venuti
correvamo di vetrina in vetrina per
da me giusto il tempo di fargli vedere
far domande ad ogni oggetto inani-
Super e domandargli se sapevano
mato ed immobile che non ci forniva
perché lo zio Amir era morto nel
risposte e che noi trasformavamo in
bosco. Era logico che sapevano, avevo
giocattolo con la logica dettata dalla
visto i giornali con le foto della guerra
fantasia.
e probabilmente loro sarebbero
78
ritornati con lo stesso sorriso di
in quello che sembrava l’interno della
beffa, e sarebbero stati troppi perché
casa ed un carretto di fieno con un
riuscissero ad ascoltare un raga-
forcone in quella specie di campagna
zzino e a vedere un cane mutilato.
al chiuso. Sapevo che non poteva
D’improvviso provai l’impulso di rac-
che essere un teatro ma rimandai la
cogliere un sasso e scagliarlo contro
curiosità di esplorare quello strano
la vetrina, ma mentre lo cercavo con
luogo all’ indomani. Mi misi sul letto,
rabbia per terra notai che Super si
era andato a nascondere dietro ad un
pilastro poco distante e mi guardava
con aria spaventata, mi fermai, lo guar-
chiamai Super che arrivò con aria
buffamente sbalordita ed insieme
crollammo in un pesantissimo sonno.
dai di nuovo negli occhi, guardai la sua
Al mio risveglio Super stava facendo
zampa mancante e le ferite ma questa
la pipì sul fieno del carretto ed io che
volta provai solo un fiotto di dolcezza
da dentro la casa senza pareti lo po-
e mi calmai, anzi mi scusai con Super.
tevo vedere non mi sentii di sgridarlo
Verso sera eravamo stravolti, era
stata una giornata veramente piena,
mi sentivo pieno come non mai di
ogni cosa, anche di responsabilità che
non mi riguardavano; ci mettemmo
a riposare seduti sui gradini di un
bell’ edificio e rimanemmo silenziosi
ad ascoltare lo stesso rumore del
vento di quando arrivammo. Quando
si fece buio entrammo nell’edificio
per dormire. L’interno era enorme,
perché in fondo la pipi l’aveva fatta
fuori; poi scese dal palco e si mise
ad annusare tutte le poltroncine che
evidentemente odoravano ancora di
uomo, mentre io mi inoltrai per gli
spazi dietro al palco all’oscuro di tutte
le poltroncine e, meraviglia, entrai in
una stanza dove tutto la gente di tutta
la storia sembrava fosse entrata, si
fosse spogliata ed fosse scappata via
nuda, lasciando i propri indumenti.
direi maestoso, c’erano centinaia di
Appesi ovunque non c’erano solo
poltroncine, anche sopra a piu’ piani,
vestiti di contadini e signorotti di una
tutte rivolte verso un grande palco
campagna di qualche tempo fa, ma
illuminato, dove era ricostruito un
c’erano anche armature da cavaliere,
angolo di un paese in campagna ma
vestiti da re, regine e principi, costumi
strano perché per metà sembrava
da astronauta, da ballerine, da gnomi
l’interno di una casa e l’altra metà
e fate, c’erano spade, corone, pistole
una via che si perdeva in un paesaggio
finte, scudi, lance e i più svariati og-
dipinto su un telo gigantesco. Non
getti usati dalla notte dei tempi sino
c’erano muri ma un letto ed un tavolo
al futuro.
79
Mi spogliai di tutta fretta dei vestiti
rie, ogni giorno eravamo re, principi,
malconci e ormai piccoli che indos-
operai, pompieri, guerrieri o esplo-
savo dalla partenza ed indossai delle
ratori spaziali mandati in missione e
calzamaglie azzurre da bel principe,
dispersi in una galassia sconosciuta;
un tutu da ballerina, un corpetto da
tutto era il palcoscenico delle nostre
cavaliere ed un casco da astronauta; in
incredibili avventure .
mano presi una spada ed un elmetto
da vichingo con le corna da legare in
testa a Super che però, quando mi
vide tutto entusiasta correre verso di
lui conciato cosi,’ fece un salto dalla
paura e mi ringhiò contro; mi dovetti
togliere il casco per farmi riconoscere, allora Super si tranquillizzò e
venne da me, io lo inseguii fingendo
di essere un qualche eroe che lottava
con un qualche nemico e Super stette
al gioco. A volte io inseguivo lui ed a
Poi una sera mentre Super trascinava con i denti una scopa rotta ed io
ero vestito da capitano di una nave,
tutte le luci si spensero all’improvviso.
Sparì come in un sogno quell’enorme
parco dei divertimenti, l’elettricità ci
abbandonò, così, senza preavviso e
noi capimmo al volo che avremmo
dovuto abbandonare quella galassia
lontana e fare ritorno ad un universo
più reale che e’ la sopravvivenza .
volte lui inseguiva me ed anche se
Ritornammo al teatro con non poche
non volle mai saperne del suo elmet-
difficoltà a causa del buio e avemmo
to da quel momento iniziò un nuovo
problemi anche la mattina seguente
mondo che durò per molto tempo,
perché nel teatro non c’erano finestre
un mondo che non aveva pensieri se
ed il buio perseverava; raccolsi un po’
non quello del giocare e di essere
di vestiti e di corazze e spade a cui mi
tutto quello che nella fantasia avrem-
ero affezionato ed uscimmo dal teatro
mo sempre voluto essere , un mondo
un po’ tristi. Attorno a noi comparve
dove anche Super scoprì un’infanzia di
una città che non riconoscevamo,
bambino che non aveva mai conosciu-
ci accorgemmo per la prima volta
to, che non aveva ne limiti ne spazi.
che mentre noi giocavamo, vivendo
Facemmo di quel teatro la nostra
in quel mondo lontano di fantasia, la
base ed addobbammo la casa senza
natura si stava riconciliando con la
pareti e la via di campagna con quadri,
città o meglio si stava riprendendo, e
vestiti, armi finte e tanti di quegli og-
nemmeno discretamente, i suoi spazi.
getti che vedevamo nelle vetrine, che
Le aiuole avevano evaso il loro spazio
non sapevamo cos’erano ma che lo
definito dagli uomini , molte finestre
stesso ci piacevano tanto. Giravamo
erano aperte e ne uscivano piante
tutta la città per vivere le nostre sto-
che pendevano fino quasi a terra o
80
che si inerpicavano per i cornicioni e
Presto presi parte ad una nuova
l’asfalto era rigonfio di nuove radici e
classe sociale che abolì per sempre
nuovi alberelli. Quel verde che sino ad
le regole della buona educazione, del
ora per noi era una giungla fantastica,
buon giorno e buona sera, delle mani
piena di tigri e leoni, ora era solo il
pulite prima di mangiare, del prego mi
segno di un inesorabile e potentissi-
dica pure… sentiamo le sue ragioni…
mo cambiamento a cui noi potevamo
quanto costa questo?…. non e’ tuo,
assistere non come protagonisti, ma
non lo puoi prendere… non ce lo
solo come piccoli spettatori. Ogni fri-
possiamo permettere…. questo non
gorifero e congelatore aveva smesso
e’ degno di un uomo!.
di regalarci sicurezza perché presto
Diventai parte di quello che la mia
ogni cibo sarebbe andato a male e
marcito, adesso avremmo dovuto
veramente sopravvivere.
maestra chiamava il ciclo naturale
delle cose e capii veramente, vivendo
in prima persona le regole e la mia
posizione nella catena alimentare:
il più forte mangia il più debole per
4
Nel tempo la città si confuse con
la campagna che evidentemente
sino a quel momento si era tenuta in disparte e che ora lanciava le
sopravvivere.
Ero un animale non dotato di artigli,
ma ahimè, di un fucile e di un fedelissimo cane che si dovette per forza
riadattare lentamente agli spari ma
che per fortuna imparò a stanare gli
sue braccia sino al centro facendo
animali e a non fuggire più impaurito
sfondare l’antico confine ai prati,
dopo lo scoppio del fucile.
ai cinghiali, ai fagiani e a tutti quegli
animali a cui fino ad allora era stata
preclusa l’entrata in un territorio che
centinaia di anni prima apparteneva
loro. Le strade avevano perso la loro
prepotenza e si sforzavano inutilmente di assomigliare a qualche tipo di
serpente per non essere ingoiate, ma
la loro materia, il loro cemento non
poteva muoversi, non poteva adattarsi
e presto cedettero sotto la forza delle radici, la forza delle cose animate.
Uscimmo senza accorgercene
dalla città, la abbandonammo senza
rimpianti anche se aveva significato
tanto per noi. I giorni erano dedicati
alla ricerca di altri animali che spesso
incontravamo in branchi, in famiglie;
ci imbattevamo sovente anche in cani
che si avvicinavano curiosi a Super e
che molte volte lo coinvolgevano in
qualche strano gioco di annusate e
arruffamenti, io ero l’unico animale
senza branco che non poteva annusa81
re nessun simile, ma non avvertii mai
dicevano che erano cresciuti vicini di
la solitudine, piuttosto un senso di ir-
casa, che si erano sposati giovani e col
realtà, di distacco da quello che avevo
tempo avevano imparato ad amarsi,
sempre creduto normale, sicuro, fisso:
se no non sarebbero rimasti insieme
uno strano senso di follia. Spesso, da
tutto quel tempo e non avrebbero
solo ridevo, correvo o mi sdraiavo
avuto due figli: la mia maestra diceva
per terra senza chiedermi perché,
che un uomo ed una donna se si
senza motivo, parlavo con le cose, con
piacciono, se sono puri e se i genitori
gli alberi, con le mie mani, piangevo,
sono d’accordo, allora si possono
chiedevo perdono ai sassi anche
amare, sposare e passare il resto della
senza aver recato loro nessun torto,
vita insieme senza frivolezze. Qui
mi stavo comportando come mio
qualcosa mi sfuggiva, a parte il signi-
fratello Marko, forse ero pazzo, ma
ficato di purezza e frivolezze, queste
chi poteva dirlo? Super non si e’ mai
spiegazioni non riguardavano quello
scandalizzato, non si e’ mai dimostra-
che mi immaginavo dell’amore, c’era
to a disagio ne’ tantomeno si e’ mai
qualcos’altro.
vergognato. Ora che in tutto il mondo
non c’erano uomini, nessun normale
poteva farmi vedere che cos’era la
normalità, e la follia aveva perso il suo
senso, i pazzi erano quelli che distruggevano le cose e ci avevano insegnato
la paura e la vergogna, i pazzi erano i
miei vicini che si nascondevano dietro
alle finestre, che avevano dimenticato
di conoscerci. Poveri pazzi! Avevano
dimenticato il gioco, avevano dimenticato quanto e’ bello andare in giro
con un cane, avevano dimenticato
quanto e’ bello amare una statua!
I contadini del mio paese dicevano
I miei nonni giocavano sempre a carte dalle tre alle cinque del pomeriggio,
in silenzio senza dirsi una parola, ma
ogni tanto si guardavano e sorridevano, poi alle cinque mia nonna, senza
che mio nonno glielo chiedesse, gli
versava un bicchiere di vino perché
sapeva che ne aveva voglia: in quel
momento vedevo tutto l’amore del
mondo, in quei gesti.
Mio nonno non aveva mai studiato
e probabilmente nemmeno mai letto
un libro ma un giorno mi disse che
la prima volta che aveva visto mia
nonna voleva diventare un albero per
di amare la loro terra perché ci erano
mettere radici nei suoi polmoni; io
nati, conoscevano il loro odore e
ero piccolo ma sapevo che quello era
sapevano quando era il tempo della
il famoso amore e l’unica spiegazione
semina e del raccolto, i miei genitori
che se ne potesse dare.
82
Io trovai il mio dopo molto tempo,
di niente; non fui più sicuro di essere
dopo che erano passati forse anni
uomo, di essere forte e di essere solo,
in quell’Italia senza uomini e donne;
e poi non fui sicuro di essere davanti
sentivo la barba sul mio viso ed al
ad una statua, non fui sicuro che
mio grande compagno a tre zampe
quello che stavo vedendo era fatto di
comparve qualche pelo bianco quan-
pietra e non di candida pelle, fui certo
do ci trovammo, dopo aver passato
che quella splendida donna si sarebbe
montagne e fiumi, in un’altra enorme
girata verso di me da un momento all’
città, dove però i segni del tempo
altro, mi avrebbe guardato stupita e
erano più evidenti a causa di molte
si sarebbe nascosta il viso tra le mani
rovine di una qualche civiltà antica, e
perché stava piangendo.
dove la natura aveva quasi vinto la sua
battaglia a suon di rami e foglie.
Per ripararci dalla pioggia entrammo
nel più vicino edificio: ci parve una
grande e bella villa vicino ad un parco,
anzi, una grande e bella villa ingoiata,
coperta e nascosta da un parco; ma
entrati ci accorgemmo che in realtà
era un grande e bel museo.
Dentro regnava il più antico silenzio e
l’atmosfera tangibile era quella di un
secolare abbandono: ogni quadro di
uomo sembrava animarsi di sguardi
Era in piedi, protesa in avanti, come
in un passo: era coperta solo per
metà da un velo, si teneva una mano
sul petto, sui seni nudi, per sorreggersi il cuore, guardava avanti con gli
occhi tristi e su una sua aveva una
lacrima, perché ?
Mi avvicinai timido, molto lentamente, quando fui a pochi centimetri
guardai tutta la sua bellezza e la sua
dolcezza, guardai tutta la sua umanità,
non poteva essere solo una statua!
imploranti di attenzione e i busti scol-
La sua lacrima perseverava e un
piti di forti uomini sembrava mostras-
piccolo insetto le stava camminando
sero ora la loro naturale stanchezza;
sopra la testa, con un gesto corag-
poteva essere spaventoso, ma non ne
gioso glielo levai e allora pensai che
fui spaventato perché qualcosa di più
forse i suoi occhi erano tristi per
grande, qualcosa di luminoso mi stava
la solitudine, per l’abbandono, per
chiamando da un’altra sala, una sala un
tutta la polvere che c’era sopra il suo
po’ più nascosta.
corpo e perché ora nessuno poteva
In quella sala mi caddero il cuore, lo
badare a lei.
stomaco e le braccia per terra perché
Finita la pioggia aprii le finestre, tagliai
incontrai la donna più bella del mon-
i rami che oscuravano i raggi del sole
do: una statua! E non fui più sicuro
e la ripulii dalla polvere. Costruii il
83
mio letto ai suoi piedi per non esserle
da, coraggiosi e un po’ maleducati. Ho
mai lontano, perché lei stesse sicura.
imparato a fare poco rumore quando
Di giorno continuavamo a cacciare
per poter mangiare, ma in un altro
modo, un po’ distratto;
come riuscivamo a prendere una
preda non c’era più la curiosità di
esplorare, di continuare a camminare,
di vedere, di cercare di capire, c’era
cammino per non disturbare, per non
essere stupido.
Ogni tanto, in questo interminabile
bosco, spuntano pezzi di palazzo,
muro, cemento, ferro di lampioni,
saltano fuori come urli a supplicare di non essere dimenticati ma il
verde li copre senza pietà; così io mi
solo la voglia di tornare dalla mia
fermo a guardare affascinato perché
statua che mi aspettava, che aveva
vedo un pezzo di storia che sta per
bisogno di me. C’era ogni volta la
scomparire mangiata dal tempo, dopo
voglia di correre da lei per vedere che
di me probabilmente non ci sarà
ancora era lì.
più nessuno che ricorderà ma non
Sempre più spesso la abbracciavo
e le toccavo il viso, passavo un dito
in ogni punto del suo corpo per impararlo a memoria, per riconoscerlo
anche ad occhi chiusi, e certe volte i
suoi occhi parevano non mossi dalla
tristezza ma dal piacere, da una forte
libidine; così la baciavo, le accarezzavo
i seni e tutti gli alberi e il verde fuori
dal museo, che ora e’ la nostra casa,
non sembravano crescere semplicemente, ma sembravano crescere per
protendersi verso di noi, sembravano
tendere le dita per cercare di raggiungerci senza riuscirci.
Ora per spostarmi scavalco rami,
radici, sassi; devo saltare, arrampicarmi per vedere, tutte le foglie mi
toccano la faccia; astuti animali, anche
microscopici, mi attraversano la stra84
importa così e’ tutto perfetto, così
c’e’ equilibrio.
Ogni giorno Io e Super torneremo a
casa dopo la caccia, lì ci sarà sempre il mio amore che mi aspetterà
senza essersi mossa di un centimetro,
aspetterà solo me ed io le parlerò
nelle orecchie e le dirò ogni giorno
che sono felice, le parlerò dei miei
ricordi come di un segreto che
nessun altro può ascoltare, le parlerò
di cose simpatiche, ridicole; ma non le
parlerò della guerra, le parlerò solo
dei sogni, le racconterò che io volevo
un sogno, che lo ho trovato ed ora lo
sto vivendo. Le racconterò dello zio
Amir che sapeva che qui avrei trovato
un sogno.
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