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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA CARPE DIEM: RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI São Paulo 2009 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA CARPE DIEM: RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Orientador: Profº Dr. Martin Cezar Feijó São Paulo 2009 S586c Silva, Neemias Oliveira da. Carpe Diem: Rituais Cotidianos no Satyricon – Petrônio e Fellini / Neemias Oliveira da Silva – 2009. 271 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009. Orientadora: Profº Dr. Martin Cezar Feijó Bibliografia: f. 138 - 150. 1. Satyricon. 2. Frederico Fellini. 3. Cinema. 4. História. 5. Literatura. I. Título. CDD 791.4 NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA CARPE DIEM: RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Aprovado em BANCA EXAMINADORA Profº Dr. Martin Cezar Feijó- Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie Profª Drª. Márcia Angelita Tiburi Universidade Presbiteriana Mackenzie Profº. Dr. Ronaldo Entler Universidade Estadual de Campinas Aos meus pais, Nadir Alves da Silva e Valdomiro Oliveira da Silva. Ao meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó. AGRADECIMENTOS A primeira palavra de gratidão vai para aqueles que se mantiveram firmes e presentes em momentos que ora sucumbi. Aos meus pais Valdomiro Oliveira da Silva e Nadir Alves da Silva pelo apoio e amor incondicional. Ao meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó, sempre presente e atuante ao me conduzir pelo caminho da pesquisa. Sem seu olhar, por vezes crítico, seria difícil o caminhar. Sou grato pelo seu cuidado, apoio, atenção e respeito pela minha forma de pensar. Aos professores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, Arte e História da Cultura pela formação Interdisciplinar singular. São eles: Prof. Drª Jane de Almeida, Prof. Dr. Martin Cezar Feijó, Prof. Dr. Marcos Masetto, Prof. Dr. Paulo Monteiro, Prof. Drª Petra Sanchez Sanchez, Prof. Dr. Wilton Luiz Azevedo, Prof. Dr. Sérgio Bairon, Prof. Dr. Norberto Stori, Prof. Dr. Marcos Rizolli e o Prof. Dr. Arnaldo Daraya Contier. Aos membros da banca de qualificação e defesa pública pelas considerações no presente estudo. As observações e os apontamentos foram essenciais para o desenvolvimento deste estudo. Sou grato a Prof. Drª Sandra de Cássia Araújo Pelegrini (Universidade Estadual de Maringá – UEM) pelo carinho e apoio, a Prof. Drª Maria Aparecida de Aquino e o meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó e ao Prof. Dr. Ronaldo Entler e a Prof. Drª Márcia Tiburi. Ao Prof. Dr. Michel Marie (Universidade de Paris III – Sorbonne) e ao Prof. Dr. Fernão Ramos (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP) por terem me aceitado como aluno especial no Programa de Pós-Graduação em Multimeios. Ao Prof. Dr. Ronaldo Marin e ao Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara pelo apoio e participação no Programa de Pós-Graduação em Multimeios – UNICAMP. À Prof. Drª Renata Senna Garrafoni da Universidade Federal do Paraná (UFPR) pelo envio de artigos e periódicos inéditos, que muito contribuíram para o enriquecimento desta pesquisa. Seus estudos acadêmicos serviram de inspiração para o desenvolvimento desta pesquisa. À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e a CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), que possibilitou o financiamento desta pesquisa. Em especial a comissão responsável pelo Programa de Bolsa Mestrado da Diretoria de Ensino Campinas Oeste, representada pela Corinta, Neusa Fassani e Silvana (in memorian), que acompanharam e auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa. Ao MACKPESQUISA que financiou os estudos na Fundação Federico Fellini em Rimini – Itália. Ao Guiseppe Ricci, arquivista da Fundação Federico Fellini pela recepção calorosa em Rimini. Aos amigos de Portugal, Espanha, Bolívia, Peru, República Dominicana e Argentina que compartilharam comigo momentos inesquecíveis em Roma – Itália. À “República Chinatown”, minha família em Campinas, agradeço aos amigos e físicos, o Prof. Ms. Pedro Alves da Silva Autreto (UNICAMP), pelas sugestões e incentivos nesta pesquisa, o Prof. Ms. Éder Arnedo Perassa (UNICAMP), pela leitura, o incentivo e a revisão, ao amigo e economista, Bráulio Amais Bracero (UNICAMP), pelo apoio, leitura e revisão, e ao jornalista Júnior Milério (PUC Campinas), pela leitura e crítica. A todos vocês sou muito grato pela paciência e consideração nestes três anos de convivência. Aos Profissionais de Educação que fizeram e fazem parte da minha vida na Escola Estadual Padre Antônio Móbile (Campinas), são eles: Hélio Rocha, Ignês Capellari, Leandro, Maria do Carmo, Nair, Marilza, Sônia, Telma Regina, Valéria, Maria Tomázia, Valdir Paranhos, Antônia (Toninha), Alexandra, Flôr, Lucas Lemos, Lara Molina Pampulini, Silvana Ferreira, Lúcia Rodrigues Faria, Lúcia Helena, Marta Maria, Marta, Jane, Sofia, Andréia, Carlos Henrique, Gilmar (Gil), Érica Ap. Tamburus, Bernadete, Felipe, Deuzani, Vitor, Silvia, Fátima, Paulo, Adriano, Márcia, Dailva, Rosely, Mônica, Luciano Carlo Pereira Neto, Sandra Regina Braga, Vânia Rocha, Aparecida (Cidinha), Leonice Silva, Carlito F. da Silva, Sandra e a amiga Aldemara Pagani. A todos estes sou muito grato pelo apoio, bem como aqueles da qual não citei, provável injustiça de minha parte, a estes peço desculpas. Assim, os nomes citados representam colegas, companheiros e funcionários que tive o privilégio de conviver nestes quatro anos de funcionalismo público na carreira como docente. A todos os meus alunos, bem como as Professoras Maria Isabel Baptistão e Renata Basso, pelo carinho, atenção e o constante apoio na jornada acadêmica. Aos amigos eternos que me acompanharam desde a graduação, o Prof. Ms. Leandro Brunelo (Universidade Estadual de Maringá – UEM) e a Prof. Ms. Cláudia Maria Gusson (Universidade de São Paulo – USP), bem como a Prof. e amiga Josineide Alves da Silva e ao amigo Gilberto Robson Santana. A vocês sou muito grato por tudo o que fizeram por mim, sem vocês a vida acadêmica seria bem mais difícil de ser trilhada. A todos os amigos do curso de mestrado, turma do primeiro semestre de 2007, em especial a Design Júlia Stateri e ao Pedagogo Thiago Carvalho Barbosa, que sempre estiveram presentes e atuantes nesta etapa de minha vida. Aos membros do grupo de pesquisa Moderno/Contemporâneo: Culturas e Educação da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM. Às amigas, Carol Boari, Carolina Franco e Zane pelas dicas e orientações no decorrer do curso. A todos os amigos do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (APEOESP), em especial, Suely Fátima (diretora Estadual), Nely (Nelinha), Luciana (Lú), Daniela Caetano e a historiadora Kátia. Aos professores do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá – UEM, que contribuíram para minha formação acadêmica. À amiga e advogada Drª Damaris Moura Kuo. Aos Professores João Carlos de Oliveira e Luzia Brígida de Oliveira D‟Avila pelo constante apoio em cursar o mestrado. Agradeço também a todos os meus amigos de Alto Piquiri (PR), Maringá (PR), Campinas (SP) e São Paulo (SP). Aos meus tios Irassi Sossai e José de Oliveira pelo constante apoio em seguir a carreira acadêmica. Ao Prof. Igor Alexandre Capelatto, pelas aulas de Cinema. À Profª. Ms. Daniella Basso pelos apontamentos, correção e revisão. A todos os professores, amigos e familiares. E a você leitor desta dissertação, muito obrigado! Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibifinem di dederint, Leuconoe, nec Babyloniostemptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati. Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invidaaetas: carpe diem quam minimum credula postero. (HORÁCIO, Odes – I, 11.8, 65 – 8 a.C) Não pergunte, saber é proibido, o fim que os deuses darão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia não brinque. É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho. Se muitos invernos Jupiter te dará ou se este é o último, que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã. (HORÁCIO, Odes – I, 11.8, 65 – 8 a.C)Trad: Prof. Dr. Paulo Martins – FFLCH/DLCV/USP RESUMO Este estudo tem por objetivo traçar uma discussão sobre os rituais cotidianos inseridos na obra fílmica o Satyricon de Federico Fellini. Este trabalho compreende o ritual, no latim ritualis, como um conjunto de práticas do homem, repleta de valores simbólicos aos quais foram recriadas e incorporadas pela indústria cinematográfica. Portanto, a análise da obra fílmica será baseada na obra literária Satyricon de Petronius escrita no século I d.C. A ponte para compreender dois mundos, do Clássico ao contemporâneo, é o foco no diretor e produtor do filme: Federico Fellini. As festas populares, a dança, o misticismo, a religião são expressões humanas que servem de mediação das tradições culturais de um determinado grupo social e que passou a se integrar na linguagem cinematográfica. Nessa perspectiva, nós buscamos mapear os rituais cotidianos e as representações dos indivíduos inseridos em seu próprio tempo e espaço. Desta forma, a metodologia usada para analisar o filme e a obra literária será baseada na leitura do material bibliográfico. Através da análise da obra fílmica Satyricon de Federico Fellini, nós analisaremos o quanto da Filosofia de Epicuro do Carpe Diem está inserida nos rituais cotidianos e como a indústria cinematográfica usa a linguagem ritualística. Palavras-Chave: Satyricon, Federico Fellini, Cinema, História, Literatura, Ritual, Símbolo. ABSTRACT This study aims to map out a discussion about the daily ritual inserted on the filmic work Satyricon of Federico Felini. This work includes the ritual, in latin "ritualis", as a set of practices of man, replete of symbolic values which have been recreated and incorporated by the film industry. Therefore the analysis of filmic work will be based on Satyricon of Petronius literary work which was written in the first century AD. The bridge to understand two separate worlds, the contemporary and the classic, is the focus on director and producer of movie: Federico Fellini. The popular festivals, the dance, the mysticism, the religion are human expressions that are used for mediation in cultural traditions of a particular social group and that began to integrate itself in the film language. From this perspective, we try to map the daily rituals and representations of individuals which are include on own time and space. In this way, the methodology used to analyse the movie and literary work will be based in the reading of the bibliographic material. Through of the analysis of the filmic work Satyricon of Federico Fellini, we will examine how far the Epicuru's philosophy of Carpe Diem is inserted in daily rituals and how the film industry uses the ceremonial language. Key Words: Satyricon, Federico Fellini, Movies, History, Literature, Ritual, Simbol. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Cena do Satyricon – despedida............................................................ 115 Figura 2 Cena do Satyricon – despedida (2)....................................................... 115 Figura 3 Cena do Satyricon – despedida (3)....................................................... 116 Figura 4 Cena do Satyricon – despedida (4)....................................................... 118 Figura 5 A morte de dois patrícius....................................................................... 122 Figura 6 Veias abertas........................................................................................ 123 Figura 7 Rito de preparação para a morte.......................................................... 124 Figura 8 No Templo, guardiões de Hermafrodite................................................ 125 Figura 9 Torre de Babel – Insulae....................................................................... 129 Figura 10 Jardim dos prazeres.............................................................................. 130 Figura 11 O Banquete de Trimalquião.................................................................. 133 SUMÁRIO PRÓLOGO............................................................................................ 13 INTRODUÇÃO...................................................................................... 20 1 AS FONTES: PETRÔNIO E FELLINI.................................................. 49 1.1 O SATYRICON DE PETRÔNIO........................................................... 49 1.2 O SATYRICON DE FEDERICO FELLINI............................................. 69 1.3 APONTAMENTOS SOBRE A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA........... 91 1.4 CARPE DIEM E O HEDONISMO EM EPICURO................................. 102 2 UM OLHAR SOBRE OS RITUAIS DO SATYRICON.......................... 108 2.1 UMA DEFINIÇÃO DE RITUAL............................................................. 108 2.2 AS CENAS........................................................................................... 111 2.2.1 Rituais do Sagrado............................................................................. 112 2.2.2 Encontrando os rituais...................................................................... 115 2.2.3 Rituais do Profano............................................................................. 127 2.2.4 Rituais Festivos.................................................................................. 131 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 135 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 138 ANEXOS............................................................................................... 151 PRÓLOGO Vós que entrais no inferno das imagens perdei toda a esperança. (Abel Grance) Ao dar início a este estudo fui tomado por muitos questionamentos. Questões estas que se apresentavam frente aos diversos estudos já realizados pela historiografia sobre o conjunto da obra literária de Petrônio 1, ou seja, o Satyricon. Qual a importância desta obra para os nossos dias? O que ela representa? E qual seria a contribuição em humanidades em relação ao estudo da obra literária? Cabe ressaltar que o interesse em desvendar o mundo romano nasceu na graduação, no curso de História, concluído pela Universidade Estadual de Maringá UEM, na qual tive a oportunidade de realizar uma pesquisa intitulada “O Clientelismo nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal”, estudo este que ocorreu sobre o plano da Iniciação Científica (2001-2003). Ao desvelar o mundo Antigo através do estudo das Dezesseis Sátiras de Décimo Júnio Juvenal defrontei-me com Petrônio, ambos eram literatos, satíricos circunscritos ao Alto Império Romano sobre a égide do principado, no século I d. C. Nesse viés, inspirado tanto pelos escritos de Juvenal quanto pela curiosidade em saber um pouco mais sobre Petrônio fui conduzido ao encontro do cineasta Federico Fellini. Dessa forma, a obra fílmica o Satyricon de Fellini passou a compor meu objeto de estudo. Os rituais cotidianos no Satyricon de Petrônio e Fellini é um convite a conhecer as práticas do Homem Romano, tais como os laços sociais, as relações de gênero e poder por intermédio do olhar do homem moderno. Esse percurso entre um mundo e outro se torna possível graças ao cineasta e ao meio na qual o mesmo se encontra, ou seja, o mundo do cinema. 1 Conhecido também como Gaius Petronius Arbiter ou Titus Petronius – 27-66 d.C Com este espírito é que propomos interpretar o Satyricon de Petrônio e Fellini, despindo-nos dos preconceitos e dos anacronismos vigentes, para com isso nos situarmos como expectadores e atores do mundo em que nos encontramos. Com isso, o mundo do espetáculo, da imagem, das relações de poder, da sexualidade, da carnavalização se revela na intersecção entre o moderno e o antigo. As páginas que ora traçamos são, portanto, uma tentativa de desvendar o imaginário humano. A simbologia de Petrônio e de Fellini é múltipla, pois ambos pertencem a uma sociedade plural. Os alicerces desse estudo se entrelaçam na relação interdisciplinar entre a História, Literatura e Cinema, inserido na linha de pesquisa: “História das Culturas e das Artes nas Sociedades Contemporâneas” do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura - UPM. O cenário apresentado compreende um esboço do que ora pretendemos com este trabalho. Assim, abrimos o leque de investigação para que juntos possamos compreender os rituais cotidianos presentes na obra de Petrônio e Fellini. A dissertação de mestrado que se segue é o resultado de um projeto de vida, da busca pessoal pela qualificação profissional e a superação de novos desafios. Desafios estes que se fizeram presentes em cada palavra, frase e capítulo deste trabalho. Por vezes o desânimo e o cansaço em dividir o tempo de pesquisa com as aulas de História no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública do Estado de São Paulo me tomaram conta, mas movido pelo dever em concluir o mestrado, bem como pelo interesse em buscar respostas para muitas questões deste estudo me levaram para a concretização de um sonho, que ora torna-se realidade em minhas mãos. Neste momento, ao invés de obter respostas para minhas inquietações, ampliei ainda mais o campo de indagações. Com isso, não posso considerar este trabalho como um fim em si mesmo, mas uma possibilidade de discorrer sobre novas temáticas ao qual por ventura possa interessar tanto os admiradores do assunto, quanto aos historiadores e especialistas. No que diz respeito aos desafios desta pesquisa, ressalto a problemática que encontrei ao dialogar com as fontes. Ao construir o quebra-cabeça do pensamento felliniano deparei-me com referências teóricas divergentes e outras que apontavam diferentes caminhos para se compor o perfil do diretor e cineasta. Muitos estudiosos da filmografia de Fellini afirmam que suas obras revelam uma produção autobiográfica, no entanto existe uma linha de teóricos que defendem que a produção dele era autônoma e ligada às questões políticas, em especial ao regime totalitário da Itália fascista. Entretanto, segundo o próprio cineasta, este não gostava de falar sobre política, nem mesmo dos filmes que produzia. Embora como caricaturista satirizasse a sua produção e a política italiana da década 60 e 70. Aqui levanto a seguinte questão: teria Federico Fellini usado sua imagem e influência de diretor e cineasta para construir um tipo personagem? A leitura que devemos fazer de Federico Fellini deve ser uma leitura criteriosa, pois ele mesmo se autodenominava como sendo um mentiroso nato. Outra observação é quanto ao discurso do diretor. Assim, em que medida o discurso felliniano seria um marketing pessoal? Com isso, recorri à leitura do historiador Carlo Ginzburg em “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”2 para desnudar a fala de Fellini e as contradições de muitos pensamentos teóricos. Na obra de Ginzburg, o historiador faz um paralelo entre o papel do paradigma indiciário no interior das Ciências Humanas com relação à semiologia médica. O autor procura mostrar que tal como o médico que produz seus diagnósticos por intermédio da investigação dos sintomas e da observação do corpo humano, do mesmo modo muitos outros saberes indiciários também podem ser produzidos através de um conhecimento interpretativo, dos sinais, das pistas e dos indícios. De todo modo, Carlo Ginzburg propõe a análise do indivíduo com base no paradigma indiciário, a leitura de Fellini deve ser feita pelas entrelinhas e pelas 2 GINZBURG, C. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. pistas que o próprio Fellini nos fornece sobre sua postura ideológica 3 e cinematográfica. A metodologia para se compreender a produção de Federico Fellini se constrói por meio de uma relação interdisciplinar. A narrativa historiográfica absorve conceitos e práticas de outros campos da pesquisa científica, tais como a psicanálise, a sociologia e antropologia. Dentro deste contexto, Federico Fellini recorre à memória, quando constrói lembranças imaginadas, faz uso de caracteres lingüísticos e antropológicos ao centrar suas discussões em torno da natureza do homem. O cineasta inova o cinema italiano quando penetra no inconsciente do espectador utilizando de recursos da psicanálise, definindo assim novos parâmetros para se pensar a produção do cinema contemporâneo.4 3 A palavra “ideologia” apareceu por volta do fim do século XVIII, para designar a ciência das idéias; todavia, seu sentido foi profundamente modificado pela ideologia marxista, que a definiu, geralmente, como um conjunto das idéias e das crenças próprias a uma formação social. Além disso, o marxismo situa a ideologia nas “superestruturas” sociais (ou seja, a esfera das idéias, do trabalho intelectual e também do aparelho jurídico – político), que ele considera determinadas pela infra-estrutura econômica. Como prática significante, o cinema participa das superestruturas ideológicas, em vários níveis: a produção – além da ideologia econômica, na qual se inspira o sistema de produção dos filmes, este repousa, em grande parte também, em uma ideologia da criação, via noção de autor; os conteúdos – a ideologia encarna-se nos modelos tais como os gêneros ou os esquemas narrativos; as formas – descritas como intrinsecamente não ideológicas na tradição realista que defende a vocação do cinema à transparência, mas também em certas abordagens marxistas que as consideram “linguagem” neutra, suscetível de veicular qualquer conteúdo, elas são, ao contrário, consideradas intrinsecamente ideológicas em uma tradição marxista e vanguardista; a técnica – a câmera, e a imagem cinematográfica, como termo da história da pintura e de seus códigos representativos desde a Renascença, seria, pela própria construção, considerada ideologia que atravessa essa história de representação, a “ideologia burguesa”. Assim, os conceitos abordados neste trabalho podem ser encontrados em AUMONT, J; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2003. 4 Sobre o papel da interdisciplinaridade, o Prof. Dr. Marcos Masseto – UPM ressalta que “[...] Na interdisciplinaridade os olhares se integram permitindo que um novo conhecimento que não se encontrava nem em uma e nem em outras disciplinas isoladamente, mas que surge pelo embate e integração de aspectos de ciências diversas. A Interdisciplinaridade coloca as disciplinas em diálogo entre si de modo que permite uma nova visão da realidade e dos fenômenos.” Cf: MASSETO, M. “Um paradigma Interdisciplinar para a formação do cirurgião dentista.” In: CARVALHO, A.C. P; KRIGER, L. (org). Educação Odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2006, v.1, p: 31-50. Para o historiador Pedro Paulo Abreu Funari: “A Interdisciplinaridade não se resume à junção de fontes de natureza diversas, mas consiste na articulação das diversas abordagens em um discurso único coerente.” Cf: FUNARI, P.P.A. Antiguidade Clássica: a História e a Cultura a partir de documentos. Campinas: Editora da Unicamp, 1995, p: 33. Com relação a “memória” utilizada por Federico Fellini em seus filmes, a historiadora Déa Ribeiro Fenelon ressalta que esta é uma “das formas mais poderosas e sutis de dominação e de legitimação”. Cf: FENELON, D. R; MACIEL, L.A; ALMEIDA, P.R; KHOURY, Y (orgs). Muitas memórias, outras Histórias. São Paulo: Editora Olho d‟água, 2004, p: 6. Para a autora “[...] como qualquer experiência humana, a memória é também um campo minado pelas lutas sociais. Um campo de luta política, de verdades que se batem, no qual esforços de ocultação e de classificação estão presentes na disputa entre sujeitos históricos diversos, produtores de diferentes versões, interpretações, valores e práticas culturais. Cf: FENELON, D. R. et al (orgs), op cit., p. 06. Ao propor o estudo acerca do Satyricon de Fellini com base em Petrônio, busquei também no historiador Marc Bloch em “Apologia da História”5 o sentido da criticidade e da análise do documento quanto fonte histórica e não apenas como narrativa. Para o historiador francês Marc Bloch a produção historiográfica era antes de tudo compreensão, reconstituição e duração. Em comentário a obra de Marc Bloch o historiador medievalista francês Jaques Le Goff ressalta que a tarefa do historiador é de investigar, de ir além da própria ciência, de buscar entender a sensibilidade do espírito humano. Com base nestes escritos retomamos Fellini e a sua relação com a sua obra. Para ele a vida não era vista de forma linear, mas caracterizada pelo momento, da duração do acontecimento sem a idéia do retorno, era o ideal epicurista do Carpe Diem.6 Tendo em vista o texto inicial, este trabalho divide-se em dois momentos. Sendo assim, o primeiro momento é composto pela Introdução que traz como título “História e Cinema: a leitura do Clássico a partir da obra fílmica”. Nesta parte, apresentamos o objeto de estudo, bem como a metodologia a ser usada com base na relação interdisciplinar entre História, Literatura e Cinema. 5 6 BLOCH, M. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Termo empregado no latim como sinônimo colha o dia ou aproveite o momento. A escola filosófica epicurista foi fundada por Epicuro (341 – 270 d.C), na qual defendia que o próprio homem era quem traçava seu destino e o do seu conhecimento. Este deveria buscar o prazer da vida, mas sem se esquecer do exercício de uma vida virtuosa. Para Epicuro, o prazer estava ligado ao bem, enquanto a dor representava o mal. Nesse sentido, o supremo prazer pertencia à natureza intelectual e o seu domínio passava pela superação das paixões humanas. Cf: BRUN, J. O Epicurismo. Lisboa: Edições 70, 1987. Tanto o epicurismo quanto o Estoicismo buscavam soluções para os problemas existenciais do ser humano, para que o homem pudesse alcançar a felidade individual, como bem nos observa o filósofo Pierre Léveque: “A filosofia se apresenta agora como uma proteção contra a destruição do homem que não encontra mais razões para viver na sua função de cidadão. Ela pretende primeiramente encontrar uma solução para o problema da felicidade e, nos dois casos (epicurismo e estoicismo), apesar de diferenças evidentes, a resposta é a mesma: a felicidade está no domínio sobre si própria de uma alma que se escapa do mundo, que se liberta do contingente, que consegue atingir um estado de indiferença (ataraxia para uns, apatia para os outros) onde nada mais a poderá atingir.” Cf: LÉVÊQUE, P. O Mundo Helenístico. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 115 O diálogo da História com o mundo das artes nos conduzirá ao Capítulo I, intitulado “As fontes: Petrônio e Fellini”. Com isso, a discussão exposta nesta parte nos dará o alicerce para seguirmos rumo ao segundo momento deste trabalho, isto é, a análise do objeto fílmico, o Satyricon de Federico Fellini com base na obra literária de Petrônio. Para isso, optamos pela escolha de determinadas cenas do Satyricon para melhor compreendermos os rituais cotidianos do mundo Clássico ao contemporâneo. Portanto, este trabalho tem o anseio de buscar compreender o homem pelo homem no percurso entre o Clássico e o Contemporâneo. Este percurso histórico é o encontro com o significado daquilo que somos e do que representamos em vida. Nesse aspecto, a relação do homem com o meio em que vive ocorre por meio das variadas construções simbólicas, da constante busca da se expressar e marcar sua presença no mundo. Espero que a leitura do texto que se segue represente mais do que um estudo sobre a poética fílmica, mas que signifique um reencontro com o próprio “eu” e que cada indivíduo possa construir a sua própria narrativa, assim como me possibilitou de construir a minha. 7 7 A Historiadora e Prof. Drª. Déa Ribeiro Fenelon, na explicação de Khoury, cita que as narrativas são expressões da consciência de cada um sobre a realidade vivida, assim: [...] Ao narrar, as pessoas estão sempre fazendo referências com a consciência de si mesmas, ou daquilo que elas próprias aspiram ser na realidade social. Associando e organizando os fatos no espaço e no tempo, dentro dos padrões de sua própria cultura e historicidade, cada pessoa vai dando sentido à experiência vivida e a si mesma nela. Apud (Cf: KHORY, Y. A. Muitas memórias, outras histórias: cultura e sujeito na história. In: FENELON, D. R. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‟água, 2004, p. 116-138. O tempo do romance é construído com palavras. No cinema, ele é construído com fatos. O romance suscita um mundo, enquanto o filme nos coloca diante de um mundo que ele organiza de acordo com uma certa continuidade. O romance é uma narrativa que se organiza em mundo, enquanto o filme é um mundo que se organiza em narrativa. (Jean Mitry – Esthétique et psychologie di cinema) INTRODUÇÃO Amo a história. Se não a amasse não seria historiador. Fazer a vida em duas: consagrar uma à profissão, cumprida sem amor, reservar a outra à satisfação das necessidades profundas – algo de abominável quando a profissão que se escolheu é uma profissão de inteligência. Amo a história – e é por isso que estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo. (Lucien Febvre - Combate pela História) Todas as manhãs para ganhar meu pão vou ao mercado onde se vendem mentiras. E, cheio de esperança, me misturo entre os vendedores. (Bertolt Brecht) A obra fílmica Satyricon de Federico Fellini chegou ao conhecimento do público no ano de 1969. Confesso que quando tive contato com o filme pela primeira vez, o mesmo me causou certo estranhamento. O contato com o Satyricon de Fellini ocorreu ainda na graduação nas aulas de História Antiga e passados alguns anos acabei retomando a produção de Fellini na tentativa de entendê-lo um pouco mais e me reconciliar com o diretor e produtor da obra. Este “estranhamento” é algo peculiar que provavelmente ocorre com qualquer pessoa que tenha visto o Satyricon de Fellini, as cenas se apresentam ao público por meio de um espetáculo visual, com direção, fotografia, câmara e guarda-roupa impecáveis. Entretanto, a visão do conjunto da produção do Satyricon do cineasta é semelhante ou próximo a visão do inferno. Os personagens se expressam pelos excessos, são pedófilos, assassinos, sádicos, personagens míticos, tais como o Minotauro e um semideus hermafrodita. Todo este arcabouço de personagens é oriundo do Satyricon de Petrônio, um clássico do século I d.C. Assim, o filme traz cenas satíricas, permeadas de humor negro. Por traçar aspectos satíricos característicos do mundo de Petrônio, mesclado com os delírios contemporâneos do mundo de Fellini, não é de se estranhar que o filme possa realmente causar um “estranhamento”. Ainda mais, quando em certos momentos do filme, temos a sensação de não saber o que realmente se passa entre uma cena e outra. A escolha do tema deste trabalho “Carpe Diem: rituais cotidianos no Satyricon - Petrônio e Fellini” fazem parte da construção da simbologia do Satyricon, tanto da obra fílmica quanto da literária. Estudar assuntos relacionados aos rituais e à mitologia é algo que tem despertado o interesse de muitos estudiosos e pesquisadores de inúmeras áreas. A curiosidade, o medo, a crença, o desconhecido, o sagrado e o profano são características que desde o surgimento da humanidade, o homem se vê na tentativa de decifrar os mistérios que o cercam. O filósofo Ernst Cassirer já afirmava que a busca do conhecimento, de saber sobre o inusitado ocorria em meio a uma constante carga simbólica. Nessa perspectiva, Cassirer8 defende que todo o conhecimento e relacionamento do homem com o mundo ocorrem nas diferentes formas simbólicas. Vejamos: [...] por “forma simbólica” há de entender-se aqui toda a energia do espírito em cuja virtude um conteúdo espiritual de significado é vinculado a um signo sensível concreto e lhe é atribuído interiormente. Nesse sentido, a linguagem, o mundo mítico-religioso e a arte se nos apresentam como outras tantas formas simbólicas particulares. Sob este ponto de vista, podemos afirmar que todas as civilizações produziram símbolos ou signos9 destinados a representar, de modo mais ou menos 8 CASIRER, E. Esencia y efecto del concepto de símbolo. México: Fondo de Cultura Económica, 1975, p. 165. No sentido corrente “signo” designa uma percepção que determina uma informação que concerne a alguma coisa que não é diretamente percebida ou perceptível; por exemplo, a sirene pode ser signo de incêndio. O signo é também o gesto ou a atitude que comunica um desejo ou uma ordem (fazer sinal de vir), ou, de modo mais geral, um estado afetivo (um sinal amigável). Enfim, em lingüística e em semiologia, o signo é a ligação entre uma significação e um elemento fônico ou gráfico (ou visual, ou audiovisual para o cinema) de comunicação. A imagem é um signo do objeto designado. Muitas distinções foram propostas entre categorias de signos, opondo, notadamente, signos naturais, em que a relação com a coisa significada depende unicamente das leis da natureza (a fumaça como um signo do fogo), e signos convencionais (a sirene como signo de um incêndio). No cinema, todos os 9 arbitrário, uma realidade abstrata. Os simbolismos mais antigos são, geralmente, associados a valores religiosos (na cultura cristã, a cruz, símbolo da Redenção, o triângulo, símbolo da Trindade etc.), mas existem símbolos de toda natureza. Nesse primeiro sentido, o cinema, como qualquer outra forma de significação cultural e social, reproduz e veiculam símbolos fílmicos, mais do que os produz realmente (o que por vezes descrito como símbolos fílmicos diz respeito, antes, à metáfora). Os símbolos sexuais (em Luis Bruñel ou Federico Fellini), os símbolos religiosos (em Carl Dreyer ou Roberto Rossellini), as alegorias filosóficas (em Jean-Luc Godard) existiam, no mais das vezes, antes de estarem nos filmes. 10 Como já assinalamos muitas das produções audiovisuais têm sido influenciadas pela literatura. Nesse aspecto, centramos nossa atenção na produção fílmica de Fellini. Deste modo, o Satyricon é uma produção audiovisual, que sofreu influências do campo literário, situamos a “construção simbólica” do filme por intermédio da referência do crítico Northrop Frye11. Para ele, “Símbolo” significa: [...] qualquer estrutura literária que possa ser isolada para apreciação crítica. Uma palavra, uma frase ou uma imagem usada com algum tipo de referência especial (é esse o significado habitual de símbolo), todas são símbolos quando constituem elementos discerníveis na análise crítica. Neste contexto, todo ritual traz consigo valores simbólicos, constituídos por um conjunto de gestos, palavras e formalidades. A partir deste pensamento, os rituais são tributários de diversas características, tais como os ritos de passagem oriundos de diversas culturas, como na cultura indígena, na qual se realiza o ritual de comemoração de iniciação na puberdade. O casamento, bem como a coroação ou a posse presidencial também são formas distintas de rituais. Várias ações signos são motivados por uma relação de analogia, de semelhança, já que uma imagem ou um som gravado se parecem com o que eles designam. Tentou-se com freqüência analisar o funcionamento das imagens de filmes, tendo em vista que remetem a um significado. Tratava-se de saber que a categoria de signos elas podiam pertencer. Tentou-se igualmente definir o “signo minimal” da linguagem cinematográfica, para se chegar à conclusão que o cinema era uma “espécie de linguagem sem signos”. Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 269 e 270. 10 AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p. 272. 11 FRYE, N. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1957, p. 75. comuns como um aperto de mão ou um “oi” são ações ritualísticas do cotidiano por natureza.12 À primeira vista, para compreendermos os rituais cotidianos no Satyricon, recorremos ao hedonismo13 de Epicuro para entender o Satyricon de Fellini. Neste processo, Epicuro (341 – 270) foi um filósofo grego nascido em Samos, que defendeu a doutrina do atomismo, desenvolvida originalmente por Leucipo 14 e Demócrito.15 Pertencente a uma ex-família nobre, não sofreu muita influência dos filósofos, pois não tinha muita disposição em estudá-los. No ano de 325 a.C seguiu para Atenas, na qual estabeleceu um jardim e fundou sua escola. Tanto homens como mulheres compunham o quadro de alunos da escola epicurista. Epicuro possuía muitos discípulos e amigos, os epicuristas tinham como base o prazer, o que acarretava diversas acusações sobre o excesso do vinho e dos festins. Apesar de uma vasta produção, com mais de trezentos tratados, restaram apenas três cartas que tratam da “natureza”, dos “meteoros” e da “moral”. As cartas e os fragmentos foram reunidos pelo professor Hermann Usener com o título de Epicurea em 1887. 12 Cf: GENNEP, A. V. Les rites de passage: étude systématique dês rites. Paris: Picard, 1994. Assim, os índios têm formas de demonstrar carinho bem diferente daquelas dos civilizados e seu casamento também se realiza de forma diversa. Cada tribo segue rituais e comportamentos ditados pelos heróis míticos há milhares de anos, e às vezes o relacionamento homem-mulher pode tomar características de uma verdadeira guerra, Cf: PERET, J. A. Amazonas: História, gente e costumes. Brasília: Gráfica do senado, 1983 13 Teoria ou doutrina filosófica que defende o prazer individual e imediato, estando ligada também a idéia de prazer como felicidade. 14 Leucipo (cerca de 475 - ?), natural de Mileto, colônia cretense no mediterrâneo. Foi um filósofo grego, criador do atomismo ou da teoria atomista. Considerado discípulo de Parmênides ou de Zenão de Eléia, pouco se sabe sobre sua vida. No único fragmento que nos restou, declara: “Nada deriva do acaso, mas tudo de uma razão sob a necessidade”. Cf: CHÂTELET, F. História da Filosofia – A Filosofia Pagã. Rio de Janeiro: Zahar Editoras, 1981; CHAUÍ, M. Introdução à História da Filosofia, vol I. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998; JAEGER, W. Paideia. São Paulo: Ed. Herder, s/d; REALE, G. História da Filosofia Antiga, vol I. São Paulo: Edições Loyola, 1993. 15 Demócrito (cerca de 460 – 370 a.C), natural de Abdera, colônia jônica da Trácia. Foi discípulo e sucessor de Leucipo na direção da escola de Abdera. Contemporâneo do sofista Protágoras, suas preocupações se voltaram para o campo da ética e das técnicas. Deixou cerca de noventa obras, entre elas restaram-nos os fragmentos da Pequena Ordem do Mundo, Da Forma, Do Entendimento, Do Bom Ânimo. É considerado atomista e, também, o primeiro pensador materialista. Seu atomismo se resume a dizer que: a) as qualidades sensíveis (sabor, odor, quente, frio, cor etc) são aparências; b) esses corpúsculos, que são os átomos, não possuem nenhuma qualidade sensível, pois só têm propriedades geométricas (grandeza e forma), c) o movimento é função da existência do vazio. A novidade física e lógica do atomismo é a concepção mecanicista da necessidade: “nada nasce do nada, nada retorna ao nada”, “tudo o que existe nasce do acaso e da necessidade”. Os átomos constituem a explicação última do mundo. Cf: Ibid. A filosofia epicurista é a hedonista, na qual toda dor tem que ser eliminada para se atingir a ataraxia (estado da alma em que nada consegue perturbá-la) é necessário suprir os desejos naturais e ignorar os desejos supérfluos. O sábio é aquele que se contenta com o necessário, o prazer estável é o que garante a felicidade. O desejo incômodo se dissolve no amor a filosofia. O essencial é a felicidade, por isso os desejos precisam ser controlados, para que a serenidade nos ajude a suportar a dor. O raciocínio sábio torna a vida mais agradável; o prazer para Epicuro não era simplesmente o prazer pelo prazer, da satisfação imediata, pois este prazer pode estar muitas vezes ligado a uma dor futura. Por isso, Epicuro submete à razão a busca da felicidade.16 No que se segue esse estudo abre caminho para se verificar como Literatura, História e o Cinema se relacionam na construção do homem romano de Petrônio frente ao mundo contemporâneo de Federico Fellini. Ao adaptar uma obra literária para o campo cinematográfico temos que ter em mente a concepção de que são “signos” 17 diferentes e que tanto a literatura como o cinema devem ser analisados segundo estratégias próprias de linguagens. A adaptação de uma obra literária para o campo cinematográfico deve possuir características de quem está realizando essa adaptação. Assim, o produtor da obra audiovisual deve ter liberdade ao produzir a obra fílmica por meio da obra literária, pois vai ter que responder por ela. Nesse sentido, o cineasta torna-se singular, ou seja, não ocorre uma tradução uniforme da linguagem, mas uma transmutação. A cada nova leitura do texto original surgem possíveis interpretações. Com isso, o Satyricon de Fellini apresenta muito de seu próprio contexto cultural e temporal. Ao analisarmos uma obra fílmica com base numa obra literária é 16 Do que nos restam dos escritos de Epicuro, destacamos três: sobre Física: três cartas, Quarenta Máximas, o Testamento e a Carta a Heródoto, sobre os Fenômenos Celestes: Carta a Pitocles e sobre Ética: Carta a Meneceu. Para Epicuro o prazer e a felicidade são os condutores dos seres humanos. Com esta doutrina filosófica, Epicuro nos orienta sobre a forma de administrar nossas necessidades. 17 Para Herman Northrop Frye, crítico literário canadense, o signo está colocado em consonância com o símbolo. Assim, para ele: “Os símbolos assim compreendidos podem ser aqui chamados signos, unidades verbais que, convencional e arbitrariamente, querem dizer coisas, às quais conduzem, fora do lugar onde ocorrem.” FRYE, N., op cit., p. 77 necessário saber que tanto o filme quanto a literatura possuem particularidades específicas aos seus contextos. O crítico literário Northorp Frye (1957, p. 87) completa dizendo que: [...] As ficções históricas não se destinam a levar compreensão a um período da História, mas são exemplares; ilustram a ação, e são ideais no sentido de que manifestam a forma universal da ação humana. As representações simbólicas presentes no Satyricon de Fellini estão inseridas na relação do autor, público e obra,18 particularmente na relação do espectador com a obra fílmica, originando diferentes interpretações e significações simbólicas. Dessa forma, a construção dos símbolos no Satyricon ocorre de formas distintas. O produtor da obra fílmica, Federico Fellini, afasta-se de seu objeto para permitir que o público construa sua própria representação19, mas isso não significa 18 A relação autor, público e obra nos permitem conhecer o vínculo que o autor tem com o meio social que o envolve. Como já destacou o poeta e crítico literário Antônio Cândido, existe um jogo permanente entre eles: “[...] O escritor vê apenas ele próprio e as palavras, mas não vê o leitor; que o leitor vê as palavras e ele próprio, mas não vê o escritor; e um terceiro pode ver apenas a escrita, como parte de um objeto físico, sem ter consciência do leitor nem do escritor. Isso pode fazer com que o escritor suponha irrefletidamente, que as únicas partes do processo sejam a primeira e a segunda; e o leitor suponha que o processo consiste na segunda e terceira; e um crítico irrefletido, que a segunda parte é tudo [...]. Mas a verdade básica é que o ato completo da linguagem depende da interação das três partes, cada uma das quais, afinal, só é inteligível [...] no contexto normal do conjunto.” Cf: CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. São Paulo: Nacional, 1985, p: 38 e 39. Não podemos esquecer que toda produção literária está vinculada ao mundo onde foi criada e conhecida. Sendo assim, a trilogia autor, público e obra nunca devem estar desvinculados, o texto e o contexto interagem entre si, e a condição social do autor é um fator preponderante. E sobre o conceito de representação, o historiador Roger Chartier nos diz que a representação é como um “instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz de reconstituí-lo em memória e de figurá-lo como ele é”. Cf: CHARTIER, R. A História Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990, p. 20. 19 Utilizada em numerosos e variados contextos, a palavra designa sempre uma operação pela qual se substitui alguma coisa (em geral ausente) por outra, que faz às vezes dela. Esse substituto pode ser de natureza variável: uma imagem (representação pictória, fotográfica, cinematográfica), uma performance em um palco (representação teatral) etc. No que concerne à representação por imagens, a questão principal foi, no mais das vezes, a de decidir se ela punha em jogo atitudes humana inatas e universais, ou, ao contrário atitudes culturais, adquiridas e particulares. No cinema, a representação implica dois momentos, inextricavelmente ligados: a passagem de um texto, escrito ou não, à sua materialização por ações em lugares agenciados em cenografia (tempo de encenação) e a passagem dessa representação, análoga à do teatro, a uma imagem em movimento, pela escolha de enquadramentos e pela construção de uma seqüência de imagens (montagem). Essa duplicação do processo representativo estimulou comparações do cinema com o teatro e também com a pintura (na qual o segundo tempo é o único acessível). Cf: AUMONT, J; MARIE, M, op cit., p. 255 e 256. que o cineasta não possa ter sua própria simbologia e que o mesmo passe despercebido frente ao espectador. Para o pesquisador francês Fracis Vanoye20: [...] é possível postular que qualquer arte da representação (o cinema é uma arte da representação) gera produções simbólicas que exprimem mais ou menos diretamente, mais ou menos explicitamente, mais ou menos conscientemente, um (ou vários) ponto(s) de vista sobre o mundo real. Nessa perspectiva, os signos da obra cinematográfica produzem novas marcas que vão além da obra escrita. A construção da simbologia de Petrônio a Fellini objetiva compor a significação dos mistérios do homem histórico, presentes na religião, no mito, na sexualidade, no cotidiano da vida pública e privada.21 Formando com isto, os rituais cotidianos da natureza do homem. A linguagem cinematográfica, que traz elementos próprios do mundo imagético modifica o texto primário, mas sem comprometer a obra original como um todo. Federico Fellini reconstrói o Satyricon tornando-o fruto de seu subconsciente. O percurso escolhido pelo cineasta permitiu trazer o Satyricon de Petrônio para as telas do Cinema, fazendo de sua composição fílmica um Clássico do Cinema Contemporâneo. Estas considerações nos levam há desvendar um pouco mais sobre o cineasta italiano. Nessa linha de pensamento, circunscrevemos Federico Fellini. Assim, Federico Fellini nasceu em Rimini, na Itália, em 20 de Janeiro em 1920, uma pequena cidade litorânea, na qual viveu até os seus 17 anos, cidade esta que lhe serviu de inspiração para muitos de seus filmes, tais como: “Os Boas-Vidas” e “Amarcord”. 20 VANOYE, F. et al. Ensaio sobre análise fílmica. São Paulo: Papirus, 2002, p: 61 Apud (RIBEIRO, E. S. O Senhor dos Anéis: a tradução da simbologia do Anel do Livro para o Cinema. Santa Catarina: UFSC, 2005, cadernos de tradução nº 16, p. 183 - 200.) 21 O historiador Carlo Ginzburg ressalta que “o que aproxima mitos e pinturas (obras de arte em geral) é, por um lado, o fato de terem nascido e serem transmitidos em contextos culturais e sociais específicos; e, por outro, a sua dimensão formal.” GINZBURG, op. cit., p. 12 Fellini foi considerado um gênio dentro do mundo cinematográfico, em decorrência da sua criatividade ilimitada, que tornava seus pensamentos e delírios como algo próprio da nossa imaginação. Essa característica acabou virando adjetivo, conhecida também como “felliniana”, que designava mulheres de seios fartos, rostos grotescos e imagens circenses. No ano de 1937 o cineasta dirigiu-se para Florença na tentativa de publicar suas charges na revista satírica “420”, sendo que no ano seguinte acabou indo para Roma estudar Direito, como conseqüência acabou tornando-se colaborador e desenhista de história em quadrinhos. Ele escreveu sketches22 para rádio, canções para teatro de revista e monólogos para cômicos famosos. A oportunidade apareceu mesmo quando teve contato com Aldo Fabrizi, ator de cinema e teatro italiano, que o levou para o teatro de revista, e lhe concedeu a chance de colaborar como roteirista no primeiro filme, eram comédias humorísticas de Macário. Destaque para comédias como: Lo Vedi Come Sei? Il Pirata Sono Io e Imputador Alzaveti; mas foi com a colaboração de Piero Tellini, que realizou outros trabalhos, tais como: Avanti c’è Posto, Campo di Fiori, L’ultima Carrozzella, Chi l’ha Visto, Quarta Pagina, Documento Zeta 3, Ventornato Signor Gai, Sette Poveri in Automobile, I Predoni Del Sahara. Fellini e Giulietta deixaram na cinematografia filmes memoráveis, como a obra: La Strada, Noites de Cabíria, na qual ganhou o Oscar e Ginger e Fred. No ano de 1944, ao conhecer o diretor de cinema Roberto Rossellini, este o convidou para escrever o roteiro de “Roma, Cidade Aberta”. E ainda com Rossellini, colaborou também com Paisà (1945), e em seguida, com Alberto Lattuada, contribuiu em Il Delitto di Giovanni Episcopo; Senza Pietà (estréia de Giulietta), Duilio Coletti (Il Passatore), o episódio Il Miracolo, do filme L’amore (de Rossellini). Sobre a influência de Rossellini na obra de Federico Fellini23, sublinhamos: 22 Têrmo normalmente usado para designar pequenas peças ou cenas dramáticas, também usadas no cinema e na televisão. 23 FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 66. [...] Compreendi, graças a Rossellini, que se podia fazer cinema no meio de milhares de pessoas, de máquinas, de gruas, com a mesma tranqüilidade com que, na minha infância, eu fazia um pequeno desenho. O cineasta também teve participação em outros importantes roteiros, como “Em nome da Lei”, de Pietro Germi, “O Moinho do pó”, de Lattuada, “Francesco Giuliare di Dio”, de Rossellini, “O Caminho da Esperança”, de Germi, “Persiani Chiuse”, de Comencini, “Il Brigante de Tacca di Lupo”, de Germi, “Europa 51”, de Rossellini e “A Cidade se defende”, de Germi. Como ressaltamos, o estilo de Fellini era único, não pertencia a um movimento específico, assim como muitos críticos o identificaram. [...] Nunca tive a preocupação de me afastar do neo-realismo com o qual jamais me identifiquei, mesmo quando trabalhei ao lado de Rossellini. Essa foi uma grande experiência de vida, como tantas outras coisas, mas eu 24 jamais a considerei dependente de uma estética. Com Lattuada, Masina e Carla Del Poggio, acabou formando uma cooperativa chamada Capitolium, que produziu o filme “Mulheres e Luzes”, inspirado nas aventuras da companhia de teatro de revista de Aldo Fabrizi, em 1939. A consagração internacional ocorreu com a obra “La Strada”, quando ganhou o Leão de Ouro em Veneza e o Oscar de melhor filme estrangeiro. Fellini, também fez “La Dolce Vita”, um retrato de Roma em seu auge: Via Veneto, estrelas de cinema, pobres decadentes. Muito polêmico, o filme foi atacado pelos moralistas, a quem o cineasta satirizou em um episódio de Boccaccio 70, com o qual ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Em “8 ½ (Oito e Meio)”, um filme considerado pelos críticos como sendo autobiográfico, Federico Fellini retratou a história de um cineasta em crise artística e pessoal; por este trabalho também ganhou o Oscar de melhor direção e o grande prêmio de cinema de Moscou. Com relação ao embate 24 Ibid, p. 139. dos críticos frente à produção autobiográfica felliniana, o historiador Luiz Renato Martins25 cita que: No quadro dessa carreira geralmente aclamada, mas de curso analogamente denegado e sujeito à incompreensão, observa-se que, a cada novo trabalho, a mídia repisa, pelo seu lado, o slogan corrente de que Fellini seria um autor autobiográfico, um obcecado por si mesmo e pelo cinema. De outro lado, tem-se o realizador, em suas irônicas aparições aos jornalistas, enfatizando seguidamente o caráter artificial e inventado dos estilemas pessoais e autobiográficos, utilizados em suas obras. Se tal impasse parece ainda muito longe de se solver, a obra, entretanto teria evoluído, radicalizando a desconstrução analítica seja do processo cinematográfico, seja das subjetividades envolvidas tanto na realização como na recepção do cinema. Assim sendo, a dicotomia entre o movimento neo-realista e a indústria cinematográfica hollywoodiana colocava Federico Fellini como “sujeito” entre um e outro, pois o cineasta não pertencia a uma categoria propriamente definida. [...] Passa a simbolizar o novo estágio de relações entre autor e indústria, em que o papel de diretor, promovido a protagonista do processo cinematográfico, deixa a situação artesanal e o ponto de vista da escassez e se integra ao núcleo de um mercado de luxo. Sinalizando o valor de referência central, assumido por Fellini na nova conjuntura, o qualificativo “felliniano” (para designar certos traços ou situações) passa a ser adotado pela mídia de vários países. 26 A relação de Fellini com o mundo do espetáculo circense era intensa. Atribuía ao cinema certa relação com o circo, a mistura de técnicas, de precisão e improvisação. A montagem do espetáculo para Fellini relacionava-se com a montagem cinematográfica, da construção do “imaginário” por meio de certa ordenação de “fantasias” e da forma de contá-las. 25 MARTINS, L.R. Conflito e Interpretação em Fellini: construção da perspectiva do público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – Instituto Italiano de Cultura, 1994, p. 21. 26 Ibid, p. 21 O cinema parece-se muito com o circo. É provável que se o cinema não tivesse existido, se eu não tivesse encontrado Rossellini e se o circo fosse ainda um gênero de espetáculo de uma certa atualidade, eu gostaria muito de ser diretor de um grande circo, pois o circo é axatamente uma mistura de técnica, de precisão e de improvisação. Ao mesmo tempo em que se desenrola o espetáculo preparado e repetido, arrisca-se realmente algo, isto é, vive-se ao mesmo tempo. Há, evidentemente, coisas que nada têm a ver com a criação de fantasia: há as girafas, os tigres, os animais. E este modo de criar e de viver ao mesmo tempo, sem as medidas fixas que um homem de letras ou um pintor deve ter, mas estar mergulhado na ação. Eis o que é o espetáculo do circo. Ele tem esta força, esta coragem [...] e parece-me que o cinema é exatamente a mesma coisa. Efetivamente, o que é fazer um filme? É, bem entendido, tentar pôr ordem em certas fantasias e contá-las com uma certa precisão. Contudo, no momento em que se faz o filme, a vida do elenco, os encontros que se fazem, as cidades novas que temos que visitar para contar histórias, toda vida cinematográfica nos encoraja, nos emociona, nos enriquece, enquanto se trabalha. Trata-se, em um determinado momento, de saber se quem quer contar a realidade aos outros tem a possibilidade de ser seu intérprete, porque, se não for intérprete, será inútil começar.27 Casado com a atriz Giulietta Masina desde 1943, esta tinha sido estrela de sete de seus filmes. Esposa e companheira, Giulietta acabou morrendo de câncer em 23 de Março de 1994. Federico Fellini, abatido pela doença da mulher, faleceu no dia 31 de Outubro de 1993.28 Federico Fellini morreu no dia 31 de Outubro de 1993. Foi velado durante dias no estúdio Cinecittà – fábrica de seus delírios – e teve uma missa solene numa das maiores igrejas de Roma – sua eterna amada amante – antes de seguir para repousar para sempre na terra de Rimini – seu berço de nascimento e morte. Presentes nos diversos atos de seus funerais artistas, políticos, diretores e técnicos de cinema, rádio, televisão, jornalistas, religiosos, gente de todas as camadas e de toda espécie e a multidão, num misto de reverência e saudade antecipada. Talvez espanto: então Fellini era mortal?29 27 Apud (STRICH, C; KEEL, A. Fellini por Fellini. Porto Alegre: L&PM Editores Ltda, 1986, p. 84). 28 Com relação à atriz e companheira Fellini afirmava: “Giulietta Masina representava para mim a projeção da inocência ferida, mas enfim triunfante.” Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 169. 29 MACHADO, L. R., “A Vitória da Mentira”. In: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. O Estúdio Cinecittà era a fábrica dos sonhos de Fellini. Sua construção iniciou com o lançamento da pedra fundamental em 27 de Janeiro de 1936. No complexo de teatros era possível encontrar além do diretor e cineasta Federico Fellini, os astros Marcello Mastroianni e Sophia Loren; o cineasta Pier Pasolini, Michelangelo Antonioni e Rossellini. Sobre a relação de Fellini com o Cinecittà, o mesmo cita que: Adoro a Cinecittà. Aqui passo meus melhores momentos. É uma fábrica, é onde trabalho e é um bom instrumento de trabalho. Estou também ligado por laços afetivos. Cheguei aqui pela primeira vez, há muito tempo. Era jornalista, na época, e fazia entrevistas com as vedetes, os diretores [...] 30 As produções que ocorreram no Cinecittà se mesclavam com a trajetória da história política romana. O Estúdio foi fruto do regime fascista e apresentava o arquétipo de uma ideologia pautada pela estética fincada em valores morais e sociais, características predominantemente do regime totalitário. A exposição dos problemas sociais e a busca de soluções e de um “cinema-verdade” inspiraram os cineastas para uma nova forma de se “pensar” o cinema italiano. [...] Mussolini inaugurou Cinecittà na tarde de 27 de abril de 1937, com hierarcas, bandeiras, fanfarras, crianças uniformizadas, operários perfilados militarmente, generais e deputados. O quotidiano romano (da época) Giornale d‟Italia descreve: „O Duce, galgando entre altíssimas aclamações, a grande praça, que, da Cidade cinematográfica forma a vasta luminosa entrada, presenciou o início do filme Elevazione, argumento de Vittorio Mussolini, e do filme Aviazione, que se desenvolverá sob a superdireção [sic] do próprio Vittorio Mussolini [...] O Duce presenciou depois à sincronização do filme Scipione l‟africano. [...] No período fascista, o cinema fascina os filhos de Mussolini: Vittorio Mussolini é também roteirista. A irmã da amante de Mussolini é, por sua vez, uma diva, intérprete também de filmes distribuídos por Vittorio Mussolini. Muitas divas são amantes de hierarquias fascistas, e freqüentemente iniciam suas carreiras no cinema, graças a tal proteção.31 30 31 Apud (STRICH, C; KEEL, A., op cit., p. 94). Cf: PENAZZO, D. “Redação das didascálias das fotos.” In: FELLINI, F. Um Regista a Cinecittà. Verona: Mondadori, 1988, p: 8, 11 e 20 Apud (MARTINS, L. R., op cit.,p. 68-69) Com isso, Fellini encontraria nos cartuns seu escape para os assuntos políticos, bem como a inspiração para seus futuros filmes. Mesmo o Satyricon de Fellini tendo sido produzido na década de 60, momento em que o cinema estava passando por uma transformação, principalmente no campo do documentário, como um movimento de expressão do cinema direto, que se desenvolvera na América do Norte, no Canadá, na França e em Quebec, trazendo consigo novas técnicas de filmagem e de captação direta do som. Federico Fellini procura deixar claro que sua produção não fazia parte deste “novo” movimento de expressão. No entanto, o que percebemos é que mesmo o “Cinema – Verdade” tendo como proposta captar a “realidade tal como ela é”, não podemos deixar de notar que toda produção fílmica se passa pelo crivo de quem a produz. O diretor, suas escolhas e sua matriz de pensamentos frente ao objeto fílmico revelam que o “Cinema – Verdade” é na verdade uma construção, feita a partir da edição das imagens e sons captados. Se considerarmos a construção do cinema dito “Verdade” como algo próximo da ficção, a produção cinematográfica de Fellini aproxima-se do cinema direto, uma vez que a mesma não é feita pela reprodução Ipsis litteris da obra literária, mas produzida pelo cineasta no preenchimento das lacunas historiográficas baseadas na obra literária. Sobre o “Cinema – Verdade”, vejamos o que o Prof. Dr. Fernão Ramos do Programa de Pós – Graduação em Multimeios da Universidade Estadual de Campinas, nos fala32: O Cinema Verdade/Direto constitui o primeiro momento de ruptura ideológica com o universo documentarista griersoniano. Surge como estilo, nos anos de 1960 e domina o horizonte ideológico de nossa época, nesta virada de milênio. Vivemos, ainda hoje, dentro das crenças que nortearam seu surgimento. A crítica ética à encenação e a progressiva elegia da refletividade (no caminho que vai do “direto” a “verdade”) são dois momentos-chaves para a definição do campo da não-ficção, dentro do universo ideológico do Cinema Verdade. Nessa visão, o documentário de “jogar limpo” e sempre revelar o caminho percorrido na composição dos procedimentos enunciativos do discurso cinematográfico. O Cinema Verdade/Direto revoluciona a forma documentária, através de procedimentos estilísticos proporcionados por câmeras leves, ágeis e, principalmente, o aparecimento do gravador Nagra. Planos longos e imagem tremida com câmera na mão constituem o núcleo de seu estilo. O aparecimento do som direto conquista um aspecto do mundo (o som 32 Cf: RAMOS, F. Cinema Verdade no Brasil. In: Teixeira, F. E. (org.). Documentário no Brasil Tradição e Transformação. São Paulo: Summus Editorial, 2004, p. 81 e 82. sincrônico ao movimento) que os limites tecnológicos havia, até então, negado ao documentário. Através do som do mundo e do som da fala, o Cinema Verdade inaugura a entrevista e o depoimento como elementos estilísticos. A primeira projeção da “realidade” aconteceu no dia 28 de Dezembro de 1895, no subsolo do Grand Café de Paris, os irmãos Louis e Auguste Lumière projetaram os primeiros registros de chegada de um trem à estação La Ciotat, bem como a saída dos operários das usinas Lumière. Após quatro anos, o francês George Meliès lança, “Viagem á Lua”, um filme de ficção científica, colocando em xeque a fantasia e a “realidade”. Assim, ao longo da história o cinema passaria a ser uma ferramenta de propagação de ideologias culturais e políticas.33 Neste universo entre a realidade e a fantasia, o desenho, mais propriamente a caricatura permeava o mundo de Fellini, servindo de inspiração para a construção de seus filmes. 34 Sobre a inspiração que Fellini tinha para com seus filmes, o mesmo nos relata em uma entrevista realizada para Giovanni Grazzini que: No início de cada filme passo a maior parte do tempo na escrivaninha, e não faço mais do que rabiscar desenhos de nádegas e seios. É a minha maneira de perseguir o filme, de começar a decifrá-lo através desses rabiscos. Uma espécie de fio de Ariadne para sair do labirinto.35 33 Sobre a construção do visível e do invisível, cabe a leitura da obra do Professor de cinema Bill Nichols da Universidade de São Francisco, na Califórnia. Para ele: “Certas tecnologias e estilos nos estimulam a acreditar numa correspondência estreita, senão exata, entre imagem e realidade, mas efeitos de lentes, foco, contraste, profundidade de campo, cor, meios de alta resolução (filmes de grão muito fino, monitores de vídeo com muitos pixels) parecem garantir a autenticidade do que vemos. No entanto, tudo isso pode ser usado para dar impressão de autenticidade ao que, na verdade, foi fabricado ou construído. [...]. E essa é uma impressão forte.” Cf: NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. 34 “[...] a força da imagem nos filmes de Fellini, tão difícil de definir porque não se enquadra nos códigos de nenhuma cultura figurativa, tem as suas raízes na agressividade redundante e desarmoniosa da gráfica jornalística. Aquela agressividade capaz de impor em todo o mundo cartoons e „quadrinhos‟.” Cf: CALVINO, I. “Autobiografia di uno Spettatore.” In: Federico Fellini, Quatro Film. Torino: Einaudi, 1975, p: 19-22 Apud (MARTINS, L. R., op cit., p: 68). 35 FELLINI, F. Entrevista sobre o cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p. 5. Ao retratar assuntos “Clássicos”, como fez com Roma Antiga, utilizou-se de certo tom de liberdade. Na obra o Satyricon, desenhou uma Roma que existia somente em sua imaginação. Para Fellini, tanto a literatura do Satyricon de Petrônio, como o cinema devem ser compreendidos inseridos em seu próprio tempo e espaço, o que nos revela que o cineasta pertencia ao mundo onde foi concebido, ou seja, o mundo do cinema, da “imagem em movimento”. Uma obra de arte nasce sob uma expressão única; eu acho essas transposições ridículas, aberrantes, monstruosas. As minhas preferências vão em geral a sugestões originais escritas para o cinema. Creio que o cinema não tem necessidade de literatura, precisa somente de autores cinematográficos, isto é, de gente que se expresse através do ritmo, da cadência, que são particulares ao cinema. O cinema é uma arte autônoma que não tem necessidade de transposições sobre um plano que, no melhor dos casos, será sempre ilustrativo. Cada obra de arte vive na dimensão na qual foi concebida e na qual é expressa. Que coisa se observa num livro? Situações. Mas as situações, sozinhas, não têm significado. É o sentimento com o qual elas vêm, são expressas, que conta, a atmosfera, a luz: em suma, a interpretação dos fatos. Mas a interpretação literária daqueles fatos não tem nada a ver com a interpretação cinematográfica dos mesmos. São duas maneiras de se exprimir inteiramente diferentes.36 A biografia de Federico Fellini é permeada de contradições, entretanto a certeza que temos é quanto à aproximação de Fellini com o imaginário 37, recurso este que vai buscar em fontes literárias. A relação de Fellini com a Literatura e o Cinema pode ser verificada em sua leitura do Satyricon de Petrônio. Com isso, o cineasta releu o Satyricon de Petrônio, enquanto se recuperava de uma pleurisia em Manzania. Instigado pela leitura do Clássico, Federico Fellini passou a compor sua visão frente à obra do mundo antigo. A produção do filme ocorreu sobre a atmosfera das drogas alucinógenas e da ficção científica da década de 60. A utilização da ficção científica no filme de Fellini se mostra por meio da 36 37 FELLINI, F., op cit., p. 20. No sentido corrente, o imaginário é o campo (e o produto) da imaginação, entendida como faculdade criativa. A palavra, praticamente, é então empregada como sinônimo de “fictício”, “inventado” e oposta a real. Nesse sentido, a diegese de uma obra de ficção é um mundo imaginário. O cinema é constituído de significantes imaginários, “ele suprime em massa a percepção, mas para jogá-la logo depois em sua própria ausência, que é, entretanto, o único significante presente.” Cf: METZ, C. “Le significante presente” e “Le film de fiction et son spectateur”. In: Communications, 1975, nº 25 Apud (AUMONT, J; MARIE, M, op cit., p. 164 e 165). inserção da banda desenhada das histórias de Alexander Raymond através do personagem Flasch Gordon que serviu de inspiração para criar filtros de várias cores com diferentes tipos de película. Satyricon foi filmado entre Novembro de 1968 e Maio de 1969, em um ambiente de experimentação, polissexualidade e de autodescoberta. O movimento hippie, convencionalmente denominado de movimento de contracultura da década de 60, representava a ideologia do filme, caracterizado pelo espírito de liberação e da abstração das conseqüências dos atos. No Satyricon de Fellini tudo era válido. O filme se entrelaça por meio de dois jovens romanos, Encolpio (Matin Potter) e Ascilto (Hiram Keller), que acabam sendo raptados por um pirata e escravizados em um navio. Ao serem libertados, realizam variadas conquistas sexuais. Nesta aventura sexual Encolpio acaba sendo capturado e forçado a lutar com um Minotauro. Este fato torna Encolpio impotente, fato que percebe no momento em que se envolve com Ariadne. Para resolver o problema de sua impotência, Encolpio faz uma visita ao Jardim dos Prazeres e depois a Oenothea, que lhe devolve sua potência sexual. O filme termina com a morte de Ascilto e com a decisão de Encolpio embarcar para a África. As cenas finais mostram os preparativos da viagem. As cenas do filme de Fellini se constituem como uma crítica a sociedade romana contemporânea. Para o diretor, os romanos do período do principado tais como os romanos da Via Veneto de seu período tinham uma vida vazia e sem sentido. Nesta teia das relações humanas, tanto no filme de Fellini quanto na obra de Petrônio, o desfecho se cruza através das falas dos personagens. Ambos terminam em meio a uma frase. Encolpio e outros personagens são transformados em um afresco. Satyricon de Fellini é um filme de formato cíclico, abrindo e fechando as cenas com imagens semelhantes, tal como Fellini já tinha feito em “O Conto do Vigário” e “A Estrada”. No ano de lançamento do filme Satyricon, os críticos afirmaram que não era uma obra que chamava muito a atenção, apesar das cenas de orgias, dos banquetes e da violência. O filme causava certo tédio ao espectador. Ao contrário de A “Doce Vida”, todo o filme foi filmado para que o público não se identificasse com os personagens principais, fato caracterizado pela música em estilo diegético. 38 Mesmo Fellini tendo a pretensão de fazer do Satyricon um documentário do mundo romano Antigo, o mesmo passava longe das características históricas, aproximando mais do mundo de fantasias do cineasta. Este filme em particular foi o mais caro de Fellini, na qual foram utilizados 90 cenários, construídos todos no Cinecittà. Cerca de 250 atores compunham o mosaico do mundo romano do período Imperial montado por Fellini nos estúdios. A estréia da obra fílmica ocorreu nos Estados Unidos, depois de um espetáculo de Rock no Madison Square Garden. O filme foi apresentado para um público de aproximadamente dez mil hippies drogados e enrolados uns aos outros. Segundo especialista em cinematografia, o filme de Fellini tinha atingido o seu público alvo, sendo um filme para adolescentes, como classificou o United Artists. Todavia, mesmo perante todas as críticas, Satyricon foi indicado ao Oscar pela originalidade e pela realização, sendo aplaudido em todo o mundo pela criatividade no conjunto da obra. Vejamos: 38 Palavra de origem grega (diègesis: narrativa) oposta, de modo, aliás, diferentemente, por Platão e Arsitóteles, a mimesis (imitação); caída em desuso. Depois ressuscitada por Étienne Souriau; retomada em seguida, mas também em dois sentidos diferentes, por Gérard Genette e por Chistian Metz, um em narratologia literária, o outro em filmologia. Cf: SOURIAU, E. “La structure de l‟universe filmique”. In: Revue Internationale de Filmologie, 1951, p: 7-8 e MERTZ, C. Essais sur La signification au cinema. Paris: Klincksieck, 1968. Para Souriau, os “fatos diegéticos” são aqueles relativos à história representada na tela, relativos à apresentação em projeção diante dos espectadores. É diegético tudo o que supostamente se passa conforme a ficção que o filme apresenta. Tudo o que essa ficção implicaria se fosse supostamente verdadeira. Souriau dá o exemplo de dois cenários de estúdio que podem ser contíguos e ser diegeticamente (na lógica suposta da história que o filme conta) distantes em várias dezenas de quilômetros. Mertz e seus discípulos (Percheron, Vernet, entre outros) retomam a definição de Souriau: a diegese é concebida como o significado longínquo do filme considerado em bloco (o que ele conta e tudo o que isso supõe); a instância diegética é o significado da narrativa. A diegese é a “instância representada do filme, ou seja, o conjunto da detonação fílmica: a própria narrativa, e com isso as personagens, a paisagem, os acontecimentos e outros elementos narrativos, porquanto sejam considerados em seu estado detonado. O interesse dessa acepção filmológica é acrescentar à noção de história contada e de universo ficcional a idéia de representação e de lógica suposta por esse universo representado. O próprio do cinema é, com efeito, que o espectador constrói um pseudo-mundo do qual ele participa e com o qual se identifica, o da diegese. Apud (AUMONT, J; MARIE, M, op. cit., p: 77 e 78). Sobre a diegese, vêr também: COSTA, F. C. O primeiro cinema. São Paulo: Scritta, 1995, p: 7. A projeção foi entusiasmante. A cada fotograma os rapazes aplaudiam; muitos dormiam, outros faziam amor. No caos total, o filme seguia adiante implacavelmente, sobre uma tela gigantesca que parecia refletir o que acontecia na sala de projeção. Imprevisivelmente, misteriosamente, naquele ambiente entre os mais improváveis, Satíricon parecia ter encontrado o seu lugar natural. Nem mesmo parecia meu, na revelação imprevista de uma integração tão secreta, de ligações tão sutis e nunca interrompidas entre a antiga Roma da memória e aquele público fantástico do futuro.39 A literatura é composta por um conjunto de textos escritos que nos levam a imaginação. Toda obra literária traz significações do mundo onde foi produzida, tais como características culturais ligadas à língua, aos costumes e a temporalidade de sua produção. Os textos literários devem ser compreendidos variantes a outros textos, pois exercem um papel social e emocional no público receptor. O historiador Lynn Hunt enfatiza que com a abertura da produção historiográfica através do uso de novas metodologias, bem como o diálogo com a crítica literária, tem possibilitado interpretar, analisar e compreender melhor o passado histórico. De fato, o único traço verdadeiramente distintivo da nova abordagem cultural da história é a abrangente influência da crítica literária recente, que tem ensinado os historiadores a reconhecer o papel ativo da linguagem dos textos e das estruturas narrativas na criação e descrição da realidade histórica.40 Em vista do que foi apresentado, temos verificado que a Antiguidade Clássica tem sido tema de muitos estudos e produções fílmicas na contemporaneidade, principalmente sobre o período romano, tais como: Spartacus (Spartacus – 1960) do diretor Stanley Kubrick, A queda do Império Romano (The Fall of the Roman Empire – 1964) do diretor Anthony Mann, Satyricon (The Degenerates/Fellini Satyricon/Satyricon – 1969) do diretor Federico Fellini e mais recentemente, o Gladiador (Gladiator – 2000) do diretor Ridley Scott e a minissérie Roma (Rome – 2005/2007), produzida pela HBO (Home Box Office) em vinte e quatro capítulos. 39 FELLINI, F. Entrevista sobre o cinema. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1986, p: 119. 40 HUNT, L. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p: 133. Ao abordar o estudo Clássico a partir do cinema, podemos afirmar que o mundo das Artes, em especial da sétima arte, é o mundo do “possível”, pois além da visão do diretor, da construção do herói e do bandido, do trágico e do cômico, dos romances eternos, o filme também pode ser utilizado como um documento de cunho historiográfico.41 Cabe ao historiador buscar definir as fronteiras do imaginário, a partir de uma metodologia própria. Assim, a História Nova42 incorpora o cinema como um documento plausível de ser estudado e analisado. Um dos precursores desta característica é o historiador francês Marc Ferro43. Para ele o cinema revela muito do seu tempo, ou seja, do momento em que foi feito. [...] „o cinema‟ destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus „lapsus‟. É mais do que preciso para que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor [...] A idéia de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável: significaria que a imagem, as imagens [...] constituem a matéria de uma outra história que não a História, uma outra análise da sociedade. 41 Para o historiador Jean-Claude Bernadet, o cinema trouxe a ilusão, algo que parece verdadeiro, embora saibamos que é mentira. Para ele, o filme é “um pouco como num sonho: o que a gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabe depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema.” Cf: BERNARDET, J.C. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2000, p: 12. Nesse parâmetro, a ilusão esteve presente desde o surgimento da cinematografia, como em Meliès na França, até a organização da linguagem cinematográfica através da criação do roteiro, da utilização dos cenários e dos movimentos de câmera. 42 A partir dos Annales (1929), movimento que revolucionou a abordagem historiográfica por meio do uso de novas fontes, novos objetos e novos métodos, as idéias e os costumes ganharam um campo maior de atenção, nascia assim, a Nova História. Sobre a mudança no campo das técnicas e dos métodos, o historiador José Carlo Reis relata que “os documentos se referem à vida cotidiana das massas anônimas, à sua vida produtiva, à sua vida comercial, ao seu consumo, às suas crenças, às suas diversas formas de vida social.” Cf: REIS, J.C. Tempo, História e Evasão. Campinas: Papirus Editora, 1994, p: 126. Nesse aspecto, com a História Nova os documentos são arqueológicos, pictográficos, icnográficos, fotográficos, cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todos os tipos. Com relação à História dos Annales Cf: BURKE, P. A escola dos Annales, 1929-1989: a revolução francesa na historiografia. São Paulo: UNESP, 1991; DOSSE, F. A história em migalhas: dos “Annales” à nova história. São Paulo: Ensaio, 1992; FEVRE, L. Combates pela história, v. I. Lisboa: Presença, 1977. 43 FERRO, M. “O Filme: uma contra-análise da sociedade?” In: LE GOFF, J; NORA, P. (orgs). História e Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 202-203. Mesmo a imagem sendo uma “construção”, uma “representação”, o cinema reflete o contrapoder da sociedade por revelar as ideologias e por apresentar um olhar diferenciado sobre a sociedade. Um filme, mesmo nas relações com o discurso histórico revela suas próprias tensões. Nesse sentido, a utilização do cinema como um documento histórico leva-nos a uma melhor compreensão de períodos que outrora se apresentavam de maneira obscura em documentos ditos oficiais. Entretanto, todo documento se renova a partir da visão do historiador. Assim, o imaginário, os ritos, os signos e mitos passaram a fazer parte da construção das sociedades e de seus respectivos contextos históricos. Marc Ferro (1976, p. 203) ressalta que: [...] aquilo que não se realizou, as crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tanto a História quanto a História. A partir desta concepção apresentada por Marc Ferro, o historiador deve tomar cuidado ao fazer a leitura de seu documento fílmico. Um documentário que se baseia em fatos reais pode ser uma construção 44, assim como um filme de ficção, que também pode apresentar cenas reais. A relação histórica e historiográfica da leitura fílmica se expressa pela construção da narrativa do objeto estudado, que por 44 Construção do gesto, construção da interpretação (mise em geste, mise em jeu). Termos forjados por Serguei M. Eisenstein, em seus cursos na VGIK, a escola de cinema de Moscou, por analogia com mise-em-scène, e para designar a técnica da interpretação de autor. A construção do gesto (mise em geste) recobre uma decomposição mental das atitudes das partes do corpo. A construção da interpretação (mise em jeu) retoma a idéia de um repertório de posições expressivas. Construção do quadro (mise em cadre). Termo utilizado pelo realizador de cinema Serguei M. Eisesntein em suas aulas na escola de cinema de Moscou (VGIK) na década de 1930, por analogia com a expressão mise-em-scène, para designar a preocupação de composição (gráfica, plástica) dos planos. A direção (mise-em-scène) é a localização (mise em place) dos atores no cenário e a determinação de seus movimentos; a construção do quadro (mise em cadre) é a determinação dos enquadramentos sucessivos correspondentes: ela não é, portanto, exatamente o enquadramento: este é imaginado como decupagem móvel de uma realidade persistente, a construção do quadro (mise em cadre) é correlativa de uma modificação da realidade com fins de seu enquadramento. Construção em abismo (mise em abîme/ em abyme) – Termo de retórica, proposto por André Gide e universalmente adotado em seguida, significando a incrustação de uma narrativa em outra, por analogia com o termo brasão que designa uma figura colocada no centro do escudo, e que figura outro escudo. O sentido narratológico conservou-se tal e qual no cinema (a narrativa “em construção” é uma narrativa dentro da narrativa, sobre modos variáveis, como em literatura, a mais corrente sendo ligada ao flashback). Além disso, designou-se com isso, às vezes, de maneira mais aproximativa, a existência de uma segunda estrutura na figuração ou na representação (por exemplo, o fato de mostrar em um filme a filmagem de um filme imaginário é com freqüência assimilada, erroneamente, a uma construção em abismo). Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p. 59 e 60. sua vez ocorre através da conjunção de sentidos que os filmes atribuem ao tempo que constroem. 45 Dessa forma, o cinema é a expressão do homem. É na projeção da tela que os diferentes tipos de gêneros se cruzam, e que as inúmeras estórias, mitos e fábulas adquirem consistência. Todo este aparato faz regir um complexo comércio que alimenta o desenvolvimento do mercado cinematográfico. A publicidade que aparece nos filmes e nas salas de projeção, bem como as distribuidoras que enviam filmes para estas salas e os espectadores que pagam pela bilheteria, constituem o mercado cinematográfico. A narrativa cinematográfica é um conjunto de sons, imagens e discursos verbais direcionados a compreensão do espectador. No campo literário, ao ser adaptado para um roteiro, o discurso fílmico passa a ser outro texto mantendo as características do discurso lingüístico.46 Ao ser projetado temos que ter consciência que o filme passou por diversas etapas até chegar às salas de cinema, tais como a preparação do roteiro, das filmagens e da edição do produto.47 A natureza fílmica é heterogênea e sua estrutura é uma composição de técnicas que levam o espectador a construir um mundo de ilusões perceptíveis ao seu modo.48 Por meio desta observação, a “análise estrutural” servirá de parâmetro para interpretar o Satyricon de Fellini com base na obra de Petrônio. Ao seguir por este percurso, é possível descortinar o foco 45 No entanto, os argumentos de Ferro vêm sendo criticados pela nova historiografia principalmente com relação à manipulação da linguagem cinematográfica. Vejamos: “[...] Além disso, apontam para certas lacunas na maneira como Ferro pensa a relação entre história e cinema: como a linguagem intrínseca ao filme, seja ele documentário ou ficção, interfere no registro de um evento, de um processo ou de um personagem de valor “histórico”? Como o filme com tema histórico, documental ou ficcional traduz o presente ao representar o passado? Quais são as tensões internas do filme, pensadas a partir da sua estrutura narrativa, na tentativa de registrar ou representar fatos históricos?” Cf: NAPOLITANO, M. “A História depois do papel”. In: PINSKY, C.B (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p: 243 e 244. 46 Para o historiador Marcos Napolitano: “O roteiro é o guia básico para o diretor, que pode fazer algumas alterações ao longo da filmagem. Eventualmente, a mesma pessoa pode acumular as funções de argumentista, roteirista e diretor, mas é mais comum o roteiro ser feito por profissional especializado. Cf: NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005, p: 57. 47 48 Cf. LEONE, E; MOURÃO, M.D. Cinema e montagem. São Paulo: Ática, 1987. Cf. CAMPOS JR, L de C. Cinema e Possibilidades de Diálogo. (trabalho apresentado ao GT História da Mídia Audiovisual do V Congresso nacional de História e Mídia). São Paulo: Facasper e Cill, 2007. narrativo, a construção dos personagens, bem como a composição das cenas, a relação personagens-espaço, figurino, etc. Dando continuidade ao processo de investigação da obra de Fellini, a “análise estrutural” somente é viável se levarmos em conta os indícios de recepção. Recurso este presente na tríade relação entre autor, público e obra, que são muito utilizadas no discurso literário. A luz deste quadro, entre o discurso cinematográfico e literário o posicionamento do diretor (presentes em depoimentos, entrevistas ou artigos publicados em jornais e revistas) e a historicidade da produção da película devem ser analisados em consonância com a análise estrutural do objeto fílmico. No entanto, o papel do pesquisador somente chega à plenitude através do contato com o público. Assim, a recepção do objeto fílmico pelo público receptor é o resultado do momento em que a obra foi produzida. Com isso, o pesquisador da obra fílmica tem que transcender a própria obra e buscar compreender como que a película foi recebida pelo público e como este reagiu frente à produção cinematográfica. O crítico Jean Mitry relata que o público atribui significado a imagem seqüencial dentro da edificação e elaboração das idéias do cineasta. Significação que está associada à narrativa, pois a imagem em si não traz significados, pois a mesma passa a ter significado após entrar em contato com o público. A busca de algum significado na imagem fílmica, já é por si um exercício interpretativo.49 Dentro da perspectiva psicológica, o teórico Ernst Hans Grombrich enfatiza que inserido na interação imagem cinematográfica e espectador existem dois planos: o do reconhecimento e o da rememoração. Nesse viés, o reconhecimento acha-se ligado a memória, ao intelecto, e a segunda encontra-se ligado na apreensão daquilo que é visível, principalmente nas funções sensoriais. Para Grombrich o espectador tem o papel perceptível e psíquico, que ao estar em contato com a imagem busca compreendê-la e fazê-la existir, ou seja, o espectador de forma ativa constrói a sua própria imagem. Desse modo, a percepção visual do público receptor revela a sua base de conhecimento visual do mundo, capaz de elaborar seu próprio 49 Cf: Apud (ANDRE W, J. D. As principais teorias do cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989, p: 194-196). campo imagético. O conhecimento prévio deste permite o preenchimento das lacunas da representação.50 Neste ponto, o cinema se firma como um meio de comunicação que depende do espectador para dar significado à narrativa fílmica. A recepção da obra fílmica está na própria obra que é interpretada segundo características que o espectador confere a mesma por meio do seu mundo imagético.51 É preciso enfatizar que a imagem cinematográfica é uma construção, realizada pela junção de recursos e equipamentos próprios ao mundo do cinema, tais como o som, a iluminação, a fotografia, o roteiro e as câmeras. Nesse contexto, a produção cinematográfica é uma construção de uma determinada visão da realidade. Ao produzir uma obra fílmica, as escolhas do diretor influenciam a execução da mesma, pois é ele quem indica os atores, elabora o roteiro, escolhe os cenários e aponta a temática que será abordada.52 As características expostas até aqui indicam que o historiador e os estudiosos dos recursos audiovisuais, ao se ocuparem dos estudos de fontes fílmicas, tornamse necessário ainda estabelecer um diálogo com outras formas de expressão, tais como a imagem, o movimento e o som. Assim, um objeto fílmico permite variadas leituras, suscetíveis a temporalidades e ângulos de análise distintos. O olhar metodológico do historiador sobre o objeto fílmico é diferente da visão do cineasta, do crítico ou do diretor, pois além do significado da produção cinematográfica, leva-se em conta a sua relevância quanto objeto de cunho historiográfico. O historiador Marcos Napolitano completa dizendo que: 50 Apud (AUMONT, J. A Imagem. São Paulo: Papirus, 1993, p: 81-90). 51 Para Francis Vanoye e Anne Goliot-Leté, ambos frisam que descrever um filme, ou seja, contá-lo, já é interpretá-lo, pois isso, de certo modo é um processo de reconstrução. Cf: VANOYE, F; GOLIOTLÉTÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica. São Paulo: Papirus, 1994, p: 52. 52 Pierre Sorlin, professor da Universidade de Paris III, nos diz que um filme não é uma história, nem uma duplicação do real fixado sobre o celulóide, é um mise em scène social; o que ele transmite é uma certa visão da realidade social que abre novas perspectivas de estudos sobre a humanidade. Cf: SORLIN, P. Sociologie du cinema. Paris: Aubier Montaige, 1977, p: 200. [...] é menos importante saber se tal ou qual filme foi fiel aos diálogos, à caracterização física dos personagens ou a reprodução de costumes e vestimentas de um determinado século. O mais importante é entender o porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas num filme. Obviamente, é sempre louvável quando um filme consegue ser “fiel” ao passado representado, mas esse aspecto não pode ser tomado como 53 absoluto na análise histórica de um filme. Um documento fílmico apresenta as mesmas armadilhas de um documento escrito. O espectador cinematográfico estabelece uma relação com a produção em consonância com o seu mundo. O historiador deve observar que a imagem fílmica não determina por completo o mundo do espectador, sendo antes uma ilusão. Todavia, nesse conjunto o espectador também exerce um papel ativo frente à produção cinematográfica, pois ao assimilar e interpretar a imagem fílmica faz por meio de suas vivências e aspirações. A partir dessa característica, a relação da História com o cinema pode ser estabelecida da seguinte forma: [...] O cinema na História; a história no cinema e a História do cinema. Cada uma das três abordagens implica uma delimitação específica. O cinema na história é o cinema visto como fonte primária para a investigação historiográfica; a história no cinema é o cinema abordado como produtor de “discurso histórico” e como “intérprete do passado”; e, finalmente, a História do cinema enfatiza o estudo dos “avanços técnicos”, da linguagem cinematográfica e condições sociais de produção e recepção de filmes.54 A história do cinema é uma disciplina específica, que possui objetos e métodos próprios. Inserido nesta disciplina, está à história das técnicas, a história da Indústria, que trata da produção, da investigação, administração, marketing etc. E a história das formas que circunscrevem elementos ligados as artes em geral, música e literatura. NAPOLITANO, M. “A História depois do papel”. In: PINSKY, C.B. (org). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p: 237. 53 NAPOLITANO, M., op cit., p: 240 e 241. Apud (DUTRA, R. A. “Da historicidade da imagem à historicidade do cinema”. In: Projeto História nº 21, São Paulo, EDUC, nov. 2000, p: 126). 54 O cinema na História tem como objetivo verificar como que a história é vista ou tratada no cinema. O que os historiadores têm verificado é que o filme tem sido utilizado como um poderoso veículo de dominação e poder. 55 As produções cinematográficas também têm sido usadas como propaganda, mesmo sem a interferência direta do Estado, os filmes revelam muito da cultura que o produziu, sempre carregados de ideologia. Mas, o que dizer sobre a grande maioria dos filmes de ficção e documentários produzidos pela milionária indústria cinematográfica sem a interferência do Estado? Neste caso, narrando histórias, o filme espelha a mentalidade do público ou pelo menos de parcela dele. Porém, merece ser sempre lembrado, que a indústria cinematográfica é nacional – quando se trata de cinema, é impossível deixar de pensar na poderosa indústria americana, o que significa que o surgimento de um filme se dá dentro de um determinado quadro cultural, que sua produção está sujeita a condicionamentos históricos e a história narrada por ele foi emoldurada por determinado quadro ideológico.56 Um filme não é uma produção neutra, ele traz consigo uma carga de valores e idéias, sendo testemunha de seu tempo e das mudanças sociais. 57 Assim, o filme é um documento histórico contemporâneo, que variante ao gênero que pertença, somente alcançara o seu objeto de interpretação e de análise se estiver associado aos outros documentos de cunho historiográfico. Sobre as particularidades do objeto fílmico como fonte histórica o professor e pesquisador Antônio Penalves Rocha (1993, p. 77) ressalta que: 55 O historiador Marc Ferro cita que: “desde os fins do século XIX, já há câmeras filmando pessoas e acontecimentos, notadamente as famílias reinantes. ”Procedimento este que passou a ser muito freqüente após a Primeira Guerra Mundial.” Cf: FERRO, M. Cinéma et histoire. Paris: Denoel Gonthier, 1977, p. 83. 56 Cf: ROCHA, A. P. “O filme: um recurso didático no ensino da história?”. In: FALCÃO, A. R; BRUZZO, C. Coletânia lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993, p: 75. 57 Para o crítico Martin A. Jackson, “o cinema deve ser considerado como um dos depositários do pensamento do século XX, na medida em que reflete amplamente a mentalidade dos homens e mulheres que fazem filmes. Do mesmo modo que a pintura, a literatura e as artes plásticas, o cinema ajuda a compreender o espírito de nosso tempo.” Cf: JACKSON, M. A. “El historiador y El cine.” In: ROMAGUERRA, J; RIAMBAU, E. (ed). La historia y el cine. Barcelona: Fontamara, 1983, p: 14. Apud (ROCHA, A. P., op cit., p. 76) O historiador nunca deverá contar com algo que o cinema jamais poderá proporcionar-lhe o caráter de documento único para pesquisa, ou seja, o filme é tão somente uma das fontes do trabalho historiográfico; este só atingirá seu objetivo de analisar uma sociedade, ou mesmo um dos seus aspectos, se complementar as informações contidas no cinema com as de outros documentos. O principal motivo desta “limitação” como fonte histórica reside na sua própria riqueza: por se tratar de uma arte, o cinema não tem compromisso com a realidade, apesar de nos múltiplos aspectos de qualquer filme estarem presentes as inscrições históricas do mundo em que ele nasceu. A História tem sido muito utilizada pela indústria cinematográfica. Nesse processo, a representação audiovisual da história refere-se à expressão do passado através da linguagem fílmica. Com isso, o estudioso do mundo das imagens fílmicas não pode exigir uma fidelidade da produção do objeto fílmico em relação as suas fontes de informação.58 Neste sentido, na relação da história com o cinema, destacamos que a indústria cinematográfica auxiliou na interpretação do passado histórico, tornando-a mais próximo da população em geral. Sobre a representação cinematográfica da história, Antônio Penalves Rocha (1993, p. 79) nos exemplica ainda dizendo que: [...] Tomemos, em primeiro lugar, o filme de ficção com uma determinada ambientação histórica, seja ele drama (inclusive político), aventura, seja comédia. A trama elaborada para a realização de um filme deste gênero será mergulhada na linguagem cinematográfica, para que a sua narrativa passe ao espectador a “impressão de realidade”; assim, a reconstituição histórica forjará o cenário dentro do quais atores desempenharão os papéis requeridos para o desenvolvimento da trama de uma história que será filmada. É verdade que, na maior parte das vezes, o filme histórico conta com a assessoria do historiador para a reconstituição de aspectos da vida de uma época: arquitetura, figurinos, vida política etc. 58 Por isso mesmo, o crítico Angelo Moscariello, ao se perguntar se o filme, recorrendo aos meios que lhe são particulares, pode contribuir para a explicação histórica, responde categoricamente que não – porque sendo uma “arte concreta e ligada ao presente o cinema não pode em caso algum realizar a obra de conhecimento histórico”. Isto se deve ao fato de que a “representação” do passado pelo filme só permite a visualização do seu “aspecto fenomênico e não também do segredo inerente às relações entre os fatos singulares.” Cf: MOSCARIELLO, A. Como ver um filme. Lisboa: Presença, 1985, p: 82 e 83. Apud (ROCHA, A. P., op cit., p. 82) A imagem fílmica é um ponto de referência cultural e não uma referência da realidade. Ao analisarmos uma produção audiovisual fazemos por meio das funções construtivas da atividade mental.59 Estas questões são fundamentais para compreendermos a natureza das relações entre história e cinema e como que a história tem realizado a leitura dos rituais cotidianos do mundo clássico ao contemporâneo. A construção dos rituais cotidianos na sociedade pode ser determinada através do diálogo entre Petrônio e Fellini. A representação simbólica dos rituais cotidianos no Satyricon constitui o objeto central de análise deste trabalho. Joseph Campbell, um estudioso de mitologia e religião, afirma que “a mitologia nos ensina o que está por trás da literatura e das artes, ensina sobre nossa própria vida”.60 Com este pensamento, os rituais e suas representações devem ser compreendidos dentro de seu próprio contexto social e cultural. Assim, os ritos e suas práticas se constituem como um caminho para se alcançar o mito, o historiador e romancista Mircea Eliade61 na relação entre o mito e o rito cita que: [...] conhecemos os mitos como “documentos” literários e artísticos e não como fontes, ou expressões, de uma experiência religiosa vinculada a um rito. 59 FRANCASTEL, P. “Objeto fílmico e objeto plástico.” In: Imagem, visão, imaginação. São Paulo: Martins fontes, 1990, p: 177. Ressalto ainda que Jean Mitry conceba a imagem fílmica como o resultado de um processo de “autoconcentração” do mundo representado. A marca do realizador reduzir-se-ia então a uma espécie de analogon, essencialmente de significação provisória e de sentido imanente. Cf: MITRY, J. Esthétique et Pscychologie di Cinéma. Paris: Editions Universitaires, 1963, p: 121-124. O pesquisador Antoine Ayfre escreve, por sua vez, reafirmando o sentido da construção subjetiva, que “a imagem seria então o testemunho de uma presença encarnada do real e que o realizador faria surgir através de um trabalho de seleção e de ordenação”. Cf: AYFRE, A. Conversion aux images? Paris: Denoel, 1979, p: 29-34 Apud (SALIBA, E.T. “A produção do conhecimento Histórico e suas relações com a narrativa fílmica.” In: FALCÃO, A. R; BRUZZO, C. Coletânea Lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993, p. 95. 60 CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Ed. Palas Athena, 1990, p: 12. A palavra mito é conferida por (AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 190-191.), como sendo uma fábula, uma narrativa imaginária pertencente à mitologia, porém, desde o fim do século XIX, a palavra designa também uma representação idealizada (da idéia, de um ser, de um acontecimento), ou uma “imagem simplificada, no mais das vezes ilusória.” Nesses sentidos modernos ampliados, ela não está longe do que designa, em sua acepção pejorativa, a palavra “ideologia”: a idéia simplista, enganosa, que determinado grupo ou determinada sociedade se faz de um fenômeno de civilização. Mircea Eliade cita que “todas as grandes religiões mediterrâneas e asiáticas possuem mitologias. Contudo, é preferível não iniciar o estudo do mito tomando como ponto de partida a mitologia grega, egípcia ou indiana [...] sendo preferível começar por estudar o mito nas sociedades arcaicas e tradicionais reservando para uma análise ulterior as mitologias dos povos que desempenharam um papel importante na história.” Cf: ELIADE, M. Mito e Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991, p: 10. Apud (BISSON, M. P. Mito: o sagrado no cinema contemporâneo: o caso “Drácula” de Coppola. Dissertação de Mestrado – Multimeios/Instituto de Artes. Campinas: UNICAMP, 1997, p: 19). 61 ELIADE, M. Mito e Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991, p. 138. Dessa maneira, se aceitarmos que o rito é o “cumprimento” de um mito, somos levados a crer que a participação em um ritual nos tornam seres participantes do próprio mito. Ao estudar “os rituais cotidianos no Satyricon de Petrônio e Fellini” detectaremos como que muitos estudiosos narram às antigas celebrações dos rituais observando o seu predomínio na sociedade contemporânea, manifestadas através da diversidade cultural. A partir deste prisma, os capítulos que se seguem concentram a atenção na relação entre a construção do significado da obra de “Petrônio e Fellini” sob a luz da interpretação teórica do campo imagético. Ao delinear o perfil de ambos os “sátiros”, chegamos à consolidação da proposta desse estudo que se dará a partir da análise do objeto fílmico, o Satyricon de Fellini, sem perder de vista a contribuição literária de Petrônio. A postura interdisciplinar que norteia as fronteiras metodológicas deste trabalho se pauta na análise bibliográfica e estrutural da narrativa fílmica e literária. O capítulo que se segue é a ponta do novelo de Ariadne rumo à saída do labirinto, na tentativa de decifrar o homem pelo homem em seu universo historicizante. O cinema não deveria entrar no museu nem integrar instalações. O museu, como o teatro, é a sociedade burguesa. O cinema é uma arte popular, ele exige a sala escura, na qual podemos nos esconder num canto, onde estamos protegidos pela escuridão, onde não há entreato, nem coquetel, nem casacos de péle, nem olhares – salvo áqueles que circulam entre a tela e os espectadores. E quando o filme termina, e as luzes ainda não estão acesas, nós nos levantamos e vamos embora. (Eugenio Renzi - crítico de cinema italiano em comentário ao longa biográfico de Agnès Varda – Les Plages d’Agnès) 1 AS FONTES: PETRÔNIO E FELLINI Onde o ouro é todo-poderoso, de que servem as leis? / Se não tem dinheiro, o pobre perde seus direitos / O cínico, que é tão frugal e severo em público, / secretamente negocia com a verdade. / Até mesmo, Têmis se vende e, em seu tribunal, / a balança pende conforme o vil metal. (Petrônio, Satíricon - ano 63) 1.1 O SATYRICON DE PETRÔNIO Romano do século I d.C., Petrônio (Caius Petronius Arbiter) viveu sobre a égide do governo de Nero. Assim, Paul Harvey62 situa Petrônio como sendo um cônsul e governador da Bitínia, ocupando posteriormente a convite do próprio Nero o cargo de árbitro de elegância (elegantiae arbiter), fazendo parte do restrito círculo de amigos do Imperador. Tácito, historiador latino descreve Petrônio como um homem refinado e apreciador do luxo. Na vida privada gostava de praticar o ócio, que o preparava para a prática da vida pública, retratando a perversão e a depravação. As informações que nos chegam sobre sua vida pública, mostram que Petrônio era um exímio administrador, característica atribuída a ele em decorrência da sua capacidade de atuar e a influência que tinha no meio Imperial. Sobre o relato de Tácito, ver Anais, XVI, 18:63 62 Cf. HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica Grega e Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. 63 Tradução do latim é de Paulo Leminski, Cf: LEMINSKI, P. Satyricon. São Paulo: Brasiliense, 1987, p: 181 Apud. (GARRAFONI, R.S. Bandidos e Salteadores: concepções da elite romana sobre a transgressão social. Dissertação de Mestrado apresentado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/IFCH. Campinas: Unicamp, 1999) e FAVERSANI, F. A Pobreza no Satyricon de Petrônio. Dissertação apresentada ao curso de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, S.P., 1995, p. 17. De C. Petrônio não há muito que dizer. Dormia o dia inteiro e dedicava à noite para seus trabalhos e prazeres. Muitos ficavam famosos por seus empenhos (indústria). Ele era famoso por sua preguiça (ignavia). Não era considerado um homem que corre atrás do proveito, mas dos prazeres sutis (erudito luxo). Tudo que dizia e fazia era descontraído e sem esforço, e sua simplicidade cativava como uma gentileza. Mas soube ser energético quando no serviço público, primeiro como pro cônsul na Ásia, depois como cônsul. A seguir, retirou-se para a vida privada e seus vícios favoritos e, como tal, foi aceito no círculo mais íntimo do Imperador Nero, onde reinou como um verdadeiro árbitro da elegância (elegantiae arbiter). Nero nada fazia sem antes consultar seu sofisticado cortesão. Isso suscitou a inveja de Tigelino, outro cortesão, que contra Petrônio arma uma intriga, envolvendo seu nome com conspiradores. Nesse âmbito, por pertencer à elite romana, a leitura de seus escritos devem ser feitas de forma cuidadosa, pois retratam o olhar por vezes oficial da corte do Imperador. Sua obra, Satyricon, é escrita em prosa intercalada com versos que narram às aventuras de três personagens trapaceiros, sendo eles, Encólpio, Ascilto e Gíton.64 Assim, no Satyricon, Petrônio vai retratar a vida privada do Imperador, dos prazeres, da vida cotidiana, do vinho, dos banquetes, dos jogos, das orgias, do bacanal, dos banhos públicos, os abusos das termas, nas quais se discutiam política, ostentavam-se fortunas e maquinavam-se assassinatos. O sociólogo Fernando de Azevedo65 destaca que: A Roma dos Césares, tão decaída de sua ancianidade gloriosa, não é senão esta cidade retratada por Petrônio, pintor de costumes, e de que, conhecendo-a, como ninguém, dotado de poder de dissecção moral, deu, em dois rasgos de mestre, o quadro verdadeiro, de cujos horrores não se assustavam o seu espírito penetrante e céptico há um tempo. A tela traz por baixo o título de Crotona, mas é de Roma a pintura fiel. Quando esse escritor singular, o „arbitro da elegância‟, no tempo de Nero, aguçou os bicos de pena ou afiou o estilo para esfarrapar o manto de púrpura, sob que se velavam as chagas de uma sociedade corrupta, o que tinha diante dos olhos era, de fato, a cidade arquejante sob a maré de prazeres, que, avolumando-se das cidades da Campânia, sempre inclinadas aos excessos da lascívia, rompera todos os diques das leis moralizantes e já entestava as sete colinas. 64 Nesta dissertação, optou-se pela tradução para o português de todos os nomes apresentados na obra literária. 65 Cf: AZEVEDO, F. de. No tempo de Petrônio. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1962, p. 23. A cidade romana, no período do principado, já se mostrava influenciada pelos costumes estrangeiros, pois com o desenvolvimento do processo de conquista imperial a cidade de Roma tornou-se um centro de atração. A tradição, os costumes romanos praticados pelos ancestrais, bem como a religião romana, dividiam seu espaço com os diversos tipos de culturas e crenças. Sobre os personagens e o comportamento do homem romano podemos citar as dezesseis Sátiras de Décimo Júnior Juvenal, satirista e literato do século I d.C, que ao enfatizar sobre os motivos que o levaram a escrever suas Sátiras, destaca o descaso com àqueles que detinham o saber, do pouco que se pagava para obtê-lo e dos subterfúgios de uma Roma que se encontrava envolta da criminalidade, da oposição entre os contrastes do dia e da noite; de uma Roma multifacetada. Dessa forma, Juvenal se perguntava “esta cidade criminosa vendo, que férreo coração silêncio guarda!”. (JUVENAL, Sátira I, p. 38 e 39) 66 A Roma do poeta Décimo Júnio Juvenal era marcada por estes contrastes, durante o dia, nas ruas se presenciava uma agitação intensa, pessoas andando por todos os lados, se acotovelando, um barulho infernal se fazia presente. As tabernas, os barbeiros, os donos de botequim, todos disputavam fregueses, boa parte no grito. Nas esquinas era fácil avistar cambistas, curiosos encantados com apresentações artísticas, encantadores de serpentes, mendigos, suplicando por esmolas, enfim, uma população que se esquadrinhava em meio à agitação e o corre-corre do dia-adia. Durante a noite todo este barulho era substituído por outro, muitas algazarras causadas em sua grande parte por jovens romanos, que depredavam, e praticavam violência contra os bens e as pessoas, movimentos de carros de toda a espécie, boêmios, malandros e vagabundos que andarilhavam pelas ruas. Prostitutas e “garotos de programa” ficavam a espreita de novos clientes. E eram em meio a este cotidiano, que o literato buscava desvendar os segredos que a cidade romana guardava.67 66 67 Cf: JUVENAL, D. J. Sátiras. São Paulo: Edições Cultura, 1943. Cf: CARCOPINO, J. Roma no Apogeu do Império. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p: 69-70; Cf. também: SALLES, C. Nos submundos da Antigüidade. São Paulo: Brasiliense, 1987, p: 190-200 e SILVA, N. O. O Clientelismo nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal. Iniciação Científica. Maringá: UEM, 2003. A “cidade de tijolos” reconstruída por Caio Júlio César Otaviano e transformada na “cidade de mármore” revelava uma sociedade parasitária, entregue aos prazeres e a extrema volúpia.68 Os prostíbulos, os desregramentos da família Imperial, a devassidão do povo romano e a concupiscência das festas, representadas pela ostentação do luxo e das esplêndidas mesas, eram retratadas nas pinturas e nos mosaicos eróticos das paredes romanas. Com efeito, a obra de Petrônio traz muitos elementos do mundo sagrado e do profano, como os rituais míticos e as orgias. A história tem muitos elementos de uma extravagância Hollywoodiana: Nero, orgias, salas de mármore, o poder do Palácio e do Fórum Romano, rituais, banquetes, dançarinas nuas, excessos sexuais, em suma, tudo levemente mencionado nos mistérios do Apocalipse de João e referido como a raiz de todo mal pelos televangelistas americanos. 69 As discussões tecidas levam-nos a afirmar que, em meio à sociedade romana, os cidadãos estavam entregues aos prazeres da vida, todos tinham seu respectivo valor, ou seja, „assem habeas, assem valeas’ (valia cada um quanto tinha). Com isso, a sociedade estava dividida entre os ricos e aqueles que não 68 O surgimento de Otaviano no cenário político é marcado por intensos conflitos pessoais direcionados a Marco Antonio, principalmente após o assassinato de Julio César. Quando Roma entrou em guerra com o Egito, Otaviano obteve uma vitória decisiva. Marco Antonio, que considerava Cleópatra como sua rainha, tinha como objetivo transformar o Império Romano em uma monarquia helenística, com capital no Egito. Esse objetivo não foi alcançado o que levou Marco Antonio e Cleópatra, por volta do ano 30 a.C. a cometer suicídio. Pela primeira vez, um único homem mantinha sua supremacia no mundo romano, era Otaviano. O senado proclamou-o Imperador, chegando ao fim o sistema republicano, dando lugar ao Império Romano. O senado passaria a chamar Otavaino de Augusto, que significa “o venerado”. O governo de Caio Julio César Otaviano (27 a.C. – 14 d.C) foi lembrado como uma Idade de Ouro. Cf: FEIJÓ, M.C. Roma Antiga. São Paulo: Editora Ática, 1996; GRIMAL, P. O Império Romano. Lisboa: Edições 70, 1999; ALFÖLDY, G. A História Social de Roma. Lisboa: Presença, 1989; DE MARTINO, F. Storia Economica di Roma Antica. Firenze: Nuova Italia, 1979; GARNSEY, P & SALLER, R. The Roman Empire: economy, society and culture. London: Duckworth, 1987. 69 Cf. “The story has many elements of a Hollywood extravaganza: Nero, orgies, marble halls of power on the palatine and in the Forum, riotous banquets, nude dancing, girls, sexual excesses, in short everthing hinted at in the mysteries of the Revelation of John and referred to as the root of all evil by American televangelists.” Cf: SCHEMELING, G. “The Satyrica of Petronius.” In: The novel in the Ancient World. New York: E. J Brill, 1996, p: 457. As traduções presentes nesse estudo são do próprio autor (tp – tradução própria) tiravam os olhares da fortuna alheia.70 O sociólogo Fernando de Azevedo (1962, p. 24) completa dizendo que: A devassidão que, desde a manhã, rompia, a céu aberto, no Coliseu, nos espetáculos do Circo Máximo, e no teatro de Marcelo, esgueirava-se, nos ardores da sesta, pelas salas de banhos das termas, para, ao cair da tarde, desenfrear-se, na crueza íntima das cenas lúbricas, a que se armava toda a magnificência asiática dos festins, em que os convivas, refartos dos prazeres da mesa, adormeciam, até noite velha, em coxins de plumas de cisne, nos braços de senhoras de alta estirpe, confundidas, nos extremos da crápula, com as mais belas escravas arrebanhadas de remotas províncias. A historiografia moderna ressalta que somente uma pequena parte dessa obra latina chegou ao nosso conhecimento, o episódio mais destacado e estudado no Satyricon refere-se ao Banquete de Trimálquio, cujo manuscrito foi descoberto no século XVII. Nesse episódio, Petrônio descreve Trimálquio como sendo um “novo rico” vulgar, que aceita receber os “aventureiros” para um banquete. Ao falar sobre o acontecimento, descreve o ambiente, as iguarias oferecidas aos convidados, os incidentes grotescos que ocorrem durante o jantar, as conversas cômicas, e a embriaguez de Trimálquio. Petrônio relata ainda as histórias contadas por ele, sempre fazendo uso do recurso satírico. Assim, o autor do Satyricon acabou sendo condenado ao suicídio em 66 d.C por Tigelino,71 que acusou Petrônio de conspiração contra o Imperador. Todavia, o Satyricon é uma obra polêmica, o que tem despertado o interesse de muitos estudiosos sobre o assunto, principalmente no que concerne a sua datação, título e autoria. A historiadora e Prof. Drª. Renata Senna Garrafoni em seu estudo intitulado “Bandido e Salteadores: Concepções da Elite Romana sobre a transgressão social”, a partir da análise do Satyricon e das Metamorfoses de Apuleio ressalta sobre a particularidade do estudo de ambas, destacando as suas características literárias e seus conflitos sociais. Vejamos o que Garrafoni (1999, p: 38) nos observa sobre Petrônio e o Satyricon: 70 71 Cf. JUVENAL., Sátira I, 112-115 Ofônio Tigelino foi um político romano de origem grega, que exerceu o cargo de prefeito do pretório (62 d.C) sendo um influente conselheiro do imperador Nero. Há uma grande discussão entre os pesquisadores modernos para determinar com maior precisão quem seria seu autor, o período em que foi escrita e seu título original. [...] A biografia de Petrônio é bastante imprecisa e desde o período do Renascimento há uma grande dificuldade para se determinar quem foi este homem. A maioria dos pesquisadores concorda que o autor do Satyricon é o Petrônio descrito por Tácito em sua obra Anais (XVI: 18-19) e mencionado, mais brevemente, em algumas passagens de Plínio, o Velho e Plutarco. É bem verdade que, nos outros dois, mencionouse Tito. Apesar desta diferença, ao que tudo indica, os três falavam da 72 mesma pessoa e, segundo Walsh , é bem provável que Tácito tenha se equivocado. Diante desta situação, considera-se que o nome completo do autor seria Tito Petrônio Níger, cônsul romano durante o ano de 62 d.C., e conhecido como arbiter elegantiae (árbitro da elegância), já que estabelecia padrões de elegância na corte de Nero. Sobre as incertezas que pairam sobre a produção do Satyricon, cabe ressaltar o estudo do historiador Fábio Faversani73, que completa a citação acima afirmando que: Se há alguma característica que podemos atribuir ao Satyricon com absoluta certeza é a de obra polêmica. É quase impossível encontrar um consenso significativo sobre ela. Sua datação, sua autoria, seu título, os locais em que se ambientam os episódios, a influência do autor e do ambiente literário, sua trajetória de preservação, seu valor literário, a fidedignidade do texto hoje estabelecido em relação ao original, o peso das possíveis interpolações, o tipo de linguagem empregada e, mais do que tudo, o estilo, seu potencial enquanto fonte historiográfica e as intenções do autor foram objeto de franca e aberta polêmica no passado. Mesmo agora, nenhum destes pontos obteve um consenso, ainda que esta ou aquela perspectiva de análise em relação a alguns tópicos tenha atingido hoje uma forte hegemonia. Ao enfatizarmos estas questões, percebemos o quanto Petrônio era moderno para o seu tempo, apesar de muitos estudiosos tendo levantado dúvidas quanto à datação da sua obra. Seus relatos refletem os anos de 63-65 d.C, por expor características econômicas e apresentar personagens diversos, próprios do seu tempo, tais como, os gladiadores, os novos ricos, os tocadores de liras com suas 72 Cf: WALSH, P.G. The Roman Novel. Grã-Bretanha: Cambridge University Press, 1995, p: 244 Apud (GARRAFONI, R.S., op cit., p. 38) 73 Cf: FAVERSANI, F. A pobreza no Satyricon de Petrônio. Dissertação de Mestrado apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: USP, 1995, p. 14. paródias e sátiras, o que leva-nos a considerá-lo um contemporâneo de seus escritos.74 Fernando de Azevedo (1962, p. 34) cita que: Nas páginas do Satyricon, para as quais a pena de Petrônio esparrinhou salpicos de lama da Roma dos Césares, encontram-se, não engranzados ou concatenados entre si, mas esparsos, pensamentos de um lúcido vigor e conceitos imprevistos pela sua delicadeza requintada, que fazem de Petrônio „um contemporâneo do futuro‟. Tem sua filosofia própria, que, espírito refratário à sistematização, não reduziu a corpo a doutrina. Não era um moralista. Ao contrário, céptico, não tinha temperamento para apostolizar convicções ou fulminar, à maneira de Catão, dogmas rígidos de ética e sabedoria. Era antes um semeador de idéias, que tanto sabia pintar ao vivo quadros de corrupção de seu tempo, como da sua pena deixava cair, com certo descupido elegante, as pérolas de fino quilate de sentenças rivais de Sêneca e Públio Siro. O escritor latino revelava em seus versos as máximas das questões que permeavam o pensamento romano. A brevidade da vida levou-o a se aproximar da filosofia epicurista. Assim sendo, o poeta aconselhava a cada um procurar ocupar-se do que lhe fosse mais agradável fazer, pois não existia sequer algo que pudesse agradar a todos de forma homogênea. O tédio era o mal da filosofia estóica. 75 74 Este período é datado pela historiografia como referente ao governo do Imperador Nero (54-68 d.C). Sucessor do imperador Cláudio, o governo de Nero revelou uma época marcada pela depravação e a crueldade. Durante a sua administração, Roma fora incendiada. Muitos historiadores contemporâneos atribuíram este episódio a sua própria loucura. Ainda em seu governo, realizou constantes perseguições aos cristãos, o que acarretou a crucificação de São Pedro no muro central do Circo de Nero e a decapitação de São Paulo na Via Ostiense. A luz desse quadro, Nero foi o último governador da dinastia Júlio-Claudiana, filho de Agripina (sobrinha e segunda esposa do Imperador Cláudio) com Domício Aenobardo. Sua conduta degenerada, os constantes assassinatos, entre eles, o da própria mãe, forçou o filósofo Sêneca, seu preceptor, a cometer o suicídio. Os atributos de Nero fizeram com seu governo degringolasse. A entrada de cultos orientais e o confisco de bens dos ricos e nobres levaram o Estado à beira da ruína, em grande medida pelo abuso da luxúria e dos caprichos pessoais. Cf: Cf. REQUEJO, J. M. “Introducción general & Introducción”. In: TÁCITO, C. Diálogo sobre los oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1999. p: 8; SUETÔNIO. A vida dos doze Césares. São Paulo: Athena, 1950; VANDENBERG, P. Nero: Imperador e deus, artista e bufão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1986. 75 O estoicismo é uma escola filosófica fundada por Zanão (336-264 a. C), que defendia a austeridade física e moral, fundada na resistência do homem perante os sofrimentos e as adversidades da vida. O estoicismo opõe-se ao epicurismo, como vimos, pois para os estóicos, o único bem do homem não é o prazer, ou a felicidade, mas sim a virtude. O sábio estóico deve buscar o aniquilamento da paixão, até a apatia, pois esta é a causa do desejo, do vício e da dor. Cf: BRUN, J. O estoicismo. Lisboa: edições 70, 1986. Vêr também as teorias do filósofo Claude Adrien Helvétius, no qual postulava que o comportamento do homem era fundamentado no interesse, visto como um impulso para a obtenção do prazer e a eliminação da dor. Cf: MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 1314 e 1315. Petrônio levou uma vida boêmia, alternando entre os prazeres e os encargos, as virtudes e os vícios, a indolência e o trabalho. Toda essa característica mostra-se na construção dos personagens do Satyricon em relação às aventuras vividas pelos epicuristas na obra de Petrônio, em grande parte pela busca do prazer e do gozo proporcionados pela vida. Neste paralelo, o filósofo da linguagem Mikhail Bakhatin considera o Satyricon como um “Romance de aventuras e de costumes”, 76 sendo convenientemente empregada essa terminologia por muitos estudiosos da obra. Visualizamos abaixo o que o próprio Bakhatin77 nos revela ao falar sobre o Satyricon em comparação com O “Asno de Ouro” de Apuleio: Passemos ao segundo tipo de romance antigo que convencionamos chamar de „romance de aventuras e de costumes‟. Relacionam-se com esse tipo, em sentido restrito, apenas duas obras: Satyricon de Petrônio (que chegou até nós em fragmentos relativamente pequenos) e O Asno de Ouro de Apuleio (que chegou inteiro), apesar de que elementos essenciais desse tipo tenham sido representados por outros gêneros, principalmente as sátiras e também a diatribe helenística. Mesmo tendo chegado ao nosso conhecimento apenas os fragmentos, como bem nos confere o poeta e escritor francês Raymond Queneau na apresentação do Satyricon78, é possível ter uma visão geral da obra, por meio de uma coerência 76 Esse termo também foi empregado por outros autores, tais como: GRIMAL, P. “Une intention possible de Pétrone dans le Satyricon”.In: Bulletin de L‟Association Guillaume Budé. 3, oct., 1972, p: 297-310; VEYNE, P. “Le „je‟ dans le Satyricon”. In: Revue des Études Latines, 1964, v. 42, p: 301324; CALLEBAT, L. “Strutures narratives et modes de representation dans le Satyricon de Pétrone.” In: Revue des Études Latines, v. 52, 1974, p: 281-303. Nesse aspecto, estudos sobre o gênero de SILVA, G.J. da. Aspectos de cultura e gênero na Arte de Amar, de Ovídio, e no Satyricon, de Petrônio: representações e relações. Campinas: Unicamp, 2001, p: 97 e (GARRAFONI, R.S., op cit., p. 35). 77 BAKHATIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Ed. UNESP, Hucitec, 1988, p. 234. 78 Neste trabalho optou-se por utilizar como fonte a obra literária PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008. Sobre Raymond Queneau, vejamos: “Sem chegar a pensar (como Bürger e Bloch, além de mim mesmo, aliás) que só nos resta a trigésima quinta parte, os mais otimistas calculam que nos faltem pelo menos dois terços do Sayricon.” Cf: PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 09. narrativa, a maior dificuldade que se apresenta no que tange aos próprios historiadores, é mapear o que seria “falsificação” e “interpolações”. A partir dessa visão, o historiador Faversani (1995, p. 30) ressalta os “códices” da obra, pois alguns tradutores trazem à tona uma parte extensa dos seus escritos. Entretanto, muitos outros textos de Petrônio nos são apresentados somente por meio de pequenos pedaços. A construção do enredo como conhecemos na atualidade, deve-se a contribuição dos eruditos, que buscaram ordenar a narrativa ao mais próximo do contexto original. Como podemos observar na citação que se segue: Do mesmo modo, não há nenhum códice que traga o Satyricon sem lacunas ou interpolações e são relativamente raras as sobreposições possíveis de mesmas passagens existentes em códices diversos. Nota-se ainda que, além dos códices do próprio Satyricon, há também breves citações feitas por outros autores e pequenos fragmentos constantes de alguns códices cuja autoria é atribuída a Petrônio. Estes elementos são, em geral, tão parcelares, que é muitas vezes impossível alocá-los com a mínima segurança, daí eles comporem uma documentação à parte, que não nos propusemos a analisar por seu caráter extremamente fragmentário e pelas incertezas que se poderiam levantar quanto a real autoria e datação destes. Com esse pensamento, o termo Satyricon levantou hipóteses sobre o seu real significado. Assim, Satyrikos, Satura, Satirae ou Saturae, são formas latinas híbridas greco-romanas, que representavam aqueles que viviam do prazer sexual, a forma latina caracterizava-se como um meio de exegese da sociedade romana, de poder interpretá-la e compreender os indivíduos oriundos de seu próprio contexto social. 79 79 Cf. DIHLE, A. Greek and Latin Literature of the Roman Empire. Londres: Routledge, 1994, p: 126-131. Apud (GARRAFONI, R.S. op cit., p: 39). Ainda sobre as principais características do Satyricon, vêr: (C. Marcheri, E. Paratore, G. Devoto, E. V. Marmorale, E. Auerbach etc); PETRONIO. Satyricon. A cura de Luca Canali. Texto latino a fronte. Milão: Tascabili Bompiani, 1991. p: XXIIIXXX; PETRONIO. Satyricon. Introduzione, traduzione e note di Andréa Aragosti. Texto latino a fronte. Milão: Biblioteca Universidade Rizzoli, 1995, p: 79-90. Apud (SILVA, G. J. da. Aspectos da cultura e gênero na Arte de Amar de Ovídio e no Satyricon de Petrônio: representações e relações. Campinas: Unicamp, 2001, p: 101). Cf. GONÇALVES, C. dos R. A cultura dos libertos no Satyricon: uma leitura. Dissertação de mestrado. História. UNESP-FCL/Assis, 1996. Para Walsh, a obra petroniana não deveria ser encarada como a descrição das características físicas de um determinado percurso. Será antes um roteiro burlesco e autobiográfico do herói e dos seus amigos através do “mundo da sátira romana”. Cf; WALSCH, P. G. “The Roman novel.” In: The „Satyricon‟ of Petronius na the „metamorphoses‟ of Apuleius. Cambridge, 1995, p: 10. Apud (FERREIRA, P. S. Os elementos Paródicos no Satyricon de Petrônio e o seu significado. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Edições Colibri, 2000, p. 33). Nesse sentido, ressaltamos ainda que, no final do terceiro século a.C., os escritores romanos desenvolveram um estilo literário próprio, sendo elas a poesia instrutiva, a História e a Sátira. Universalizada, popularizada e perpetuada, a sátira seria o instrumento de manejo mais plausível e acessível diante dos “instruídos políticos”. A sátira induz ao interesse genérico e literário, despertando a curiosidade para estudos relacionados aos usos e costumes, festas, características físicas, assuntos políticos e morais. Dessa forma, a sátira passou a adquirir uma fisionomia de “caricatura literária”, ou seja, não se distinguindo muito da caricatura como conhecemos nos dias atuais, pautada pela „deformação‟ dos fenômenos de ordem física (gênero de desenho deformado, mas não obrigatoriamente cômico, mas que consistia em reproduzir, geralmente em termos gráficos, a aparência de uma pessoa, animal ou coisa; uma cena ou episódio, exagerando-se certos traços com intenção satírica, burlesca ou crítica), como um nariz grande, barriga avantajada e calvície, existindo também sátiras que se ocupavam de assuntos relacionados ao campo espiritual, outras ainda com críticas voltadas ao relacionamento social e afetivo. Todas as formas satíricas possuíam a intenção de elevar os “pormenores humanos”, ampliando as dimensões do lado cômico. Assim, no campo literário, a sátira faz uso do recurso da comicidade com base em caracteres da representação daquilo que poderia ser o “grotesco”. Este “grotesco” seria conseqüência direta do emprego de figuras de linguagens, tais como a hipérbole. Petrônio nos conduz às manifestações sociais e ao panorama cotidiano dos romanos, construindo um roteiro que vai além do literário, expondo profundas reflexões sobre a filosofia da história, da crítica sociológica e dos diversos conceitos satíricos. A arte literária que visa “censurar ou ridicularizar” traz na língua latina seus instrumentos de comicidade, fazendo parte os trocadilhos, os paradoxos, o estilo arguto e a ironia. Particularmente, o lúgubre panorama que Petrônio traça de Roma é demonstrado pelo seu estilo natural, direto e agudo. Revelando-se uma pessoa crítica da sociedade romana, do meio em que se encontrava e de sua própria condição de poeta. Levando em consideração o subjetivismo e a experiência social de Petrônio, passamos a questionar o que os seus escritos nos informam. Assim sendo, utilizamos o discurso Satírico para extrair temas que denunciam o comportamento do homem romano buscando compreender as relações políticas no interior desta sociedade. No estudo do texto satírico e com base em sua relação com o público, o que a sátira provoca no leitor? O riso sarcástico ou o riso ingênuo? Na maioria das vezes, o ato de rir vem acompanhado por algo ou alguma coisa que lhe tenha provocado. Portanto, o riso não é algo abstrato. Segundo o estruturalista russo Vladimir Propp, o riso pode ser80: [...] alegre ou triste, bom e indignado, inteligente e tolo, soberbo e cordial, indulgente e insinuante, depreciativo e tímido, amigável e hostil, irônico e sincero, sarcástico e ingênuo, terno e grosseiro, significativo e gratuito, triunfante e justificativo, despudorado e embaraçado. Pode-se, ainda, aumentar esta lista: divertido, melancólico, nervoso, histérico, gozador, fisiológico, animalesco. Pode ser até um riso tétrico! O riso encontra-se ligado a certos aspectos e atos do homem que levam à construção e a encenação de uma comédia, mas o rir natural de algo que seja engraçado torna-se diferente quando este ato é aplicado à arte literária. Este riso literário é o “riso da zombaria”, facilmente identificado dentro de uma reunião de amigos, por meio de piadas e ironias. O “riso de zombaria” aproxima-se muito da comicidade, e tanto a comicidade quanto o riso da ridicularização são focalizados dentro da esfera do satírico. Com isso, por que e do quê as pessoas riem? O que pode ser cômico? O que provoca o riso? Vladimir Propp (1992, p. 29) dá-nos a resposta, dizendo que: 80 PROPP, V. Comicidade e Riso. São Paulo: Ética, 1992, p: 27-28. Aqui vemos que é possível rir do homem em quase todas as suas manifestações. Exceção feita ao domínio dos sofrimentos, coisa que Aristóteles já havia notado. Pode ser ridículo o aspecto da pessoa, seu rosto, sua silhueta, seus movimentos. Podem ser cômicos os raciocínios em que a pessoa aparente pouco senso comum; um campo especial de escárnio é constituído pelo caráter do homem, pelo âmbito de sua vida moral, de suas aspirações, de seus desejos e de seus objetivos. Pode ser ridículo o que o homem diz, como manifestação daquelas características que não eram notadas enquanto ele permanecia calado. Em poucas palavras, tanto a vida física quanto a vida moral e intelectual do homem podem tornar-se objeto de riso. Portanto, identificar o cômico depende tanto do gênero de quem olha quanto da própria pessoa que se olha. O sujeito como indivíduo pode revelar involuntariamente seu lado humorístico ou então, revelar quando outro o identifica ao zombá-lo. Dentro desta lógica, suscitar o riso no cotidiano é o mesmo que suscitá-lo na arte. O riso da grande maioria das obras literárias é exatamente o meu e o seu riso, ou seja, o riso do dia-a-dia. Com efeito, a comicidade consiste num agrupamento da ação de dados objetivos do homem, como já visto, o riso acontece quando algo cômico ocorre, mas nem sempre o cômico provoca o riso, este depende ainda de condições de ordem histórica, social e pessoal: “É evidente que no âmbito de cada cultura nacional, diferentes camadas sociais possuirão um sentido de humor e diferentes meios para expressá-lo”.81 Neste sentido, o Satyricon revela sua importância para o estudo do mundo romano. A linguagem empregada por Petrônio chama a atenção sobre sua própria existência material composta por uma narrativa própria, de interação entre texto e contexto. Suas palavras podem ser usadas como expressão de pensamentos, objetos e sentimentos que foram representativos de seu tempo, isto é, século I d.C. Sublinhamos ainda que, imersos a essa visão teórica, a obra literária Satyricon não é um romance realista, pois se apresenta como um discurso satírico, com caracteres lingüísticos específicos, tais como o emprego de paródias, com 81 PROPP, V., op cit., p: 32. discursos cômicos e irônicos. O filólogo alemão e crítico de literatura Erich Auerbach82 nos completa dizendo que: Na sátira conservou-se certamente bastante coisa que segue o mesmo sentido, mas a representação não é tão amplamente disposta, mas antes moralista; tende mais à crítica de alguma característica viciosa ou ridícula. O romance, finalmente, fábula milesiaca, gênero ao qual pertence, no fim das contas, a obra de Petrônio, está, em outros fragmentos ou obras que conservamos tão fortemente carregado de elementos mágicos, aventurosos, mitológicos e, sobretudo, eróticos, que de maneira alguma pode ser considerado uma imitação da vida quotidiana de então – sem falar da estilização irreal e retórica da linguagem. Com base nessas afirmações, a obra mostra-se como um “retrato” teatral da vida romana na época de Nero. Ao expor os diálogos do banquete de Trimálquio, Petrônio nos oferece subsídios para compreender o modo em que viviam as camadas mais baixas da corte do Imperador, principalmente ao expor as expressões e as gírias latinas do período Imperial. O romance é narrado em primeira pessoa, pelo personagem Encólpio, que juntamente com Gíton viajam pela Itália sem um destino definido, perseguidos pela ira do deus Príapo, que o torna impotente pela difamação ao culto do “deus menor”. O Professor e pesquisador de Literatura Clássica Cláudio Aquati nos diz que83: Nos trechos remanescentes, o Satíricon conta as aventuras e desventuras de dois rapazes que perambulam pelo sul da Itália, nas imediações de Pompéia e Nápoles. Mas é possível que, nas partes perdidas, eles tenham começado sua viagem bem mais ao norte, na cidade de Massília (hoje, Marselha). Um deles é Encólpio, o narrador e personagem principal. Jovem bissexual, ciumento, covarde e violento, é um estudante que aparentemente conhece as letras, a retórica em particular. Acompanha-o Gitão, adolescente que tem por volta de dezesseis anos, um homossexual efeminado, volúvel e dissimulado. [...] Assim, presume-se que, partindo de Massília, em determinado momento Encólpio tenha profanado o culto de Príapo, deus da permanente ereção, e, por isso teria incorrido em sua ira. Logo após essa ofensa, o rapaz teria conhecido Gitão, por quem se apaixonou. Depois disso, é sempre o ciúme que parece mover Encólpio. Esse sentimento, como tudo indica, fora lhe instilado como parte da própria vingança de Príapo. Além desse ciúme doentio, Príapo castigara Encólpio com uma 82 Cf: AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1987, p: 26. 83 AQUATI, C. “Pósfácio”. In: Petrônio. Satyricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p: 224 e 225. impotência sexual intermitente. Dirigindo-se para o sul da Itália, provavelmente num movimento de fuga, como só ia acontecer em todo o Satíricon, os moços ter-se-iam encontrado com os lascivos Trifena e Licas – que aparecerão novamente na parte conhecida - , personagens que eles teriam de alguma forma lesado, roubando-os e traindo sua confiança. Já na Itália meridional, na região da Campânia, aceitariam a companhia de Ascilto, com quem formariam um tumultuado triângulo amoroso. Nessa altura, teriam tomado contato com um certo Licurgo, que acabaria morto e assassinado pelo ciumento Encólpio. Dessa forma, nas andanças de aventura, contracenam com vários personagens, tais como Ascilto, que passa a interferir na relação de Gíton com Encólpio; pelos caminhos encontram ainda: “Agamêmnon, Eumolpo, Licas, bruxas, as sacerdotisas do deus Príapo84, libertos, ricos e pobres”. A narrativa é permeada de histórias de naufrágios, roubos, bruxarias, prazeres gastronômicos e orgias. Sobre o que foi dito, justificamos com as observações do sociólogo Fernando de Azevedo (1962, p. 42): Petrônio foi um dos precursores do romance popular, é criar tipos capazes de viverem, daí por diante, a vida intensa da arte, personificando um caráter, um temperamento, um vício ou um feito de espírito. Todos os que o lêem, sofrem o encanto de uma sensibilidade flexível e viva, que vai até o fundo dos caracteres e de uma intuição psicológica com que parece envolver e prolongar as suas personagens. Ele é sempre fremente e humano. As figuras que põe em cena, homens e mulheres, pensam e sentem, falam e agem de acordo com o seu meio social, de que ele registra as mais ligeiras palpitações de vida, com uma arte de abreviações, em que as coisas se tomam objetivamente e bastam alguns toques essenciais para evocar uma fisionomia, fixar um tipo ou apanhar em flagrante um aspecto da sociedade de seu tempo. O Satyricon, com a sua mistura de simbólico e burlesco, com o seu realismo cortante aliado a um gosto delicado das coisas transparentes, e com suas notações pitorescas, constitui o estudo dos costumes e das idéias, da vida intelectual e social, e de algum modo a história interna e moral de Roma, no tempo de Petrônio. 84 Na mitologia grega era o deus da fertilidade. Assim, Príapo apresentava como característica o falo ou o membro genital enorme. O culto provavelmente surgiu no século IV na Ásia Menor, na cidade de Lâmpsaco. Hoja chamada Lampsaki, situa-se às margens do Helesponto, estreito que fica no Quersoneso, região da Trácia, que corresponde ao atual estreito de Dardanelos, na Turquia. A figura de Príapo originou-se das imagens fálicas diante das quais se realizavam as orgias dionísíacas. Nas festividades de Dionísio, ocorria a falofória, procissão em que um enorme falo era transportado pelo falófaro, sacerdote “que porta o falo”. O culto sacro e profano de que Príapo foi objeto em Roma abrangeu todas as ordens sociais e foi preponderantemente privado. Entretanto, considerado como uma “divindade humilde” foi religiosamente muito cultuada entre as ordens sociais mais baixas. Cf. OLIVA NETO, J. A. Falo no Jardim: priapéia Grega, priapéia latina. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 15-32 O Satyricon constitui um importante documento histórico para se compreender as minúcias da vida do povo romano, da expressão da alma popular latina por intermédio dos contos populares, dos mitos e símbolos, das lendas, das canções, do folclore. Com relação à divisão dos episódios no romance, adotamos as ações descritas por Fábio Faversani. À luz desse quadro, destacamos: Primeira parte – Puteoli ou outra cidade da Campânia (?), próxima a Nápoles. Aqui ocorrem as primeiras aventuras de Encolpius – que narram em primeira pessoa – e dois companheiros: Acyltos e Giton. Aparecem, de forma destacada, dois episódios: o do combate retórico no pórtico (cc. 1-25, e o da sacerdotisa Quartilla. Outras cenas se desenrolam em prostíbulos, albergues, pequenos mercados e outros cenários urbanos (cc. 1 a 25) Segunda parte – Cena Trimalchionis. Constitui praticamente a única parte explorada pela historiografia. Introduz o leitor na casa de Trimalchio, um liberto milionário, que oferece um lauto banquete no transcorrer do qual, além de explicar a origem de sua fortuna, expõe suas idéias, hábitos e cultura. Nesse trecho, falam escravos, libertos ricos e pobres, além de personagens de origem livre (cc. 25 a 78) Terceira parte – Na praia com Eumolpus. Ascyltos deixa de compor o trio de Protagonistas e aparece Eumolpus, um velho poeta, que o integrará. Esta cena se dá em um lugar próximo ao mar (talvez o Golfo de Nápoles). Dois episódios se destacam: no primeiro, passam por uma pinacoteca e examinam a arte clássica e, no segundo, se envolvem em um conflito dentro de uma hospedaria (cc. 89 a 115). Quarta parte – Caminho de Crotona. Os protagonistas embarcam em um navio que pertence a Lichas, do qual fugiam Encolpius e Gíton. A embarcação naufraga. Eumolpos escreve um extenso poema, o da Guerra Civil (c. 125 a 141). Quinta parte – Crotona. O trio consegue enriquecer através de uma farsa que ilude toda a cidade. São descobertos e Eumolpos é morto ritualmente pela população. Encolpius e Giton escapam. Final (c. 125 a 141) 85 O Satyricon é tributário da “Odisséia”, pois se estima que a obra completa seja maior que os “dezesseis livros” conhecidos, podendo chegar a vinte livros, com um volume aproximado de mil páginas.86 O Professor de Estudos Clássicos Gareth 85 86 Cf: FAVERSANI, F., op. cit., p: 15-16 e Apud (GARRAFONI, R.S., op cit., p: 41) Sobre a influência da Odisséia no Satyricon, cabe ressaltar que como na obra de Homero, o herói do Satyricon empreende-se a uma longa jornada. E tal qual como na Odisséia, o protagonista do Satyricon de Petrônio se vê perseguido por um deus. No que diz respeito a certos episódios, a Schmeling cita que essa idéia de que a obra original de Petrônio estaria dividida entre vinte livros, podendo chegar também a vinte e quatro livros é especulativa, pois as informações sobre sua produção original são fragmentárias. Sobre esse parecer, e apesar das especulações Schemeling confere a divisão da obra em vinte e quatro livros. Observemos a citação com a divisão da obra no original traduzido do latim para o inglês proposta por ele: A noção de que o Satyricon é constituído de 24 livros é altamente especulativo. Não sabemos se Petrônio tinha concluído o Satyricon no momento de sua morte em 66 d.C, ou mesmo se ele teve uma idéia de uma sistemática da obra. Dentre os elementos de prova que podemos especular, o Satyricon no original poderia ter algo parecido com isto:87 Porém, mesmo o Satyricon sendo uma obra fragmentária, serve como um importante referencial para compreendermos a cultura da sociedade romana, principalmente para o estudo dos “excluídos”. Petrônio inova a literatura latina ao dirigir seus olhares para os mais diversos extratos da sociedade do período do principado romano, por meio do referencial da fonética latina, isto é, do “latim vulgar”. A arte, quase pictural, com que, em quadros cheios de colorido e movimento, recria a atmosfera e sacode de vida o ambiente e as figuras, alia-se a uma observação psicológica, rica de malícias sutis e profundas, de que o autor do Satyricon guarda o segredo, entre os latinos. Sentindo-se bem na perfídia, e movendo-se entre os vícios com uma destreza tranqüila que nunca outrem atingiu, na antiguidade, é implacável na condenação do ridículo, que sabe surpreender, com olhar vigilante, ainda nos seus aspectos fugitivos. O que, no entanto, empresta ao Satyricon um caráter de fino humorismo e de ironia penetrante, é a impagável ingenuidade, com que Petrônio narra às coisas mais torpes e ridículas.88 referência para com a Odisséia é irrefutável, como a cena em que a mulher com quem Encólpio tem uma frustante experiência amorosa chama-se Circe, mesmo nome da deusa em Odisséia que transforma os marinheiros de Ulisses em porcos. Após vinte anos de sua partida, Ulisses é reconhecido na sua volta a Ítaca por uma velha ama, que o reconhece por meio de sua cicatriz adquirida ainda na juventude. No Satyricon, dentro da barca de Licas, este reconhece Encólpio pela genitália. 87 Cf. “The notion that the completed Satyrica consists of 24 books is highly speculative. We do not know if Petronius had completed the Satyrica at the time of his death in A.D 66, or if he had even an idea of a systematic Satyrica. From the evidence we can speculate that the Satyrica in the original might have looked something like this:” (SCHMELING, op cit, p. 460) (tp) Vêr: Apêndice I. 88 AZEVEDO, F de.,op cit., p. 66. Cabe ressaltar que Petrônio ao fazer uso do “exagero”, do recurso cômico, da justaposição de elementos incompatíveis, constrói um tipo de realidade, mais voltado à reflexão do que propriamente a “realidade do momento”. Assim, mediante os diferentes olhares sobre os diferentes ângulos da obra, construímos a nossa própria realidade sobre o olhar de Petrônio, sempre atento às fronteiras do anacronismo e das incoerências da formação do texto histórico. O uso de uma metodologia apropriada, específica é que permite o inovar da obra literária do Satyricon que sobrevive há mais de dois mil anos, sempre propondo a cada estudo uma nova forma de compreender não somente a Roma de Petrônio, mas os alicerces da sociedade moderna ocidental. Para isso, consultamos as reflexões de Aquati (2008, p. 235) e do pesquisador René Martin89 respectivamente: Em relação a tradições literárias mais cristalizadas, o Satyricon inova ao promover mudanças nas ações e emoções do herói, que perde todo o senso sociopolítico e permanece com os valores pessoais individualizantes, isto é, sem se importar com qualquer significado para a coletividade. Ao assumir outra perspectiva ideológica, Petrônio constrói uma obra que explora justamente as perturbações das relações humanas O que ele pinta é a realidade de seu tempo; mas ele a via, como todo criador, através do prisma de sua própria sensibilidade; ele procede, o mais freqüentemente, à maneira de um caricaturista, aumentando os traços e acentuando as características. [...] Eu escuto e você diz, mas certamente, como Flaubert dizia: „Madame Bovary sou eu.90 Assim, a obra de Petrônio representou um confronto às idéias tradicionais, principalmente no que se refere à história da literatura antiga. Sua herança literária pode ser verificada nos escritos do literato francês Gustave Flaubert em Madame Bovary, do escritor francês Jacques Anatole François Thibault, do romancista JorisKarl Huysmans, do poeta irlandês William Butler Yeats e do escritor Oscar Wilde; bem como do escritor francês Eugène Marcel Proust, do poeta e músico Ezra Pound, da escritora James Joyce, do poeta modernista e crítico literário Thomas Stearns Eliot, do escritor norte americano Henry Miller, do escritor Louis-Ferdinand 89 Cf: MARTIN, R. “La „Cena Trimalchionis‟: lês trois niveaux d‟um festin.” In: Bulletin de l‟association Guillaume Budé, vol. 3, 1988, p: 239 Cf: MARTIN, R. Le Satyricon Pétrone. Foundateurs Textes. Paris: Ellipses, 1999, p. 232-234. 90 FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew: Rios de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 127. Céline, Aldous Husley, também do escritor estadunidense Francis Scott Fitzgerald e do romancista Gore Vidal. O Satyricon também pode ser conferido no campo cinematográfico por Federico Fellini, que ao fazer uma releitura do passado, usa de uma liberdade única, deliberada pela crítica cinematográfica italiana como felliniana, pois mesmo usando de um esboço da realidade de seu tempo, Fellini mantém aspectos originais da obra de Petrônio. A produção data de 1969 e apresenta um convite a recompor o passado clássico por meio do mundo moderno, o da cinematografia. E assim, o mito de Petrônio começa. Sua morte é traduzida nos arquétipos nobres da literatura popular romana, tornando-se um importante referencial ainda em obras como Jeremy Taylor‟s em The Rule and Exercise of Holy Dying (1978), Henryk Sienkiewicz‟ Quo Vadis (1896), Nicholas Blake‟s mystery the Worn of Death (1961), e Federico Fellini com o filme Satyricon (1969).91 Ao analisarmos uma produção cinematográfica em consonância com a obra literária, salientamos a necessidade de se pensar nas particularidades do texto verbal e de um não-verbal. Para compreendermos os rituais do Satyricon como uma forma de Linguagem Simbólica, propomos o estudo da teoria dos símbolos por meio da relação autor, público e obra. [...] Relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinações extra textuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos. Em uma palavra, o historiador deve sempre, sem negligenciar a forma do discurso, relacioná-los ao social. A História é sempre texto, ou mais amplamente, discurso, seja ele escrito, icnográfico, gestual etc., de sorte que somente através desta descrição dos discursos que exprimem ou contêm a História poderá o historiador realizar o seu trabalho.92 91 Cf: “And so the myth of Petronius begins. His death is translated into the archetypal death of noble Romans popular in literature an becomes an important part in such works as Jeremy Taylor‟s The Rule and Exercise of Holy Dying (1978), Henryk Sienkiewicz‟ Quo Vadis (1896), Nicholas Blake‟s mystery the Worn of Death (1961), and Federico Fellini‟s movie Fellini-Satyricon (1969).” (SCHMELING, op cit., p. 459) (tp) 92 Cf: CARDOSO, C.F; VAINFAS, R. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 378. Com esta visão, passamos a tecer o Satyricon de Fellini, como um mediador do mundo Clássico ao Contemporâneo, da busca pela intertextualidade, da leitura da obra clássica por meio da produção fílmica, evidenciando novas abordagens de leitura do passado romano e da singularidade do mundo moderno; o foco para transitarmos entre um período e outro passa a ser o cineasta: Federico Fellini. [...] a ficção não seria o avesso do real, mas uma outra forma de captá-la, onde os limites da criação e fantasia são mais amplos do que aqueles permitidos ao historiador [...]. Para o historiador a literatura continua a ser um documento ou fonte, mas o que há para ler nela é a representação que ela comporta [...] o que nela se resgata é a reapresentação do mundo que comporta a forma narrativa. (Sandra J. Pesavento. Relação entre História e Literatura e Representação das Identidades Urbanas no Brasil - século XIX e XX). [...] para a história, tanto a estrutura da narrativa como seus detalhes são representações da realidade passada. E mais: fundamentalmente pretende que a narrativa seja uma representação verdadeira [...], a ficção não tem essa pretensão. (Helena Bomeny. Encontro suspeito: História e Ficção). 1.2 O SATYRICON DE FEDERICO FELLINI Aceita-me tal como eu sou. Só então poderemos descobrir-nos um ao outro. (Federico Fellini) Cinema-verdade? Prefiro o cinema mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade. (Federico Fellini) Federico Fellini ao compor o filme Satyricon realiza um esboço satírico da revolução sexual dos jovens de seu período. O cineasta nos informa que ao reler Petrônio, o enredo tinha lhe causado admiração, certo fascínio com a construção da história, principalmente pelos fragmentos e as partes que estavam faltando da mesma. Com esse pensamento tomou a iniciativa de reconstruí-la, mas não de forma positivista, documental, mas levando em consideração as influências do seu meio, baseado em seu olhar cinematográfico sobre um período distante e que lhe perseguia em seus sonhos. A relação de Fellini com o mundo dos sonhos estava ligada pela necessidade que tinha de buscar decifrar-se, não somente a si próprio, mas também àqueles que o cercavam. No conjunto das relações entre a realidade e a fantasia Fellini (1995, p. 113) nos relata: [...] No entanto a linguagem dos sonhos é a mesma de um filme e o filme é um sonho. Podemos dilatar o espaço, dar saltos no tempo, fazer aparecer e desaparecer as pessoas sem razão aparente. Assim que nos lembrarmos de um sonho, pensamos nas perspectivas e nos personagens estranhos, mas, sobretudo na luz indefinível, aquela que se associa a uma consciência livre. Ainda mais quando essa luz revela e esconde nossas mais profundas emoções; eu tento reproduzi-la no estúdio, na esperança de tornar meus filmes „sonháveis‟. A necessidade de nos conhecermos como seres transformadores do meio em que estamos imersos, bem como as relações com o “outro” caracterizava a lógica de Fellini de anularmos os limites entre a concepção de realidade e fantasia. Para o cineasta é por intermédio dos sonhos que nos expressamos, somos o que somos na expressão do “eu”, na psique do pensamento. Vejamos o que Fellini (1986, p. 119) ainda nos fala dos motivos que o levaram a trazer o Satyricon do universo literário para o mundo das telas: Juntamente com Casanova, com o Decameron e o Orlando furioso. Satíricon fazia parte, desde os tempos de Os Boas-vidas, dos filmes que prometia aos produtores como uma satisfação, em troca pela Estrada e tudo o mais que me interessava. Mas nunca tinha pensado em manter verdadeiramente essa promessa. Durante a convalescença da pleurite alérgica, reli Petrônio e fiquei fascinado por um particular que anteriormente nem havia notado: as partes que faltavam, isto é, o escuro, entre um episódio e outro. [...] Convalescendo em Manzina, na pequena biblioteca de uma pensão, caiu em minhas mãos Petrônio, tornando a me provocar uma grande emoção. Me faz pensar nas colunas, nas cabeças, nos olhos que faltavam, nos narizes quebrados, em toda a cenografia sepulcral da Ápia Antiga, ou em geral, aos museus arqueológicos. Fragmentos esparsos, pequenas armas que reapareciam daquilo que ainda podia ser considerado um sonho, em grande parte remoto e esquecido. Não uma época histórica, filologicamente reconstruída sobre documentos, positivistamente acertada, mas uma grande galáxia onírica, afundada no escuro, entre o brilho de gelos flutuantes, boiando em nossa direção. Creio que fui seduzido pela ocasião de reconstruir esse sonho, a sua transparência enigmática, a sua clareza indecifrável. [...] O mundo antigo, disse a mim mesmo, não existe mais, mas não há dúvidas de que sonhamos com ele. O esforço seria no sentido de anular os limites entre sonho e fantasia, de inventar tudo e depois objetivar essa operação fantástica para poder explorá-la como qualquer coisa ao mesmo tempo intacta e irreconhecível. Tendo em vista o que já foi dito sobre o Satyricon, enfatizamos que a obra fílmica é composta por cores que tem como referencial a pintura do mural de Herculano e Pompéia.93 Assim, a transposição do espaço pictural para o espaço 93 Pompéia (Pompéii) era uma antiga cidade da Campânia, ao sul da Itália. Fundada pelos Oscos foi dominada pelos gregos no século VIII a.C e ocupada pelos etruscos no século VII. Sofreu invasão dos Samnitas no final do século V a.C, aliando-se a Roma no século III. Ao participar da Guerra Civil do século I a.C, tornou-se uma colônia romana. Em 79 a.C Pompéia foi destruída pela erupção do vulcão Vesúvio. Herculano (Herculaneum) cidade menor que Pompéia também acabou sendo arrasada pela erupção do vulcão Vesúvio. As escavações arqueológicas permitiram reconstruir o cotidiano dos romanos na Antiguidade. O Satyricon de Petrônio faz referência aos usos e costumes dos “novos-ricos” que moravam em Pompéia, anos antes da erupção do vulcão. A epigrafia tem-se fílmico leva o espectador para o mundo romano proposto por Fellini. A função estética elaborada pelo cineasta é resultado da mistura dos sons e das formas. A filósofa e crítica da literatura, a Prof. Dr. Gilda de Mello e Souza nos esclarece dizendo que94: [...] Desde o início, quando a figura de Encólpio, em pé, ao lado dos fragmentos do afresco, desliza graciosa, paralela ao muro, sentimos que penetramos no espaço da pintura romana – restrito, emparedado, sem escolamento de planos, onde lemos as formas linearmente, como um friso. Logo as equivalências se sucedem felicíssimas, e o filme abandona qualquer intenção arqueológica, para conservar, na obsessão ininterrupta do fogo, o vermelho incandescente dos afrescos da Vila dos Mistérios; no céu e no mar, os azuis intensos. A utilização da cor passa de abstrata a violentamente emocional, mas a composição das cenas continua repetindo com fidelidade o espaço retalhado dos interiores romanos, a desolação da paisagem, na proximidade seca das rochas. Nesta perspectiva, a névoa e o vento, recurso muito fácil, de que Fellini abusa, perdem o sentido de conotação mecânica de mistérios e horror, para assumir a função estética de esmaecer os sons e as formas: o equivalente de transparência azulada da têmpera, na pintura da casa de Lívia, por exemplo. Em seus filmes, Fellini não apenas priorizava a imagem em si, mas dava uma singular importância também à sonorização. A expressão por meio da dublagem era o que dava significado às suas “figuras”. Na relação da imagem com o som, Fellini (1986, p. 72) diz que: Provavelmente no início experimentei muito o condicionamento narrativo da história, fazia um cinema mais paraliterário do que plástico. Seguindo adiante, confiei mais na imagem, e cada vez mais tento prescidir das palavras enquanto filmo. É durante a dublagem que volto a dar grande importância aos diálogos. Nisto, sou diferente de Antonioni, que talvez, para exprimir tudo mediante a imagem, insiste ostensivamente, com monótona severidade, no objeto. Eu sinto necessidade de dar ao que é sonoro a mesma expressividade da imagem, de criar uma espécie de polifonia. É por causa disso que sou contrário, tão freqüentemente, a usar o mesmo ator, o rosto e a voz. O importante é que o personagem tenha uma voz que o torne ocupado em estudar os grafitos presentes nas paredes de Pompéia. Muitos dos grafitos tratam de questões ligadas a propaganda eleitoral, aos anúncios de espetáculos, versos de poetas, sátiras aos ricos avarentos, proprietários de tabernas que misturavam água ao vinho; alfabetos rabiscados por crianças e grafitos que envolviam a sexualidade do homem na antiguidade. Sobre o cotidiano romano em Pompéia Cf. CORNELL, T e MATTHEWS, J. “A vida urbana em Pompéia. In: Roma: legado de um Império. Rio de Janeiro: Edições del Prado, 1996. v.1 p: 86 e 87. 94 Cf: SOUSA, G. de M. “Fellini e a Decadência”. In: Exercícios de Leitura. São Paulo: Duas Cidades, 1980, p. 139-140. ainda mais expressivo. Para mim, a dublagem é indispensável, é uma operação musical com a qual reforço o significado das figuras. De nada me serve a gravação direta. Muitos ruídos no som direto são inúteis. Nos meus filmes, por exemplo, não se ouvem quase os passos. Estes são ruídos que o espectador percebe apenas mentalmente, e portanto não há a necessidade de sublinhá-los: assim, se eles são ouvidos realmente, perturbam. Eis porque a trilha sonora é um trabalho para ser feito à parte, depois de todo o resto, juntamente com a música. Nesse sentido, a relação da imagem com o som para Fellini tinha muito a ver com a construção da memória, do pensamento, da busca pela “identidade”. E a memória estabelecia um jogo dialético com as lembranças, de conferir um som às imagens que nos recordamos. Assim, por intermédio das lembranças ou através da memória, ou das lembranças que “construímos” com a memória é o que nos destaca como seres únicos e históricos. [...] A lembrança pode ser real ou inventada, como é o caso da maioria das minhas lembranças. A memória, ao contrário, é completamente diferente: nós entramos numa dimensão entre o paranormal, o espiritual e alguma coisa que vivemos desde sempre. A memória nem tem necessidade de se exprimir através das lembranças. É um composto misterioso, quase indefinível, mas que nos liga a alguma coisa que, às vezes nós mesmos nos lembramos de tê-las vivido: os acontecimentos, as sensações que não sabemos definir, mas que confusamente sabemos que existiram. Assim, um artista – perdoe-me esta definição um pouco orgulhosa e desproporcionada -, um criador tem um conhecimento verdadeiro da memória, que pode lhe fazer lembrar que nunca apareceram de fato no contexto de sua vida.95 A teórica política alemã Hannah Arendt em seu texto “O conceito de História – antigo e moderno” 96 relata a sua aproximação com o conceito “Histórico”, quanto se trata da relação entre História e Memória. Com isto, tanto Hannah Arendt como o filósofo e sociólogo Walter Benjamin 97 consideram que os vestígios passados 95 Cf: FELLINI, F., op cit., p. 24. 96 Cf: ARENDT, H. “O Conceito de História – antigo e moderno”. In: ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 43-126. 97 Cf: ARENDT, H. “Walter Benjamin”. In: ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p: 133-176. Sobre o conceito de “História”. Cf também: BENJAMIN, W. “Sobre o conceito de História”. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 222 e segs. servem para elucidar os acontecimentos futuros. Nessa postura “Clássica” da História comparam determinadas experiências históricas como pérolas que estão no fundo do mar esperando um pescador trazê-las à superfície. O historiador seria este pescador que vai até a profundidade da experiência humana e não para trás, como no tempo cronológico.98 Para Arendt em diálogo com Benjamin, o tempo histórico, da memória histórica é constituído por fragmentos, por rupturas e não formado por causalidades. Com este pensamento, a concepção de memória e História para os gregos exercia a função de salvar os feitos do homem do esquecimento, para que com isso possa ser lembrado na posteridade.99 A professora Jacy Seixas100 da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), nos diz que a memória e a história nos estabelecem uma relação conflituosa. Com isso, visualizamos: Ao debruçar sobre a memória, a historiografia contemporânea pouco tem recorrido às reflexões da filosofia ou da literatura, mas tem estabelecido com a sociologia seu diálogo preferencial. De fato, é a sociologia da memória de Maurice Halbwachs que se constitui na base teórica fundamental à maioria dos trabalhos historiográficos. Neste sentido, é importante assinalar a influência de Halbwachs – que elabora, em 1925, uma sociologia da memória coletiva – sobre Pierre Nora, que no terreno historiográfico elaborará a divisão e oposição entre memória e História. Escreve Nora, em 1984, de forma provocativa: Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência de que tudo os opõe. Nora retoma e se apropria das idéias básicas de Halbwachs – a oposição que estabelece entre memória coletiva e história. À memória coletiva, Halbwachs confere o atributo de atividade natural, espontânea, desinteressada e seletiva, que guarda do passado apenas o que lhe possa ser útil para criar um elo entre o presente e o passado, ao contrário da história que constitui um processo interessado, político, e, portanto manipulador. 98 Apud (MAGALHÃES, M. B. Memória e História: Hannah Arendt em Estudos Ibero-Americanos. PUCRS: Edição especial, n. 2, 2006, p. 49-60.) 99 100 Cf: BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 70. Cf: SEIXAS, J. “Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais”. In: BRESCIANI, S; NAXARA, M. Memória e ressentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p: 40 Apud (MAGALHÃES, M. B., op cit., p. 58) Diante desta citação, para Arendt o historiador ou pesquisador ao construir a narrativa histórica, tendo de enfrentar a relação entre história e memória, se impõe em julgamentos dos fatos narrados, o que por sua vez realiza no momento da narrativa, julgamento este distinto do moral e do jurídico, o que permite ao historiador escapar dos dilemas entre objetivismo e relativismo cultural. A historiografia segundo a historiadora Marionilde Brepohl de Magalhães da Universidade Federal do Paraná cita que: [...] tal entendimento, trata-se de depor como uma testemunha e não de ditar sentenças, como um juiz. O historiador prestaria com seu trabalho, um testemunho sobre aquilo que ele ouviu e viu, não a partir de uma expressão vivida, mas através dos documentos que incitam sua imaginação e que o leva a perguntar, como uma criança de sete anos na idade dos porquês – aquilo que efetivamente aconteceu, porque foi assim e não de outra maneira para distinguir, enfim, o certo do errado, o belo do feio.101 Para Fellini era comum inventar recordações com a ajuda de uma memória que nunca existiu, ou seja, de uma memória que se fazia nascer a qualquer momento. Fellini se reconhecia apenas por intermédio de seu trabalho, que adquiria a função de espelho d’alma.102 101 102 Apud (MAGALHÃES, M. B., op cit., p. 59). A idéia do “espelho d‟ alma” aqui proposto acha ligado ao artista francês Marcel Dunchamp, que na década de 60 tornou-se um referencial no campo artístico. Ao deixar a pintura, buscou na arte conceitual a superação da arte como “gosto” e como “cultura da estética na arte” e não intelectual. Dessa forma, Duchamp “quis que a arte voltasse a ser uma expressão do intelecto não no sentido lingüístico – discursivo, nem lógico – matemático, mas no genuíno – artístico. A Arte conceitual baseia-se na polêmica, denunciando que a „idéia pura‟ idealizada pela filosofia não existe, pois sempre carrega consigo uma imagem, assim, como a „imagem pura‟ não existe na arte: a natureza morta serve de exemplo.” [...] Deste modo, “Ver, não significa enterrar o olho no objeto, mas perceber, interrogar a outra parte que ele nos transmite. Trate-se, portanto de surpreender uma transmissão chegada de um lugar inacessível – a frase do filósofo e matemático francês Daniel Sibony encontra a idéia básica da natureza morta com Espelhos.” Cf: SCHMIDT, C. “Natureza morta com Espelhos ou a natureza no seu próprio reflexo”. In: Cadernos da Pós-Graduação. Unicamp/IA. Campinas, p: 75-83, s/d. O cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade. A mentira é a alma do espetáculo e eu gosto do espetáculo. A ficção pode ir em direção de uma verdade mais aguda do que a realidade cotidiana e aparente. Não é necessário que as coisas que mostramos sejam autênticas. Em geral, é preferível que elas não o sejam. O que deve ser autêntica é a emoção que sentimos ao mostrar e ao exprimir.103 Essa característica deve-se ao fato de que seu trabalho era uma fuga do mundo autobiográfico, apesar de muitos críticos e estudiosos enquadrarem sua produção no campo autobiográfico. Por este motivo, em uma referência ao Satyricon Fellini (1995, p. 30-31) nos esclarece que: Porque o que constitui seu passado, constitui invariavelmente uma parte íntima de você mesmo. [...] De fato, quando Satíricon passou pela primeira vez numerosa foram os que o assistiram como um comentário sobre maio de 1968. Penso que os filmes como Casanova e E La nave va podem ser interpretados como sendo o reflexo de uma certa realidade, exatamente como é o caso de Ginger e Fred. Fellini busca em Delacroix a reflexão sobre a construção da “memória”: “As coisas que são mais reais para mim são as ilusões que criei para minha pintura. Todo o resto não passa de areia movediça.” 104 Nesse processo, a Rimini de Fellini era o lugar onde tinha passado boa parte de sua infância, mas a “verdadeira” Rimini tinha se afastado dele, existindo apenas uma imagem que figurava em seus filmes. O “fazer” cinema para Fellini (1995, p. 38-40) consistia numa forma de existência e não apenas de expressão. 103 104 Cf: Apud (STRICH, C ; KEEL, A., op cit., p. 86). Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 34. [...] Viver fazendo filmes é, para mim, a forma mais próxima de identidade na qual posso me encontrar. É no centro de minha história que me sinto no centro de minha existência. [...] O estilo é o que une seja a memória, sejam as lembranças, ou uma certa ideologia, um certo sentimento, a nostalgia, o pressentimento e a maneira com que se exprime tudo isso. O foco narrativo do filme é caracterizado pela primeira pessoa, marcado pela constante presença de Encólpio em cena. A forma felliniana aproxima-se de Petrônio por ser desconexa e fragmentada. A construção do filme foi feita por episódios tal qual como a obra literária de Petrônio. O período registrado pelo poeta romano vai ao encontro de Fellini através de um processo de identificação. A Prof. Drª. Gilda de Melo e Souza (1980, p. 140) afirma: Também o tema de Satyricon não é novo no universo felliniano. A decadência é o tema central de La Dolce Vita, e se bem que na época seja então a contemporânea, em vários momentos do filme o diretor alude ao passado, para mostrar a dessacralização atual dos valores [...] Em La Dolce Vita a comparação entre o presente e o passado visava o contraste; em Satyricon, vale como identificação. A identificação de Fellini acha-se muito próxima da relação entre História, memória e da construção da “identidade”, uma identidade felliniana, sua filmografia nos revela um cineasta que se encontrava por meio da produção de seus filmes. A Doce Vida (1960), Os Clows (1970) e A Cidade das Mulheres são alguns dos exemplos da filmografia de Fellini na qual o mesmo se realiza quanto diretor e “personagem” cinematográfico. Para compreendermos um pouco da construção da identidade felliniana recorremos à produção do sociólogo espanhol Manuel Castells, que em sua obra “O poder da identidade” traça um panorama dos movimentos sociais e da política, como resultado da interação entre globalização e tecnologia na sociedade moderna. O autor ainda trabalha com assuntos ligados as questões da formação dos diferentes tipos de identidades e como estas se relacionam com o Estado, na sua concepção de “Instituição”. A trajetória de Castells ocorre a partir das observações e das práticas dos movimentos sociais em contexto culturais diversos. Por este motivo, a idéia de identidade para Castells105 pode ser verificada por meio do significado e da experiência de um determinado povo. Vejamos: Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida [...] O autoconhecimento – invariavelmente uma construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta – nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modos específicos, pelos outros. Assim, para Castells identidade é o processo de construção de significado de uma determinada cultura. Nesta interpretação, tanto para uma sociedade quanto para o indivíduo existem identidades múltiplas. A identidade torna-se significante ao homem na medida em que o mesmo a constrói em seu processo de individualização. Com isso, a identidade é oriunda do processo de construção de significados, resultante do meio em que se encontra o indivíduo, nas relações institucionais, produtivas, religiosas e nas relações de poder. Ao tecer estas considerações sobre a questão da identidade, podemos dizer que Federico Fellini aproxima-se mais da “Identidade de projeto” proposto por Castells, uma vez que o autor elenca três possíveis formas de origem da construção da identidade, sendo elas, a identidade legitimadora, que tem como objetivo expandir e racionalizar o poder das Instituições dominantes no meio social, ligado as questões do autoritarismo e do nacionalismo; a identidade de resistência, que luta contra o processo de dominação das identidades dominantes e por sua vez a “Identidade de projeto” que como Manuel Castells cita, é um instrumento na qual o indivíduo se utiliza para redefinir sua posição em seu meio social. Sobre esta questão, Castells (1999, p: 24) afirma: [...] quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. 105 Apud (CASTELLS, M. O poder da identidade, Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 22.) Dessa forma, Federico Fellini em sua trajetória cinematográfica constrói uma “identidade de cineasta” utilizando de um processo significante imerso na sua relação entre o mundo do espetáculo fílmico e o da “Indústria Cultural” do cinema. Seu papel na “Identidade de projeto” é com base na sua identidade reprimida, é em seus filmes que Fellini torna-se “felliniano”, a marca do exagero. A transformação social é o resultado de sua produção artística, da receptividade do público, da construção do significado da obra fílmica de Fellini para o coletivo. Com isso, cada espectador passa a ser atuante no processo da construção da identidade, individualizada e coletiva.106 Os “desejos” são ao mesmo tempo coletivos e individuais. A identidade de Fellini é o resultante de seu próprio processo criativo, da formação de um personagem, da utilização de uma metodologia constituída por ele próprio e diluída em seus discursos. Ao nos identificarmos com a produção fílmica de Fellini, por meio de nossos desejos e anseios, passamos também a nos identificar com o personagem felliniano, solidificado em seu mundo individualizado. Esta postura da formação da identidade de Fellini, somente torna-se possível graças à montagem fílmica107, da estruturação orgânica dos elementos do filme, isto 106 Individualizada no sentido da construção da própria identidade frente à obra fílmica e coletiva referente ao significado cultural da obra sobre o meio social. 107 A definição técnica da montagem é simples. Trata-se de colar um após os outros, em uma ordem determinada, fragmentos de filme, os planos, cujo comprimento foi igualmente determinado de antemão. Essa operação é efetuada por especialista, o montador, sob a responsabilidade do diretor (ou do produtor, conforme o caso). Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 195-196. Assim sendo, “[...] somos informados de todos os estágios da produção cinematográfica: a elaboração do roteiro, a escolha do elenco, os ensaios, os copiões e assim por diante. O filme desmitifica o cinema, ao escancarar todos os truques e efeitos utilizados na sua realização [...] Tomamos, assim, conhecimento da importância do espaço fora-da-tela; tomamos enfim, conhecimento de que o cinema pode criar ilusão ao retirar os objetos de seus contextos. Para desmitificar o cinema e, de maneira indireta, o épico, existe forma melhor do que mostrar o próprio herói épico, não dentro do quadro, isolado em sua glória, mas envolto e dependente de uma equipe de técnicos com suas gruas, refletores, claquetes, câmeras e equipamentos de som?” Cf: SATAM, R. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p: 31 e 32. Vêr também: AUMONT, J. et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995 e LEONE, E; MOURÃO, M. D. Cinema e montagem. São Paulo: Editora Ática, 1987. é, do conjunto dos significados ordenados através do filme, tais como as imagens e os sons.108 Ao adotarmos este ponto de vista, no processo de construção da identidade, o indivíduo é levado a pensar sobre a formação da “memória” no aspecto coletivo e individual. Nesse viés, a “memória individual” é caracterizada pelas recordações, das lembranças de cunho privado, próprias da personalidade de cada um, e que selecionamos a partir de nosso subjetivo. A “memória coletiva” é caracterizada pelas lembranças impessoais, que podem ser compartilhadas com o grupo conforme os interesses coletivos. Nesse sentido, o sociólogo francês Maurice Halbwaches ressalta que: A memória coletiva, por outro, envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas. Ela evolui segundo suas leis, e se algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam recolocadas num conjunto que não é mais uma consciência pessoal. Com esta perspectiva, o cineasta apega-se as suas lembranças, nas recordações de sua juventude vivida em Rimini para compor seu “personagem”. Assim, no aspecto individual é limitado há um tempo e espaço. Halbwachs ainda completa dizendo que: [...] minhas lembranças pessoais são inteiramente minhas, pois estão inteiramente em mim. [...] é da própria lembrança em si mesma, é em torno dela, que vemos brilhar de alguma forma sua significação histórica. 109 Este perfil de interpretação proposto por Maurice Halbwachs divide a memória em dois momentos. Sendo uma interior e a outra exterior, ou então uma pessoal e a outra social. Com isso: 108 109 Cf: LEBEL, J. P. Cinema e Ideologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1975, p. 80. Cf: HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 55 e 63. A primeira se apoiaria na segunda, pois toda história de nossa vida faz parte da história em geral. Mas a segunda seria, naturalmente, bem mais ampla do que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o passado senão sob uma forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de nossa vida nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e mais denso. [...] Os grupos dos quais faço parte nas diversas épocas não são mais os mesmos. Ora, é do ponto de vista deles que considero o passado. É preciso, então, que na medida em que estou mais engajado nesses grupos e que participo mais estreitamente em sua memória, minhas lembranças se removem e se completem.110 A identidade é o resultado do processo histórico, formados em situações e momentos distintos, para Stuart Hall em “A Identidade Cultural na pós-modernidade”, afirma que a identidade linear unificada é uma “fantasia” ou a aceitação de uma “cômoda estória sobre nós mesmos”. Para Hall111: A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. Estas considerações nos fazem refletir sobre a “natureza da obra de arte” 112 , se a mesma encontra-se ligada diretamente ao seu criador ou torna-se singular a 110 HALBWACHS, M., op cit., p: 55; 74 e 75. A relevância da produção de Federico Fellini para a contemporaneidade com relação à história e memória cinematográfica se encerra na sua própria produção. Assim: “Quando a memória de uma seqüência de acontecimentos não tem mais por suporte um grupo, aquele mesmo em que esteve engajada ou que dela suportou as conseqüências, que lhe assistiu ou dela recebeu um relato vivo dos primeiros atores e espectadores, quando ela se dispersa por entre alguns espíritos individuais, perdidos em novas sociedades para as quais esses fatos não interessam mais porque lhes são decididamente exteriores, então o único meio de salvar tais lembranças, é fixá-las por escrito em uma narrativa seguida, uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem. Cf: HALBWACHS, M., op cit., p. 80-81. 111 112 Cf: HALL, S. A identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 13. Conceituar o que é “arte” é um desafio, pois são muitos os critérios que concedem a uma “obra” um valor artístico, no entanto, existe um consenso que valoriza e qualificam uma obra ou um artista, valores estes que mudam segundo a relação espaço-tempo. Para tais características Cf: MORAIS, F. Arte é o que eu e você chamamos Arte: 801 definições sobre arte e o sistema da Arte. Rio de Janeiro: Record, 1998. Assim, “a arte é um produto da criatividade humana que, mediante conhecimentos, técnicas e um estilo todo pessoal, transmite uma experiência de vida ou uma visão de mundo, expressando verdades humanas e despertando emoções em quem a usufrui.” Cf: FEIST, H. Pequena viagem pelo mundo da arte. São Paulo: Moderna, 2003, ver também: CUMMING, R. Para entender a arte. São Paulo. Ed. Ática, 1996. sua produção, ou seja, na medida em que uma obra de arte é “criada”, ela passa a ser autônoma do seu criador ou é apenas um reflexo do mesmo? Tal questionamento nos conduz pelos caminhos da subjetivação expressa pelo mundo artístico, mas também nos confere o elemento significante da obra artística, do condensamento da construção do pensamento sobre a mesma. Uma obra artística, nesse caso, literária ou cinematográfica, torna–se Clássica por apresentar caracteres atemporais, que perpassam a idéia linear do tempo histórico. Muitos dos conceitos com relação à “arte” foram trabalhados pelo Prof. Dr. Norberto Stori da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM. Assim, para ele a arte é sempre contemporânea ao seu próprio tempo, nesse viés, deparei-me com alguns teóricos que buscaram uma definição para este termo tão complexo, tais como o historiador da arte Ernst Hans Josef Gombrich, que cita: Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. [...] desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A maiúsculo passou a ser algo como um bicho-papão, como um fetiche. Podemos esmagar um artista dizendo-lhe que o que ele acaba de fazer pode ser excelente ao seu modo, só que não é “Arte”. E podemos desconcertar qualquer pessoa que esteja contemplando com deleite uma tela, declarando que aquilo que ela tanto aprecia não é Arte, mas uma coisa muito diferente.113 Jorge Coli, professor de História da Arte e Cultura da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, afirma que dizer o que seja arte é coisa difícil, já que inúmeros tratados sobre estética são contraditórios. O termo “arte” ou “obra de arte” pode ser usado no sentido classificatório ou valorativo. No sentido classificatório, não está em jogo se uma determinada obra de arte é boa ou não, mas pretende-se apenas firmar se um determinado objeto ou produção se classifica como obra de arte. O sentido valorativo tenta expressar o valor positivo ou negativo, bem ou ruim 113 Cf: GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LCT – Livros Técnicos e Científicos, 1999, p. 3. de uma obra de arte114. Para o Prof. Dr. de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo - USP, Alfredo Bosi, nos diz ainda que: Se perguntarmos hoje a um homem de cultura mediana o que ele entende por arte, é provável que na sua resposta apareçam imagens de grandes clássicos da Renascença, um Leonardo da Vinci, um Rafael, um Michelangelo: arte lembra-lhe objetos consagrados pelo tempo, e que se destinam a provocar sentimentos vários e, entre estes, um, difícil de precisar: o sentimento do belo. [...] Constatar, porém o uso social da pintura e da música, ou a função de mercadoria, não deve impedir-nos de ver antropologicamente a questão maior da natureza e das funções da arte. É preciso refletir sobre este dado incontornável: a arte tem representado, desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor, não esgota absolutamente o seu sentido nessas operações. 115 As múltiplas visões sobre o elemento artístico é o que confere à obra o seu “papel” artístico, a racionalização da mesma pelo “criador” é a perda da sua “aura”. A desconstrução da análise e a priori de seu caráter artístico limita o processo de subjetivação do expectador da obra de arte. O artista pode sugerir uma interpretação, mas não conferir sua interpretação como única e legítima, pois corre o risco de levar sua “criação” ao reducionismo. Segundo Federico Fellini (1995, p. 103): [...] O único critério que eu aprovaria para julgar uma obra de arte não é dizer „é bonito‟ ou „é feio‟, segundo certos parâmetros, segundo variáveis estéticas estabelecidas, mas saber se ela é vital. É a definição que me é mais próxima e que me permite entrar em contato com a expressão artística. Se uma obra é vital existe nela uma vida misteriosa, uma vida própria. 114 Cf: COLI, J. O que é arte. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995, p. 7. 115 Cf: BOSI, A. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 7-8. As novas técnicas de reprodutibilidade da obra de arte se aperfeiçoaram no decorrer dos anos, fazendo com que o conceito de arte fosse alterado. Para Benjamin: Com o século XX, as técnicas de reprodução atingiram um tal nível que estão agora em condições não só de se aplicar a todas as obras de arte do passado e de modificar profundamente seus modos como também de que elas mesmas se impunham como formas originais de arte.116 Mesmo que a reprodução da obra de arte seja próxima da obra original, perde-se o caráter de originalidade. Sua identidade, o testemunho histórico do momento da produção da obra pelo artista se descaracteriza por meio da reprodução técnica. Na reprodutibilidade técnica perde-se também o “caráter” da tradição, o que era único torna-se um produto da massa, assim, a perda da “aura” da arte e conseqüentemente da sua herança cultural se dá pelo uso de novas técnicas de reprodução da mesma; no cinema Walter Benjamin sublinha que a produção fílmica restringe o papel da “aura” quando reduz à personalidade do autor as necessidades da indústria cinematográfica. Sobre a questão da perca da aura no campo da obra fílmica, Benjamin nos reafirma que este fato somente ocorre quando se: [...] constrói artificialmente, fora do estúdio, à personalidade do autor: oculto da estrela, que favorece o capitalismo dos produtores cinematográficos, protege essa magia da personalidade que há muito já esta reduzida ao 117 encanto pobre de seu valor mercantil. De acordo com esta visão, o valor da obra de arte não está mais centrado no original, no objeto em si, e sim na visibilidade que possa a vir adquirir. O público que consome a arte produzida por meio do processo de reprodutibilidade, da técnica 116 117 Cf: BENJAMIN, W., op cit., p. 224 BENJAMIN, W., op cit., p. 239 industrial, passa a formar uma “cultura de massa”, não muito preocupada com a qualidade. Os críticos da cultura afirmam que o filme apontado como “representante máximo da reprodutibilidade técnica da indústria cultural”, visto como objeto, não possui um valor artístico. Entretanto, o que confere a “aura” a uma determinada produção fílmica são os “nomes”, isto é, os atores e diretores envolvidos na produção fílmica. Todavia a produção de um filme pode durar meses, o que por sua vez não ocorre um contato direto com o público. Para Walter Benjamin, a aura não pode ser encontrada na produção fílmica, uma vez que entre o ator e o público existe uma aparelhagem para compor os cenários, as tomadas e as edições; o que não ocorre com o teatro, na qual o público acha-se cara a cara com o ator. Neste sentido, o cinema para Benjamin é uma forma de expressão artística própria e direcionada para as massas. 118 Assim, o público do cinema é um examinador da obra de arte fílmica, porém um examinador que se distraí. No conjunto do texto podemos dizer que o cinema é uma forma artística composta por diversas técnicas, próprias da sua constituição enquanto objeto fílmico. Sua produção se dá não apenas por uma única pessoa, mas por um conjunto de pessoas. Neste viés, sua reprodução não destrói a sua aura (sua pureza artística), pois exerce a função de divulgação do trabalho de profissionais envolvidos no processo de produção cinematográfica. O processo de reprodutibilidade em voga no mundo moderno faz com que a obra de arte acabe emancipando-se de seu campo ritualístico. Neste aspecto o processo ritualístico refere-se ao valor do ritual de culto do objeto de arte. Assim sendo, o que confere a aura a obra de arte são suas características que são 118 Walter Benjamin ao analisar a relação da obra de arte com a sociedade capitalista. O status da arte é abalado em decorrência das técnicas da reprodução. A obra torna-se valiosa não pela significação, mas pelo valor de mercado. O público espectador passa a exercer o papel de consumidor quando as massas passam a consumir o objeto artístico, o autor torna-se um produtor tal como um operário. A questão situa-se na reprodução, mais especificadamente na modalidade da reprodução em série, na qual o original e a cópia se confundem. O sentido de autêntico e de singularidade se dessacraliza. A indústria cultural tem como objetivo vender “cultura”, mas para vendê-la é necessário atrair e agradar o público consumidor e não fazer o espectador refletir sobre o “produto criado”, pois sua máxima é a distração. singulares a própria obra, composta por elementos espaciais e temporais, o que a torna única. O artista está na gênese da obra criada, mas o mundo em que ela se instaura é variante ao próprio artista.119 Cabe ressaltar ainda que: [...] A arte é uma necessidade: uma interpretação da vida, que abandonada à própria sorte, nos aparecerá, provavelmente, desprovida de sentido, monstruosa. A arte é o contrário disso, é alguma coisa que nos reconforta nos tranqüiliza, nos fala da vida com termos extremamente protetores. Ela nos faz refletir sobre a vida que por si só seria apenas um coração que bate, um estômago que digere, pulmões que respiram, olhos que se enchem de imagens desprovidas de sentido. Acredito que a arte é a melhor tentativa de induzir no homem a necessidade de ter um sentimento religioso que a arte, 120 não importa qual arte exprime. Da mesma forma, Fellini tece uma crítica as muitas adaptações literárias que são realizadas para a tela do cinema, pois cada obra, tanto a literária quanto a cinematográfica possuem linguagens distintas, que devem ser analisadas dentro de seu contexto. Com isso, ao adaptar uma obra literária para o campo imagético, esta não precisa ser necessariamente uma cópia do trabalho primário, sendo que o universo literário, de característica verbal, pertence a “signos” distintos do não-verbal que exigem leituras peculiares. A adaptação fílmica passa para o viés da “tradução” diante de uma expressão única, não ocorrendo transposição, mas recriando personagens com perfis subjetivos ao do diretor e da obra cinematográfica. 119 Sobre a “lógica” que permeia o campo das humanidades, em especial na historiografia, observamos o que Thompson nos fala ao defrontarmos com temporalidades e fontes diversas: “Cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer à luz novos níveis de evidência. Nesse sentido, a „história‟ (quando examinada como produto da investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração, ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. Mas isso não significa absolutamente que os próprios acontecimentos passados se modifiquem a cada investigador, ou que a evidência seja indeterminada. As discordâncias entre os historiadores podem ser de muitos tipos, mas continuarão sendo meros intercâmbios de atitudes, ou exercícios de ideologia, se não se admitir que seja conduzida dentro de uma disciplina comum, que visa ao conhecimento objetivo”. Cf: THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 51. 120 Cf: FELLINI, F., op cit., p. 109-112 O que Fellini traz de novo para o campo cinematográfico é a contribuição quanto à “forma” em que o filme foi produzido e pensado. Seu enredo, a construção dos personagens, o preenchimento de lacunas, que ocorre dada a sua interferência no meio social e cultural, abre um leque de leituras possíveis sobre o filme e a obra original.121 Nenhum diretor de cinema me influenciou. Em todo caso, nem mais nem menos que os demais. O cinema em seu conjunto influenciou-me, mas igualmente influenciaram-me minha família, minha religião, minha educação, meu casamento, meus amigos e assim por diante: tudo que pertence à 122 minha época, tudo que me tornou o que sou. O filme foi construído dentro do “mundo de Fellini”.123 E com isso transposto para diferentes realidades, com distintos olhares sobre um determinado ângulo. Esta visão de Fellini refletiu também sobre a produção do filme “Satyricon”. 121 Federico Fellini era singular dentro do campo cinematográfico, justamente porque não existia uma técnica específica para cada filme, a metodologia utilizada por ele, a “forma” do filme era construída com o próprio filme que estava sendo rodado. O trabalho de Federico Fellini era “aberto”, e não já posto anterior ao próprio filme, isto é, o trabalho de Fellini não era algo que se adaptava a uma determinada técnica, mas ele mesmo construía a técnica do filme. Tendo em vista essa característica Fellini dizia que: “Não admito, para mim, nenhum método rígido de trabalho. Mesmo que tivesse que explicar como se divide meu trabalho, diria que a princípio sempre há um roteiro que coincide em grande parte com a estrutura do filme, tal como está planejado.” Cf: STRICH, C; KEEL, A., op cit., p: 87. Mesmo Fellini afirmando sua elasticidade quanto ao uso do método, fica claro que ele possuía sim um método para produzir e dirigir seus filmes, pois faz uso de recurso próprios do campo cinematográfico, tais como o uso de técnicas sonoras, dublagem, som, iluminação, montagem do estúdio, enredo, métodos específicos de filmagem e construção das personagens. O que o torna referência como diretor, é a construção de seu próprio método frente ao roteiro, como sublinhado. Assim, o uso da técnica é visível na construção do objeto fílmico. 122 Cf: STRICH, C; KEEL, A., op cit., p. 85. Para Federico Fellini “não existia qualquer divisão entre a imaginação e a realidade.” (Cf: FELLINI, F., op cit., p: 130). Esse movimento “felliniano” dentro dos mundos dos sonhos e da construção de signos para explicar o mundo cinematográfico teve influência do psicanalista Cal Jung. Com relação à leitura dos escritos de Jung, Fellini ressalta que: “Eu li algumas linhas de Jung*, mas não posso discuti-lo com tal desenvoltura. Devo dizer também que jamais fui psicanalisado. Jung foi um companheiro de viagem, um desses encontros providenciais que me alimentaram me cultivou. E lendo os trechos que podem ser considerados os mais acessíveis, penso ter descoberto alguém que me ajudou a compreender melhor os aspectos da criatividade, a relação com a realidade e com as mulheres.” Cf: FELLINI, F., op cit. p: 133-134. * Carl Gustav Jung (1875 – 1961). Psiquiatra suíço foi o fundador da Escola de Psicologia. Ampliou os estudos de Freud ao interpretar os distúrbios mentais e emocionais. Na terapia Junguiana, explorou os sonhos e as fantasias por meio de um diálogo entre a mente consciente e os conteúdos do inconsciente. 123 Ao observarmos estas características, podemos perceber que a obra fílmica torna-se “Clássica” por assumir um caráter de autônoma frente à obra literária e frente ao próprio diretor. Nesse jogo de relações, torna-se artística por exprimir sua autenticidade entre uma e outra, entre a obra literária e a fílmica. [...] Um sonho fica sempre fascinante se preservar seu lado misterioso. Quando se explica um sonho, destrói-se sua razão de ser e ele se torna banal. Levando em conta a importância das imagens na minha obra, elas devem ser capazes de comunicar as emoções e as significações necessárias, mesmo se elas são, às vezes, contraditórias. E é por isso que estou feliz por não termos falado diretamente de meus filmes – longe disso! Essa é uma coisa que eu detesto fazer.124 No entanto, a semelhança entre uma obra e outra, dentro dos arquétipos, dos protótipos, das versões que se entrelaçam é que nos conferem a intensidade da obra produzida. É dentro desse espaço que identificamos os “rituais cotidianos do Satyricon”, pois é no conjunto da obra de Petrônio e de Fellini que se exprimem o conceito de unidade.125 [...] Falei antes da dificuldade para um criador em distinguir com clareza o passado, o presente, o futuro, em traçar uma linha precisa entre a nostalgia, o remorso e o pressentimento, porque as coisas se apresentam no seu 126 conjunto. O cineasta reconhecia a contribuição significativa do cinema americano, pois era o cinema dos Estados Unidos que tinha inventado um tipo de “cultura” que passaria a pertencer a todos. Um retrato desenhado por testemunhas de seu próprio tempo. 124 Cf: FELLINI, F., op cit., p. 192. 125 Cf: BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Obras Escolhidas, Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1996. 126 FELLINI, F., op cit., p. 58 e 59. O cinema Italiano para Fellini era um cinema “culpado” porque além das histórias contadas sobre Roma, de Nápoles e da Máfia da Sicília pouco se sabe da cultura italiana como um todo, ou seja, do seu cotidiano, dos testemunhos, dos mitos e folclores, bem como das particulares de cada região. Sobre estas características peculiares, torna-se necessário redescobrir o “imaginário popular” romano que se encontra presente na contemporaneidade e expô-las nas telas do cinema moderno. [...] Durante os anos 30 e 40, os Estados Unidos contaram, de maneira extraordinária, contos de fadas para adultos e crianças, que nos ajudaram a ultrapassar a paralisia sufocante, neurótica, o pesadelo da vida sob a ditadura fascista. Então, se escolhi fazer cinema, foi verdadeiramente graças aos Estados Unidos. [...] Falo dos desenhos animados da época, como Popeye e Les Katzenjammer Kids. Tentei até, bem mais tarde, em Satiricon (Fellini-Satyricon) e Os Palhaços (I clows), encontrar as cores típicas dos desenhos animados de minha juventude. Faço referência a um país que se expressava pelo sorriso, de maneira humorística, enquanto em nós tudo era sério, tudo era sacrifício, tudo era mortificação da carne e exaltação totalmente delirante da romanidade. Os Estados Unidos foram fábula providencial que nos permitiu sobreviver, não nos enfiarmos na tristeza de uma vida completamente artificial, traída, camuflada por duas ideologias católica, que considerava a vida como uma passagem e a carne como alguma coisa imunda, e a ideologia fascista, segundo a qual era preciso morrer pela pátria. Por sorte, havia Fred Astaire, May West, os irmãos Marx, e Mickey! Então, minha simpatia total vai para a América. [...] Nosso cinema é um cinema culpado porque, verdadeiramente, nada contou da Itália. Da mesma maneira, a Itália é um país completamente desconhecido por culpa de sua literatura. Roma foi um pouco contada. Nápoles também, mas de maneira folclórica. A Sicília é sempre vista através das histórias truculentas da Máfia. Quanto ao resto da Itália, onde, a cada 50 quilômetros há testemunhas de uma outra cultura, de outros mitos, de outros ritos, ninguém fala. Verdadeiramente, é um país extraordinário.127 Nessa trajetória apresentada sobre a carreira Felliniana, bem como os caracteres que fazem parte da produção e direção do filme Satyricon, observamos o quanto o diretor encontrava-se ligado ao seu pensamento. No Satyricon, Fellini se destacava pela maneira em que apresentava os personagens e no tratamento em que dava ao sentimentalismo. 127 Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 152-155. Assim, o filme aproximava-se de certa transfiguração da obra literária, por intermédio dos personagens que adquiriam características disformes, próxima da característica caricatural. O amor em Petrônio era algo sínico. O amor homossexual era considerado uma conduta da natureza, enquanto que o heterossexual era visto como um desvio. Para Fellini, o amor era visto como algo confuso, um paradoxo entre o ideal feminino e o apelo a questão sexual. É na atmosfera geral, na maneira de apresentar os personagens e no tratamento que dá ao amor, que Fellini se afasta radicalmente da novela e começa a perseguir os seus próprios fantasmas. O livro de Petrônio nos dá uma visão satírica, mas jamais trágica dos acontecimentos. [...] No filme tudo se transfigura. À crítica se substitui o pesadelo, à comicidade o grotesco, à festa, a visão apolítica, às personagens o paroxismo das máscaras. – Existirão mesmo personagens, no filme? A maioria, ou melhor, a totalidade dos figurantes é tratada de maneira caricatural, disforme, monstruosa – são máscaras apenas. [...] E serão personagens os dois amigos, Encólpio e Ascylto, ou significam o desdobramento do herói, a personagem e o seu duplo? E Gyton? Não será apenas o ideal amoroso, um “eterno feminino” a seu modo?128 (SOUSA, 1980, p. 141) Em última instância, percorrendo o perfil de Fellini fomos construindo o Satyricon. A metodologia escolhida nos revelou o substrato da psique humana, numa tentativa de desvendar os estratos mais profundos do inconsciente. O mundo antigo de seus “sonhos” é original e confunde-se com os arquétipos relacionados à imoralidade, ao grotesco, ao uso de máscaras. As cenas dantescas mostram a lascívia do inconsciente reprimido do paganismo romano. O uso do método semântico (estudo dos significados) através de uma perspectiva macrossemântica (visão do conjunto) possibilita analisar o objeto fílmico por meio de três elementos, tais como, o temático, o figurativo e o axiológico (estudo de alguma espécie de valor, com destaque para os valores morais). A Prof. Drª Sandra de Cássia Araújo Pelegrini ressalta que: 128 SOUSA, G de M., op cit., p. 141. [...] Por envolver um amplo sistema de valores éticos, estéticos, políticos e religiosos, o estudo semântico axiológico pode oferecer expressiva contribuição ao trabalho do historiador, especialmente, porque evidencia a euforização de determinados temas e conceitos, enquanto desnuda a desforização de outros, de acordo com os interesses dos produtores e dos 129 diretores e os valores da época em que o filme foi elaborado. Com isso, podemos identificar elementos carnavalescos e a natureza do instinto espetacular. Fellini sentiu-se atraído pela obra de Petrônio porque a decadência moral do período romano era muito semelhante ao do seu próprio período. A narrativa do filme se completa por meio de um mosaico, composto por fragmentos, mas que segue uma linha quase que “virtual” compondo as peças. Assim sendo, Fellini foi atraído pela obra de Petrônio por sua natureza fragmentária. Além de ser um filme que reflete muito do cineasta, também é um filme com um viés histórico. As dificuldades em se realizar um filme que tem como referencial uma obra literária condiz com a própria reconstrução de seu período, que para Fellini era algo impossível. Satyricon não seria um filme propriamente histórico, apesar de se referir a um determinado período do mundo Clássico, mas um filme de ficção sobre o passado histórico, delimitado pelo Alto Império Romano. A obra de Fellini não mostra uma Roma como ela era de fato, mas uma Roma pagã imaginada pelo artista. O trabalho cinematográfico busca pelo viés do imaginário resgatar o homem romano que tinha se perdido no tempo. Fellini faz esse jogo, de ser contemporâneo e buscar na arqueologia o homem antigo por meio do homem moderno. A distância que nos separa do mundo antigo é amenizada com recursos da fantasia. Assim, as discussões que se seguem nos elucidam sobre alguns aspectos da imagem cinematográfica e dos pressupostos metodológicos deste trabalho com base no pensamento de Karl Marx. 129 Cf: PELEGRINI, S. de C. A; ZANIRATO, S. H. (orgs). As dimensões da imagem: abordagens teóricas e metodológicas. Maringá: Eduem, 2005, p: 132 Apud (CARDOSO, C. F; VAINFAS, R. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 132) 1.3 APONTAMENTOS SOBRE A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA “Ernst Bernhard, o psicanalista jungiano, fez me compreender que a vida dos nossos sonhos não é mais importante do que a nossa vida acordada, especialmente para o artista”. (Federico Fellini) “Chamo de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero”. (Platão – République) A produção de um filme parte de um projeto artístico, cultural e de mercado. Sendo antes uma construção da visão de diferentes diretores, possuindo uma linguagem específica, que difere da linguagem verbal. A construção da narrativa fílmica ocorre por meio do processo de filmagem, do uso da tecnologia e de técnicas próprias do mundo cinematográfico. Assim, o cinema é um produto industrial, na qual trabalham diferentes pessoas que desconhece o todo da produção. O professor e pesquisador Milton José de Almeida130 cita que: [...] Mas o cinema não é um produto de um autor coletivo, social. É um produto industrial, de fábrica, no qual trabalham pessoas que fazem determinadas partes e não outras, num determinado momento da produção, e não conhecem o todo do produto que está sendo fabricado [...] Ver filmes, analisá-los, é a vontade de entender a nossa sociedade massificada, praticamente analfabeta e que não tem uma memória de escrita. 130 Cf: ALMEIDA, M. J. de. Imagens e Sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994, p. 12. O cinema integra uma grande indústria que possui divisão de trabalho, hierarquização, poder e interesses de mercado. O consumidor está distante da produção fílmica, pois este não pode devolver o produto fílmico, pois “comprou imagens projetadas durante certo tempo”.131 A imagem cinematográfica é um tipo de expressão que faz parte da comunicação visual. O cineasta tem como propósito transportar o espectador de seu mundo para o mundo criado pelo filme. Sobre a “linguagem do cinema”, vejamos o que Milton José de Almeida ainda nos fala: Uma tentativa de ver no cinema um sistema simbólico de produção, reprodução de significações acerca do mundo, em que ambos os termos de comparação vêem-se reduzidos. Mas pode-se tentar. O filme, como um texto falado/escrito, é visto/ lido como num texto/fala que à primeira letra/som sucedem-se outros, formando palavras que se sucedem em frases, parágrafos, períodos, até lermos/ouvimos a última letra/som e termos o texto/fala completo, o primeiro quadro, os seguintes, as cenas, as seqüências, o filme completo. O significado de um texto/filme é o todo, amálgama desse conjunto de pequenas partes, em que cada uma não é suficiente para explicá-lo, porém todas são necessárias e cada uma só tem significação plena em relação a todas as outras. 132 A partir desta visão sobre a “linguagem cinematográfica”, o espectador não vê o cinema, mas o filme, que faz parte do tempo presente, o tempo da projeção. O cinema existe antes e depois da projeção do filme. A indústria, o mercado de filmes, o roteiro, argumento, locações, atores, produção e tantas outras coisas fazem parte do cinema. E também as interpretações, as conversas depois do filme são coisas do cinema. Os que o produzem e os que o consomem encontram-se na sua projeção. [...] Só então discutimos e falamos sobre ele, como cinema, não mais como filme, longe dele, como memória, inextricavelmente ligado á nossa história, à história do mundo em que vivemos, à história do cinema.133 131 Cf: ALMEIDA, M. J., op cit., p. 25. Ibid., p. 28 e 29. 133 Ibid., p. 40 e 41. 132 Ao estudar o material visual não podemos tratar as imagens apenas como ilustrações. Estas se encontram inseridas em contextos históricos e carecem de debates apropriados. A professora e pesquisadora Martine Joly em sua obra “Introdução à análise da Imagem” remete-nos ao campo da análise das significações visuais, pertencentes ao mundo das imagens e das suas problemáticas. É Joly quem nos diz que: [...] a imagem é um meio de expressão e de comunicação que nos vincula às tradições mais antigas e ricas de nossa cultura. Mesmo sua leitura mais ingênua e cotidiana mantém em nós uma memória que só exige ser um pouco reativada para se tornar mais uma ferramenta de autonomia do que de passividade. [...] sua compreensão necessita levar em conta alguns contextos de comunicação, da historicidade de sua interpretação e de suas especificidades culturais.134 A partir da leitura de Martine Joly, percebemos que as imagens em geral são sinônimos culturais e que relatam experiências históricas, sociais, psicológicas e até fisiológicas. Assim, quando adentramos no universo icnográfico, a única certeza que temos é que são inúmeros os pontos de vistas das quais se podem analisar e interpretar uma produção imagética. No caso da imagem cinematográfica, para compreendermos um pouco da sua estruturação, torna-se viável decompor os elementos visíveis e constitutivos da imagem. A pesquisadora Martine Joly ao estudar os conceitos que englobam as estruturas da percepção imagética justifica o estudo da mesma ao afirmar que: “[...] interessar-se pela imagem é também interessar-se por toda a nossa história, tanto pelas nossas mitologias quanto pelos nossos diversos tipos de representações”.135 Assim sendo, a imagem em seu sentido primário (Bild, em alemão) está ligada a representação, isto é, a uma reprodução de algo, de um objeto, de alguma coisa que a visão, ou o olhar óptico captou. A imagem em seu aspecto sensível, no 134 135 Cf: JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 135. Ibid., p. 136. conjunto com a atividade da mente humana é vista como uma expressão de uma determinada idéia. Neste aspecto, encontram-se aqui as atividades relacionadas com a memória e a imaginação. Pensando nessa discussão e sobre a importância de se estudar a Imagem fílmica como um objeto de cunho historiográfico, que traz aspectos e práticas representativas de uma determinada cultura, a historiadora e Prof. Dr. Sandra de Cássia Araújo Pelegrini nos relata que: [...] faz-se necessário reconhecer que o estudo embasado na fonte imagética, mais precisamente no documento fílmico, não pode supor que a mesma constitua uma verdade incontestável, nem configure um „reflexo‟ direto ou indireto da realidade a que se refere. Ela deve ser interpretada como mais uma forma de manifestação das percepções humanas, inserida no âmbito de práticas e representações culturais, políticas e ideológicas de seu tempo.136 Segundo Jacques Aumont em sua obra “A Imagem” existem leis que determinam os elementos do visível. Assim, as informações que chegam até nós por meio da luz passam por etapas subseqüentes, que são processadas e codificadas. A codificação nos permite interpretar os fenômenos característicos da luz, como sua intensidade, seu comprimento de onda e sua distribuição no espaço. A percepção da luz é caracterizada através da visualização da luminosidade, estabelecida entre as relações do sistema visual com o objeto luminoso. A percepção da cor encontra-se ligado as reações do comprimento da onda emitidas e refletidas pelos objetos. Algumas superfícies absorvem determinados comprimentos de onda e refletem somente outros, o que nos confere a impressão de cor. Assim, os elementos de percepção nunca estão separados, mas encontram-se vinculados um ao outro. Nesse viés, a percepção da imagem cinematográfica abarca conceitos relacionados à visualidade, como o “espaço representado”, que é diferente do espaço cotidiano. Sendo antes, um espaço da superfície da imagem, num aspecto tridimensional e ilusório. Depois de delimitado o espaço da ação fílmica, tem a 136 PELEGRINI, S. de C. A e ZANIRATO, S. H (orgs). “As dimensões da Imagem: abordagens teóricas e metodológicas”. In: História e Imagem: a ficção teatral e a Linguagem cinematográfica. Maringá: Eduem, 2005, p. 125 questão da câmera, que realiza o recorte do espaço fílmico, por meio do uso de mecanismos técnicos da estruturação da visibilidade da imagem cinematográfica. 137 Após a estruturação da natureza da imagem cinematográfica, ocorre “a atuação dos níveis estruturais”, que é a apreensão da visualidade fílmica em sua forma final, neste componente está os elementos disruptivos, como a montagem, o som e a direção de arte.138 Assim, na direção de arte encontra-se o roteiro, que é o indicador da elaboração de idéias potencialmente visíveis. É a partir do roteiro que se define o espaço fílmico e a temporalidade da obra produzida. Sobre a importância do roteiro a pesquisadora Débora Lúcia Vieira Butruce nos diz que: A partir da primeira leitura do roteiro, o diretor de arte procura se situar no contexto geral do filme proposto, buscando encontrar sua potencialidade visual e a intenção pretendida. Estas indicações iniciais o auxiliam nas primeiras anotações concernentes à época, lugar, espaço, cor e textura, já vislumbrando algumas diretrizes visuais existentes nestas indicações que possibilitem que a ambientação da obra seja definida. Normalmente é feita uma listagem de todos os locais e objetos contidos no roteiro e cada seqüência, o que é denominado análise técnica mais detalhada será realizada posteriormente quando todos os elementos já estiverem definidos 139 pelo diretor de arte. 137 Sobre a câmera, esta “não pode responder. Não pode fazer perguntas estúpidas. Não pode fazer perguntas penetrantes que fazem você perceber que esteve errado o tempo todo. Ei, ela é uma câmera! Mas, pode compensar um desempenho deficiente, pode melhorar um bom desempenho, pode criar clima, pode criar feiúra, pode criar beleza, pode provocar emoção, pode captar a essência do momento, pode parar o tempo, pode mudar o espaço, pode definir um personagem, pode proporcionar explicação, pode fazer uma piada, pode fazer um milagre, pode contar uma história! Se meu filme tem dois astros, sempre sei que realmente tem três. O terceiro astro é a câmera.” Cf: LUMET, S. Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 75. 138 Grande parte da direção de arte e da concepção do figurino influi sobre o desempenho dos intérpretes. Cf: LUMET, S., op cit., p. 100. 139 Cf: BUTRUCE, D. L. V. A Direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. (Dissertação de Mestrado apresentado ao curso de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense). Niterói: UFF, 2005. Para o cineasta estadunidense Sidney Lumet: “O roteiro ainda deve manter-nos desequilibrados, surpresos, entretidos, envolvidos e, no entanto, quando é atingido o desfecho, dar-nos ainda a sensação de que a história tinha de terminar daquela maneira”. Cf: LUMET, S. Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Sobre a análise do roteiro Cf ainda: SOARES, S. J. P. Cães de Aluguel: análise de um roteiro de Quentin Tarantino. Campinas: Unicamp, 2001. (Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de Pós-Graduação em Multimeios) e CAMPOS, F. de. Roteiro de cinema e televisão: A arte e a técnica de imaginar, perceber e narrar uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. De acordo com esta citação, no processo de criação cinematográfica, o roteiro constitui-se como um dos primeiros elementos concretos da produção fílmica. Ainda dentro da direção de arte, encontra-se a pesquisa, que juntamente com o diretor de fotografia realizam-se investigações na busca de informações para a escolha de elementos para se compor o “visual” do filme; além da pesquisa, acha-se ainda o processo de pré-produção, que é a fase efetiva de criação, com a elaboração de projetos para a direção de arte e as etapas de realização. Outro aspecto para a criação da imagem fílmica é a escolha das locações ou dos cenários em estúdio. Após todas estas etapas checam-se todos os elementos em seus pormenores, entre estes, a cor, as formas, as texturas dos objetos, disposições de cenários etc, chegando ao limiar da pré-produção cinematográfica.140 [...] Cenários, roupas, conceito de câmera, roteiro, elenco, ensaios, cronograma, financiamento, fluxo de caixa, exames do seguro, locações, cover sets (interiores que filmamos se o tempo estiver ruim para uma externa), cabelo, maquilagem, testes, compositor, montador, sonoplasta, tudo já foi decidido. Agora estamos rodando o filme, afinal.141 Constatamos ainda que um filme seja constituído por seqüências, que são unidades menores dentro do próprio filme. Cada seqüência é constituída por cenas. O processo de decomposição do filme é chamado de decupagem142, que ocorre com seqüências e as cenas em “planos”. O plano corresponde a cada tomada de cena, sendo um segmento contínuo da imagem. Nesta mesma linha, o plano ainda corresponde a certos pontos de vista concernentes ao que se está sendo filmado. 140 Para informações detalhadas das etapas de produção fílmica Cf: BUTRUCE, D. L. V., op cit., p. 21-55. 141 142 Cf: LUMET, S., op cit., p. 101. A decupagem é antes de tudo um instrumento de trabalho. O termo surgiu no curso da década de 1910 com a padronização da realização dos filmes e designa a “decupagem” em cenas do roteiro, primeiro estágio, portanto, da preparação do filme; ela serve de referência para a equipe técnica. [...] Ela designa, então, de modo mais metafórico, a estrutura do filme como seguimento de planos e de sequências, tal como o espectador atento pode perceber. É nesse sentido que André Bazin utiliza a noção de “decupagem clássica” para opô-la ao cinema fundado na montagem; encontraremos a mesma oposição em Jean-Luc Godard. Cf: AUMONT, J e MARIE, M. op cit., p: 71. Para Gilles Deleuze, “a decupagem é a determinação do plano, e o plano a determinação do movimento que se estabelece no sistema fechado, entre elementos ou partes do conjunto. DELEUZE, G. Cinema, a Imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985. Assim, o teórico de cinema Ismail Xavier arrola uma escala de “planos” 143 . Vejamos no quadro que se segue: Em cenas localizadas em exteriores ou Plano Geral interiores amplos, a câmera toma uma posição de modo a mostrar todo o espaço da ação. Uso Plano Médio ou Conjunto aqui para situações em que, principalmente em interiores (uma sala, por exemplo), a câmera mostra o conjunto de elementos envolvidos na ação (figuras humanas e cenário). A distinção entre plano de conjunto e plano geral é aqui evidentemente arbitrária e corresponde ao fato de que o último abrange um campo maior de visão. Corresponde ao ponto de vista em que as Plano Americano figuras humanas são mostradas até a cintura aproximadamente, em função da maior proximidade da câmera em relação a ela. A Primeiro Plano (Close-up) câmera, próxima da figura humana, apresenta apenas um rosto ou outro detalhe qualquer que ocupa a quase totalidade da tela (há uma variante chamada primeiríssimo plano, que se refere a um maior detalhamento – um olho ou uma boca ocupando toda a tela) 143 Cf: XAVIER, I. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p: 27-28. Cf também: AUMONT, J e MARIE, M., op cit., p: 230-231 e PELEGRINI, S. de C. A; ZANIRATO, S. H (Orgs). op cit., p. 123-132. Para Edgar Morin, o filme é a junção de dois psiquismos: aquele que está incorporado na película e o do próprio espectador. Assim, o ritual do filme seria o da complementação, o ponto de cinética do imaginário numa pulsação de 24 imagens por segundo.144 Com isso, a imagem cinematográfica é resultado da singularidade do fazer cinema, do exercício do cineasta como obra criada. Como sujeito imerso na sociedade de produção, o cineasta acha circunscrito ao seu período, aos seus valores estéticos e recursos técnicos da qual pode dispor.145 Para Sidney Lumet: Finalmente os filmes são uma arte. Acredito que nenhuma combinação dos filmes de maior bilheteria atrairia a atenção que os filmes conseguem sem o trabalho de Marcel Carné, King Vidor, Federico Fellini, Luz Bruñel, Fred Zinnemann, Billy Wilder, Carl Dreyer, Jean-Luc Godard, Robert Altman, David Lean, George Aikor, Willian Wellman, Preston Sturges, Yasujiro Ozu, Carol Reed, John Huston, Satajit Ray, Orson Welles, Jean Renoir, Roberto Rossellini, John Ford, Willian Wyler, Vittorio De Sica, Martin Scorsece, Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Francis Ford Coppola, Elia Kazan, Michelangelo Antonioni, Jean Vigo, Frank Capra, Bernardo Bertolucci, Ernst Lubitsch, Buster Keaton, Steven Spielberg e tantos outros. Ao mesmo tempo em que Batman, o retorno fatura quarenta milhões de dólares no fim de semana de seu lançamento, Minha vida de cachorro leva quatrocentos e vinte pessoas a rir e chorar em um pequeno cinema. A quantidade de atenção dada ao cinema está diretamente relacionada com os filmes de qualidade. Os filmes que são obras de arte é que criam esse interesse, mesmo que não figurem com muita freqüência na lista das dez maiores bilheterias.146 Para o escritor Roland Barthes a imagem consiste em um fenômeno antropológico, a imagem fílmica institui uma temporalidade própria. O “fazer cinema”, da produção imagética está cada vez mais complexa, pois abarca uma gama de conceitos, símbolos, percepções, objetivos, estereótipos, seleções de seqüências de 144 MORIN, E. O Cinema e o homem imaginário. Lisboa: Ed. Porto, 1982, p. 241. Apud (D‟ ANGELO BRAZ, C. As representações do imaginário: uma análise crítica a partir de três leituras fílmicas de Orfeu. Campinas: Unicamp, 2003. (Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de PósGraduaação em Multimeios). 145 Sobre a questão do sujeito histórico, próprio de seu tempo e espaço Cf: BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. 146 Cf: LUMET, S., op cit., p. 202. cenas e linguagens específicas. O pesquisador Camilo D‟Angelo Braz diz em seu estudo sobre a representação do imaginário na produção cinematográfica que: O filme, como um tipo de documento, permite um recenseamento e uma classificação daquilo que costumamos chamar “imaginário”, a partir de um conjunto de imagens sujeitas ao tempo, cujos procedimentos da sua produção e seu resultado final, enquanto obra autônoma ou vinculada a um determinado estilo ou gênero, sofrerá diferentes contingências de aceitação ou rejeição. Com essa possibilidade, inúmeros estudos envolvendo a produção fílmica, em sintaxe e morfologia, os procedimentos metodológicos de análise, estudos sobre as formas de representação (a imagem perceptiva, imagem lembrança, a fac-símile de quadros históricos) ou icônica (as figurações pintadas, desenhadas, esculpidas, fotografadas) surgem para “decifrar” esse meio que, cada vez mais, agrega mais 147 disciplinas. Com base no que foi dito acerca da imagem cinematográfica, na produção do filme Satyricon, o cineasta Federico Fellini se expõe, direta e abertamente, porém com certo requinte de elegância. Como bem nos informa o poeta e escritor Guido Bilharinho em “O Cinema de Bergman, Fellini e Hitchcock”: Satyricon, com suas cenas iniciais teatralizadas, contudo, não é simples resultado de refazimento ou reação intelecto-criativo. É mais. Nesse mais encontra-se o elemento perturbador. Quebrando as amarras de patente pudicícia no tratamento das manifestações sentimentais e sexuais do ser humano, Fellini as expõe, nesse filme, direta e abertamente, porém, com 148 requinte e elegância. 147 Cf: D‟ANGELO BRAZ, C., op cit., p: 34 e 35. O autor ainda nos exemplifica, dizendo: “Há, por exemplo, o fascinante estudo icnográfico de Mikhail Rostovtzeff a respeito dos mosaicos antigos do Império Romano. Também, alguns estudos de sociologia da arte, ou dela decorrentes, como os de G. PLEKHANOV, G. LUKÁCS, E. FISCHER, Walter Benjamin, entre outros, envolvendo a relação arte e vida social. Mais recentemente, os de Erwin Panofsky de iconologia, que visa a atingir o sentido imanente da obra de arte, com visível influência do estudo das formas simbólicas de Ernst Cassirer, que propõe que o espaço de representação da obra de arte seja uma totalidade das formas simbólicas de uma sociedade. Entre os semióticos, começando por F. Saussure e Charles Sanders Pierce, que influíram decisivamente no enfoque semiótico da imagem por meio da noção de signo icônico. Foram seguidos por Charles W. Morris na década de 1960 e, finalmente, Umberto Eco, que após críticas contundentes ao iconismo, suavizou aceitado que certos signos são culturalmente codificados, sem serem totalmente arbitrários”, p. 35. 148 Cf: BILHARINHO, G. O Cinema de Bergman, Fellini e Hitchcock. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura, 1999, p. 94 e 95. O filme é “liberador e ampliativo do enfoque do cineasta”. As imagens escolhidas por Fellini ressaltam uma amostragem de figuras hediondas, com deformações físicas, inérticas diante da câmera. É a “repugnância do homem” que se revela por meio das cenas. Ao sair desse circo de horrores fisionômico-corporais, a câmera segue fazendo uma abertura focal, captando os panoramas, espaços e paisagens decorados do ambiente, é o encontro de Fellini com Petrônio, é o espaço do Mito, dos Rituais cotidianos, da ironia, da Sátira, do moderno e contemporâneo que se revela com a imagem cinematográfica. Vejamos: A partir daí arrefece e chega a desaparecer a apresentação das extravagâncias citadas, mas, pendularmente, extrapola a narrativa os limites da focalização do relacionamento entre o protagonista e seu parceiro para, dilatando consideravelmente sua abrangência, adentrar no vasto campo do mito e da história em peripécias e ocorrências várias em que se envolvem o protagonista e seu irmão nas quais até mesmo um poeta e um poetastro têm destacado papel, em que são relevantes a ironia, a modicidade e o agudo senso crítico de Petrônio (e de Fellini).149 A imagem cinematográfica do suicídio de um intelectual que corta seus pulsos refere-se à reconstituição da morte de Petrônio, que foi condenado ao suicídio por ter sido acusado de conspiração contra o Imperador Nero. As cenas e as tomadas das imagens destacam-se pelo aspecto cromático e pictório, e “excepcionalmente concebido e elaborado”. Assim, Guido Bilharino conclui dizendo que: Apresenta o filme, em sua complexa tessitura de intenções, pelo menos três linhas paralelas de realização: a estória dos dois irmãos e seu companheiro, o quadro inicial de abjeções e as alusões ou inserção dos protagonistas nas encruzilhadas onde se encontram, e às vezes se amalgamam, história e mito, sobressaindo sobre seu conjunto à extrema beleza da imagem na captação de décois e circunstâncias insólitas, muitas delas de evidente fundo crítico.150 149 150 Ibid., p. 94 e 95. BILHARINHO, G., op cit., p. 95. Por fim, Satyricon de Fellini é uma mescla de beleza e criatividade do cineasta, ao som do compositor italiano Nino Rotta o filme vai construindo o panorama imagético dos planos, das cenas e do roteiro. Neste viés, as imagens presentes no Satyricon podem ser comparadas a citação do sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard, na qual ele declara: “É precisamente quando ela parece mais verídica, mais fiel e mais em conformidade com a realidade, é que a imagem é mais diabólica”.151 151 Cf: BAUDRILLARD, J. The evil demon of images. Saint Louis, E.U. A: Left. Bank Books, 1984. Apud (XAVIER, I. O Cinema no século. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1996, p. 38.) 1.4 CARPE DIEM E O HEDONISMO EM EPICURO “Mais vale aceitar o mito dos deuses do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos ao passo que o destino é uma necessidade inexorável”. (EPICURO – “Carta sobre a Felicidade”) O ponto de partida para se conceber o Hedonismo em Epicuro é o movimento de formação do pensamento de Karl Marx. Com base em Epicuro, sua tese de doutorado intitulada “A diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro”, expõe a teoria Marxista sobre o “materialismo epicuriano” tendo como cerne as relações do mundo cinematográfico, da produção do objeto fílmico com o processo de produção e direção de Federico Fellini visto dentro da conjuntura do materialismo histórico. Assim, a tese sobre “Epicuro” dará origem a teoria do Materialismo de Marx. Com isso, escritos de Demócrito e Epicuro encontram-se ligados a filosofia helenística. Cabe ressaltar que, este contato com o universo da cultura grega vai estar presente por toda a via de Karl Marx.152 Com isto, tanto Epicuro como Demócrito afirmavam que toda realidade da física era formada a partir da agregação de partículas mínimas, invisíveis e indivisíveis, os átomos, que eram combinadas de formas específicas. Entretanto, opondo-se ao filósofo Abdera (filósofo, historiador e cientista atomista grego, 460152 Sobre o período helenístico que influenciou os escritos marxistas, ressaltamos que “em finais do século IV a.C., as cidades gregas ao perderem sua independência para os reis de Pérgamo (Antiga cidade grega da Mísia, próxima ao mar Egeu, que ficou muito conhecida no período helenístico por tornar-se a sede da dinastia Atálida. Foi nesta região que surgiu o pergaminho) Os Filósofos passaram a valorizar o conhecimento sensível e a desenvolver a concepção materialista da realidade. Assim, a filosofia centra suas discussões em volta do indivíduo e da obtenção da felicidade e do bem estar. Os deuses são reduzidos a dimensão humana e as religiões adquirem uma natureza sincrética. Destaque para as correntes filosóficas do estoicismo, epicurismo e ceticismo (atitude filosófica na qual as pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e a percepção que possuem são realmente verdadeiros). Para se aprofundar nestas questões e contrapor a leitura da teoria de Karl Marx sobre Epicuro, recomenda-se a leitura do filósofo Olavo de Carvalho Cf: CARVALHO, O de. O Jardim das Aflições. São Paulo: Realizações, 2000. 370 a.C), Epicuro não admitia que as agregações dos átomos fossem realizadas sob uma determinação qualquer, externa ao próprio átomo, mas que no momento inicial, os átomos apresentavam um movimento vertical no vazio levando-os a caírem. Se os átomos mantivessem este movimento inicial, os átomos seguiriam infinitamente em quedas paralelas sem jamais se agregarem em si, isto é, sem jamais constituírem qualquer elemento da matéria perceptível aos sentidos. No entanto, Epicuro afirmava que, os átomos possuíam uma potencialidade imanente, variante a alguma atividade mecânica que poderia alterar o movimento infinito de queda. Ao realizar este movimento chocavam-se e agregavam a outros átomos, formando assim, um “mundo sensível”. O próprio Karl Marx em sua tese nos confere que: Todo o corpo concreto é em geral um complexo, e em Epicuro será mais 153 precisamente um complexo de átomos. Mas enquanto Demócrito reduz o mundo sensível à aparência subjetiva, Epicuro faz dele um fenômeno objectivo. Epicuro fá-lo conscientemente, pois afirma partilhar os mesmos princípios, mas não fazer das qualidades sensíveis simples objectos da opinião.154 A importância da tese de Karl Marx não está no materialismo do atomismo epicuriano, mas na forma como esta teoria do atomismo se presta para análise das formas da consciência. Em suma, na capacidade dos átomos em desviar-se da trajetória mecânica e com isso criar “universos distintos”. Para Denis Collin, professor do Lycée Aristide Briand d‟Evreaux: [...] o lugar do átomo na filosofia epicuriana é completamente diferente do que se verifica em Demócrito, o átomo é uma espécie de coisa em si, um noumène que designaria o ser como tal, já em Epicuro, o átomo é um princípio de representação. [...] Assim, Epicuro objetivou no átomo a contradição entre a existência, enquanto Demócrito não faz senão “conservar o aspecto material e propor hipóteses com fins empíricos”. 153 Cf: MARX, K. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Lisboa: Editorial Presença, 1972, p. 25. 154 Cf: Ibid, p. 146. [...] Marx, sem haver ainda rompido formalmente com o helenismo, faz do materialismo epicuriano um momento decisivo da história da filosofia, 155 tomada como a história da consciência. Ao realizarmos a leitura da teoria marxista tendo como concepção a teoria do pensamento epicuriano, salientamos que o cineasta Federico Fellini não segue a trajetória comum imposta pelo mercado audiovisual, da produção de um filme sobre os moldes do sistema hollywoodiano, Fellini restringe seu público ao propor um filme diegético, com particularidades de seu próprio “mundo cinematográfico”. Ao desviarse da trajetória “comum” da produção fílmica, permite que ele próprio possa constituir uma narrativa, utilizando uma linguagem técnica específica própria do seu universo fílmico. Entretanto, todo discurso cinematográfico traz certa carga de ideologias, próprias de quem o produziu. Mesmo Fellini não tendo realizado um filme propriamente voltado para o grande público consumidor, o mesmo acha-se inserido no modo de produção capitalista, pois depende deste modelo para “sustentar-se” como “personagem felliniano” do cenário audiovisual. Estabelece aqui a dialética marxista, entre o cineasta e sua obra enquanto “arte” e “objeto” vendável. A representação do Fellini hedonista é característica de sua obra, o filme “Satyricon” é uma festa para os olhos, principalmente pela fotografia de Guiseppe Rotunno, da direção de arte e figurinos de Danilo Donati e da trilha sonora de Nino Rota. Neste sentido, na leitura de Epicuro e do poeta e filósofo latino Lucrécio, a filosofia Epicurista adverte que os homens devem amar a vida e aproveitar as oportunidades de prazer que ela oferece, deixando de envenená-la com ódios, paixões e os dissabores, sobretudo, não se amargurando inutilmente com o medo da morte. “Devemos lançar longe de nós esse medo do Aqueronte, que profundamente perturba a vida humana em seu próprio âmago, e, cobrindo tudo com o negror da morte, não nos deixa nenhum prazer tranqüilo e puro”.156 155 Cf: COLLIN, D. “Epicuro e a formação do pensamento de Karl Marx”. In: POLITEIA: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 6, n. 1, p. 21 e 23. 156 “Et metus ille foras praeceps Acherontis agendus. Funditus humanam qui vitam turbat ab imo, Omnia suffundens mortis nigrore; neque ullam. Esse voluptatem liquidam puramque reliquit.” Cf: De A teoria atomista de Epicuro difere muito da teoria moderna. O homem é livre porque existe a “declinação atômica”. Assim, ao ter posse dessa liberdade, o homem pode decidir o seu destino, pode libertar-se de suas ambições, das preocupações do dia-a-dia, para isto, o indivíduo não deve visar cargos políticos, nem invejar aqueles que os detêm, nem preocupar-se com as riquezas. O filósofo Agostinho da Silva completa dizendo que157: No fundo, o epicurismo é uma ascese, que pretende deixar o espírito o mais livre, o mais despojado, o mais puro possível para a apreensão dos prazeres que são os únicos que vale a pena buscar: o prazer da leitura, da contemplação da ordem do mundo ou da conversa entre amigos esclarecidos, o sentimento da fraternidade que une os homens livres; quando a morte vier, recebê-la-emos serenamente, primeiro porque tivemos cada hora presente como um tesouro precioso, sem nunca chorarmos o passado ou sonharmos o futuro, depois porque sabemos que a morte é o grande sono sem sonhos de quem já falava Sócrates. O filme Satyricon de Federico Fellini apresenta-se na forma de teatro, permeado por rituais, que por vezes a narrativa do filme mescla-se com diálogos teatrais. Um dos aspectos mais marcantes do filme diz respeito a sua descrição e não propriamente a sua narrativa, fato verificado por meio da decoração e do desprezo pela luz natural. A fotografia sugere ao público um ambiente exótico, da busca pelo prazer e de uma filosofia epicurista. Sobre a filosofia Epicura, vejamos: A própria alma, diz-se, tem os prazeres. Pois bem, que os tenha. Que seja a sede de delícias e prazeres! Que se encha de tudo o que em geral encanta os sentidos! Já que é capaz de rever o seu passado e se lembra dos prazeres de outra com transporte, que se debruce sobre aqueles que hão de vir, regule sobre isso as suas esperanças e, enquanto o seu corpo se abandona à boa vida, incida os seus pensamentos nos prazeres futuros! Tudo isso me parece tanto mais miserável, quanto é uma loucura tomar os males por bens. Sem a saúde de espírito ninguém é feliz, e não é são aquele que procura como sendo o melhor aquilo que lhe causa prejuízo. Por isso é feliz o homem que tem um julgamento recto; é feliz aquele que se contenta com o presente, seja ele qual for, e que ama aquilo que tem; é feliz Rerum Natura, III, VS. 37 a 40 In: EPICURO E LUCRÉCIO. O Epicurismo e “Da Natureza”. São Paulo: Editora Tecnoprint S.A, s/d. 157 Cf: SILVA, A da. “Prefácio”. In: EPICURO E LUCRÉCIO. O Epicurismo e “Da Natureza”. São Paulo: Editora Tecnoprint S.A, s/d. aquele que confia à razão a organização dos seus assuntos. Aqueles que fazem do prazer o soberano bem, sabem muito bem o lugar vergonhoso em que o colocaram. Dizem também que o prazer não pode ser separado da virtude e afirmam que ninguém pode viver honestamente sem viver agradavelmente, nem viver agradavelmente sem viver honestamente. Não vejo como estes elementos podem caber no mesmo saco. Qual é, pois, pergunto-vos, a razão pela qual o prazer não poderia ser separado da virtude? Aparentemente o princípio de todo o bem está na virtude.158 No conjunto da tese de Marx, o filósofo apóia-se em Demócrito no aspecto da racionalidade e em Epicuro no âmbito da subjetividade159. A idéia de liberdade para Marx vai estar associada à teoria filosófica de Epicuro, que por sua vez vão delinear o pensamento felliniano para uma “psicologia do cinema” (emoção e sensação) 160 . Federico Fellini envolve o espectador na trama, trabalha mais com o subjetivo, com a emoção. Com isso, o público é conduzido pelo filme, na própria maneira de filmar. É a partir deste enfoque que passaremos a discutir os rituais cotidianos no Satyricon, sua natureza e práticas. Nesta perspectiva, o próprio conceito de ritual no Satyricon será construído por meio da leitura da obra fílmica e literária. 158 Cf: EPICURO; SÉNECA. Carta sobre a Felicidade e Da vida Feliz. Lisboa: Sophia, 1994, p. 47 e 48. 159 “Os homens agem em condições determinadas, condições que eles não escolhem, mas nas quais eles agem livremente. É esta liberdade essencial que Marx estima em Epicuro e é por causa dela que seu atomismo é um atomismo não determinista, ou, mais exatamente, é por causa dela que é possível delimitar um domínio do determinismo e um domínio da liberdade. Se o primeiro ponto não nos afasta das posições tradicionalmente defendidas por numerosos marxistas; o segundo passa despercebida pela maior parte deles, obcecados pela idéia de um marxismo científico no qual os indivíduos desempenham tão-somente o papel determinado pelas infraestruturas. A nonchalance epicuriana não tem lugar nesse sistema fechado da “ciência marxista”. Cf: COLLIN, D., op cit., p. 25. 160 Lado Direito do Cérebro: é o lado da emoção. No corpo este lado se manifesta na sua oposição – lado esquerdo. Assim, na tela, tudo que vemos do lado esquerdo do enquadramento é captado pelo nosso inconsciente, pela emoção. Lado Esquerdo do Cérebro: é o lado da razão. No corpo este lado se manifesta na sua oposição: lado direito. Assim, na tela, tudo que vemos do lado direito do enquadramento é captado pelo nosso consciente, pela razão. Sobre esta questão o roteirista, dramaturgo, ator e escritor Jean-Claude Carrière cita que: “Aqueles que estudaram o cérebro [...] dizem que o centro da linguagem está situado no lado esquerdo, onde se encontram a razão, a lógica, a memória e a associação inteligente de idéias e percepções. A faculdade da visão, por sua vez, situa-se no lado direito, junto com a imaginação, a intuição e a música. A atividade normal do cérebro pressupõe que os dois hemisférios funcionem em harmonia através de incontáveis, minúsculas e velozes conexões. Se isso é verdade, então nenhum cérebro trabalha com maior amplitude e com mais intensidade do que aquele de um grande cineasta, solicitando constantemente a fundir o verbal e o visual.” Cf: CARRIÈRE, J.C. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 25. EUMOLPO: É o amor ao dinheiro que causou essa transformação. Nos tempos antigos, quando se sabia apreciar a virtude por si mesma, as artes liberais e a ciência floresciam, e uma nobre emulação levava aos homens a darem o melhor de si na busca de descobertas que beneficiariam os séculos vindouros. Foi assim que Demócrito extraiu o suco de todas as ervas e folhas, e consumiu a vida em experimentos visando revelar as propriedades das plantas e minerais. [...] E nós, entretanto, mergulhados no vinho e na perdição, não temos sequer a determinação de estudar as artes que nos foram legadas, e como detratores da Antigüidade trilharmos um currículo de decadência. Onde foi parar a dialética? E a astronomia? Onde a estrada do saber? Quem hoje em dia vai a um templo e faz uma oferenda a um deus para conquistar a eloqüência ou por um golpe na fonte da filosofia? Nem mesmo mente sã em corpo são é o que pedem, mas, assim que adentrarem o templo promete oferendas em troca do prazer de sepultar um parente rico, desenterrar um tesouro ou amealhar sem esforço trezentos mil sestércios. O próprio Senado, antigo guardião das virtudes, faz votos de mil libras de ouro a Júpiter no Capitólio, ornando o deus com seus ouros e assim sansionando a ganância dos mortais. Não admira, portanto, que a arte da pintura tenha morrido, já que deuses e homens encontram agora mais beleza em barras de ouro do que nas obras-primas de Apeles e Fídias. (Petrônio - século I d.C) 2 UM OLHAR SOBRE OS RITUAIS DO SATYRICON "Rituals are performative: they are acts done; and performances are ritualized: they are codified, repeatable actions. The functions of theatre identified by Aristotle and Horace entertainment, celebration, enhancement of social solidarity, education (including political education), and healing - are also functions of ritual. Rituals emphasize efficacy (...) Theatre emphasize entertainment. (...) But these list of differences (not oppositions) does not support the tendency in Western scholarship to suppose that ritual performance precedes or is at the origin of theatre. Theatre and ritual are as night and day, chicken and egg - neither has priority over the other." (Richard Schechner – Companion Encyclopedia of Anthopology, p.613-614) 2.1 UMA DEFINIÇÃO DE RITUAL Nosso cotidiano encontra-se marcado por diferentes rituais, que por vezes passam despercebidos aos nossos olhares. Estudá-los é uma maneira de enfatizar sua importância para a vida social, bem como resgatar sua relevância para a formação individual, não relacionando “rituais” apenas a fenômenos de ordem tradicional, formais ou arcaicos. Este capítulo tem como propósito fazer uma “leitura” de três cenas ritualísticas da obra fílmica Satyricon de Fellini, recorrendo à obra literária de Petrônio como base teórica. Assim, o conceito de ritual do Satyricon se dará com o próprio estudo das obras. Para dialogar com a produção fílmica de Federico Fellini optei em seguir as orientações da Prof. Drª. Mariza Peirano do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) com a obra “Rituais: Ontem e Hoje”.161 Ao adotar este percurso, a própria autora enfatiza que o conceito de ritual deve ser etnográfico, isto é, deve-se levar em consideração a perspectiva do “outro”, o que determinados grupos apreendem como sendo eventos ritualísticos. Outro aspecto observado pela pesquisadora diz respeito à natureza dos eventos ritualísticos, eles podem ser profanos, religiosos, festivos, formais, informais, simples ou elaborados. Neste contexto, optei por fazer uma análise de três formas de rituais do Satyricon de Fellini: o profano, o religioso e o festivo. A escolha desses três elementos como forma de estudo deve-se ao próprio hedonismo de Fellini e de sua característica “felliniana” de cineasta. Assim, o profano, o religioso e o festivo nos apontam para as representações e valores de uma sociedade. A Prof. Drª Mariza Peirano ressalta que ao observar tais características, os rituais elucidam o que já é comum a um determinado grupo, pois o que se encontra no ritual acha-se presente no dia-a-dia e vice-versa. Para a antropóloga: “Rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e também próprios para resolver conflitos e reproduzir as relações sociais”.162 De acordo com esta citação, podemos afirmar que os rituais cotidianos não são definitivos ou imutáveis, sendo sua prática comum para várias finalidades. Dessa forma, o conceito de “ritual” não pode ser fossilizado como algo formal ou 161 162 Cf: PEIRANO, M. Rituais: ontem e Hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. Cf: PEIRANO, M., op cit., p: 10. A professora e antropóloga Esther Jean Langdon da Universidade Federal de Santa Catarina nos diz ainda que: “O cotidiano é marcado por momentos rituais, tais como os cumprimentos (“Tudo bem”, “Tudo bom”) e as despedidas (“Foi um prazer”, “Igualmente”) que são gestos externos convencionados e obrigatórios, comunicando pouco além de marcar as vindas e saídas de nossos encontros. [...] Dentro do contexto atual, a importância da análise de ação ritual como constitutiva dos processos sociais tem aumentado. Alguns autores introduziram a noção de “performance cultural” ou “performance” para expressar a multiplicidade de formas rituais que estruturam e permeiam a vida, estas incluem os ritos sagrados (cultos religiosos, formaturas, cerimônias cívicas), as formas de entretenimento (teatros, circos, festivais, festas, espetáculos, jogos e esportes) e os processos políticos (atos jurídicos e estaduais, manifestações étnicas, greves e até os tumultos). Outros preferem continuar utilizando o conceito do rito. [...] O rito, ou performance cultural, é um evento cívico, que é marcado por uma ruptura no fluxo da ação social, por um limite temporal, e os atores sociais que estão, de alguma maneira, manifestando sobre seu mundo. Cf: LANGDON, E. J. Rito como conceito chave para a compreensão de processos sociais. In: Antropologia em primeira mão/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Florianópolis: UFSC, 2007, p. 1-14. desprovido de sentido. Mariza Peirano completa suas observações ao adotar um conceito estudado por um antropólogo, Staley Tambiah, na qual para ele os rituais são fenômenos culturais de comunicação. Leiamos suas palavras: O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm conteúdo e arranjo caracterizados por graus variados de formalidade (convencionalidade), estereotipia (rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição). A ação ritual nos seus traços constitutivos pode ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional (como quando se diz “sim” à pergunta do padre em um casamento); 2) no sentido pelo qual os participantes experimentam intensamente uma performance que utiliza vários meios de comunicação (um exemplo seria o nosso carnaval) e 3), finalmente, no sentido de valores sendo inferidos e criados pelos atores durante a performance,por exemplo, quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo.163 A partir destes indícios, observamos que os rituais podem ocorrer individualmente ou coletivamente, mediando tradições culturais ou práticas cotidianas. Dessa forma, considerando cada um dos fatores citados sobre as representações e as percepções das práticas dos rituais, damos início à análise da obra fílmica de Fellini. 163 Apud (PEIRANO, M., 2003, p. 11) 2.2 AS CENAS Cabe ressaltar que as cenas escolhidas para o estudo dos rituais no Satyricon levam em consideração o posicionamento do diretor, isto é, a expressão de Federico Fellini enquanto cineasta e sua visão ideológica de sociedade. Ao propor o estudo do profano, do religioso e do festivo visamos partir daquilo que as próprias cenas nos mostram, buscando desvendar as zonas não visíveis do imagético. Assim, a própria narrativa fílmica, as organizações dos seus elementos nos permitirão elucidar o “enquadramento” do diretor em relação aos personagens. O fato de escolher determinadas cenas em função de outras, justifica-se pelas próprias influências do cineasta, principalmente no que diz respeito ao contexto de produção e a apropriação do texto fílmico. Tendo em vista tais características, salienta-se o próprio discurso fílmico adotado por Fellini. Quais os propósitos dos supostos erros de leitura do passado entre a obra fílmica e literária? Haja vista que todo discurso é uma construção de quem o realiza, e que os “erros de leitura do passado histórico são propositais.” O escritor italiano Italo Calvino completa dizendo que: [...] O excepcional encontro entre o expectador e um filme sempre pode acontecer, por mérito da arte ou do acaso. No cinema italiano, pode-se esperar muito do gênio pessoal dos diretores, mas pouquíssimo do acaso. Esta deve ser uma das razões pelas quais algumas vezes admirei, muitas vezes apreciei, mas nunca amei o cinema italiano. Sinto que ele tirou mais do que deu prazer de ir ao cinema. Porque este prazer deve ser avaliado não só com relação aos “filmes de autor”, com os quais tenho um relacionamento crítico do tipo “literário”, mas também com relação às produções médias e pequenas, com os quais tento estabelecer uma relação de simples expectador.164 164 Cf: FELLINI, F. Fazer um filme. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 20. A partir deste relato, o cinema apresenta-se como uma fonte imprescindível para compreender aspectos de difusão de idéias e comportamentos, sendo capaz de formar e deformar opiniões, levando a uma manipulação da realidade, por representar aspectos do cotidiano, tais como a política, a guerra e em última instância, a história.165 2.2.1 Rituais do Sagrado “Devemos dar um fim, de uma vez por todas, a fabula acerca do caráter sagrado da vida humana” (Leon Trotsky) Os rituais dentro da esfera do sagrado encontram-se ligados as questões religiosas ou aos sistemas religiosos. O aspecto formal do sagrado concede a coletividade uma noção de controle ou de ordem que alcançam todos os indivíduos da sociedade. Este controle social ocorre por meio dos valores morais e das visões de mundo que o religioso coloca como a forma de legitimar seu poder e influência nas questões da contemporaneidade. A formalidade do ambiente religioso é caracterizada pela repetição, fato que agrega diferentes formas de rituais no espaço sagrado, pois tudo que se repete no sentido de ritual fornece aos indivíduos uma sensação de segurança. Tomando como referencial teórico o livro de Mariza Peirano, deve-se levar em consideração que para se analisar os rituais, neste caso, os rituais do sagrado, não podemos considerar nossos valores racionais ou sociais, já que cada civilização possui um tipo de cultura que é peculiar há seu próprio tempo e espaço. 165 Cf: LEITE, S. F. O cinema manipula a realidade? São Paulo: Paulus, 2003. Os ritos166 de passagem que são marcados por rituais e que são muito comuns em quase todas as culturas, como por exemplo, o nascimento, a entrada na vida adulta, o casamento e a morte são acontecimentos culturalmente representados e fundamentais para nossa vida. A antropóloga Adriane Luisa Rodolpho apresenta em seus estudos uma visão sobre estes quatros ritos de passagem e que também compõem o cenário do mundo sagrado. Para a pesquisadora: Com relação ao nascimento, temos rituais tão variados quanto o da “couvade” entre alguns grupos indígenas (após o parto é o homem que fica de resguardo, enquanto a mãe logo já está se ocupando de seus afazeres cotidianos), quanto o da circuncisão de meninos ou a excisão das meninas. A atribuição do nome da criança é outro tema fundamental entre os rituais do nascimento, significando na maior parte das vezes o ingresso ou inclusão desta no grupo. Do mesmo modo, a morte não se relaciona simplesmente com um cadáver, com o fim de uma vida, mas trata-se igualmente de uma nova condição, uma nova iniciação à vida eterna, ao reino dos mortos (dependendo das crenças de cada grupo sobre o destino dos homens). Os rituais de sepultamento igualmente simbolizam a separação do mundo dos vivos; estes devem zelar pelo bom encaminhamento dos ritos segundo os costumes do grupo. O não cumprimento destas prescrições pode ocasionar outros riscos para o mundo dos vivos.167 Com isso, a antropóloga Adriana Luisa Rodolpho salienta ainda que ao passar pelos “ritos de passagem”, o indivíduo deixa de ser o que era, contudo ainda não é o que poderia ser como, por exemplo, um cadáver, que não está propriamente morto, pois não passou pelos ritos de sepultamento. Este fator faz com que o indivíduo passe a encontrar-se num estado de indeterminação. Este período, do pré e pós ritual devem ser analisados como fases invariantes e que mudam de acordo 166 Para a etnóloga francesa Martine Segalen: “[...] o rito é caracterizado por uma configuração espaço-temporal específico, pelo recurso a uma série de objetos, por sistemas de linguagens e de comportamentos específicos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos seus bens comuns de um grupo [...] Enquanto conjuntos fortemente institucionalizados ou efervescentes, os rituais podem ser considerados sempre como um conjunto de condutas individuais ou coletivas relativamente codificadas, com suporte corporal (verbal, gestual e de postura), caráter repetitivo e forte carga simbólica para atores e testemunhas. Cf: SEGALEN, M. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 31-32. 167 Cf: RODOLPHO, A, L. Rituais, ritos de passagem e de iniciação: uma revisão da bibliografia antropológica. In: Estudos Teológicos, v. 44, nº 2, 2004, p: 142 Apud (HELLERN, V; NOTAKER, H; GAARDER, J. O Livro das religiões. São Paulo: Cia das Letras, 2000). com os ritos culturais. Ao fazer referência a Gennep, pioneiro dos estudos sobre rituais, o pesquisador e antropólogo Roberto da Matta completa dizendo que 168: A grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, têm fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das seqüências formais será na direção de marcar ou simbolizar separações. Mas se o sujeito está mudando de grupo (ou de clã, família ou aldeia) pelo casamento, então as seqüências tenderiam a dramatizar a agregação dele no novo grupo. Finalmente, se as pessoas ou grupos passam por períodos marginais (gravidez, noivados, iniciação, etc), a seqüência ritual investe nas margens ou na liminaridade do objeto em estado de ritualização. Para o cientista social Émile Durkheim (1858 – 1917)169, a religião é a expressão dos valores e da moral da sociedade via os atos rituais. Os significados simbólicos das crenças organizam a sociedade, assim como o antropólogo Roberto da Matta enfatizou ao citar Gennep. Cada cultura se organiza frente aos objetos em estado de ritualização. Na discussão acerca da religião Durkheim expõe uma divisão entre o sagrado e o profano, sendo antes, uma divisão fundamentada pelo próprio homem. Com isso, o aspecto do sagrado conduziria os indivíduos para a formação de uma moralidade social, coletiva e impessoal. Com este parâmetro, é por meio do sagrado que os ritos, as crenças e os símbolos se prevaleceriam no meio social, reforçando as expressões da sociedade. Dessa forma, como positivista Durkheim defendia uma religião laica, desvinculada do sagrado e voltada para o racionalismo. Os indivíduos seguiriam uma religião não por temor das conseqüências que poderiam advir sobre o pecador, mas pelas regras morais, baseadas na boa conduta do convívio em sociedade.170 168 Cf: GENNEP, A.V. Os ritos de passagem (apresentação de Roberto da Matta). Petrópolis: Vozes, 1978, p. 18. 169 170 Cf: DURKHEIM, E. As formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 1989. A certeza de Durkheim de que a religião era o centro da sociedade era tão grande que ele não podia imaginar uma sociedade totalmente profana e secularizada. Onde estiver à sociedade ali estarão os deuses e as experiências sagradas. E chegou mesmo a afirmar que existe algo de eterno na religião que está destinado a sobreviver a todos os símbolos particulares nos quais o pensamento religioso sucessivamente se envolveu. Cf: ALVES, R. O que é Religião? São Paulo: Loyola, 1999, p: 66. 2.2.2 Encontrando os rituais A Morte Figura 1 Cena do Satyricon – despedida – (Enquadramento: Plano Conjunto). Figura 2 Cena do Satyricon – despedida (2) – (Enquadramento: Close/Front View: foco no personagem de frente) – Câmera movimenta-se da direita para esquerda, imagem que remete a emoção) Figura 3 Cena do Satyricon – despedida (3) – (Enquadramento: Close-Up) A religião romana no período do principado romano, isto é século I d.C, era formada por meio de uma relação “contratual” entre os cidadãos romanos e os deuses, enquanto os romanos prestassem cultos e homenagens aos deuses, a ordem e a paz estariam asseguradas. O sagrado para os romanos (sacer) não era propriamente a presença de qualidades divinas em um objeto ou ser, mas este objeto ou ser passava a ser propriedade do divino por meio da qualidade jurídica a ele atribuída. Assim, como toda a propriedade pública é inviolável, a violação da propriedade divina também possuía uma definição, o sacrilégio.171 Para John Scheid, estudioso da História Religiosa Romana (École des haustes études em Scienses Sociales – EHESS), os deveres religiosos eram impostos aos indivíduos pelo nascimento, pela obtenção da cidadania romana, em caso de estrangeiro, ou pela profissão, sendo algo de cunho social e não individual, existindo assim, tantas religiões quanto grupos sociais, tais como: a cidade, a legião, os colégios de artesãos, os bairros, as famílias, etc.172 171 Cf: SCHEID, J. La Religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p: 2 Apud: (BARNABÉ, L. E. Religião Romana: Revisões de conceitos e abordagens. In: Anais Eletrônicos da XII Semana de História – “O Golpe de 1964 e os dilemas do Brasil Conteporâneo.” UNESP/Assis. Assis, 19 a 22 de Outubro de 2004, p. 1) 172 Cf: SCHEID, J. La Religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p. 1. A noção de particularidade associada à religião é algo formado na contemporaneidade, entretanto nos identificamos como seres sociais através de rituais coletivos, que são comuns a determinados grupos da qual passamos a fazer parte, legitimando nossa forma de pensar e agir. A identificação com algo sobrenatural se deve ao fato da necessidade do ser humano de apegar-se a algo ou alguma coisa que lhe possa atribuir uma identidade, a religião passa a exercer esta função cultural de formação social que simboliza todo o processo de incultamento de valores e princípios morais. E então, a religião e a morte sempre foram temas que despertaram interesse, pois sem a morte não haveria religião ou deuses. Nesta tentativa de decifrar a morte, o homem teria buscado na religião uma maneira de imortalizar-se. Desta forma, este medo do desconhecido, dos deuses e da morte é que a filosofia epicurista, do Carpe Diem veio para libertar. Esta doutrina permitia ao povo romano traçar seu próprio destino, livrando-os do medo dos deuses e da morte. A filosofia epicura defendia a tranqüilidade da alma, sem a necessidade de prestar contas a religião tradicional. A felicidade estaria na aproximidade do homem com a filosofia. Nas figuras 1, 2 e 3 que retratam cenas do Satyricon, podemos perceber o uso da emoção, o movimento da câmera do lado direito para o esquerdo, bem como o uso do plano conjunto para o enquadramento do Close e Close-Up no rosto da criança. Com isso, o Satyricon de Fellini trabalha com a emoção ao invés da razão levando o expectador a fazer parte do cenário ou da trama fílmica. Nesta cena de despedida, alusão a morte, na qual fica mais clara ao visualizarmos a figura de número 4, filmado no plano conjunto, na qual a fala do personagem indica a existência de um lugar melhor, avesso ao mundo terreno, que denominamos de paraíso: lugar para onde vão os mortos em certas religiões; lugar muito agradável. Figura 4 Cena do Satyricon – despedida (4) – (Enquadramento: Plano Conjunto) Na física epicurista, toda a matéria pode ser decomposta em átomos e é efêmero, o homem é efêmero, sendo, portanto mortal, pois é composto por átomos. Entretanto, os átomos são sólidos e indivisíveis, sendo eternos, e ao desintegrar a matéria, separam-se para fundirem em outros corpos. Assim a morte seria a desagregação do conjunto atômico, não existindo motivos para temê-la. A fundamentação da teoria epicurista tem como propósito dissipar a angústia mental que é causada pelos deuses ou pela religião. A necessidade de uma religião sede lugar a espontaneidade da alma, a autonomia da vontade e a liberdade humana. É necessário que o homem romano afaste-se da ignorância (dominada pela religião) para libertar-se do temor dos deuses e da morte. Não é o negar a existência dos deuses, mas os considerar como representantes das forças da natureza, e esta como o princípio e o fim de tudo que existe, até mesmo dos próprios deuses. No epicurismo, o homem deve ser guiado pelas suas vontades, dedicando ao estudo da natureza para libertar-se das superstições do mundo religioso, a morte seria para a religião uma forma de controle social, uma coerção contra a vivência do prazer que a vida pode oferecer. O homem vive na constante busca de poder, de ascensão social, como se tudo que tivesse sido conquistado na vida pudesse também acompanhá-lo na morte, ao temer a morte o homem cultiva a infelicidade. Na obra de Petrônio e no filme de Fellini, torna-se notável a questão de interesses em torno daqueles que possuíam dinheiro e poder, ou seja, aqueles na qual o poder e a riqueza já era algo inerente; os que lhe desejavam a morte estavam à volta na expectativa de usurparem alguma coisa, principalmente se estes não tivessem herdeiros legítimos. Todos que gravitavam ao seu redor viviam na esperança de serem contemplados no testamento. Sobre esta questão, vejamos: Trimalquião procura controlar esse momento derradeiro através de previsões e ensaios cênicos de quando e como será sua partida para o mundo do Além. E o lugar que não terá no coração dos homens procura garanti-lo na grandeza do seu monumentum fúnebre. Licas tenta fugir a um destino marcado, observando com fervor religioso, presságios e admonições divinas. No entanto, o mesmo vento que impelia as velas das suas embarcações o empurra para o abraço mortal das vagas enfurecidas. Não tem pai, mulher, filho que o chorem no momento da despedida. Mãos inimigas lhe vão erguer a pira que resgate a passagem para outra dimensão. Eumolpo toda a vida foi um aventureiro. A única riqueza com que acenava era o brilho do intelecto, que amargos dissabores lhe causaram e também algumas alegrias. Em Crotona, vai passar os últimos dias da vida como rei que os heredipetae julgavam que ele era. E será, certamente, recordado. Pelos companheiros de aventura, que simbolicamente liberta, à hora da morte (talvez para uma existência menos atribulada); pelos captatores, que nunca hão de ser capazes de digerir o ludíbrio, maior ainda que a pretensa riqueza do velho. Três sendas rasgadas numa terra de engano, de insegurança, de receio e de morte. É a visão panorâmica desse mundo que interessa, por fim conhecer.173 Fellini em sua obra fílmica, busca dar uma ênfase nas características visuais, como as cores, o cenário e os personagens. Na relação da morte com o sagrado, o cineasta explora mais o lado psicológico, o temor que pairava sobre o desconhecido, o apego nas coisas materiais que levaria ao interesse de muitos, a solidão do 173 Cf: LEÃO, D. F. As ironias da fortuna: Sátira e moralidade no Satyricon de Petrônio. Coimbra: Edições Colibri (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), 1998, p. 116-117. momento da morte, da despedida da vida, da falta de pessoas que pudesse acompanhar o cortejo fúnebre. Com este pensamento sobre as características apontadas na obra de Fellini, o Satyricon foi rodado em formato alargado, vulgarmente apelidado de CinemaScope. Os formatos alargados obtêm-se por meio da utilização de uma lente anamórfica na câmera, que vai comprimindo a imagem. Outra lente, colocada no projetor realiza a função inversa. O CinemaScope como citamos, foi introduzido em 1953 por meio do filme “The Robe”, na qual os anúncios sobre ele divulgavam como um “milagre moderno que era possível ver sem óculos” e com “som estereofônico de alta qualidade”. O som estereofônico demorou a torna-se padrão na época do CinemaScope dada à generalidade das salas de projeção. Todos estes recursos cinematográficos eram utilizados por Fellini e aparecem no Satyricon, às imagens eram projetadas em um quadro amplo e achatadas como se fosse um antigo afresco retratado numa parede. Assim, o filme criado por Fellini a partir de seu imaginário, foge a realidade de Petrônio, porém destaca-se pela articulação daquilo que se considera ficção e do que pode se considerar como real dentro da perspectiva historiográfica. O filme apresenta-se de forma desconexa, em um ambiente de caos, produzidos nos estúdios do Cinecittà. A música foi escolhida pelo próprio cineasta, utilizando recursos sonoros no estilo metálico e eletrônico. Seguindo o caminho oposto das produções hollywoodianas, Fellini não mostrou uma Roma nostálgica, com base no sentimentalismo italiano, mas uma Roma baseada na perca do mos maiorum: da tradição romana. Os tradicionais defensores do mos maiorum – anciãos, aristocratas, casta sacerdotal – abandonam essa função para protagonizarem, à sombra da antiga fama, todos os actos que deveriam rejeitar. As mulheres, por sua vez, há muito que se esqueceram o exemplo de Cláudia. Apenas Fortunata continua a ecoar o domum seruauit com razoável eficácia. As demais qualidades só na aparência estão presentes. Curiosamente, o grande exemplo anunciado da leuitas feminina acaba por trazer uma lição adjacente: a do triunfo do amor e da vida sobre a escuridão da morte. Algo que Encólpio, quando tudo parecia apontar para a consumação plena, se vê impotente para concretizar. Porque não ama, apenas deseja Circe; porque dedica a atenção a uma pessoa sem identidade e sem caráter, que congrega em si algumas qualidades femininas e todos os defeitos com outro fruto que não seja engano, traição e dor. O amigo tem de sofrer tudo isso e ainda a punição do deus, quando buscava trilhar outra via. Se o desalentado Encólpio se vê sem meios para atingir os objectivos que se tinha proposto alcançar, outras personagens há, no Satyricon, que, real ou fingidamente, detêm um grande poder.174 O Satyricon de Fellini é considerado pelos críticos cinematográficos como um filme de “contracultura” por ser uma adaptação livre da obra literária de Petrônio, muitos dos personagens fellinianos foram associados aos Hippies da década de 1960. Os jovens aventureiros que iam à busca de aventuras sinalizavam para os críticos contemporâneos como sendo semelhantes aos jovens do período moderno, desapegados dos valores morais, abertos a sexualidade e contra as crenças religiosas. Estes, assim como os aventureiros em Petrônio visavam o Carpe Diem epicurista, da busca pela liberdade e de novos prazeres.175 Para Fellini, o Satyricon era o resgate do misterioso, do obscuro e etéreo visual clássico do passado “arqueológico” de Petrônio com vistas às questões do período moderno. Os fragmentos literários da obra de Petrônio permitiram ao cineasta trazer aos olhos dos espectadores uma verdade inventada, rumo a Roma Felliniana.176 174 Cf: LEÃO, D. F. As ironias da fortuna: Sátira e moralidade no Satyricon de Petrônio. Coimbra: Edições Colibri (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), 1998, p. 96 e 97. 175 Essas características fizeram com que muitos estudiosos do Satyricon de Fellini e Petrônio associassem também a obra Felliniana ao espetáculo “HAIR”, de grande sucesso na Broadway, que conta a história de um grupo de jovens que vivem em Manhattan, New York, e praticam o amor livre, além de abordarem temas relacionados à homossexualidade e as drogas. Cf: WYKE, M. Projecting the past: ancient Rome, cinema, and history. New York: Routledge, 1997, p. 191. 176 Cf: Ibid., p. 189-192. Figura 5 A morte de dois Patrícius, indireta homenagem a Petrônio que morreu conversando com seus 177 amigos – (Enquadramento: Close-Up) 177 Cf: FELLINI, F. Fellini Satyricon. Bologna: Cappelli Editore, 1969. Sobre a morte de Petrônio, o historiador Claudiomar R. Gonçalves cita que: “Tácito constrói um jogo íntimo caracterizado por três fases: uma elevação dramática; uma peripécia (atitude não passiva de Petrônio frente a morte) que prepara o leitor para o grande final: a morte do personagem marcado pela contradição: Dia/Noite; Luxo/Simplicidade; Ambição/Desprendimento; Morte Militar/Morte Filosófica; Morte Trágica/Morte Normal, ou seja, criando uma espécie de anti-morte que demonstraria que sua ars vivendi estava de acordo com sua ars moriendi.” Cf: GONÇALVES, C. R. A morte de Petrônio na narrativa Tacitiana. In: Gérion. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2001, nº 19, p: 520. (texto apresentado no XVI Simpósio Nacional de Estudios Clássicos “La muerte em el Mundo Grecolatino”. Buenos Aires: Argentina, 26 a 29 de Setembro de 2000). Figura 6 Veias abertas, referência a morte de Petrônio – (Enquadramento: Primeiro Plano) As figuras 5 e 6 representam no personagem em foco a referência ao momento da morte de Petrônio, que suicidou-se esvaindo-se em sangue pelas veias, enquanto dialogava com seus amigos, sem se preocupar com questões ligadas a imortalidade da alma ou a filosofia, o satirista entregou-se ao “sono” para que a morte lhe parecesse algo natural. Assim sendo, a filosofia Epicurista era materialista, buscava o prazer e não era religiosa. Foi à primeira filosofia a ser completamente desenvolvida a nível intelectual. Epícuro afirmava que: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe morte, e quando existe a morte, não existimos mais”. Os deuses Figura 7 Rito de preparação para a morte, evocação dos deuses. O ambiente remete a serenidade (Enquadramento: Plano Conjunto) Figura 8 No Templo, guardiões de Hermafrodita. (Enquadramento: Plano Conjunto) 178 178 A princípio havia três gêneros entre os homens, e não dois como hoje, o masculino e o feminino: um terceiro era composto dos outros dois: o seu nome subsistiu, mas a coisa desapareceu: então, o real andrógino, espécie e nome, reuniam num único ser o princípio macho e o princípio fêmea: agora já não é assim e só o nome ficou, como uma injúria. […] Se havia três gêneros, e tais como eu disse, era porque o primeiro, o macho, era originalmente filho do Sol, o segundo, fêmea, extraído da Terra, e o terceiro, participante dos dois, da Lua, porque a Lua tem esta dupla participação. […] Zeus cortou os homens em dois, […] uma vez realizada esta divisão da natureza primitiva, eis que cada metade, desejando a outra, a procurava. […] De facto, é desde então que o amor mútuo é inato aos homens, que recompõe a sua natureza primitiva, procura restitui a um a partir dos dois e curar essa natureza humana ferida. Cf: Platão. O Banquete. Publicações Europa-América: Mem Martins, 1977, pp.47-50. O mito do andrógino de Platão também é conhecido como a teoria dos três gêmeos, é a busca das metades que faltam, estas ao se encontrarem ocorre uma fusão de corpos e desejos. A fusão pode ser entre um homem e uma mulher, entre duas mulheres ou entre dois homens. A religião romana na época de Petrônio sofreu influência de outros povos da antiguidade, como os gregos e os povos do oriente. Em decorrência do processo de conquista, muitos dos romanos passaram a acumular deuses e crenças religiosas dos povos conquistados, até mesmo com o advento do cristianismo no século I d.C, foi observado pelos romanos como sendo mais uma entre as muitas crenças já existentes. Ao fazer um estudo das Sátiras de Juvenal no Plano da Iniciação Científica pude verificar que até mesmo o literato deferia uma crítica aos imperadores que haviam deixado suas crenças em favor de outras advindas da expansão romana. Assim, a religião era sinônimo das relações sociais e não podemos negar a sua importância, Juvenal aproveitava deste importante instrumento social para execrar aqueles que se serviam dela para alcançar objetivos poucos elogiáveis, como os impostores e os indolentes. Apesar de se referir a vários deuses, sua incredulidade é notável principalmente quando se refere a estes para os acusá-los de inoperantes. Juvenal chama a atenção do povo romano, que envolvidos com a inserção de religiões estrangeiras e exóticas relegam para segundo plano a fé em seus próprios deuses. O cosmopolismo apoiado pelos imperadores fez com que muitos dos romanos se inclinassem ainda mais aos apegos nas superstições, a apatia e a indiferença da elite, sem nada fazer em prol dos deuses legitimamente romanos.179 Por meio destes apontamentos acerca das crenças ou do desapego das tradições culturais, Fellini no Satyricon levanta questões contemporâneas referentes à própria percepção cultural do momento da produção do filme, da política fascista vigente, de uma indústria cultural que produzia arte distante da realidade e mais próxima da propaganda política. Os personagens usados pelo cineasta não representavam grandes personalidades romanas, como gladiadores ou imperadores, mas eram pessoas comuns envoltas pela decadência da Roma Imperial, do sentimento de frustração e do sarcasmo. Assim como a tradição ao culto dos deuses romanos dava lugar aos deuses estrangeiros, a propaganda política tomava conta do cenário artístico da indústria cultural italiana no período felliniano. 179 SILVA, N. O da. O Clientelismo nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal. Maringá: UEM, 2003. (Iniciação Científica – orientador (a): Prof. Drª. Renata Lopes Biazotto Venturini), p. 40. 2.2.3 Rituais do Profano “Construo um sentimento sagrado Mas em busca de um ser profano Que se entregue sem engano Que transpire enquanto eu amo Que liberte o doce encanto De encontrar o sagrado no profano.” (Helena Kluiser) “O religioso e o profano juntos. A mulher da vida também está num Altar religioso. Um santo pode aparecer de repente numa Orgia felliniana.” (João da Mata Costa) Podemos definir o Profano como sendo tudo aquilo que não é sagrado, da necessidade do ser humano de aproximar-se dos prazeres da vida, no seu aspecto artístico e cultural são espaços representados pelo teatro, o circo, o cinema e o carnaval. Assim, o termo profano originou-se do latim profanu, contrario as coisas sagradas, estando ligado a algo secular ou leigo, pro fani – fora do templo.180 O Profano também é uma necessidade do ser humano. Na verdade o ser humano precisa do momento da recreação pra cobrir o stress que a vida moderna coloca. Então o profano acaba sendo o paralelo, é o lazer, só que como ele não tem a conotação de identificação com o sobrenatural, ele chega pra gente na condição de um complemento da vida. Enquanto você tem a necessidade do sagrado pra poder continuar vivendo para fazer parte da sociedade, para estar inserido na cultura. Enfim para viver em comunidade.181 180 181 Cf: DEL PONTE, R. Dei e miti italici. Genova: ECIG, 1988. Cf: SERRANO, R. Informação verbal, 2006 Apud (PROCÓPIO, A; MALHEIROS, A. P. de O. O Sagrado e o Profano em dois monumentos. São João da Boa Vista: Centro Universitário da Boa Vista – UNIFAE, 2006, p. 12.) Os ritos auxiliam a construir uma temporalidade oposta ao tempo da rotina social que estamos habituados. As festas carnavalescas, por exemplo, deslocam os indivíduos de sua rotina social. Muitos dos elementos do carnaval podem ser identificados em rituais ou festividades do mundo antigo. No Satyricon de Fellini é característico o uso de recursos que se aproximam dos ritos tidos como “profanos”. A variedade de cores, a utilização de máscaras e a sensualidade são características libertadoras do indivíduo que o leva a extroversão. A fartura da comida, a permissividade, a bebedeira, a música, a dança e a liberação sexual são heranças dos festejos e cultos profanos próprios dos gregos e romanos. Na Grécia era comum a celebração dos Bacanais, que eram realizados em homenagem ao deus Baco (deus do vinho, filho de Júpiter e de Semele). Dessa forma, a tradição grega relata que a rotina social sofreria uma alteração com Dionísio, que era o deus da embriaguez, dos prazeres e perturbador da ordem estabelecida. O Carnaval, ou “carnelevamen” (prazer da carne) seria a herança destas manifestações, da transformação da rotina diária em momentos de festa e alegria. O recurso da fantasia, de um mundo inventado, de sonhos manifesta-se no Satyricon como a inversão de valores, da reprodução das aventuras dos deuses e da necessidade de realizar suas vontades. Assim sendo, o Satyricon é sinônimo do Carnaval, do escárnio, do piadístico, dos valores reprimidos na vida diária, dos ritos cotidianos.182 Vejamos: “Os rituais representam aspectos das relações da sociedade. Uma técnica para mudanças de posição moral da pessoa, do sagrado para o profano, do profano ao sagrado, tendo como base o cotidiano”.183 A figura de nº 9 nos revela uma cena na qual o cineasta remete a uma representação da “Torre de Babel” (narrativa bíblica encontrada no Gênesis, sobre uma torre construída com o objetivo de chegar ao céu). Federico Fellini inspirou-se na obra pictória de Pieter Brueghel o velho, (“Torre de Babel”, ano de 1563, óleo 182 O Carnaval originou-se dos antigos rituais romanos, tendo sua origem nas Saturnália, celebrações em homenagem a Saturno praticado, pelos menos, desde o século V a.C, o Tempio de Saturno em Roma data de 497 a.C. Cf: BIZARRI, M. L‟aurea Aestas di Saturno i Saturnalia. Roma: Sydaco, 1988, p. 3. 183 Cf: DA MATTA, R. Carnavais, malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1997. sobre painel 114x155 cm – museu Kunsthistorisches – Viena e “A Torre de Babel”, de 1563, óleo sobre painel, 60 x 74.5 cm, museu Boymans – van Beuningen – Roterdã), a referência a esta obra no Satyricon diz respeito ao problema da incomunicabilidade humana na sociedade contemporânea. Observemos: Figura 9 Torre de Babel – Insulae (Enquadramento: Plano Conjunto) A crítica de Fellini sobre a incomunicabilidade humana mostra-se no Satyricon por meio do crescimento da Urbs romana no mundo antigo. A perda dos valores, da tradição e da superpopulação, gerava uma crise social. As insulae (prédios de vários andares construídos de modo precário e que concentrava um alto índice de moradores, na sua maioria miseráveis) eram construídas de modo precário, favorecendo os desmoronamentos e incêndios. A população se aglutinava nos andares, e as paredes dessas insalae eram tão finas que uma tempestade era capaz de derrubá-las. As famílias que viviam na miséria incentivavam suas filhas a prostituição.184 184 Cf: SALLES, C. Nos submundos da Antigüidade. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 157. A prostituição e os prazeres da carne podem ser verificados na cena abaixo, na representação do Jardim das Delícias, a erotização do ser humano acha-se presente nas pinturas e mosaicos, Fellini busca inspiração no expressionismo de Botticelli para retratar a cena. Figura 70 Jardim dos prazeres – figuras eróticas do Oriente (Enquadramento: Plano Conjunto). Assim, o filme de Fellini traz personagens que agem de acordo com sua natureza, o filme lida com o excesso visual, mostrando um mundo de amoralidade, crueldade, auto-aversão, sexualidade e paixão. Na obra literária, Petrônio foi buscar na linguagem das ruas o que necessitava para criticar seus pares. Sendo um literato da elite, utilizou-se da tragicomédia e do grotesco teatro popular para descrever o ambiente romano dos novos-ricos, lascivos e corruptos. Entretanto Fellini não teve a preocupação de dar uma lição moralizante sobre o mundo pagão, tão pouco de esboçar uma representação do passado, visou antes, dar vozes a personagens não ditos de uma sociedade em um dado momento histórico, revelando com isso, os interditos das relações entre democracia e totalitarismo. 2.2.4 Rituais festivos “Assim que cumprirmos nossos deveres rituais, retornamos à vida profana com mais energia, mas também porque nossas forças se revigoram, ao viver, por alguns momentos, uma vida menos tensa, mais agradável e mais livre.” (Émile Durkheim) A idéia de “festa” ou de “rituais festivos” nos remete a noção de prazer, de realização e satisfação. Assim, o conceito de festa encontra-se ligado a rupturas de nossas rotinas, da vivência entre o tempo do trabalho e do momento lúdico do festivo. Para o professor José Clerton de Oliveira Martins: Um tempo se transforma em outro através de uma festa. As festas representam a transição, expressando as mudanças da sociedade da qual é reflexo. Quando a sociedade promove algum tipo de mudança, aí existe uma festa.185 Neste sentido, a festa é uma ruptura dos ritos cotidianos, uma expressão coletiva, por meio das festas que o indivíduo se renova para retornar ao tempo do 185 Cf: MARTINS, J. C de O. Festa e ritual, conceitos esquecidos nas organizações. In: Revista malestar e subjetividade. Fortaleza, v.II, nº 1, março, 2002, p: 118-128 Apud (VELASCO, H. M. Tiempo de Fiesta. Madrid: Ed. Tres-Catorze-Diecisiete, 1992.) trabalho. O professor José Clerton de Oliveira Martins completa ainda dizendo que: “[...] os rituais festivo-lúdicos contribuem para o desenvolvimento do trabalho e a existência da atividade efetiva da organização”.186 Nesse viés, o estudo das festividades dentro do campo da historiografia não é algo imutável, pois novos elementos podem ser incorporados ou até mesmo conceitos antigos podem ser revistos e analisados. Cabe ao pesquisador estar atento as rupturas, as descontinuidades e as temporalidades dentro das análises das festividades. O historiador francês Michel Vovelle cita que: [...] assim como não há uma História imóvel, também não há uma festa imóvel. A festa na longa duração, assim como a podemos analisar através dos séculos, não é uma estrutura fixa, mas um continuum de mutações, de transformações, de inclusão com uma das mãos e afastamentos com a outra.187 O arqueólogo e professor de História Antiga da Universidade de São Paulo (USP), Norberto Luiz Guarinello, ao realizar um estudo sobre “Festas”, nos diz que a festa é um ato coletivo e que implica em uma determinada estrutura social de produção. Dessa forma, ela deve ser: [...] preparada, custeada, planejada e montada segundo regras elaboradas no interior da vida cotidiana; envolve a participação coletiva na sociedade em seu conjunto ou em grupos nos quais os participantes ocupam lugares distintos e específicos; aparece como uma interrupção do tempo social, suspensão temporária das atividades diárias; articula-se em torno de um objeto focal: um entre real ou imaginário, um acontecimento, um anseio ou uma satisfação coletiva; e, por fim, pode gerar produtos materiais ou 188 significativos, principalmente a produção de identidade. 186 Cf: MARTINS, J. C de O., op cit., p. 126. 187 Cf: VOVELLE, M. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 251. 188 Cf: GUERINELLO, N. L. Festa, trabalho e cotidiano. In: JANCSO, I; KANTOR, I (Orgs). Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec; Edusp; FAPESP; Imprensa Oficial, vol. 2, 2001, p: 969-975 APUD (COUTO, E. S. Devoções, festas e Ritos: algumas considerações. In: Revista Brasileira de História das Religiões, ano I, nª I – Dossiê Identidades Religiosas e História, s/d, p. 3) O estudo dos rituais festivos justifica-se na medida em que o homem busca por meio deste aliviar suas tensões e encontrar um espaço de quietude frente aos conflitos sociais, e com isto, tornar os rituais cotidianos mais significativos. A figura de número 11 traça um panorama do banquete realizado por Trimalquião (Cena Trimalchionis)189. Vejamos: Figura 11 O Banquete de Trimalquião (Enquadramento: Plano Conjunto) 189 Segundo os relatos históricos, o personagem de Trimalquião é visto como sendo um novo-rico, exescravo que se vangloriava de seus bens sem ostentar, contudo, uma equivalente riqueza cultural. Esse trecho corresponde à maior parte do livro XV, é o mais bem estudado de todo o Satyricon, e denomina-se “Cena Trimalchionis”, ou “O Banquete de Trimalquião”. Cf: AQUATI, C. “Posfácio”. In: PETRÔNIO. Satíricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 225. A Cena Trimalchionis trata-se de um banquete realizado na casa do liberto Trimalquião, que tinha se enriquecido por meio da prática do comércio. Apesar de ser um fragmento da obra literária de Petrônio, é o que mais nos chegou conservado. Os convidados, mesmo alforriados, mantêm seus traços de origem popular. Esta “Cena” é muito estudada pela historiografia, uma vez que a mesma traz registros de fatos do latim corrente, revelando a mentalidade da plebe romana de seu tempo. Fellini ao trazer para as telas do cinema esta parte da obra literária, retrata a megalomania do novo-rico, Trimalquião, que tal como o próprio nome sugere, significa: “três vezes rei”. O Cineasta enfatiza a personalidade tirânica de Trimalquião, que impedia os convivas de qualquer meditação sobre o prazer. O ato ritualizado de partilhar a comida e a bebida revela-se muito importante para firmar laços de amizade e vencer barreiras de natureza social, além de ser uma ótima oportunidade de propaganda política. Os banquetes mostravam-se como ambientes propícios as relações de Clientelismo e Patronato que eram muito comuns no período romano. Federico Fellini ao tratar sobre estes assuntos refere-se ao jogo político de interesses que estavam envoltos ao seu próprio tempo e das relações de poder e amizade nos estúdios do Cineccità, que tinha sido inaugurado pelo fascista Benito Mussolini para a gravação das propagandas do Fascismo. Tendo em vista estas características apontadas, vemos que toda comemoração constitui-se numa forma de comunicação, na qual se articulam relações de poder, propaganda e memória. Os rituais festivos comungam características que permeiam o mundo sagrado e o profano, na qual divulgam mensagens de símbolos e mitos. Portanto, as festas são signos e fazem parte de um ritual: não há sociedade sem ritual e não há ritual sem festas, pois elas ajudam a legitimar o regime. 190 190 Cf: CAPELATO, M. H. R. Multidões em Cena. Campinas: Papirus, 1998, p. 19-59. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciar a pesquisa sobre o cineasta Federico Fellini no ano de 2007, tendo em mente a sua relação com a obra literária de Petrônio, muitas foram às questões que se levantaram. Muitas destas questões versavam sobre a produção historiográfica de Fellini e o Satyricon, tanto no que se refere à obra literária datada do século I. d.C, como a produção fílmica de 1969. Dentre as questões levantadas podemos citar: quais as fronteiras traçadas entre o cinema, a literatura e a História? Quem foi Federico Fellini e qual a sua relação com o Satyricon de Petrônio? O que o Satyricon de Fellini representou para o seu período? Qual a origem do termo “felliniano”? Para responder a estas questões, recorremos ao estudo dos rituais cotidianos inseridos na obra fílmica o Satyricon. Os rituais sagrados, profanos e festivos representados pela religião, pelos banquetes e pelas festas populares, serviram de vertente para expressar a estética cinematográfica de Fellini. Com isso, inspirada nos conceitos criados pelo próprio cineasta adotamos como metodologia a teoria filosófica epicurista do Carpe Diem, bem como a leitura crítica da indústria cultural. Com este espírito nos dirigimos aos estudos, diálogos e interpretações de diferentes estudiosos sobre o Satyricon de Petrônio e Fellini, além de especialistas sobre os estudos das imagens cinematográficas e suas relações com a História e a Literatura. Cada estudioso citado neste trabalho serviu para rever conceitos e a partir destes propor novos. Para compreender dois períodos distintos, tanto de Petrônio quanto de Fellini tivemos que nos despir dos preconceitos vigentes, principalmente com relação ao anacronismo. Assim sendo, este estudo apresentou um caráter interdisciplinar confrontando personagens distintos com características e preocupações próprias de seu tempo e espaço. As páginas traçadas revelam um Fellini “sonhador”, e foi no estúdio do Cinecittà em Roma, que o cineasta pode realizar todos os seus sonhos, fantasias e delírios fellinianos. O que mais chamou a atenção de Federico Fellini no Satyricon de Petrônio eram suas lacunas; fragmentos estes que possibilitaram que o mesmo preenchesse com sua própria imaginação uma “Roma Antiga imaginada”. Sob este ponto de vista, fizemos uso da fonte literária do Satyricon lançado pela editora Cosacnaif (2008), que trouxe no prefácio de Raymond Queneau e no posfácio de Cláudio Aquati o cotidiano histórico e literário, na qual a obra encontra-se inserida e codificada, além de trazer uma versão descrita pelo historiador Tácito sobre a vida do aristocrata Petrônio na época do imperador Nero. O Satyricon de Petrônio por ser uma obra enigmática e pelo pouco que se chegou ao nosso conhecimento possibilita aos estudiosos contemporâneos de renovar-se a cada nova leitura da fonte histórica, pois novas questões são levantadas, principalmente com relação ao contexto satírico, tais como: os costumes da época, a narrativa, o discurso de gênero, a paródia, o uso do latim vulgar, a decadência das instituições, a degradação da religião, da justiça, da retórica e da moral, ou seja, a perca do mos maiorum, da tradição romana. É neste romance, pelo fio da ironia e do sarcasmo que Federico Fellini apresenta uma sociedade plural, uma crítica ao seu tempo, um devaneio sobre a consciência humana, da perca dos valores, e da usurpação do Estado Totalitário sobre a forma de pensar e agir do indivíduo. Uma das partes mais estudadas do Satyricon de Petrônio diz respeito ao banquete de Trimalquião, que mostrava a megalomania do novo-rico, representando a tirania. A adaptação de Fellini para as telas do cinema mostra o mercado da indústria cinematográfica, associando questões relativas à propaganda política e ao corporativismo. Narrado em primeira pessoa, o Satyricon de Petrônio conta a história de três personagens, um romance de aventura entre Encólpio, anti-herói que para superar o castigo da impotência dado pelo deus Príapo, envolve-se com bajuladores e libertinos, sempre se envolvendo em conflitos juntamente com seu companheiro Gitão e o rival Ascilto. Um jogo de poder e interesses que caracterizavam toda uma sociedade, na qual cada um tinha o seu valor. Ao chegar neste ponto do estudo, percebi que o tema não se esgota em si mesmo, mas muito há ainda para ser feito e estudado. Ressalto ainda que, tive a oportunidade, por meio do Mackpesquisa, de visitar a Fundação Federico Fellini em Rimini – Itália, fazendo o mesmo percurso de Fellini, conhecendo assim, sua cidade natal e dirigindo a posteriori para Roma, centro da atividade artística e intelectual de nosso personagem, uma “Torre de Babel” como ele mesmo havia observado, onde se confluíam diferentes tipos de culturas. Rimini é a cidade felliniana, tudo gira ao redor das recordações do cineasta, ao percorrer pelas ruas de Rimini, pude vivenciar um pouco da memória do cineasta, de sonhar por um instante o “sonho de Fellini”, do “eterno retorno a sua cidade de origem”, onde tudo começou, ou seja, a “cidade dos sonhos”. Assim sendo, neste trajeto entre Rimini e Roma fica a mensagem de Lucius Apuleius: Lector, intende: laetaberis (As. Aur. 1.6.6): Leitor, presta atenção: vais divertir-te. Carpe Diem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS REFERÊNCIAS FÍLMICAS FELLINI, A História de um Mito. Direção: Gianni Paolucci. Elenco: Anouk Aimée, Federuci Fellini, Giulietta Massina, Alberto Sordi, Marcelo Mastroiani, Sandra Milo, Caterina Borato, Franco Fabrizi, Ciccio Ingrassia, Franco Interlenghi, Magali Noel, François Perier. Gênero: Documentário. Distribuidora: Paris, 2006: 75 MIN ROME. Criado por: John Milius, William J. MacDonald, Bruno Heller. Produtores: John Milius, William J. MacDonald, Bruno Heller, Franck Doelger, Anne Thomopoulos, John Melfi. Elenco: Kevin McKidd, Ray Stevenson, Polly Walker, Kenneth Cranham, Tobias Menzies, Maz Pirkis, Indira Varma, Kerry Condon, Lindsay Duncan, James Purefoy, Ciarán Hinds. Gênero: Drama. País de origem: Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Exibição: HBO, BBC, RAI, RTP2. Quantidade de temporadas: 2, nº de episódios 22, 2007:55 MIN. (séries) SATYRICON. Direção: Federico Fellini. Produção: Alberto Grimaldi. Roteiro: Federico Fellini, Brunello Rondi, Bernardino Zapponi. Elenco: Martin Potter, Hiram Keller, Max Born, Salvo Randone, Mario Romagnoli. França-Itália, 1969:138 MIN A DOCE VIDA. Direção: Federico Fellini. Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli, Brunello Rondi. Elenco: Marcelo Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Yvonne Furneaux, Magali Noël. França-Itália, 1960:174 MIN (Edição Comemorativa versátil Home Video 10 anos – 1999-2009, p&b) MULTIMÍDIAS FELLINI [CD – ROM]. Paris: EMME Intermediactive, 1994. OBRAS DE REFERÊNCIAS, DICIONÁRIOS E VERBETES CITADOS ALFÖLDY, G. História Social de Roma. Lisboa: Presença, 1989. ALMEIDA, M. J. de. Imagens e Sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994. ________________. Cinema Arte da Memória. Campinas: Autores Associados, 1999. ALVES, R. O que é religião? São Paulo: Loyola, 1999. 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Hedyle (Moving South-Baiae) - Insult to Lichas and escape Insulto à Lichas e fuga Book 13 - Introduction of Ascytus Introdução de Ascytus (Baiae-Puteoli) - Introduction of Lycurgus - Robbery of Lycurgus‟ villa Introdução de Licurgus Furto de Licurgo na vila 191 Book 14 - Introduction of Quartilla Introdução a Quartilla (Puteoli) - Diverse episodes with Quartilla Diversos episódios com Quartilha - Theft of gold coins Roubo de moedas de ouro Mantive como anexos textos de apoio e reflexões que permitiram sedimentar o caminho deste estudo e possibilitar novas discussões sobre a pesente pesquisa. - Loss of gold coins Perda das moedas de ouro - Theft of cloak Roubo das máscaras - Second loss of gold coins Segunda perda das moedas de ouro Book 15 - (Opening is missing) Falta a abertura (Puteoli) - Introduction of Agamemnon via Menelaus Introdução de Agamennon via Menelaus - Episode with Menelaus - Cena Trimalchionis Episódio com Menelau - Departure of Ascytus, arrival Cena Trimalchionis of Eumolpus Saída de Ascytus, chegada de Eumolpus. Book 16 - Begins with ch. 100, departure from puteoli (Moving South) - Meeting with Lichas and Tryphaena - Matrona Ephesi, Bellum Civile - Toward Croton Começa com o capítulo 100, no momento da partida de puteoli. Reunião com Lichas e Tryphaena. Matrona Ephesi, guerra civil. Volta de Croton Book 17 - Legacy-hunters defrauded Ladrões (Croton) - Introduction of Circe Introdução de Circe - Episodes of Proselenus, Circe, Oenothea Episódios de Proselenus, Circe, Oenothea - Final scheme of Eumolpus Final do regime de Eumolpus Book 18 - Eumolpus leaves story (Moving further South) - Departure of Encolpius and Giton from Croton. Eumolpus saí da história Saída de Encolpius e Giton de Croton Book 19 - Eumolpus replaced by someone Eumolpus substituido por alguém - Movement toward the East Movimento em direção ao Oriente - Arrival in Lampsacus Chegada a Lampsacus (Moving South) Books 20-24 - Encolpius expiates offenses against Priapus Encolpius expia as ofensas contra Príapo - Encolpius initiated into cult of Priapus Encolpius é iniciado no culto de Priapus - Encolpius finds new toubles.” (SCHMELING, G., op Encolpius encontra cit.,p:461) novos problemas. ANEXO 2 Trabalhos e Filmografia de Federico Fellini - 1950 – Mulheres e Luzes (Luci del Varietà. Cod. Lattuada. Giulietta Masina, Carla Del Poggio). - 1952 – Abismo de Um Sonho (Lo Sceicco Bianco. Alberto Sordi, Brunella Bovo). - 1953 – Os Boas-Vindas (I Vitelloni. Alberto Sordi, Franco Fabrizi). – Amores na Cidade (L‟ Amore in Città. Epis. Agencia Matrimoniale. Antonio Cifariello) - 1954 – A Estrada da Vida (La Strada. Anthony Quinn, Giulietta Masina) - 1955 – A Trapaça (Il Bidone. Broderick Crawford, Masina). - 1957 – As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, Masina, François Perier). - 1959 - A Doce Vida (La Dolce Vita. Anita Ekberg, Marcelo Mastroianni192). - 1962 – Boccacio 70 (Idem. Epis. As Tentações do Dr. Antonio. Anita Ekberg, Peppino de Fillipo). - 1963 – Fellini Oito e Meio – 8 e ½ m e ½ (Otto e Mezzo, Mastroianni, Claudia Cardinale). 192 Destacamos aqui Mastroianni: “Mastroianni, como eu digo freqüentemente, é para mim um amigo, não um ator. No set de filmagem tenho sempre a impressão que ele está lá para se divertir, para fazer piada. Quando quero rodar uma sequência, não é trabalho. Talvez porque sonhemos juntos. Para mim, ele representa a personalidade ambígua de um intelectual, de um homem sensível, ainda juvenil, cínico, mas sempre um grande sonhador.” (FELLINI, 1995, p. 169). - 1965 – Julieta dos Espíritos (Gulietta degli Spiriti. Masina, Sandra Milo). - 1968 – Toby Dammit/Toby Dammit Extraordinárias (Histoires Extraordinaires. - Histórias Epis. Tre Passe nel Delírio. Terence Stamp, Salvo Randone). - 1969 – Anotações de um cineaste/Block-Notes di Un Regista (TV). Emissão de televisão a propósito de um filme não rodado (A viagem de G. Mastorna) e a prepação de Satyricon. Fellini – Satyricon (Idem. Magali Noel, Capucine). - 1970 – Os palhaços / I Clows (TV. Semidocumentário sobre o circo e os palhaços). - 1972 – Roma de Fellini (Roma. Anna Magnani, Peter Gonzales) - 1973 – Amarcord (Idem. Magali Noel, Bruno Zanin). - 1976 – Casanova de Fellini (Il Casanova di Federico Fellini. Donald Stherland, Tina Aumont). - 1978 – Ensaio de Orquestra (Prova d’Orchestra. TV. Baldwin Baas, Clara Colosimo). - 1980 – Cidade das Mulheres (La Città delle Donne. Mastroianni, Anna Prucnal). - 1983 – La Nave Va/ Et la nave va - (Idem. Freddie Jones, Barbara Jefford) - 1985 – Ginger e Fred (Idem. Mastroianni, Masina). - 1987 – Entrevista (Federico Fellini Intervista. Anita Ekberg, Marcello Mastroianni). - 1990 – A voz da Lua (La Voce della Luna. Roberto Benigni, Paolo Villaggio). Comerciais (Publicitários) dirigidos por Fellini: 1984 - Comercial para Campari Soda Título: Oh, che bel paesaggio! (Oh, que bela paisagem!) - Comercial para Barilla 1992 - Comercial para Banco de Roma Três comerciais de 90 segundos cada um. Interpretação: Paolo Villaggio, Fernando Rey, Anna Falchi.193 193 Com relação à filmografia completa de Federico Fellini Cf. FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. P. 201-225. ANEXO 3194 Posters de filmes do Fellini 194 Cf: WIEGAND, C. Federico Fellini: A Filmografia Completa. Paris: Taschen, 2003, p. 184 – 190. ANEXO 4195 Rascunhos de Fellini (Satyricon). 195 Cf: FELLINI, F. Federico Fellini: The Book of Dreams. New York: Rizzoli, 2008, p: 435 e 436. TRANSCRIPTION OF THE DREAMS 11/2/1969 At the movies (Barberini), Giulietta is on my lefty, Bernardino on my right, they‟re showing Satyricon; when we get to the sequence at the Villa of the suicides, the film jumps to the next reel (in the dream, the sequence with the minotaur). Somebody complains, I say in a loud voice that up in the projection room the‟ve forgotten a reel. A light turns on and they try to show the film in the right order. At that very moment Giulietta vomits. Bernardino says, “We can go, the effects are identical and the audience‟s reactions are always the same.” 11/5/1969 On my rigth, Bergman is watching Normicchia with a detached and slightly disapproving air. Her face is sweaty and leden with sensuality as if she had Just finished making love. 11/11/1969 ATTENTION (?) Na extremely abundant ejaculation, all foamy like soap suds, seething, I was immersed in this foamy, lukewarm sperm...Did it happen with Norma? The some American producers arrived (Pea‟s partners?) to eat the leftover sperm from my ejaculation out of N.‟s pussy. They Sat down around N., who was lying down naked with her legs spread open wide, rivulets of my sperm between the lips of her vagina. There‟s talk of someone (na old man) Who hás extremely broad nipples. The man is ashamed and doesn‟t want to show them. ANEXO 5 ROTEIRO DO FILME SATYRICON196 LA SCENEGGIATURA IL LAMENTO DI ENCOLPIO Scena n. 1. Encolpio sullo sfondo di un muro. Giorno. 1-9. Sullo sfondo di un muro rossastro, un muro di cinta o forse la parete esterna di una casa, tutto fittamente graffito dai passanti, che vi hanno fatto disegni, scritto parole latine e greche incomprensibili, fin quasi a divenire una decorazione astratta di ghirigori bianchi, Encolpio, solo, in preda a una grande agitazione, ad un'angoscia che lo fa a volte singhiozzare, a volte accasciarsi in terra o agitare Ie braccia, parla non si sa a chi, forge soltanto al pubblico, in una serie di brevi periodi incalzanti, rotti: ENCOLPIO: La terra non è riuscita a inghiottirmi nella voragine! Non m'ha inghiottito il mare, pronto a prendersela anche con gli innocenti! Sono sfuggito alla giustizia. Sono scampato al circo. Mi sono perfino macchiato le mani di sangue; per ridurmi qui, senza un soldo, bandito dalla patria, abbandonato! E chi m'ha dannato a questa solitudine? Un giovane segnato da tutti i vizi: degno del bando, per sua stessa ammissione; Ascilto. Un giovane che si è reso libero con lo stupro: con lo stupro è diventato di buona famiglia: si è giocato ai dadi la sua gioventtú: si è dato in affitto come donna, anche quando lo avvicinavano come uomo... E che dire di Gitone? Quello, il giorno della toga virile, si è messo la stola femminile. Quello, già la madre l'aveva convinto a non essere uomo. Uno che ha fatto la puttana in una prigione: uno che tradisce il ricordo di una antica amicizia: che vergogna! Come una donna in calore vende tutto per il contralto di una notte. E adesso, abbracciati, giacciono insieme per notti intere... e certo ridono di me, che sana solo... Ma non finirà cosi! (piangendo) Vaga estate contaminata dall'inverno!... Ti amavo, Gitone: ti amo ancora... Non posso dividerti con altri, perché tu sei parte di me, sei me stesso, sei la mia anima, e l'anima mia ti appartiene. Sei il sole, sei il mare, sei gli Dei. Devo ritrovarti a ogni costa, o non sano piú uomo. It tronfio Ascilto è fuggito con la sua preda.. . Scena n. 2. Terme. Interno. Sera. 10. AIle terme, è l'ora di chiusura: un suono di campana sta rintoccando sotto Ie volte immense. 11. Ambienti vastissimi, cinti da mura potenti; una piscina è già stata svuotata, c'e solo un fondo d'acqua... 12. 196 Cf: FELLINI, F. Fellini Satyricon. Bologna: Cappelli Editore, 1969, p. 149-273. (Roteiro Original de Federico Fellini) ... da altre, invece, caldissime, si levano vapori. 13. Vapori escono anche da certe porticine aperte; salgono verso il soffitto,... 14. ... avvolgono i lenzuoli fittamente stesi su corde, ad asciugare. 15. Qualcuno si sta facendo massaggiare. Un vecchio dall'aria tramortita, sudato e pallido, si fa massaggiare da uno schiavetto dalla faccia di teppista. 16. Una matrona è ferma immobile nell'acqua d'una piscina deserta; grassissima, solenne, si guarda intorno con occhi severi. 17-18. Alcuni giovanotti erculei, forge massaggiatori che hanno finito di lavorare, giocano a palla; scagliandosi con violenza e rapidità un grosso pallone di cuoio, pesantissimo. 19. Da queste persone, sparse qua e là, si levano ogni tanto risate o frasi: fragi in un duro latino inafferrabile, una shana lingua che sembra tedesco, diversissima da quella che si studia a scuola. 20. Un cavaliere, seguito da un codazzo di servi, esce e saluta la gente che resta, con un gesto benedicente... 21. ... Altri escono portati via in lettiga... 22. ... Ormai Ie terme sana quasi deserte. Alcuni inservienti spazzano stancamente il pavimento terroso, coperto da una melma liquida. Risuona ancora, piú leggero di prima, qualche tocco di campana... 23. ... Le terme, a quel suano, sembrano una maestosa cattedrale. 24. Encolpio entra; si guarda intorno con aria furiosa, cercauda qualcuno... 25. ... e non bada al portinaio, vecchio e sdentato, che gli dice a bassa voce, con tono afIettuoso: PORTINAIO: Arrivi tardi, signore, le terme sono chiuse... Le inquadrature 24 e 25 sono state soppresse. 26. Encolpio avanza sotto Ie volte, e chiama ad alta voce: ENCOLPIO: Ascilto! L'eco fa rimbombare il finale della paroIa... 27. ... Encolpio cammina e chiama ancora: ENCOLPIO: Ascilto! Ma solo l'eco risponde. 28. Encolpio percorre dei corridoi, .. 29. ... attraversa stanzoni e camerette, ogni tanto incontra qualcuno:... 30. ... una donna sovraccarica di panni da lavare, che regge a fatica un cumuIo altissimo,... 31. ... un omone grasso che si sta facendo rivestire da alcune schiave, cosí come un bambino appena nato viene avvolto dai pannolini;... 32. ... vede altre piscine, stanze da bagno,... 33. ... ma non vede Ascilto benché continui a chiamarlo. 34. In una sala, sdraiato presso una piscina, è AsciIto. Sentendo Ia voce di Encolpio che lo chiama, solleva la testa. 35-42. Sorride e parla. Parla a qualcuno che non vediamo: o forse al pubblico. ParIa con voce forte e tranquilla; ghignante a volte; con innocente cinismo. ASCILTO: Encolpio mi cerca per vendicarsi. Gli ho portato via il fratellino, con un inganno ben macchinato. Si è meritato lo scherzo, lui (sorridendo quasi con simpatia) che è un assassino notturno, un ladro pronto a beccare tutto ciò che luccica, come un uccello da preda. Mentre dormiva stordito dal vino, gli ho tolto di sotto Gitone e con lui ho passato la piú dolce delle notti. L'amicizia regge finché fa comodo; cosí almeno la penso. Il fanciullo sulle prime voleva negarmi il fiore: forse aveva sonno: ma io ho alzato la spada, e l'ho minacciato dicendo: Se tu sei Lucrezia, hai trovato il tuo Tarquinio. Oggi un illustre attore m'ha offerto di comprarlo, per servirsene in una farsa: io, alla vista del denaro, ho ceduto il mio schiavo. Poi, mentre giravo per la città, un buon padre di famiglia mi ha avvicinato: mi ha condotto in questo luogo, e dentro una diquelle nicchie ha cominciato a insistere per violarrmi. Già mi aveva messo le mani addosso, ma io l'ho buttato nella piscina. Encolpio, livido di bile, si sta avvicinando: sarà bene difendersi o fuggire... 43. Ascilto si alza e va incontro ad Encolpio, con un sorriso un po' sfottente, lo saluta tranquillamente: ASCILTO: Mi hai chiamato? Eccomi. 44. Encolpio lo guarda con serietà e rabbia. Resta un attimo fermo... 45. ... Poi lo aggredisce con un pugno sulla tempia. 46. Ascilto cambia faccia; diventa rosso di rabbia, cattivo, brutto;... 47. ... mugolando si scaglia su Encolpio e i due cominciano a picchiarsi come forsennati. 48-54. Si prendono a pugni, a calci, si mordono, si strappano i capelli; si rotolano per terra come cani, si sporcano tutti nella fanghiglia che copre il pavimento. 55. Tranquille, Ie poche persone rimaste, escono, con cenni di saluto a chi resta. 56. Encolpio e Ascilto si colpiscono senza pietà, furenti; uno perde sangue da un orecchio, l'altro dalla bocca. 57. Encolpio ha messo sotto Ascilto, e gli mugola sulla faccia: ENCOLPIO: Dov'è... Gitone, dov'è? 58. Ascilto scoppia in una risata dolorante e maligna: L'ho venduto... Certo... A Vernacchio l'attore... Venduto... 59. Ascilto continua a ridere, esausto, sofferente;... 60. ... Encolpio, su di lui, ansima, non ha piú la forza di alzarsi. 61. Una giovane donna, altissima, robusta, bianca come una statua, immobile, è ritta in piedi seminuda... 62. ... Due schiavi bassi come nani, Ie stanno intorno, e la ungono lentamente con degli oli profumati, proprio come se stessero pulendo una statua. Le inquadrature 6I e 62 sono state soppresse. ENCOLPIO RITROVA GITONE. CROLLO DELL' “INSULA FELICLES” Scena n. 3. Teatro. Interno. Notte. 63. L'interno di un teatro di legno, quasi una colossale baracca circolare. 64. SuI fonda, il palcoscenico, col frontone a triangolo adorno di maschere tragiche e comiche. 65. II teatro e illuminato da lanterne appese aIle pareti. È affollato di persone, tutte in piedi: non ci sono panche... 66. ... II pubblico non dovrà dare un senso di compattezza, ma anzi di disunione: ognuno infatti si comporta in modo diverso dall'altro... 67. ... Alcuni chiacchierano e ridono fra loro, indifferenti allo spettacolo;... 68. ... altri fissano la scena accigliati, nello sforzo di seguire quel che succede,... 69. ... alcuni negri in particolare guardano sbalorditi senza capire nulla;... 70. ... qualcuno sta mangiando accoccolato per terra;... 71. ... uno ride violentemente, da solo;... 72. ... due amanti si accarezzano e baciano lascivamente;... 73. ... uno si è sdraiato per terra e dorme... 74. ... C'è un continuo, forte BRUSIO, rotto a tratti da risate acute e da grida stridenti di incoraggiamento: Vernacchio! Insomma, un clima un po' manicomiale. 75. SULLA SCENA, LA STESSA SLEGATEZZA E ARITMIA; AZIONI LENTE ALTERNATE AD ALTRE CONCITATE, FULMINEE... 76. ... II fondale e dipinto ad alberi. Sullo sfondo, una fila di attori schierati, tutti con maschere corniche sulla faccia; mascheroni grotteschi, abbastanza impressionanti, con nasi eretti come falli; occhi loschi, bocche con pochi denti aguzzi... 77. ... Davanti a questi attori secondari, si muove e recita Vernacchio, il protagonista. Vernacchio è un omaccione un po' molle, non piú giovane, con indosso una pelle di leone, annodata sul davanti per le zampe... 78. ... Non ha maschera, ma ha il volto truccato a imitazione parodistica d'una maschera tragica: ha le labbra dipinte all'ingiú, gli occhi ugualmente disegnati in un'espressione dolente, con lacrime finte sulle guance... 79. Le sue azioni sono una parodia della recitazione tragica: braccia levate al cielo, mani sugli occhi, atti di disperazione. Ma in realtà. quello che fa e orrendamente buffonesco. 80. Fa il gesto di acchiappare al volo una mosca. Effettivamente, ha in mano una mosca:... 81. ... fulmineamente allunga la lingua che è particolarmente lunga, come un camaleonte, e se la mangia... 82. ... Poi scoppia ridicolmente a piangere. 83. Gli passa davanti un suonatore che suona una specie di lungo flauto. Vemacchio afferra il flauto, e lo infila nel sedere del suonatore... 84. ... Poi spalanca la bocca in una specie di risata senza suono. 85. Alcuni del pubblico ridono, accanto ad altri che restano perfettamente seri. 86. Entra in palcoscenico una bella donna giovane, e Vernacchio le si butta in ginocchio davanti; le afferra un piede e comincia a baciarlo convulsamente. 87. La donna apre la bocca come per parlare, ma in realtà non parla: è doppiata da... 88. ... una donna anziana, violentemente truccata con mille colori, che parla lei al suo posto: ATTRICE ANZIANA: O Dei, aiutatemi! Ma tu sai bene che mio padre non vuole saperne in alcun caso! 89. Uno del pubblico indica col braccio teso la scena a un altro, che sta ridacchiando. 90. Vernacchio trotterella per la scena a quattro zampe; poi si dispone col sedere contro la bella donna, ed emette una rapida e quasi musicale serie di scorregge... 91. ... Dal pubblico non viene nessuna risata. 92. Un attore avanza sul davanti dell a ribalta e grida al pubblico: ATTORE: Plaudite! Plaudite! 93. Qualcuno del pubblico applaude, ubbidiente. 94-96 Ora Vernacchio è seduto su uno sgabello in mezzo alla scena; due attori gli sono ai fianchi e lo insultano, rapidamente, a turno: PRIMO ATTORE: Sei un ladro! VERNACCHIO: Lo ammetto. SECONDO ATTORE: Assassino! VERNACCHIO: Certamente. PRIMO ATTORE: Stupratore! VERNACCHIO: Roha vecchia! SECONDO ATTORE: Ruffiano! VERNACCHIO: E con questo? PRIMO ATTORE: Poeta! 97. Vemacchio balza in piedi, ed urla: VERNACCHIO: Ah no... No! Questo no! No! 98. E si abbandona a una specie di crisi epilettica. Poi si rialza da terra e grida: VERNACCHIO: L'orina fresca! 99. Un attore entra e gli porge un vasa da notte colmo di liquido. Venacchio ne beve una gran sorsata,... 100. ... e poi va a sbruffarla in faccia all'attore che gli aveva detto: poeta. 101. Fra il pubblico una donna presa dall'entusiasmo grida istericamente: DONNA: Vernacchio! Ti amo! 102. Sul palcoscenico, c'è come una stasi, un momento di intervallo. Vernacchio si è seduto come un pugile dopo un round, e si asciuga il sudore... Le inquadrature dalla 83 alla 91 e dalla 93 alla 102 sono state soppresse. 103. ... Gli altri attori chiacchierano a bassa voce. Un inserviente porta in scena un grosso ceppo, come quelli usati per la decapitazione. 104. Il suonatore di flauto e un suonatore di cetra eseguono un discordante brano musicale. 105. Dietro le quinte, attori e inservienti afferrano un uomo incatenato, un poveraccio dall'aria depressa,... 106. ... e 10 trascinano velocemente in scena, come un condannato a morte. Intanto una voce di non si sa chi strilla: VOCE: Muzio Scevola! 107. Gli inservienti costringono il poveraccio a appoggiare il braccio sul ceppo,... 108. ... e intanto, sempre frettolosamente, alcuni uomini e donne danzano un piccolo ballo intorno a lui... 109. ... Lui li guarda con occhi tristi. 110. Vemacchio ha in mano un'accetta. Grida: VERNACCHIO: Cosí punisco il mio braccio che ha fallato! 111. E dà un colpo d'accetta sul braccio dell'uomo:... 112. ... la mano si stacca di netto e vola via. 113. Il pubblico, per la prima volta, ride tutto insieme, ed applaude. 114. L'uomo, svenuto, piú morto che vivo, viene trascinato via... 115. ... Gli mettono una manciata di ragnatele sul moncherino, e glielo fasciano con grosse bende. Qui è stato aggiunto un nuovo episodio: quello della celebrazione del genetliaco dell'Imperatore da parte della compagnia di Vernacchio, con l'apparizione sulla scena di un attore che impersona Cesare. Introdotto da un gobbo grottescamente saltellante, che invita il pubblico ad applaudire, Cesare compie il «miracolo» di far rispuntare la mano all'amputato. 116. Venacchio ridacchia soddisfatto. Prende una cetra e recita con voce modulata: VERNACCHIO: Eros dalle molte lusinghe scese sulla terra... 117. E dall'alto, scendono alcune nuvole di legno, sulle quali è sdraiato Gitone, che ha in mano un arco, e la faretra sulla spalla. 118. Fra il pubblico si fa avanti Encolpio, che si avvicina al palcoscenico e dice: ENCOLPIO: Vernacchio! Devi restituirmi il ragazzo. 119. Vernacchio guarda curiosamente Encolpio, poi esclama con tono sfottente: VERNACCHIO: Un padrone! Oh! Abbiamo um padrone! Sei cavaliere? Senatore? Sali, bel giovane: Vernacchio ti ospita nella sua casa... Mentre Encolpio sale sul palcoscenico,... 120. ... Vernacchio indica i suoi attori: VERNACCHIO: Ecco i miei familiari, i miei schiavi... Attento al cane! 121. Un attore, con una maschera di cane, finge di avventarsi su Encolpio. 122. Alcuni degli spettatori ridono fino alle lacrime. 123. Encolpio si avvicina a Gitone, gli toglie la parrucca, l'arco e le frecce. 124. Vernacchio prende una mano di Gitone, e lo mostra al pubblico: VERNACCHIO: È bello e carnoso. L'ho pagato trentacinque denari. Fa una smorfia grottesca, di complicità verso il pubblico, e grida: VERNACCHIO: Un maialino del suo peso costerebbe di piú! 125. Uno del pubblico ride convulsamente, acutamente. 126. Encolpio parla seriamente. ENCOLPIO: Vernacchio so che sei un attore famoso, e già vedendoti mi sono reso canto delle tue molte qualità. Ma il ragazzo mi appartiene: quel bastardo sozzo che te l'ha venduto non era autorizzato a questo mercato. Perciò, ti prego, non ricorrere al pretore; Gitone verrà via con me. 127. L'attore strilla con voce acuta: VERNACCHIO: Un padrone! Un padrone fra noi! E dà una spinta ad Encolpio, proprio mentre un gobbetto, con una maschera che ricorda quella di Pulcinella, gli si è messo dietro:... 128. ... Encolpio ruzzola per terra. 129. Gitone non può trattenersi dal ridere. 130. Fra il pubblico, un uomo grasso, serio, proclama ad alta voce, senza voler minimamente scherzare: UOMO: Per quaranta denari, il ragazzo lo scompro io! E contemporaneamente, accanto a lui, un suo schiavo solleva un piatto d'argento su cui c'è un mucchio ai monete. 131. Vernacchio stringe a sé Gitone, e lo accarezza: dice con tono scherzoso, ma che ha un fondo di verità: VERNACCHIO: Signore, questo Giovane è la mia sposa. Un cittadino libero venderebbe la sua sposa? Egli è saggio, ordinato, in casa mi fa trovare acceso il fuoco: io I'ho addestrato alla grande arte della scena, e vedrai come farà bene Ie parti di donna; Elena di Menelao, e la fida Penelope, e Cornelia: insomma, un tesoro cosí non ha prezzo. 132. Uno del pubblico, impazzito di gioia a questo discorso, batte Ie mani come una scimmia, saltella, e lancia brevi grida roche di appravazione. 133. Encolpio tende Ie braccia a Gitone, che viene a stringersi contro il suo petto; mentre gli accarezza la testa Encolpio dice a bassa voce a Vernacchio: ENCOLPIO: Ti renderò il tuo denaro: non pretendere troppo. Gitone mi appartiene. 134. Encolpio fa per andarsene insieme a Gitone, ma tutti gli attori faunno un passo avanti, stringendolo come d'assedio... 135. ... E tutti, ad uno ad uno, si tolgono Ie maschere, mostrando volti duri, accigliati, minacciosi, a contrasto coi mascheroni grotteschi che portavano. 136. Encolpio estrae la spada, e fa per avventarsi contro Vernacchio. 137. Ma a questo punto, come se il provocatore del duello fosse l'attore e non Encolpio, si fa avanti fra il pubblico un tipo autoritario, con la barbetta; un magistrato o un ufficiale, che aggredisce violentemente Vernacchio con voce tagliente: MAGISTRATO: Vernacchio, la tua condotta è ormai insopportabile. Già per quel motto contra Cesare ti privammo delle panche. Ora continui a fomentare discordie? Guai a te! Lascia che il giovane si riprenda lo schiavetto, o domani farò bruciare questo teatro! Mi hai capito? La tua tracotanza ci ha stancato! 138. A questo discorso, Vernacchio crolla; casca in ginocchio, come un povero vecchio sconfitto; sulle lacrime finte del volto, si versano vere lacrime. Protende Ie braccia verso il magistrato, come un accattone: VERNACCHIO (balbettando): Pietà... Non volermi rovinare del tutto, signore... te ne prego... Vernacchio è mite, ubbidiente... Cesare lo sa... 139. Il magistrato sorride maligno; vincitore. 140. Il pubblico commenta animatamente; qualcuno scaglia invettive contro Vernacchio e qualcuno applaude. 141. Encolpio e Gitone sono scomparsi. Scena n. 4. Quartiere della suburra. Esterno. Notte. 142. Encolpio e Gitone corrono allegramente per Ie strade della Suburra;... 143. ... si inseguono,... 144. ... si raggiungono,... 145. ... si abbracciano;... 146. ... riprendono la corsa... 147. Sono strade strette, buie, illuminate soltanto dalle luci che escono dalle porte o dalle finestre. Straducole quasi africane,... 148. ... con marciapiedi altissimi, fatti apposta per far scolare la pioggia lungo Ie strade;... 149. ... animate da una folIa irriconoscibile per il buio: frotte di ombre che camminano accalcandosi, in un ininteirotto chiacchierare in lingue e dialetti diversi. 150. Carri carichi di materiale percorrono lenti Ie straducole. Un carro è carico di sabbia, un altro di botti che lasciano una scia d'acqua... 151-152. ... un carro trasporta una testa colossale di statua, la testa di un imperatore in marmo, che urta contra gli spigoli delle case e Ii scheggia. ENCOLPIO: Ora sei qui, con me, fratellino. Non fare soffrire ancora it tuo Encolpio. Ti ho cercato tanto, mi sono umiliato, ho lottato. Come hai potuto accettare la spavalderia di Ascilto? Come la schiavilú in un'accozzaglia di istrioni? Eppure io esisto, ti amo: non puoi dimenticare, Gitone, non puoi sapere che per me tu sei... 153. Encolpio e Gitone si abbracciano con passione tenera, adolescenziale;... 154. ... Gitone ha Ie lacrime agIi occhi; si baciano con la purezza e l'amore di due giovani innamorati. 155. Nella Suburra, vecchie vendono erbe,... 156. ... altre adescano gli uomini che passano per portarli nei lupanari... 157. ... Gruppi di pederasti vestiti da donna e imbellettati passano chiacchierando allegri, sicuri di sé, senza complessi. 158. Encolpio e Gitone, che hanno ripreso la loro felice, rápida camminata, notano... 159. ... una casa dentro cui c'è un uomo morto, circondato dai parenti che piangono e si battono il petto... 160. ... una famigliola che cena serenamente, al lume di alcune candele... 161. ... una casa dentro cui alcuni uomini e donne stanno litiganao; gIi uomini hanno Ie spade in mano, Ie donne si gettano avanti per dividerli come nelle tragedie greche... 162. ... Ie case delle prostitute: donne imbellettate, con parrucche altissime, i seni nudi coperti di porporina fosforescente, siedono fuori delle porte, e sulle porte c'è scritto il prezzo: CLELIA XII; GAIA VIII; ELEPHANTIS XIV... 163. ...Ie locande, Ie osterie dentro cui si intravedono uomini avvinazzati che s'aggirano lenti... 164. ... manifesti sui muri: pubblicità per senatori o per gladiatori o per attori, scritte in caratteri stretti, alti, aguzzi... 165. ... matrone in lettiga, dall'aria sensuale e severa, che si guardano intorno con occhi avidi... 166. ... gente di tutte Ie razze e vestita nei modi piú disparati, che circola guardando qua e là incuriosita, e che entra nelIe bettole e nei Iupanari... Soppresse le inquadrature I42-I50 e I55-I66, la descrizione dei quartiere della Suburra è stata sensibilmente modificata. 167. ... una vecchietta seduta contro un muro, che vende lupini e vino, e che sorride con Ia bocca cavernosa. Encolpio scherzosamente interpelIa Ia vecchia: ENCOLPIO: Nonnetta, sai dove abitiamo? La vecchietta si alza e indica un portoncino lí accanto, suI quale c'è come insegna un grosso falIo di pietra: VECCHIETTA: Come no?... Abiti qui, amore mio... 168. EncoIpio e Gitone scoppiano a ridere; ma in quel momento si accorgono che... 169. ...il magistrato che li ha salvati a teatro li ha seguiti, in lettiga, e gli fa cenno perché si avvicinino: sorride ambiguamente. 170. Encolpio e Gitone, per sfuggire a questo pericoIo, entrano di corsa nel Iupanare. Scena n. 5. Quartiere della suburra. Lupanare. Interno. Notte. 171. EncoIpio e Gitone, di corsa, e coprendosi Ia faccia con il mantelIo per la vergogna, attraversano il Iupanare e escono dalIa porta opposta. 172. II Iupanare è un vasto stanzone, a piú livelli, con balIatoi, corridoi, porte chiuse da tende, che presenta un aspetto piuttosto squallido e come disabitato. 173. Notiamo un gruppetto di soldati, che si sana disfatti delle corazze e degli elmi, e, nudi come alIa visita di leva, si accalcano presso una porta, scherzando e ridendo fra loro. 174. Una vecchia ruffiana con un grosso cane lupo al guinzaglio entra dentro una stanza. 175. Una negra alta, bellissima, triste, coperta di catene, sta ritta in piedi, mentre un uomo è chino ai suoi piedi, e mormora: UOMO: Sono il tuo schiavo... Io sono il tuo schiavo... 176. La padrona del lupanare, bella donna matura, affre una coppa di vino a Encolpio, che la sfugge, dicendo: PADRONA: Fermati, bello... Dove vai? 177. Encolpio e Gitone, ridendo, proseguono la loro corsa, ed escono da un'altra porta. Questa parte è stata ampliata con l'introduzione di varie scene: una coppia di sposi che attende il responso del sacrificio di un capretto a Venere Callipigia, dinanzi alla statuetta della dea nell'atrio del lupanare; Encolpio e Gitone che vengono chiamati dall'alto della gradinata dell'anfiteatro da un vecchio lenone, ecc. Scena n. 6. Insula felicles. Esterno. Notte. 178. Encolpio e Gitone camminano per la strada che costeggia l'Insula felicles, dirigendosi verso l'ampio portone. 179. È un palazzo altissimo, quadrato, tozzo, un po' sbilenco; con moite finestrine quadrate tutte uguali. Nei piani inferiori, invece di finestre vi sono porte, Ie quali danno su Iunghissimi balconi di legno che corrono Iungo tutta Ia facciata... 180. ...E qua e là, come fungosità, sporgono casotti di legno, attaccati irregolarmente alIa facciata: sembrano insetti aggrappati ad una carogna. 181. Da alcune finestre escono alcune volute di fumo nero, segno che nell'interno hanno acceso il fuoco. 182. In basso, c'è una fitta serie di botteghe e bottegucce di mercanti e di artigiani; botteghe si aprono anche dentro la casa, nel corlile e sotto la volta stessa del portone. 183. Sia per strada che alle finestre, c'è un continuo andirivieni di persone, sempre in movimento come formiche:... 184. ... un'umanità miserabile, stracciona, da ghetto. Scena n. 7. Insula felicles. Interno. Notte. 185. Encolpio e Gitone salgono Ie scale nell'interno dell'Insula. 186. Nel mezzo del cortile c'è l'Impluvium, ossia una larga e bassa vasca dove si raccoglie l'acqua piovana... 187. ... In quest'acqua sporca alcune donne lavano i panni, alcuni bambini sguazzano; c'è perfino un cavallo. 188. Le rampe sono senza ringhiera, a scalini ripidi, taluni di mattoni, altri di legno. Alcuni scalini mancano, o sono spaccati. 189. In mezzo, si apre un vuoto enorme, una gigantesca tromba delle scale quadrata, che si perde in alto, nel buio,... 190. ... dove si intravedono svolazzare dei pipistrelli. 191. L'andirivieni del formicaio prosegue anche per Ie scale e sui pianerottoli. 192. Attraverso Ie porte aperte degli apparlamentini si scorgono ambienti nudi, angusti, scrostati;... 193. ... qui si vede una panca, là un letto; sacchi di cereali, cataste di legna, una capra, alcuni maiali... 194. La gente cucina suI braciere acceso in mezzo alIa stanza; oppure dorme;... 195. ... in una casa c'è un principio d'incendio, subito domato... 196. ... Due sposi rissano con violenza furibonda: lui ha un coltello in mano e tenta di sgozzarIa... 197. ... In un angola d'un pianerottolo un uomo si sta vuotando il ventre. 198. Qualcuno, esausto, si è seduto sugli scalini: non gliela fa piú a salire... 199. ... Un vecchio, seduto per Ie scale, sta scrivendo tranquillamente... 200. ... II vocio è assordante: vi si aggiunge l'abbaiare dei cani, lo squittio dei maiali. Ma un uomo, seduto su un gradino, canta una canzone dolcissima accompagnandosi con la cetra. 201. Encolpio e Gitone salgono abbracciati quella mostruosa torre di Babele. Scena n. 8. Insula felicles. Appartamento di Encolpio. Interno. Notte. 202. L'appartamentino dove entrano Encolpio e Gitone è misero come gli altri, c'è solo una tavola e un piccolo letto. 203. Subito, appena entrati, Encolpio abbraccia Gitone, lo stringe, finiscono suI letto... 204. ... Mentre si baciano e si amano, la voce di Encolpio dice FUORI CAMPO: ENCOLPIO (F.C.): Dèi e Dee, quaIe notte fu quella! Che morbido letto! Abbracciati ardevamo, ci trasferivamo l'anima attraverso Ie labbra... Addio, cure mortali... Io credevo di morire... L'amplesso e interrotto daIl'ingresso di Ascilto... 205. ...Il quale resta un momento fermo a guardare, poi scoppia in una gran risata, battendo fragorosamente Ie mani. E grida: ASCILTO: Ma che fai, fratello venerando? Bene! In due sotto la stessa tenda! 206. Ascilto ride ancora, di gusto; poi sfila una cinghia da una bisaccia che c'è nella stanza, e si mette per gioco a frustare Encolpio, mentre Gitone ride anche lui. 207-209. Ma Encolpio gli toglie la cinghia, e comincia a parlargli in tone serio e pacato. ENCOLPIO: Ascilto, capisco che fra noi non è possibile andare d'accordo. Dividiamo quel che abbiamo in comune, e cerchiamo di diventare meno poveri ognuno per suo conto. Tu sei uomo di lettere: anch'io. Ma tu oggi sei scappato dal colloquio col maestro. ASCILTO (rabbiosamente): Che dovevo fare, stupido, se morivo di fame? ENCOLPIO: Poiché non voglio ostacolarti, mi offrirò per qualche altro lavoro. ASCILTO: Va bene. Dividiamo. 210. Le mani di Encolpio e Ascilto afferrano rapidamente, a turno, una serie di oggetti... 211. ... Una spada, un pugnale, delle scarpe di tipo militare,... 212. ... una bisaccia, uno zaino, un mantello, un piccolo idolo portafortuna, un'anfora, un vaso,... 213. ... degli anelli, dei bracciali, un pettinino di bronzo. Poi Ascilto scoppia in una risata, ed esclama: ASCILTO: E adesso dividiamo il bambino! ENCOLPIO: Non scherzare! ASCILTO: Lascia the decida lui! 214. Gitone si precipita fra Ie braccia di Ascilto: GITONE: Con te! 215. Encolpio resta di pietra, pallido, stravolto. 216. Ascilto e Gitone escono rapidamente, quasi fuggendo. 217. Encolpio, rimasto solo, non perde tempo a riflettere; emettendo dei rabbiosi lamenti, dei singhiozzi, drizza il letto contro la parete, vi si arrampica sopra e getta una corda attorno a un trave, per impiccarsi. Ma in quel momento... 218. ... si sente un cupo rimbombo; un vasto e leggero tremito fa vibrare la casa. Contemporaneamente, si sentono Ie mille voci degli abitanti dell'Insula, che tutte insieme gridano, producendo un suano quasi uniforme, come un ronzio di api impazzite. 219. Encolpio corre fuori dall'appartamentino. Scena n. 9. Insula felicles. Interno. Notte. 220-22I. Encolpio si getta giú per Ie scale, aprendosi il varco a gomitate e calci in mezzo agli abitanti del palazzo, che anche loro vogliono precipitarsi fuori. 222. È una visione da inferno: una serie di facce tutte stravolte e fisse in un'espressione di terrore estremo. La polifonia di urla ha raggiunto un tono acutissimo. 223. Crolla una rampa di scale... 224. ... E piovono dall'alto calcinacci, pietre, polvere... 225. ...Si sentono strazianti crepitii, fragori secchi di squarci, tonfi cupissimi di cose pesanti cascate. 226. Ogni abitante in fuga sarà inquadrato in un determinato atteggiamento: mentre sorregge una trave che gli è caduta addosso,... 227. ...o mentre cade in terra, o... 228. ... mentre si apre un varco con un piccone,... 229. ... già come immobilizzato, in modo da ricordare i calchi dei morti sotto Ie rovine di Pompei. LA CENA DI TRIMALCIONE Scena n. 10. Insula felides. Esterno. Notte. 230. La casa sta crollando. Sepra il portone, verso l'alto, si disegna di colpo una grande crepa a zig-zag, guizzante come un fulmine. 231. Encolpio fugge sotto una pioggia di pietre e calcinacci; dietro di lui, il fragore del crollo definitive. 232-233. La casa è crollata, si è accasciata in un colossale mucchio essenzialmente di polvere, come una casa di sabbia. Scena n. 11. Pinacoteca. Interno. Giorno. 234. Una pinacoteca, ampia e chiara, luminosa, di linea classica come un tempio greco. 235. Alle pareti, ma piuttosto distanti l'uno dall 'altro , sana molti quadri, poggiati su una stretta mensola che carre lunge Ie pareti... 236. ... sono dipinti su lastre di terracotta o di legno o di metallo. Capolavori greci o romani, già in parte scrostati, qualcuno quasi irriconoscibile. Raffigurano scene mitologiche, soprattutto amorose; oppure sono ritratti di uomini e donne, tutti visti di faccia, seri o lievemente sorridenti. 237. Davanti a un quadro, c'è un restauratore che ha in mano un guscio d'uovo Del quale intinge una bacchettina di legno, e la passa leggermente sul dipinto. Accanto al restauratore, c'è un ragazzetto che regge un cestellino con cinque o sei uova. 238. Encolpio passa davanti ai quadri, si sofferma con interesse e ammirazione. Guarda soprattutto i dipinti che raffigurano Ganimede, Narciso, Adone;... 239. ... gira interno a una statua di Amore e Psiche. Encolpio è commosso; parla ad alta voce, ogni tanto è strozzato dal pianto. ENCOLPIO: Ganimede: Narciso... Apollo trasformò in un fiore l'ombra del giovinetto... Tutti i miti ci parlano di amore, di unioni senza rivali... Ma io mi son preso in casa un ospite crudele! 240. Encolpio voltandosi si trova accanto un vecchio (Eumolpo), che lo guarda sorridendo. E gli parla: EUMOLPO: Io sono un poeta. Ma com'è, dirai, che sei vestito cosí male? Proprio per questo. 241. Aggiunge come a presentarsi: Mi chiamo Eumolpo. Indica con largo gesto Ie opere esposte: I capolavori esposti in questa pinacoteca denunziano il letargo attuale; una pittura cosí, nessuno la sa piú fare: Ie belle arti sono morte. E cosa ha provocato questa rovina? La brama del denaro! 242-243. Encolpio ed Eumolpo camminano dinanzi ai quadri; anche un gruppo di contadini, con facce dure e sbalordite, guardano i quadri e porgono orecchio al discorso di Eumolpo. EUMOLPO: Nei tempi antichi si cercava la virtú pura e semplice... Fiorirono Ie arti liberali... Eudosso invecchiò sopra un monte per sorprendere i moti degli astri. Crisippo, per Ie sue scoperte, si purgò il cervello con l'ellèboro. Lisippo si concentrò nell studio di un unico modello; e morí di fame! 244. Eumolpo ride con una specie di scherno doloroso, e continua con voce piú bassa, quasi confidenziale: EUMOLPO: Ma noi, oggi, tra vino e puttane, neppure i capolavori che ci sono conosciamo piú. (Retoricamente): Dove sta la dialettica? Dove l'astronomia? Dov'è la nobile via della sapienza? 245. Eumolpo resta pensieroso, si ferma; Encolpio si ferma con lui, e guarda un quadro proprio davanti a loro: raffigura una scena mitologica, con giovinetti e giovinette che si abbracciano, danzano, si baciano. 246. Eumolpo riprende a parlare con una specie di gaiezza improvvisa: EUMOLPO: Non ti meravigliare se la pittura è finita, quando per tutti noi c'è piú bellezza in un mucchio d'oro che nelle opere di Apelle, di Fidia, quei grèculi teste matte... Scena n. 12. Villa di Trimalcione. Viale. Esterno. Notte. 247. Un viale buio, di campagna, col selciato sconnesso e terroso, cosparso di sassi e di larghe pozzanghere. Ai lati, si intravedono alberi coi rami allargati come dita, e masse di siepi spinose... 248. ... C'è un'aria opprimente, caliginosa, come paludosa; il cielo è basso, pieno di stelle. 249. Due bracieri gettano bagliori rossi, guizzi di luce. Stanno presso i due pilastri di un cancello che si apre su un lata del viale, ma è un grande cancello eretto nel vuoto, non c'è nulla di fianco né si scorge niente davanti. I due bracieri vogliono indicare agli ospiti che Ií e l'ingresso per la villa di Trimalcione. 250. Encolpio ed Eumolpo si avvicinano al cancello. Encolpio guarda attentamente uno dei pilastri. 251. SuI pilastro, percorso dallo sguardo di Encolpio, c'è un bassorilievo corroso che raffigura uno schiavo che dà il benvenuto; c'è anche un'iscrizione vergata in caratteri maiuscoli spigolosi e rozzi, dove distinguiamo il nome TRIMALCHIO. 252. Eumolpo si avvicina a Encolpio, e indica oltre il cancello, un sentiero che si perde nella notte, dicendo gravemente: EUMOLPO: Gli nasce tutto in casa: lana, limoni, pepe. Se cerchi il latte di gallina lo trovi. E prima, che cosa era? Non avresti accettato un pezza di pane dalle sue mani. 253. Encolpio scoppia a ridere, come se l'altro avesse detto una battuta. Intanto i due camminano per il sentiero, verso la villa;... 254. ... ogni tanto incontrano un banco di nebbia. Cominciano a sentire in lontananza dei muggiti di buoi, provenienti dalle stalle presso la villa... 255. E scorgono laggiù delle luci. Anche lungo il sentiero, ogni tanto, ci sono dei bracieri accesi, sui quali volano grosse farfalle notturne. 256. Intorno a loro emergono ogni tanto dal buio figure e volti di persone che si avviano anch'esse al banchetto... 257. ,.. Un uomo frettoloso avvolto in una tunica rossa... 258. ... Una coppia di sposi che tengono per mano un ragazzino. Due schiavi che, a passi rapidi, quasi correndo, portano una lettiga sulla quale c'è una matrona con una grossa faccia rotonda... 259. ... Man mano che questa folIa disordinata di invitati si fa piú fitta, cresce il pesticciare del piedi, si sentono parole, discorsi, risate; si incrociano saluti. 260. All'improvviso, DAL BUIO QUASI TOTALE DI QUESTA SCENA, SI PASSA, PER UN BREVE ATTIMO, ALLA VISIONE DELLA PISCINA, illuminata da centinaia di candele nei candelabri di legno: la piscina della villa di Trimalcione, dove sguazzano alcuni invitati; è una brevissima immagine fuggevole, CHE S'INTERROMPE SUBITO, E SI TORNA AL BUIO E AL SENTIERO DI PRIMA. 261. Eumolpo ed Encolpio camminano tra gli altri ospiti che sono sempre piú numerosi;.. 262. ...anche Ie lettighe sono parecchie: dentro si scorgono volti di aristocratici impassibili, o facce soddisfatte di serve ripulite, con altissime parrucche e trucco vistoso... 263. ... Eumolpo intanto parla ad Encolpio tenendogli la mano su una spalla: EUMOLPO: Crede di essere un poeta; ma nei suoi versi non troveresti una sola goccia di poesia. Ma intanto questo bastardo mi chiama collega, fratello: anima mia, mi dice. Alle sue cene ho sempre il posta migliore: bevo il suo vino, non quello degli invitati. 264. Eumolpo ha d'improvviso un sogghigno diabolico, faunesco; e bisbiglia a Encolpio: EUMOLPO: Ti rimpinzerai! I due sono sorpassati da una lettiga, nella quale s'intravede appena la faccia di un uomo che si sporge verso Eumolpo e grida: Uomo: Sei scampato alla tortura perché sei cittadino romano: ma non ti salverai dalle legnate dei miei schiavi! 265. Eumolpo urla verso la lettiga che si allontana rapida: EUMOLPO: Bocca impestata! Bocca di cesso! 266. Dalla lettiga viene ancora un insulto: UOMO: Ruffiano! Ti romperò quella schiena da cane! Eumolpo urla furibondo: EUMOLPO: Io ho già rotto la schiena a tuo figlio! Scena n. 13. Villa Trimalcione. Piscina. Esterno. Notte. 267. Davanti alla villa, una piscina rettangolare, piena di acqua calda, che fuma nella notte... 268. ... C'è una ricca illuminazione data da centinaia di candele, disposte in modo disordinato su tavoli di marmo, su panchine e colonnine; ci sono anche alti candelabri di ferro piantati in terra, forniti di grossi candelotti... 269. ... Intorno alle fiammelle, Ie falene sbattono Ie ali. 270. Nella piscina, che è molto bassa, circa mezzo metro di acqua, una vasca quasi, molte persone si bagnano aiutate dai servi che gli spremono Ie spugne sulla testa, a guisa di doccia. Alcuni sono in piedi, altri seduti, altri sdraiati con solo la testa fuori. 271. Fuori dell a piscina, dei massaggiatori ungono e massaggiano; dei barbieri radono lentamente con piccoli rasoi, davanti a grandi specchi d'argento; dei pedicure tolgono i calli con rapidità e destrezza. C'è un sottofondo confuso di vaci, di richiami, di risate; ma SEMPRE FUORI CAMPO:... 272. ... ogni persona che VIENE INQUADRATA è in quel momenta zitta, anche se ha l'espressione di chi ha appena finito di parlare, o ancora la bocca storta nella risata appena fatta. Questo darà un sensa continuo di inafferrabilità. 273. Notiamo, tra gli invitati, delle facce con qualche particolare un po' mostruoso: uno ha orecchie enormi, a ventola;... 274. ... una donna ha un naso lunghissimo e sottile;... 275. ... un vecchio ha il labbro inferiore tutto cascante... C'è anche qualche ammalato: uno ha il naso tutto rosso, bitorzoluto, orrendo;... 276. ... un altro ha il tracoma. 277. Fra la piscina e l'ingresso, tre o quattro fra serve e servi stanno seduti e sbucciano dei piselli entro larghe ciotole. Intanto cantano, senza alzare gli occhi, una curiosa nenia, che ogni tanto si leva di tono, fino a improvvisi acuti, fortissimi come strilli. Grosse mosche pesanti, lente, ronzano attorno ai servi. 278. Encolpio ed Eumolpo sono accolti da un portinaio che gli indica la piscina con autorità dicendo: PORTINAIO: Pacciama Ie spugne! Eumolpo ed Encolpio si avviano verso l'acqua, e cominciano a spogliarsi. 279. Preceduto da una musichetta entra Trimalcione, portato su una lettiga da alcuni schiavi che camminano svelti, e che si fermano di botto sull'orlo della piscina, come per esporre alIa vista di tutti una preziosa statua sacra... 280. ... Le reazioni degli ospiti sana molto diverse. Qualcuno alza tutte e due Ie braccia in gesto di saluto... 281. ... Qualcuno si inchina umilmente... 282. ... Altri invece gli scoppiano a ridere in faccia. Altri continuano tranquillamente a fare Ie lara abluzioni o i massaggi. 283. Trimalcione resta un po' impassibile, dà soltanto uma breve occhiata in giro. È un uomo anziano, sovraccarico di vesti colorate e di scialli che l'opprimono; sta seduto su una miriade di piccolissimi cuscini. La faccia, il colla, Ie braccia, Ie mani sana ornati di gioielli vistosi, di varia genere. La sua espressione è piú ottusa che bonaria, ma sotto si intravede una gelida ferocia... 284. D'improvviso, senza gioia, con una specie di vanità a freddo, alza Ie braccia scoprendole, e mettendo cosí in mostra tutti i bracciali e gli anelli. I tre o quattro servi che stanno sbucciando i piselli interrompono la loro nenia, e di colpo gridano in coro, rapidamente, come l'abbaiare di un cane: SERVI: Viva Gaio! 285. Trimalcione, lentamente, guarda tutti i suoi ospiti che si accalcano nella piscina; Ii passa in rassegna come se cercasse qualcuno, sempre con il suo sguardo tetro. Finalmente pare che abbia trovato chi cercava, perché si ilIumina di un sorriso un po' bieco, ma che vuole essere affettuoso, e dice con una curiosa cadenza romanesca, e con voce un po' afona: TRIMALCIONE: Eumolpo! Fratello mio... sei venuto anche tu... La tua presenza mi riempie di commozione. Tu sei un omo d'ingegno, come me... Fra de noi poeti c'è l'amicizia vera. 286. Presso la piscina, tre massaggiatori bevono del vino, e si accapigliano strappandosi Ie coppe l'un l'altro; si picchiano, urtano l'anfora, che si rovescia e versa sulla terra del denso vino rosso. 287. Trimalcione ha visto la scena, e indica i massaggiatori col dito: TRIMALCIONE: Quel vino è offerto alIa mia salute. Intanto i servi stanno calando Trimalcione dentro la piscina, e subito alcuni inservienti si avvicinano, lo lavano, gli fanno delle frizioni velocemente. Trimalcione ha chiuso gli occhi per il piacere. Scena n. 14. Fattoria di Trimalcione. Vivaio delle Murene. Esterno. Notte. 288. Un gruppo di invitati, tutti proprietari terrieri, con facce rozze bruciate dal sole, qualcuno accompagnato dalla propria moglie, ha voluto visitare la fattoria attigua alIa villa di Trimalcione; ed ora una specie di sovrintendente gli fa da guida, come a dei turisti in un museo. 289. Il sovrintendente indica qua e là; ORA È IN CAMPO, ORA PARLA FUORI CAMPO; Ie cose e gli animali di cui parla non coincidono quasi mai con ciò che vediamo. E cioè: 290. Un vivaio di murene, che è piú che altro uno stagno di acqua nera, melmosa, in cui sguazza qualche oca; si intravedono viluppi di murene, come serpi che si contorcono nel fango. 291. Dei grandi strumenti di lavoro, in pesante legno, e ruvide corde attorcigliate che ricordano un po' certi arnesi di tortura o certe macchine da guerra: stanno in mezzo a mucchi di pozzolana e di mattoni, accanto a un fabbricato in via di costruzione. Presso gli strumenti, avvolti in stracci di lana, dormono alcuni operai... 292. ... Una stalla gremita di maiali neri, grossi come piccoli ippopotami, che dormono a mucchi; la torcia del sovrintendente Ii risveglia, emettono grugniti. La stalla è adorna, aIle pareti, di statue di Dei agresti. Qualcuno di quei maiali ha una museruola. 293. Solo, in una grande gabbia, c'è un tacchino enorme, mostruoso, frutto di incroci; ha una coda e delle piume come quelle dei pavoni. 294. Intanto la voce del sovrintendente parla ai visitatori: SOVRINTENDENTE: Trimalcione ha terreni che ci spaziano i nibbi, e soldi che ci crescono i soldi. La lana gli riusciva poco buona; comperò dei montoni a Taranto e Ii mise in culo al gregge. Per avere il miele attico si fece venire Ie api da Atene. Proprio in questi giorni ha scritto in India che gli mandino il seme dei funghi. In quanto alle mule, non ce n'è una che non sia nata da un onagro. L'intera scena 14 è stata soppressa. Scena n. 15. Villa di Trimalcione. Triclinio. Interno. Notte. 295. II triclinio, ossia la sala da pranzo, è un ambiente vasto, ma stretto e lungo, quasi un enorme corridoio. Benché molto illuminato, e addobbato con sfarzo appariscente, il triclinio conserva un che di cupo, di oppressivo; dalla cucina vengono ogni tanto folate di fumo grasso. Le tavole sono molte... 296. ... C'e la grande tavola principale, a cui siederanno gli ospiti di riguardo, e poi tante altre tavole via via piú modeste e scomode... 297. ... Intorno aIle tavole ci sono i triclini, cioè i divani, che sono di tipo differente: alcuni lunghi e spaziosi, altri meno; e ci sono anche parecchi sgabelli per gli ospiti meno importanti... . 298. ... I servi stanno finendo di apparecchiare, stancamente, tetramente;.. 299. ... i primi invitati hanno già preso posta qua e là, molto lontani gli uni dagli altri. C'è un clima di compunta attesa. 300. Da un lato, presso un piccolo palcoscenico, c'è una buca quadrata piuttosto profonda, nella quale sta l'orchestra, composta di sconosciuti strumenti a corde e a fiato. Degli orchestrali si scorgono solo Ie teste, che sporgono a livello del pavimento, come fossero teste mozze appoggiate per terra. Suonano una musica sorda, strana, dissonante, che può ricordare certe musiche giapponesi. 301. C'è poi, suI fondo della sala, una specie di ballatoiologgione, riservato ai convitati piú poveri, che l'hanno già riempito, e vi stanno pigiati ridendo e chiacchierando animatamente... 302. ... II loggione è talmente in alto, che chi è rimasto in piedi deve starci curvo, sfiorando il soffitto con la schiena. 303. Adesso la sala è piena di invitati, che occupano i triclini ai lati delle tavole. Su alcuni triclini c'è una sola persona semisdraiata, su altri invece ci sono anche tre o quattro persone, che quindi siedono un po' strette. Altri invitati, infine, siedono su sgabelli. E tutti stanno quasi immobili, come fissati per tutta la durata del pranzo in un solo atteggiamento e in una sola espressione. 304. L'andirivieni dei camerieri è già corninchto. Portano anfore e piatti che pongono qua e là sulle varie tavole. II contenuto dei patti non è quasi mai chiaro: sono macchie scure di cibi incomprensibili; si nota ogni tanto la sagoma di un pesce o di un uccello, ma comunque di colore improprio. 305-307. Eumolpo ed Encolpio sono aurora in piedi, fermi presso la parete. Eumolpo ha il profilo volto verso Encolpio e gli parla con un lieve ghigno di scherno. EUMOLPO: La moglie si chiama Fortunata, astemia, sobria; ma è una malalingua, una gazza. Chi ama, ama; chi non ama, non ama. Guarda l'abbondanza dei cuscini; tutti con l'imbottitura di porpora o di scarlatto. II colmo della beatitudine! Attento anche ai suoi colleghi: sono ben forniti. Quello che sta in fondo alla fila ha i suoi ottocentomila. E poco fa portava legna sulle spalle. Ma a quel che dicono, rubò il berretto a Incubo e trovò un tesoro. E quello là, al posto dei liberti? Quello sí che se la gode... Vide il suo milione, ma poi cadde giú. Era impresario di pompe funebri. Un sogno, non un uomo. 308-309. Trimalcione è seduto a capo-tavola, carico di tovaglioli; pesante, immobile. Con la sua solita espressione un po'tetra, tesa però in una determinazione festaiola, parla agli ospiti con solennità: TRIMALCIONE: A questo vino gli dovete fare onore. I pesci devono nuotare. Grazie al cielo io non compro; tutto quello che fa saliva, me lo produce un podere che non conosco nemmanco. Dicono che sia fra Terracina e Taranto. Adesso voglio collegarmi alla Sicilia, che se ho voglia di andare in Africa, posso navigare suI mio. Credete che io mi accontenti? «Cosí vi è noto Ulisse ». E allora? Anche mentre si è a tavola bisogna fare un po' de cultura, bisogna. 310. Eumolpo, che è seduto abbastanza vicino a Trimalcione, applaude alzando Ie mani e grida: EUMOLPO: Filosofo! 311. Nasce un piccolo applauso generale. Due eunuchi, grassi e lustri, senza un filo di barba, si avvicinano a Fortunata con un pitale d'argento, e poco dopo si sente il crepitio dell'orina nel vaso. 312. Intanto alcuni servi hanno portato a Trimalcione, con reverenza, come preti che portano delle reliquie, tre piccoli idoli d'oro, ed un calice in vetro e oro, quasi una teca, dentro cui si vede un ammasso cupo di peli. TRIMALCIONE (indicando il calice): La mia prima barba, quando che me la tagliai... E questi sono i Lari miei (indicando gli idoli); i protettori de nostrisci... Affarone, Contentone e Guadagnone! Trimalcione si bacia la mano, e tocca i tre idoli con la mano baciata dicendo: TRIMALCIONE: Propizi gli dei! 313. Tutta la servitú lancia I'urlo rapido come un latrato: CORO SERVI: Viva Gaio! Poi la servitú attacca a cantare una canzone stonata, con gran diversità di voci, come nei canti popolari sardi: voci acutissime e profondissime, quasi afone, mentre conducono nel triclinio tre maiali bianchi, ornati di sonagliere e cavezze di lucido cuoio e argento. 314-315. Uno dei cuochi indica i maiali e dice a Trimalcione: CUOCO: Scegli quale dei tre dev'essere cucinato! Trimalcione lo guarda come se non lo conoscesse, e gli domanda: TRIMALCIONE: Di che decuria sei? CUOCO (pronto): Della quarantesima. TRIMALCIONE: Comprato o nato in casa? CUOCO (sempre velocemente): Lasciato a te in testamento da Pansa. TRIMALCIONE: Beh, cocína il piú grosso, cocína: ma sta' attento, che se no te passo alla decuria dei stradaroli. 316. Mentre i servi portano via i maiali, uno degli invitati comincia a raccontare: INVITATO: Un povero e un ricco vennero in lite... Trimalcione interrompe con serietà: TRIMALCIONE: Che cos'e un povero? 317-318. Eumolpo scoppia in un riso servile e un po' ubriaco gridando: EUMOLPO: Buona questa! Trimalcione parla gravemente, come se facesse delle importanti dichiarazioni: TRIMALCIONE: Per l'argenteria ci ho una vera passione. Tengo calici da tredici litri: una centinara almeno. C'è scolpita sopra Cassandra che ha ammazzato i figli, morti per terra che sembrano vivi, sembrano. La storia del cavallo di Troia la tengo sui bicchieri. Tutta roba massiccia, che me la tengo cara come la luce degli occhi. 319. Dalla cucina entrano abbaiando dei grossi cani neri, irsuti, selvaggi, dietro i quali alcuni servi portano in alto un gran cinghiale, che ha dei cinghialetti di pasta alle mammelle, per indicare che si tratta di una femmina. 320. A questo punto Trimalcione si alza dicendo: TRIMALCIONE: Vado al vaso. 321. Un uomo anziano, dall'aria lugubre, prende la parla adagio senza muoversi, con tone discrete, intimo, quasi parlasse a se stesso: UOMO ANZIANO: Un giorno non è nulla. Mentre ti volti è notte. Allora non c'è niente di meglio che passare dal letto alla tavola. E fa pure freddo. Appena mi ha scaldato il bagno. Ma una bevanda calda è un bel vestito. Ahi, ahi, meno che le mosche siamo. Loro una certa resistenza ce l'hanno. Noi, solo bolle siamo. 322. Un altro invitato parla storcendo la testa, rivolto alle persone che gli stanno dietro. INVITATO: Nelle sue mani il piombo divei tava oro. E quanti anni credi che avesse addosso? Settanta e piú. Ma era un uomo di ferro, nero come un corvo. Lo conoscevo dal tempo dei tempi, e andava ancora in calore. Non lasciava tranquillo neanche il cane di casa. Ci aveva anche un’inclinazione per i ragazzini, uomo a tutto fare com'era. 323. Un altro invitato, grasso, tipo di proprietario di campagna, con la faccia rossa: INVITATO GRASSO: Un po' cosí, un po' cosí, come diceva il contadino che aveva perduto il maiale pezzato. Ciò che non è oggi sarà domani: non c'è da fare i difficili. Se tu fossi altrove, diresti che qui i porci vanno in giro cucinati. Le inquadrature 322 e 323 sono state soppresse. 324. Una bella donna giovane (Trifena) è seduta accanto a una sua arnica, che Ie fa anche da ancella, ed ha l'aria protettrice e mascolina delle lesbiche. L'amica sta rimettendo a posta il trucco di Trifena, che si è un po' sfatto; la pettina; Ie tiene davanti un piccolo specchio. Trifena si guarda intorno, con aria curiosa e avida;... 325. ... e fissa Encolpio. Encolpio si accorge che la donna lo sta fissando e resta immobile, come soggiogato. 326. Allora Trifena sorride ambiguamente; poi lentamente si china sulla tavola e bacia la mensa. 327. Anche Encolpio, trasognato, si china e bacia la mensa. 328-329. Trimalcione rientra nella sala col volto gocciolante di nuovi unguenti, e riprende il suo posto. TRIMALCIONE: Già da molti giorni ho il ventre che non funziona mica. Tuttavia mi ha giovato la scorza di melagrana e la resina con l'aceto. Mi brontola lo stomaco che pare el muggito d'un toro; anche voi, se avete un bisogno, fuori c'è tutto pronto: acqua, pitali, ogni cosa. Secondo me, non c'è tortura peggiore che trattenersi. Tu ridi, Fortunata! Ma de notte non mi fai dormire , non mi fai, per lo strepito. Credetemi, se il vento interiore raggiunge il cervello, si ammala ogni parte del corpo: so che molti ne sono morti. 330. Un invitato sta parlando coi suoi vicini; del suo discorso cogliamo solo qualche frase: INVITATO: A Cuma ho visto la Sibilla, sospesa dentro l' ampolla. I ragazzi le dicevano: Che vuoi, Sibilla? E lei rispondeva: Voglio morire. 331. Tre o quattro servi avanzano portando a fatica un grande vassoio con sopra un maiale intero, cotto nel forno, e decorato a vivaci colori... 332. ... I servi camminano calpestando una specie di fanghiglia che si è andata formando suI pavimento: sono detriti di cibi misti a vino e salse; c'è in mezzo anche qualche piatto rovesciato , qualche coppa, un'anfora di vetro rotta. 333. Un inserviente, con calma e dignità, sta scopando via tranquilamente un po' di quei rifiuti. UN SERVO: Ecco il maiale da te scelto! 334. Trimalcione alza le braccia in gesto da attore; la sua faccia assume un'espressione collerica, ma troppo esasperata per essere vera; grida con la voce impastata, da gigione. TRIMALCIONE: Ma come! L'avete già cocinato? Per la prescia non l'avete sventrato! Subito il cuoco! It cuoco! 335. Il cuoco esce dalla cucina, contorcendosi e dimenandosi piagnucola e si lamenta, ma anche lui da attore, da buffone. Si getta in ginocchio e cammina sulle ginocchia come un pagliaccio. Trimalcione inveisce, sempre recitando: TRIMALCIONE: Spogliatelo! Frustatelo! 336. I parenti poveri, gli invitati pigiati su tiel loggione ridona e gridano. Uno si sparge e grida verso TrimaJcione: UNO: E cosa da niente, Gaio I Ti preghiamo; lascialo andare I 337. Il volto di Trimalcione si spiana in un sorriso un po' sinistro; un'espressione di volgare magnanimità: TRIMALCIONE: E allora, malagrazia! Che aspetti? Sventralo adesso, il porco! Sventra! Il cuoco balza in piedi con un agile salto, estrae un lungo coltello, e a ritmo di balletto sventra rapidamente il porco;... 338. ... poi, come un prestigiatore, mostra una manciata di salsicciotti che sono usciti dal porco ripieno. Tutti applaudono la burla. Contemporaneamente... 339. ... dal soffitto scende cigolando, lentamente, un cerchione di botte al quale sono appesi, come all'albero della cuccagna, prosciutti, uccellini, ampolle di vino e grappoli d'uva. 340. Encolpio guarda scendere quel largo cerchione, e sbalordito lo indica e scoppia a ridere come un bambino. 341-346. Uno di quelli piú vicini a Trimalcione, un tipo di liberto arricchito, con una faccia rossa tutta rabbiosa, si volta di scatto verso Encolpio e lo aggredisce con un fiume di parole. LIBERTO ARRICCHITO: Che ridi, babbeo? Che non ti piace il lusso del mio signore? Perché tu sei piú ricco e dài banchetti migliori. Sei fortumato che sto lontano, se no ti avrei chiuso la bocca. Torso di mela che ride degli altri: un cencioso che non si sa chi sia, un vagabondo che vale meno del suo piscio. Se gliela faccio addosso, lo affogo. E ride! Ma che ride? Papà ti ha comprato il capretto? Sei cavaliere romano? E io sono figlio di re Tu hai la bocca sporca di latte, sei un vaso di creta molle come una scorreggia nell'acqua. Sei piú ricco? Pranza due volte, cena due volte. Sono stato schiavo per quarant'anni, ma nessuno sapeva se era schiavo o libero. Era un ragazzo coi capelli lunghi quando venni qui, che non avevano ancora castruito la basilica. Ce l'ho messa tutta per contentare il mio padrone, un uomo dignitoso: valeva piú un'unghia sua di tutto te. Cipolla ricciuta! Pacciamo una Piccola scommessa: vedrai se tuo padre ha sprecato i soldi. Ecco: «Vado in lungo, vado in largo; chi sono?». E poi: «Chi è che corre e non si muove?». «Chi è che cresce e si fa piccolo?». Sembri una volpe bagnata. Noi studiavamo in altro modo; il maestro diceva: «È a posta la vostra roba? Dritti a casa. E non vi guardate in giro e non offendete i vecchi». Oggi è tutto un casino, non c'è nessuno che vale due soldi. 347. Trimalcione interviene bonariamente: TRIMALCIONE: Basta co' le ciance, Ermerote. Porta pazienza. Il ragazzo ha il sangue caldo: sii superiore. Quando eri galletto, anche tu facevi coccorocò. Adesso abbiamo gli omeristi. E Trimalcione indica benevolmente verso un gruppo di quattro persone, che è entrato e si è disposto sul piccolo palcoscenico. 348. Sono due uomini e due donne, giovanissimi, biondi, dal volto gentile e nobile. Si inchinano sorridendo dolcemente. Vengono dalla Grecia, sana attori; portano con sé la malinconia di un popolo civilissimo, ora in declino, vinto. Indossano tutti e quattro corte tuniche bianche. 349. Di colpo si fa un silenzio di convenzionale rispetto. 350. I quattro cominciano a recitare, con masse misurate ed eleganti. Recitano un brano greco. La loro lingua incomprensibile e armoniosa ha piccole asprezze improvvise: la durezza della zeta, della theta... 351. ... L'orchestra accompagna in sardina. Si crea, per un breve momenta, un clima incantato, poetico. 352. Durante la recita, un vecchio che si è sentito male, pallido come un morto, viene parlato via da due servi. 353. La recita finisce; finisce l'incanto; i quattro attori scendono dal palcoscenico, si mescolano agli invitati, e acquistano subito una dimensione piú concreta e volgare. Diventano simili agli altri. Ridono sguaiatamente, bevono, scherzano. Ci accorgiamo che una delle ragazze ha i denti corrosi, neri, scoperti nella risata. 354. Trimalcione è improvvisamente ubriaco. Suda, il sudore si mescola all'unto degli unguenti che si disfa. Tende le braccia verso Eumolpo: TRIMALCIONE: Eumolpo, fratello poeta, anima mia! Hai capito la storia rappresentata? Diomede e Ganimede erano fratelli. Elena era loro sorella. Agamennone la rapí!, e Aiace impazzí per questo. E te lo dimostro subito. 355. I servi portano un vassoio con sepra un intero vitello bollito, il quale ha in testa un elmo. Segue un cuoco vestito come Aiace, armato di spada, che, con gesti da folIe, si avventa sul vitello... 356. ... e lo fa a pezzi, distribuendolo quindi agli ospiti. 357. Eumolpo, anche lui ubriaco, eccitato dalla scena poetica, scende dal divano, e va sul palcoscenico. Qui, con gesti esagerati e pessima recitazione, declama dei versi con voce tonante: EUMOLPO: I am decuma maestos inter ancipites metus / Phrygas obsidebat messis, et vatis fides / Calchantis atro dubia pendebat metu, / Cum Delio profante caesi vertices. .. 358. A questo runte, uno degli invitati prende una mela e la scaglia contro Eumolpo. Tutti ridono... 359. ... Il poeta tenta di continuare, dignitosamente, facendo finta di niente: EUMOLPO: Idae trahuntur, scissaque in molem... 360. Ma è subissato da un lancio di grappoli d'uva, fichi, focacce, e da urla e insulti. 361. Deve smettere; ripulendosi alla meglio scende dal palcoscenico e va a sedersi di nuovo, offeso. Trimalcione bonariamente lo consola, prendendogli la mano: TRIMALCIONE: Senti questi versúcoli: Quello che non t'aspetti di colpo succede; / Sopra di noi, Fortuna di tutto ha cura. / Perciò, coppiere, versaci del vino. 362. Tutti applaudono con entusiasmo. 363. Eumolpo bacia la mano di Trimalcione, e bisbiglia fingendo una immensa stima: EUMOLPO: Un Orazio! Un nuovo Orazio! Trimalcione euforico grida: TRIMALCIONE: Ma nessuno invita a ballare la mia Fortunata? Anche se è ciosparella balla il cordace meglio di tante ragazzette. 364. Fortunata si nasconde la faccia vergognosa. Trimalcione le dà una spinta e la fa cadere fuori del triclinio: TRIMALCIONE: E forza, non ti vergognare! Incominza e vedrai come ti apprezzano. Avanti, fatele il cora: coraggio, Fortunata, solo calche passo di danza. 365. I servi si mettono a cantare in cora, con le loro voci dissonanti: CORO DI SERVI: Madeia perimadeia! Madeia perimadeia! Fortunata si decide;... 366. ... si getta con scatto nel mezzo della sala, e si mette a ballare un ballo sfrenato, sensuale, che le fa saltellare i seni cadenti... 367. ... Tutti battono le mani. 368. Alla fine Fortunata cade in terra, e Trimalcione la guarda con una smorfia di disprezzo. TRIMALCIONE (fra i denti): Ciospa... Sei ciospa... Poi Trimalcione si alza in piedi, e con tone deciso, come se dovesse salvare il buon nome della famiglia proc1ama: TRIMALCIONE: Ballerai con me, ballerai... Poi grida: Tutti gli schiavi, de qua! 369. Ed entrano frotte di servi, di cuochi, di sguattere: sporchi, unti, puzzolenti, che si spargono fra i tavoli sogghignando e strillando. 370. Trimalcione fa un cenno: l'orchestra attacca una musica simile a quella di prima. Trimalcione e Fortunata ballano goffamente, come orsi, ma con grande compunzione e assoluta serietà. 371. Mentre gli invitati applaudono, o sorridono discretamente, i servi ridono forte, canzonano, lanciano scherzosi insulti ai padroni. 372. Ora Trimalcione e Fortunata sono nuovamente seduti sul divano, come se fosse passato molto tempo. 373-374. Un notaio, con in mano alcune tavolette, si ferma sotto la porta, piuttosto lontano da Trimalcione, come non osando venire piú avanti; e a voce altissima legge: NOTAIO: «Il 26 di luglio, nel podere di Cuma, di proprietà di Trimalcione, nati bambini trenta, bambine quaranta: portati dall'aia al granaio 500.000 moggi di grano: messo il giogo a cinquecento buoi. Lo stesso giorno: messo in croce lo schiavo Mitridate per avere bestemmiato il genio del nostro padrone Gaio. Lo stesso giorno: riposti in cassaforte dieci milioni di sesterzi, non sapendo come impiegarli. Lo stesso giorno: incendio nei giardini pompeiani, propagatosi dalla casa del fattore Nasta ». 375. Trimalcione parla al notaio, anche lui ad alta voce per la distanza. TRIMALCIONE: Come? Quando mi avete comprato i giardini pompeiani? NOTAIO: L'anno scorso; non sono ancora registrati. Trimalcione si arrabbia, mentre il notaio china la testa umiliato. TRIMALCIONE: Qualunque fondo mi comprate, se non lo vengo a sapere entro sei mesi, vi proibisco di mettermelo in conto! 376. Trimalcione, ancora arrabbiato si guarda intorno e strilla ai servi: TRIMALCIONE: E voi? Non avete cenato ancora? Andatevene, fate il cambio! 377. I servi presenti se ne vanno tutti insieme gridando: SERVI CHE ESCONO: Addio Gaio! Mentre entrano altri servi, contemporaneamente, che strillano: SERVI CHE ENTRANO: Salve Gaio! 378. A cuni dei nuovi servi portano un vassoio con sopra un piccolo orso intero, che sembra un giocattolo; un orsacchiotto sdraiato sul dorsa come un cadavere. Un cuoco si accinge a tagliarlo. 379. Trimalcione è messo in allegria, e grida al cuoco: TRIMALCIONE: Taglia, Taglia! Poi spiega agli invitati: Gli ho messo nome Taglia. Cosí lo chiamo e dò gli ordini con una parola sola! E scoppia in una risata colossale, fragorosa; felice di sé e del suo spirito. Pochi gli fanno coro. Le inquadrature 378 e 379 sono state soppresse. 379 A. Entra un nuovo invitato, già piuttosto ubriaco, appoggiandosi alla moglie; è un uomo autoritario, seguito da un gran codazzo di amici e di servi, che si dirige subito verso Trimalcione dicendo: ABINNA: Vino e acqua Galda! 380. Encolpio, spaventato da quella irruzione, tenta di alzarsi in piedi: ENCOLPIO: È it pretore? Un vicino gli spiega: VICINO: No, è Abinna, seviro augustale e scultore di monumenti funebri. 381-385. Abinna si è seduto accanto a Trimalcione; parla con voce forte, sicuro di sé, soddisfatto: ABINNA: Tutto noi avevamo tranne che te: eppure ce la passammo bene. Scissa celebrava un ricco banchetto funebre per un suo misero schiavo: metà delle bevute l'abbiamo dovuta versare sugli ossicini di quel poveretto. Abbiamo avuto un porco con una coppa in testa, a guisa di corona, un contorno di sanguinacci e frattaglie; bieta e pane integrale, che io lo preferisco a quello bianco perché facilita, e al cesso non devo sforzarmi fino alle lacrime. Poi una torta con del miele caldo di Spagna: io ne presi finché valli. Portavano in giro ceci e lupini, e una mela a testa; io però ne sgraffignai due, eccole qua nel tovagliolo; se non porto qualcosa al mio schiavetto sana guai. Come piatto forte, pezzi d'orso, che quella sciacca delta mia signora ne mangiò tanto che poi ha vomitato. Se l'orso mangia l'ometto, perché l'ometto non deve mangiare l'orso? Infine cacio nel vino cotto; una lumaca per uno; trippa, uova incappucciate, rape: e ancora un secchiello di olive con l'aceto, che certi screanzati ne hanno presi anche ire pugni. Il prosciutto lo rimandammo indietro. Ma dov'è Fortunata? 386. Tutti i servi si mettono a chiamare in coro: CORO DI SERVI: Fortunata! Fortunata! Fortunata! TRIMALCIONE (brontola): Quella lí, se non mette a posto l'argenteria e non dà i rimasugli ai servi, non si dà pace. 387. Entra Fortunata, con una gran tunica sgargiante e scarpe bianche, alte, coi bordi dorati. Si sta asciugando Ie mani a un fazzoletto appeso al collo... 388. ... Subito si butta a sedere accanto alIa moglie di Abinna (Scintilla), e Ie due donne si abbracciano. SCINTILLA: Fatti guardare! Fortunata esibisce Ie braccia cariche di bracciali, mostra gli anelli aIle caviglie e tutti i gioielli di cui è carica. Scintilla tocca i gioielli, Ie tocca Ie braccia, poi ridendo l'abbraccia, e Ie due cominciano a baciarsi sempre piú lascivamente. 389. Abinna, con una gran risata, afferra Ie gambe di Fortunata e gliele tira su di scatto. Fortunata per la vergogna si copre la faccia col fazzoletto. 390. Entrano dei servi che depongono nuove portate. Uno di questi ha tutte e due Ie mani mozze: ce ne accorgiamo quando mette giú il vassoio... 391. ... Trimalcione ridacchia e gli dice bonariamente: TRIMALCIONE: T'è passata la voglia di rubare, eh? ... e intanto afferra e attira a sé un gran cane portato al guinzaglio da un servo, esclamando: TRIMALCIONE: Questo è cucciolo, el presidio della casa e della famiglia: quello che mi vole Piú bene di tutti qui dentro! Soppresse le inquadrature 390 e 391. 392-394. Un ragazzotto, bello ma volgarissimo, geloso, aizza un altro cane contra Cucciolo; nasce una baruffa; si rovesciano candelabri e piatti. TRIMALCIONE (urla): Zitti! Boni! Fora li cani, fora! Poi prende per mano il ragazzotto, e gli fa un sinistro sorriso: TRIMALCIONE: Che sei geloso? Vieni qui, amore mio, gioca. 395. Trimalcione si fa salire sulle spalle il ragazzo, che comincia a tempestargli di pugni la schiena e a gridare: RAGAZZOTTO: Mazza bubú, mazza bubú, quante corna ci stanno quassú? Trimalcione si prende in braccio il ragazzo, lo abbraccia lascivamente, e dice con voce impastata dal vino e dal desiderio: TRIMALCIONE: Carinello... Quanto sei carinello... Ma dove lo trovate uno bello cosí... 396. E gli dà un grosso bacia sulla bocca. 397. Fortunata ha uno scatto di rabbia: FORTUNATA: Anche in mia presenza, lurido finocchio! Svergognato, cane! 398. Trimalcione butta in faccia a Fortunata una ciotola piena di salsa; Fortunata si mette a strillare,... 399. ... si rifugia fra Ie braccia di Scintilla. 400-405. Trimalcione, fuori di sé dalla rabbia, comincia a urlare: TRIMALCIONE: Ma come, ballerina da quattro soldi? T’ho levato dal marciapiede, t' ho levato! Ti ho comprato al mercato, puttana! Ti ho trasformato in un essere umana, e mone ti gonfi come una ranocchia. Abinna, leva la sua statua dal mio sepolcro, se no famo sciarra anche dopo morti. Ho baciato quel ragazzo non perché è bello, ma perchè è bravo; sa dividere per dieci, sa divide, legge un libro a prima vista, si è comprato di tasca sua una sedia e due nappi. Che non gli dovrei volere bene? Ma Fortunata ha deciso di no. O ve' che nova! Mangia, arpia: non farmi ringhiare. Che fai, piangi ancora, trombona? Se po' sape', se po', se che ciai? Se vivi nel lusso lo devi a mene. Per quattordici anni ho subito Ie espansioni del mio padrone. Che c'è di male, è il padrone che comanda. Io però soddisfacevo anche la padrona. Insomma diventai erede con Cesare: e mi venne la frenesia del commercio. Costruii cinque navi, Ie caricai di nardo, di profumo, di schiavi. Tutto ciò che toccavo cresceva come un favo. Tengo quattro sale da pranzo, venti camere da letto, due portici scolpiti in marmo, la stanza in cui dormo io, il soggiorno di questa griscia. Ieri ero una rana, oggi un re; questa è la vita. Tu, Stico... Porta i miei paramenti da marto, e l'unguento, e un assaggio del vino con cui voglio che mi lavino Ie ossa... 406. Trimalcione cambia espressione di coIpo; diventa patetico, e si rivolge a Eumolpo: TRIMALCIONE: Non è triste tutto questo, Eumolpo? La vita passa come un'ombra, ma i cani rabbiosi perdono il loro tempo a sbranarsi. Prima o poi tutti diventeremo cosi. Una mano parge a Trimalcione uno scheletrino d'argento, snodato come un burattino. 407. Trimalcione lo afferra, lo fa danzare, pensieroso, con gli occhi umidi, sospirando. TRIMALCIONE: Mi è venuta in mente una poesia, ascoltate: La compagnia presenta un mimo sulla scena; uno fa il padre, / uno il figlio, uno fa la parte del ricco. / Ma appena la commedia finisce / ritorna il volto vero e scompare il volto finto. 408. Ci sono qua e là degli applausi. I servi urlano in coro: CORO DI SERVI: Viva Gaio! 409. Ma Eumolpo scuote la testa, poco soddisfatto. Ha la faccia rossa per il vino bevuto, ed è di malumore. TRIMALCIONE: Che ti sembra poeta, di questi versi? EUMOLPO: A dirti la verità, li hai rubati a Lucrezio. TRIMALCIONE: Ma che dici, accattone? 410. Eumolpo salta in piedi, e si scaglia contra Trimalcione tentando di picchiarlo. Intanto urla: EUMOLPO: Scompare it volto finto, ritorna il volto vero! È di Lucrezio, di Lucrezio! TRIMALCIONE: È pazzo, tenetelo fermo! Buttatelo nel forno! 411. I servi e gli invitati afferrano Eumolpo che ogni tanto si libera e si avventa su Trimalcione tentando di prenderlo a schiaffi. EUMOLPO: Io sono un poeta, non tu! Sei un ladro, un bastardo! 412. Trimalcione è fuori di sé. Sembra che stia per venirgli un colpo. Urla: TRIMALCIONE: Nel forno, cane! Nel forno! Subito! 413-415. Eumolpo è trascinato via dai servi, che ridono, lo insultano, lo picchiano. Eumolpo strilla istericamente: EUMOLPO: Lasciatemi, sono cittadino romano. Sono un poeta, un filosofo. 416. Trimalcione ride verde, con un ghigno feroce, e brontola fra i denti: TRIMALCIONE: Miserabile... Morto di fame... L'ho nutrito come un figlio. Adesso_mi si_trasforma in serpe. Scena n. 16. Villa Trimalcione. Cucina. Interno. Notte. 417. La cucina della villa è grandissima, zeppa di tegami, pentole, orci e mucchi di roba da mangiare. Ci sono molti forni e fornelli... 418. ... C'è anche qualche cane incatenato che abbaia ferocemente eccitato dalla scena. 419-421. I servi, felici di potersi sfogare contra uno degli ospiti del padrone, picchiano selvaggiamente Eumolpo, sputandogli addosso e insultandolo. Il vecchio si divincola, urla; alIa fine si libera e afferra un candelabra di legno... 422-423. ... Con questo si difende dai suoi aggressori, menando botte da orbi. 424. Un cuoco afferra uno spiedo su cui stanno friggendo delle frattaglie, e tenta di infilzare Eumolpo... 425-426. ... La rissa è violentissima, ripugnante. Eumolpo è di nuovo afferrato, messo sotto, picchiato coi pugni, coi bastoni.. . 427-428. ... Nei servi c'è una crudeltà repressa, che finalmente trova il suo sfogo... 429-430. ... Uno gli fa sgocciolare della cera bollente sulla faccia, inclinando una candela;... 431. ... Eumolpo strilla come un gatto scorticato. LA TOMBA DI TRIMALCIONE UN CINEDO RACCONTA LA STORIA DELLA MATRONA DI EFESO Scena n. 17. Tomba di Trimalcione. Esterno. Notte. 432. Trimalcione conduce i suoi ospiti a visitare il suo monumento funebre. Una fila di persone, inebetite per il cibo e il vino, stralunate, sudate e gocciolanti di olii, cammina lenta e un po' barcollante, in silenzio. Qualcuno è sorretto dagli amici. Qualche donna è in lettiga... 433. … Abinna fa da guida, come un ingegnere che mostra una casa in costruzione. 434. La tomba è an cora in lavorazione; ci sono sparsi attrezzi di lavoro, blocchi di marmo, statue ancora da montare, ossia a pezzi come bambole, appoggiate per terra... 435. ... È un ambiente vasto, buio; una cappella quasi, piena però di corridoi, porticine, scale che scendono. Abinna indica alcune pitture suI muro, non terminate. ABINNA: Qui è dipinta la vita di Trimalcione: ecco Ie sue navi con Ie vele spiegate; ed ecco lui in tribunale, c'è anche la sua cagnetta favorita. Tutte queste anfore, vedete; l'ultima è infranta, e c'è un ragazzo che piange... 436. Trimalcione è commosso, e piange sommessamente. Abinna continua, soddisfatto, accennando qua e là: ABINNA: Cento piedi di fronte e duecento in profondità. La tomba è di sotto, coi recipienti per la frutta fresca. 437. Tutti scendono giú per una scala ancora non finita, coi gradini appena scavati nella terra, sdrucciolevoli... 438. ... Qualcuno cade, e lancia imprecazioni. 439. Di sotto, c'è una sala circolare, nel mezzo della quale si drizza una statua di Trimalcione. 440. È una grande statua appena finita, bianchissima, quasi luminosa. Trimalcione vi è effigiato piú giovane e bello, con espressione nobile; ai piedi, è scolpito un piccolo cane accucciato, con la testa fra Ie zampe, triste. 441. Tutti guardano la statua come incantati. Trimalcione la guarda anche lui, la sfiora con Ie dita, e piange senza ritegno. 442. Abinna, sempre col suo sorriso di uomo sicuro di sé, indica una cassa di pietra, e, come se volesse invitare Trimalcione a provarla, dice: ABINNA: Questa è la tomba. Trimalcione, sempre piangente, sfatto domanda: TRIMALCIONE: Avete portato it vino con cui mi laverete Ie ossa? 443. Un servo porge un vassoio con delle coppe di vino, e tutti Ie afferrano golosamente. TRIMALCIONE: Fate conto che vi abbiano invitato al mio banchetto funebre. Bevete. Ma dove sono i sonatori? I suonatori, che hanno seguito il carteo, si fanno avanti, intonando una marcia piú rumorosa e straziante. TRIMALCIONE: Bravi, bravi... Immaginate che io sia morto: sonate calche cosa di bello. 444. Sorretto, aiutato dagli amici barcollanti come lui, Trimalcione si sdraia nella tomba, e subito chiude gli occhi, prendendo un aspetto di triste solennità. 445. Allora i suonatori danno dentro agli strumenti con maggior violenza; tutti i presenti si agitano come impazziti, come se Trimalcione fosse morto e loro fossero degli schiavi liberati da un'oppressione. 446. Qualche uomo si butta addosso aIle donne, rovesciandole sulla terra umida che fa da pavimento;... 447. ... echeggiano strilli e risate;... 448. ... il vino è versato nelle coppe, e anche in terra; per la prima volta, dopo il banchetto, si crea un clima di vera festa, disordinato, fragoroso, di un'allegrezza isterica. 449. Un cinedo, dalla faccia bistrata, con gli occhi che colano righe nere e Ie guance che perdono il rossetto, racconta ridacchiando: CINEDO: La storia della matrona di Efeso... chi non la sa?... Una volta, a Efeso, una donna giovane, bella e virtuosa, restò improvvisamente vedova... Scena n. 18. Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo). Esterno. Notte. 450. Un corteo, al lume di fiaccole, percorre una vasta necropoli, fra tombe e busti di morti: il paesaggio è spoglio, arido, i mausolei incombono in mezzo a pochi alberi stenti; 451. Dietro al morto (coperto da un sudario, e portato su una specie di barella da parecchie persone, come se fosse pesantissimo), viene la vedova, col petto denudato, piangente, che emette lamenti ad altissima voce... 452. ... Tutti camminano in fretta, a un ritmo veloce, incalzante; è un passaggio rapido, come di fantasmi; i volti dolenti che scorgiamo appena sono fissati come maschere. Scena n. 19. Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo); Interno. Notte. 453. Nella tomba, che è come una piccola casetta circolare, il cadavere del defunto è deposto in una cripta. La tomba è zeppa di gente, che piange, si abbraccia. 454. ... La vedova, sempre con la sua espressione dolente da tragedia greca, seguita a lamentarsi e a graffiarsi il petto. Respinge gli inviti dei parenti a venir via con loro. CINEDO (F.C.): Quando il cadavere, all'uso dei greci, fu deposto nella cripta, la vedova, cosí onesta e fedele, si rifiutò di andar via e restò notte e giorno a vegliarlo... Piangeva... S'era decisa a morire di fame... Anche i magistrati alla fine l'abbandonarono... Ora avvenne che, poco lontano dalla tomba, un ladro condannato a morte. Scena n. 20. Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo). Esterno. Notte. 455. Nel vasto spiazzo della necropoli, in quel paesaggio arido e sinistro, si staglia contro la luna una forca, costituita da due pali verticali e uno orizzontale. Alla forca, è sospeso un impiccato. Degli uccellacci volano intorno alla forca. 456. Presso la forca c'è un soldato, giovane, attraente. Sta parlando con un ufficiale. UFFICIALE: Dunque hai capito? SOLDATO: Molto bene. UFFICIALE: I parenti verranno... Tenteranno di portar via il corpo del ladrone... E tu, che il tuo dovere di soldato conosci. SOLDATO: Non dubitare della mia saldezza. Il colloquio tra il soldato e l'ufficiale è stato soppresso. 457. L'esterno della tomba dove sta la matrona di Efeso. Ne vengono una luce e flebili pianti, lamenti. Il soldato, che adesso è solo, si avvicina lentamente alIa tomba. Si volta indietro, e guarda... 458. ... l'impiccato che dondola lento, nel vento. 459. Il soldato entra dentro la tomba. Scena n. 21. Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo). Interno. Notte. 460. La vedova sta stringendo fra Ie braccia il cadavere del marito. È sempre piú scarmigliata, con Ie vesti lacere. Ripete una rapidissima tiritera di parole greche, forge preghiere... 461. ... Poi, all'improvviso, si lascia andare, quasi svenuta, con la testa suI petto del morto. Il soldato Ie è accanto, e con voce carezzevole Ie parla: SOLDATO: Perché ti lasci morire di fame? A che serve seppellirti viva? Mangia qualcosa. Coraggio. Tieni. 462. La donna guarda il soldato con gli occhi lagrimosi; è inebetita; non ha la forza di reagire... 463. ... Il soldato Ie fa bere un po' di vino, e Ie accarezza piano la faccia con la punta delle dita. SOLDATO: Non vuoi tornare a vivere? Goditi Ie gioie della vita finché è possibile... Proprio questo cadavere qui disteso dovrebbe convincerti... La donna sospira,... 464. ... mangia qualcosa, sospira ancora; guarda il morto, guarda il soldato,... 465. ... mangia, sospira, guarda il soldato... 466. II soldato comincia a baciare furiosamente il volto pallido della donna. 467. La donna gli si avvinghia al collo, disperata e contenta. II soldato la stringe, e i due rotolano abbracciati presso il cadavere. Scena n. 22. Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo). Esterno. Notte. 468. Intorno alIa forca da cui pende il ladro, c'è un movimento di ombre, un bisbigliare; sono corsettine in punta di piedi, gesti furtivi, rapide azioni di persone incappucciate, ammantate. 469. La conclusione di tutto questo fervore un po' bambinesco, è che il cadavere dell'impiccato viene calato giú dalla forca, agguantato da molte mani... 470. ... e portato via di corsa, come un bruco morto dalle formiche. In un attimo, sono spariti tutti. 471. II soldato sta uscendo dalla tomba, si accommiata con un bacia dalla vedova, come se la salutasse sulla porta di casa. Poi si avvia verso la forca, e subito si accorge che... 472. ... dalla forca penzola solo un pezza di corda; l'impiccato è scomparso. 473. II giovanotto è perplesso, suda freddo. Muove qualche passo incerto. Non sa che fare. AlIa fine si decide, rientra nella tomba. Scena n. 23. Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo). Interno. Notte. 474. La matrona di Efeso, felice e serena, divenuta piú bella, meno pallida, si sta pettinando con calma, con compiacenza... 475. ... Si volta all'ingresso del soldato. II soldato è stravolto; non riesce a trovare Ie parole; alIa fine parla: SOLDATO: Hanno rubato l'impiccato. La donna gli si avvicina, lo guarda con l'aria di non capire, preoccupata. SOLDATO: Sí, mentre era qui, con te, i parenti del ladro se lo sono portato via... 476. II soldato è sempre piú cupo. Brontola fra sé: SOLDATO: Conosco la sentenza del giudice... Una morte atroce. Inutile aspettare; mi farò giustizia da me... con le mie mani... II soldato estrae una corta, tozza spada. La fissa, senza decidersi a uccidersi,... 477. ... ma la donna lo prende per il braccio, e gli sorride teneramente: MATRONA: No, caro... Perdere i due uomini della mia vita, uno dopa l'altro, sarebbe troppo... La donna bacia il soldato, che non ha ancora capito bene cosa intende dire la donna... 478. ... Quindi, la matrona indica il cadavere del marito, e con un sorriso dolcissimo conclude: MATRONA: Possiamo sostituire il corpo scomparso... 479. II soldato sorride di gratitudine. E la donna aggiunge: MATRONA: Preferisco appendere un morto che perdere un vivo! A questa frase, fa eco un cora di risate, come se ci fosse un pubblico invisibile: sono Ie risate degli ospiti di Trimalcione, che cosí hanno accolto il racconto del cinedo. Scena n. 24. Villa di Trimalcione. Viale con ingresso. Esterno. Notte. 480. II viale su cui si apre il cancello della villa, coi due bracieri presso i pilastri. Encolpio è uscito dal cancello, e cammina piano, barcollante. È pallidissimo, sta male. Nella notte, si sentono voci lontane, qualche risata, un latrare di cani. Encolpio si allontana per il viale umido e nebbioso. Ma sente accanto a sé dei gemiti, dei lamenti prolungati. Si guarda intorno, smarrito. 481. I lamenti vengono da una cunetta di lata al viale. Encolpio si avvicina, guarda. 482. Nella cunetta c'è come un grosso fagottone di stracci: un essere umana che piagnucola, si muove debolmente. 483. Encolpio si china, aiuta quel rottame umana a sollevarsi. È Eumolpo. Pesto e sanguinante, sporco di fango, di saIse, di vino. I servi l'hanno bastonato come un topo, poi l'hanno buttato Ií, tra i rifiuti. 484-485. Eumolpo si appoggia pesantemente a Encolpio, che pian piano, un passo dopa l'altro, si avvia sorreggendolo. Scena n. 25. Strada di Roma. Esterno. Notte. 486. Sono Ie ultime ore della notte, ed il silenzio è profondo, totale. Solo, il chioccolio leggero d'una piccola fontana sull'angolo. Siamo in una strada della città, fiancheggiata da case basse, con porte sprangate, finestre chiuse. Tutti dormono. 487. Eumolpo è chino sulla fontana, si passa la mano bagnata di acqua sulla faccia piena di grumi di sangue, di lividi, di ustioni... 488. ... Encolpio è seduto a terra, si appoggia stanco con la schiena contro un muro. Ha gli occhi semichiusi. Eumolpo mormora: EUMOLPO: Io sto per morire. Morirò presto. Si passa Ie dita nella bocca, e sente che gli mancano dei denti. Poi lentamente, tenta di pettinarsi con la mano, si liscia la barba incolta, resta ancora un po' perplesso, pensoso... 489-490. ... Scuote la testa, si raddrizza. Nel volto, scompare l'espressione di cane picchiato; ritrova una certa fierezza, un'ultima dignità. Si siede accanto a Encolpio, e gli parla a bassa voce, ma con voce intensa, carica di emozione e di passione. EUMOLPO: I poeti muoiono, Encolpio: noi scompariamo a la poesia resta. Che importa? Fratello mio, tu sei stato l'ultimo compagno della mia vita. Tu potrai dire: l'ho conosciuto. Ho conosciuto un vero filosofo. Ho conosciuto Eumolpo il poeta. 491. Encolpio ascolta appena, è pieno di sonno, ogni tanto lancia un'occhiata di sbieco al vecchio; 492. Eumolpo continua a parlare; a poco a poco la sua tristezza si dissolve, e cede a una specie di retorica spavalderia. Si inebria del suo stesso discorso. EUMOLPO: Se non questa notte, domani o fra due giorni morirò; ho un fisico pravato, che ne ha passate troppe. Che dire? Se fossi ricco come Trimalcione ti lascierei un podere o una nave. Ma te, ti posso fare erede solo di ciò che ebbi. Ti lascio la poesia... 493-495. Eumolpo si fa nuovamente raccolto, pensieroso: il tono retorico scompare , e ritorna una malinconica contenutezza. EUMOLPO: Ti lascio la vita. Ti lascio le stagioni, soprattutto la primavera e l'estate. Ti lascio il vento, e il sole: ti lascio il mare. Il mare è buono, e anche la terra è buona. Ti lascio il colore del grano maturo; i torrenti i fiumi; le grandi nuvole che volano solenni e leggere... Le guarderai e forse ricorderai questa nostra breve amicizia. E ti lascio gli alberi e i loro agili abitanti. L'amore, le lacrime, la gioia. Le stelle, Encolpio, ti lascio. Ti lascio i suoni, i canti, i rumori; la voce dell'uomo, che è la musica piú armoniosa. Ti lascio... 496. Eumolpo si accorge che Encolpio si è addormentato; allora s'interrompe. È l'alba, un'alba nebulosa e calda... 497. Encolpio ed Eumolpo dormono sulla strada. LA NAVE DI LlCA (Prima versione) Scena n. 26. Scialuppa in mare. Esterno. Giorno. 498. La scialuppa con a bordo Encolpio e Trifena avanza suI mare calmissimo, condotta da un rematore. Encolpio a testa bassa è pallido, un po' cupo, depresso forse per gli effetti della cella. Trifena lo guarda, spavalda e sicura, come una cacciatrice che ha catturato un animale prezioso. 499. La scialuppa si accosta a una grande nave, ferma, che si dondola appena. È un barcone di colore scuro, ampio e tetro, basso;... 500. ... una vela sta salendo lentamente sull'albero maestro. La polena gigantesca è una donna, una dea, a braccia spalancate che si protendono verso Ie onde. 501. Encolpio, alzando gli occhi, si trova davanti questa specie di galera; e vede affacciarsi alla murata, come una piccola presenza luminosa, Gitone che gli sorride. 502. Encolpio è stravolto nel rivederlo; Trifena, senza voltarsi, capisce che lui ha vista Gitone e sorride d'un sorriso consapevole. 503. Ma sulla murata, accanto a Gitone, appare Ascilto, che mette il braccio sulle spalle del ragazzo, e sorride ad Encolpio, ma senza malignità, serenamente. 504. Encolpio si alza in piedi nella scialuppa, che sobbalza; stringe i pugni con rabbia e intanto dice: ENCOLPIO: No... Questo no! Torniamo a terra, Trifena. (urla) Portatemi a terra! Scena n. 27. Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno. 505. II ponte della nave è vasto e spoglio, a parte gli alberi e la velatura; quasi una piazza di legno sulla quale Encolpio corre in direzione di Gitone, che è fermo, turbato e timoroso, presso l'albero maestro. 506. Encolpio si ferma di faccia a Gitone, e lo guarda con passione rabbiosa. Mormora lentamente: ENCOLPIO: Vergogna... Traditore! Che hai da dire? Ti sei concesso a un estraneo! Encolpio non si controlla piú, e dà un forte pugno sulla testa di Gitone... 507. ... Il quale comincia a piagnucolare e dice: GlTONE: Pietà, fratelo... Ho sofferto abbastanza con quel bandito assetato di sangue... Liberami da lui... perdonami... Encolpio si scaglia contro Ascilto, che assiste ridendo alla scena: ENCOLPIO: Bagascione passivo come una donna! Ti puzza anche il fiato! 508. Ascilto diventa di colpo furente; alza i pugni contro Encolpio e urla come un matto: ASCILTO: Sta' zitto, lurido gladiatore! Avanzo di circo! Con che coraggio parli? Ti sei scordato che mi hai fatto il servizio nel parco prima di farlo a questo ragazzo? 509. Gitone si getta in mezzo ai litiganti, e alza un coltellino che brilla nel sole: GITONE: Basta! Sono io la causa di tanti affanni. So quello che devo fare... Me lo taglierò! 510-512. E fa il gesto di castrarsi. Al che interviene Trifena, e gli afferra la mano; gli torce il polso e gli fa cadere il coltellino. TRIFENA: No. Fermi. Niente violenza su questa nave. Niente armi sul mare... 513-514. Trifena abbraccia Gitone, e intanto pronuncia, con tono da giudice, questa sentenza: Tu, Encolpio, t'impegnerai a non querelarti di offese a te fatte da Gitone... non gliene rinfaccerai, né lo perseguiterai: e se il fanciullo non vuole, non gli imporrai baci o abbracci; se no, dovrai versare cento denari. E tu, Ascilto, non darai fastidio a Gitone, né t'informerai dove dorma la notte: e se te ne informi, verserai duecento denari... Scena n. 28. Nave di Lica. Salone sottocoperta. Interno. Esterno. Notte. 515. Un ambiente nell'interno della nave: un lungo ambiente, arredato con lusso orientale. Sulla parete, che è la fiancata stessa della nave, si aprono una serie di finestre quadrate, una accanto all'altra, quasi al livello del pelo dell'acqua... 516. ... Infatti, oltre Ie finestre, si intravede lo scintillio del mare, illuminato dai lumi interni;... 517. ... e si vedono passare ogni tanto altissime rocce di basalto nero, e volare bassi dei gabbiani. 518. Su divani bassissimi, o su cuscini in terra, molti ospiti stanno seduti, in silenzio, o parlando a bassa voce, in un clima un po' snervato, vizioso. Sorseggiano piccoIe coppe di vino... 519. ... Delle ancelle ogni tanto dispongono qua e là piattini e ciotole di vivande, all'uso cinese. 520. Vi sono persone vestite fastosamente, fantasiosamente, accanto ad altre quasi nude. Un gran miscuglio di razze; quasi tutti però molto belli; ognuno a suo modo rappresenta un campione, un tipo... 521. ... Encolpio siede accanto a Gitone, che sta ad occhi semichiusi, abbandonato contro il suo petto;... 522. ... Ascilto è presso Trifena: i due parlottano e ridono. 523. Lica, il padrone della nave, cammina incessantemente avanti e indietro; per tutta la sequenza non smetterà quasi mai questo suo muoversi irrequieto, nevrotico... 524. ... Ogni tanto si siede, ma subito baIza su di nuovo. Va ad accarezzare un ospite lontano,... 525. ... o a dare degli ordini, o a sollevare di scatto una gonna, come per un bisogno continuo di toccare, controllare, verificare. Intanto parla: LICA: Lica di Taranto è felice di avere altri ospiti. Non è vero che siamo contenti. Trifena? È stato completato il carico, Trifena? La scolta ha fatto Ie sue verifiche? Oh! Guardate qui! 526. Lica scoppia a ridere, mentre denuda una ragazza bruna, orientale, che sta sdraiata. 527. II corpo della ragazza è completamente tatuato, pieno di fitte immagini disposte a righe sovrapposte, come una storia raccontata per geroglifici. Lica sfiora col dito queI corpo nudo: LICA: Tutta la storia della Persia! Meraviglioso tatuaggio... E Alessandro il Grande cavalca l'ombelico. 528. Voltandosi verso Trifena: Dove è stata comprata, Trifena? Lica non lo ricorda. Bene bene... Cesare sarà contento... Pannichina! Lica si è arrestato davanti a una bambina di sette anni,... 529. ... che sta giocando con altri due bambini; si rotolano per terra come cuccioli. 530. Lica prende in braccio la bambina, che ha una faccia triste e un po' sprezzante; la solleva e Ie dà due baci sui capezzoli. LICA: Pannichina, perdona a Lica; ho dimenticato se sei mia figlia o no: ma penserò lo stesso a darti un marito. 531. Lica si ferma davanti a una delle finestre, e grida: LICA: Tu! Cos'hai pescato? 532. DaIle acque emerge un bizzarro palombaro, che ha sulla faccia una proboscide d'elefante, che gli è servita come tubo per respirare sott'acqua. Protende, suIle mani, un gran piatto fondo pieno di ricci di mare, grondante. E risponde: PALOMBARO: Un Piatto di ricci, signore! 533. Mentre Lica si volta, come se la cosa non lo riguardi piú, accorre un servo che prende il piatto dalle mani del palombaro. 534. Un altro palombaro emerge: ha indosso una specie di scafandro di cuoio tutto irto di aculei come un istrice. Regge fra Ie mani un enorme granchio, vivo, che muove lentamente Ie pinze... 535. ... Senza dir nulla, offre il granchio; Trifena lo prende. Trifena ha il granchio fra Ie mani, lo guarda, lo carezza leggermente... 536. ... Poi lo rivolta, e con voluttà, socchiudendo gli occhi, afionda i denti nella parte inferiore; dà un piccolo morso, mastica. 537-539. Lica si è fermato davanti a un vecchio sacerdote, dall'aria del bonzo, che sta mangiucchiando qualcosa nella sua ciotolina. Lo aggredisce con violenza: LICA: Tu! Vecchiaccio! Dobbiamo adorare Adone al pari di Venere oppure no? SACERDOTE: Lo sai bene, Lica... Sai bene di no... LICA: Come dunque? Adone non è forse l'amasio di Venere? SACERDOTE: Sí, Lica, lo sai bene... LICA: Dunque adorerai la Dea e non it jottitore? SACERDOTE: Sei eretico, Lica! Venere la dobbiamo adorare, ma Adone lo onoriamo semplicemente... LICA: E il Gullo delle Adonte, vecchiaccio? SACERDOTE: Eresia, Lica... Sei eretico... 540-541. Lica si ferma davanti ad Encolpio e lo guarda incantato. Mormora: LICA: É Adone il vero Dio, il mio Dio... Encolpio stringe a sé Gitone e gli sussurra: ENCOLPIO: lo ti amo anche se tu mi lasciasti; nel cuore, dove ci fu una ferita cosí profonda, non c'è piú cicatrice. Non rimpiango Piú nulla, non ricordo Piú nulla, se in buona fede ti riscatti dalla vergogna. 542. Gitone ha gli occhi pieni di lacrime. Risponde a bassa voce: GITONE: Che dovevo fare? Come vidi due uomini armati, mi rifugiai dal piú deciso. Encolpio stringe teneramente Gitone, e lo bacia. 543. Trifena sta baciando Ascilto, afferrandolo con gesto di possesso. 544. Lica si è seduto, accoccolato sui cuscini, davanti a una bellissima schiava, che ha una espressione dolorosa suI viso. La tocca, l'accarezza, e Ie sussurra con intenzione maligna, sapendo che non può rispondere: LICA: Parlami, racconta i segreti del tuo culto, sacerdotessa... Dimmi i riti della tua religione... non puoi? Ti ascolto. Che c'è, vestale, non puoi rispondermi? 545. La donna è sempre piú triste, una lacrima Ie scende lentamente. Lica baIza in piedi e scoppia in una risata isterica. Indica la ragazza e grida: LICA: Le hanno mozzato la lingua! I suoi sacerdoti l'hanno mutilata perché non parlasse! 546. Lica afferra la faccia della ragazza, costringendola ad aprire la bocca... 547. ... La ragazza è senza lingua. Nel dolore, nella rabbia, emette agghiaccianti suoni inarticolati. 548-549. Lica si ferma di scatto davanti a un ragazzo e una ragazza, che si somigliano molto, e che lo guardano un po' spaventati. LICA: Siete fratelli? IL RAGAZZO: Sí... LICA: Dove siete stati prelevati? IL RAGAZZO: A Marsiglia. LICA: Perché? Interviene Trifena: TRIFENA: Cesare ama gli scherzi di natura. 550. E Trifena afferra una mano del ragazzo e una mano delIa sorelIa, e Ie solleva: vediamo che hanno mani di sei dita. 550 a. Lica intanto si è chinato sopra una gigantesca amazzone, coi capelli cortissimi e Ie braccia e il torace coperti di peli. Lica sfiora con Ie labbra quel pelame, voluttuosamente. 551. Trifena, sorridendo con una certa ferocia negli occhi, dice a bassa voce, quasi fra sé: TRIFENA: Esseri deboli e incatenati, unicamente destinati ai nostri piaceri, non illudetevi che Ie libertà che vi concede il mondo vi saranno accordate anche su questa nave... 552. Come ubbidendo a un ordine, dei servi chiudono i pesanti battenti delle finestre; la vista del mare scompare, l'ambiente diventa piú opprimente e lugubre. 553. Trifena continua: TRIFENA: Non aspettatevi altro che umiliazione... L'ubbidienza è la sola virtú di cui vi consiglio di fare uso... Alcuni schiavi distendono in terra un largo tappeto pieno di segni misteriosi, di geroglifici sacri; vi pongono sopra un fornelIino. 554-555. Una donna si avvicina ad Encolpio, e con gesto carezzevole gli ficca sulla guancia uno spillone. Encolpio lancia un urlo roco. 556. Un cinedo fa scrocchiare la giuntura delle dita, e intanto recita con voce chioccia: CINEDO: Venite in massa, cinedi morbidi: è l'ora... Protendete il piede, volate sulle chiappe guizzanti: o teneri polli castrati dal Delio... Poi si avvicina ad Encolpio e tenta di sbaciucchiarlo. 557. Lica prende in mana uno specchio. Si contempla fissamente, narcisisticamente, poi comincia a cantare. Canta per se stesso, rapito da una passione onanistica... 558. ... Finito il canto, che è piú che altro una serie di lamentazioni, scoppia un grande applauso; alIora ci accorgiamo che... 559. ... sporgendosi da scalette, o affacciandosi dalle porte, molte persone indistinte, una folIa composta di marinai e di schiavi, applaude il padrone, con serietà e senso del dovere:... 560. ... un rapido applauso che poco dopa sfuma, cosí come quelle persone scompaiono nell'ombra. 561. Lica, compiaciuto, parla agli ospiti: LICA: La voce era flebile, ma l'ho rinforzata con lungo studio. Ogni notte dormo con una lastra di piombo suI petto. Poi Lica indica una statua che raffigura Apollo con la cetra: LICA: Il re dei citaredi! Buttatelo in mare! 562. Due schiavi afferrano subito la statua e, aperta una finestra, la scagliano lontano:... 563. ...la statua affonda. 564. Lica ha in mano una cetra; si avvicina ad Encolpio. e accompagnandosi con la cetra canta alcuni versi di Catullo: LICA (cantando): Se mai potessi baciare i tuoi dolcissimi occhi, per quanto ne ho voglia, potrei baciarli trecentomila volte... Né smetterei mai: è come una messe di spighe di baci, che si addensa sempre piú folta... 565. Mentre canta, Lica guarda fisso Encolpio, con passione e amore. Alla fine del canto, gli occhi di Lica si empiono di lacrime. Poi getta via la cetra. E grida: LICA: Bisogna fare le nozze della nostra Pannichina! 566. Qualcuno solleva di peso Gitone, che stava dormendo in mezzo ai cuscini. 567. Altri sollevano la Pannichina, che anche lei stava dormendo, ed ha l'aria stupita dei bambini appena svegliati. Encolpio protesta, con la violenza degli ubriachi: ENCOLPIO: Gitone è un ragazzo riservatissimo: non può fare certe porcherie! E la bambina non è in età per sostenere un simile assalto. 568. Trifena parla ad Encolpio, con ironico disprezzo: TRIFENA: Perché? La Pannichina è piú giovane di me quando andai per la prima volta sotto un uomo? Giove mi fulmini se ricordo di essere mai stata vergine! 569. La voce del sacerdote che prima aveva altercato con Lica, si leva solenne, ammonitrice: SACERDOTE (F.C.): Prima bisogna fare il sacrificio. II sacerdote è ritto presso un altare, un po' in penombra; sull'altare c'è un caprettino giovanissimo, bianco, su cui il sacerdote tiene la mano. Guarda Lica e gli fa un cenno d'invito. 570. Lica si avvicina all'altare. Accarezza lievemente il capretto; poi prende in mana la mazza per colpirlo e abbatterlo... 571. ... Solleva la mazza, e sembra che voglia colpire il capretto: invece la dà in testa al sacerdote,... 572. ... che crolla di schianto. 573. Lica scatta in una risata da folIe, e baIza via; ride e saltella come un pazzo. 574. Si è formato un corteo; tutti gli ospiti si avviano verso la stanza dove avverrà l'unione fra Gitone e la Pannichina. In testa, Trifena che porta in braccio la fanciulla. Dietro Gitone, serio, compreso della serietà della situazione. 575. Encolpio guarda Gitone che si allontana. Lica gli si avvicina, e con uno sguardo improvvisamente umano, comprensivo , affettuoso, gli dice: LICA: Sei geloso... Tu soffri, Encolpio... Scena n. 29. Nave di Lica. Camera da letto. Sottocoperta. Interno. Notte. 576. Soli, nella stanza da letto... 577. ... (gli ospiti sbirciano da dietro la porta socchiusa; si sentono voci e risatine) , Gitone e la Pannichina sono uno di fronte all'altra, e si guardano. 578. Gitone ha un'aria indifferente, sorridente, disponibile. Prende Ie mani della bambina. La bambina è sempre chiusa, scostante, triste. Gitone dà un piccolo bacia sulla bucca della bambina... 579. ... Allora la bambina gli si avvinghia di scatto al collo, e con foga disperata lo copre di baci. Scena n. 30. Nave di Lica. Ambienti sottocoperta. Interno. Notte. 580. Encolpio, irrequieto, tormentato dalla gelosia, percorre la nave, in un itinerario confuso, disordinato. 581-585. Salirà scalette, percorrerà corridoi, scenderà, salterà giú da una piattaforma all'altra, attraverserà ambienti irriconoscibili: sarà un percorso casí caotico e strano che dovrà essere impossibile capire l'esatta disposizione interna della nave... 586-588. ... Ogni tanto, sbirciando da un finestrino, o attraverso una porta semichiusa, vedrà delle scene assurde e dei personaggi aberranti. E cioè: 583 A. Uno scimmione incatenato. 584 A. Un gruppo di vecchi arabi che dormono ammucchiati l'uno sull'altro. 585 A. Un mostro, una specie di nano basso e storto come una rana, che si muove lentamente per una stanza. 586 A. Due ragazzine che si baciano furiosamente, davanti a un tipo di vecchio saggio che assiste sorridendo. 587 A. Una sacerdotessa che sta compiendo un misterioso rito davanti a un altarino; nella stanza sta zampettando e chiocciando tranquillamente una gallina, che certo verrà sacrificata. 588 A. Un negro gigantesco fa saltare sulle ginocchia una bambina bionda, che ride. 588 B. Tre uccelli stranissimi, con becchi e piume inverosimili, si muovono lenti dentro una gabbia. 588. C. In una stanza, c'è nel mezzo una statuetta d'oro di un dio; solo questa statuetta e basta. 588 D. In un passaggio, c'è un ammasso mostruoso di catene e di corde. Scena n. 31. Nave di Lica. Tolda. Esterno. Notte. 589. Encolpio, dopo il lungo girovagare, ha raggiunto il ponte, che è deserto. Si avvicina al parapetto, e guarda il mare, Ie stelle. 590. Accanto a lui, silenzioso come un fantasma, scivola Lica, che lo fissa con uno strano sorriso. Poi Lica indica su nel cieIo: LICA: Libra. Carro Maggiore. Betelgeuse. L'Ariete. Alfa del Centauro. E quella lassú, luminosa, non ha nome. Le darò il tuo. 591. Poi si fa piú vicino ad Encolpio, e gli parla con grande passione, a bassa voce, con ritmo incalzante: LICA: Il mio cuore afferma che tu vivi in lui. Quanto piú chiudo gli occhi tanto piú essi vedono, perché vedono te... 592. Encolpio, senza esprimere meraviglia per questa dichiarazione, cammina lentamente lungo la murata. Lica lo segue, o lo precede. LICA: Encolpio, la tua gelosia ti rende insensibile, lo so... Ma dimentica il fanciullo, come lui ha dimenticato te: non fargli il meraviglioso dono del tuo dolore... 593. Lica si ferma, si guarda intorno e pensierosamente dice: Pra tutti i tesori che porto a Cesare, uno, il piú prezioso, non l'avrà. Di Encolpio farò il mio sposo. Sí, ho deciso. 594. Poi Lica si avvicina a Encolpio, e gli sussurra, prendendogli la mano: Se stanotte abbiamo sposato la Pannichina a Gitone... damani ci saranno a bordo delle nozze ben piú importanti... E cosí dicendo, sfila un semplice anello dalla mano di Encolpio e se lo infila nell'anulare, sorridendo teneramente. A questo punto, scoppiano improvvise, raccapriccianti urla di terrore. 595-596. E si vede lo scimmione, che evidentemente ha rotto la catena, apparire suI ponte, scorazzare qua e là; fermarsi poi, minaccioso, cupo: una massa d'ombra. 597. Nessuno ha il coraggio di catturarlo. Senza pensarci un attimo, Lica si getta sullo scimmione,... 598-600. ... lotta brevemente, dimostrando una forza tremenda, da pazzo;... 601. ... riesce a trafiggerlo con un pugnale. 602. Poi, sudato, stravolto, si volta verso Encolpio, e scoppia a ridere di gioia. L'ASSASSINIO DELL'IMPERATORE (Prima versione) Scena n. 32. Mare aperto con nave di Cesare e barcone degli assalitori. Esterno. Giorno. 603. Mattina presto suI mare, che scintilla, chiarissimo. Come una visione irreale, una navicella tutta dorata, ornata, preziosa, svicola suIle acque. 604. È la nave di Cesare; vi è a bordo, infatti, l'imperatore, che e giovanissimo, e con qualcosa di malate, di malsano addosso... 605. ... È albino, ha i capelli bianchi cortissimi; gli occhi rossi semichiusi fra Ie palpebre ogni tanto si accendono, poi si rispengono. Sdraiato sotto una specie di baldacchino, guarda davanti a sé, immobile... 606. ... La navicella passa attraverso altissimi archi di rocce, sfiora grandi faraglioni. 607. Presso l'imperatore, un po' chino, come se lo stesse confessando, siede un vecchio precettore, dall'aria austera, ma un po' ottusa. Sta leggendo (non troppo ad alta voce) un brano di Tacito: PRECETTORE: “Roma da principio ebbe i re: da Lucio Bruto la libertà e il consolato. Le dittature erano a tempo. La potestà dei Dieci non resse oltre due anni. Non Cinna, non Silla signoreggiò lungamente...” . 608. II precettore si ferma un momenta; è stanco, e guarda il mare. Ha l'asma... 609. ... I rematori conducono il vascello remando adagio, regolarmente, a testa bassa, non avendo il coraggio di alzare lo sguardo su Cesare. 610. II precettore riprende: PRECETTORE: «La potenza di Pompeo e di Crasso tosto in Cesare, e I'armi di Lepido e d'Antonio caddero in Augusto: il quale trovato ognuno stracco per Ie discordie civiIi... ». Da dietro un faraglione, avanza un'ombra; 611. ... è l'ombra di una grande barca, di tipo militare, scura e di tavole spesse. Dietro I'ombra, segue la barca, sulla quale sono ritti come soldatini di piombo molti soldati, di pelle un po' scura, tutti fermi, impalati, seri. 612. Cesare non guarda nemmeno il barcone, che ritiene uma nave di scorta. II precettore si è fermato di nuovo, e si asciuga il sudore, come esausto. 613. II barcone si avvicina lento alIa navicella dell'imperatore. Quando è abbastanza vicino, un ufficiale, piccolo e feroce come una belva,... 614. ... salta nella navicella urlando: UFFICIALE: Vae tyrannis! 615-617. Altri soldati lo imitano, invadono la navicella come pirati, e massacrano i rematori, il precettore e gli altri. 618-624. Cesare, squittendo, strillando, si difende con una spada elegante e sottile; ma finisce in acqua. Emerge di nuovo, e i congiurati lo ammazzano a colpi di remo, Ie acque si tingono di rosso. Cesare affonda. 625. I congiurati sono rimasti padroni dell a situazione; ed hanno l'aria soddisfatta, ma incerta, smarrita. Sembra che adesso che hanno ammazzato l'imperatore, non sappiano piú che fare... 626. ... II barcone sbanda. Scena n. 33. Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno. 627. Preparativi per Ie nozze di Lica e Encolpio. Il ponte è pieno di animazione, di ancelle che accorrono, di ospiti che guardano, commentano, recando doni. 628-629. Circondato da specchi e da ancelle che tengono fra Ie braccia i vestiti da indossare, o che porgono i pettini o gli ornamenti, Lica si sta facendo vestire da sposa. È Trifena in persona che lo sta vestendo. 630. Lica ha un'aria quasi estatica, un'intensità quasi religiosa. Si sente importantissimo, solenne. Anche Trifena è molto seria, dignitosa. 631. Trifena gli dipinge Ie labbra, gli trucca violentemente gli occhi, gli infila un'alta parrucca bionda, tutta a riccioli. Prende un pettine da un'ancella, sistema i riccioli sulla parrucca. 632. Ascilto ed Encolpio, appoggiati al parapetto, vicini, guardano con un sorriso amaro. 633. Trifena, sempre compunta, continua a vestire Lica. È la volta del mantello color zafferano, dei sandali della stessa tinta,... 634 ... poi del flammeum: un vela violentemente arancione, quasi fiamma, che nasconde la parte superiore del viso. 635. Lica si avvia trasognato, in preda all'estasi. Trifena resta ferma, non partecipa al corteo; lo guarda allontanarsi. Lica si avvia seguito dalle ancelle e da altre donne. Si dirige verso... 636. ... un piccolo gruppo, fermo nel mezzo del ponte, costituito dal celebrante e dai testimonio. 637. Due servi negri, alti e robusti, si dirigono verso Encolpio e, con un inchino, lo invitano a seguirli per entrare nel carteo. Dietro l'apparenza servile del gesto, c'è una specie di contenuta minaccia, come a dire: ubbidisci e non fare storie. 638. Encolpio si avvia al corteo; si volta e fa un sorriso ad Ascilto, il quale scoppia a ridere d'un riso di scherno. 639. Ascilto prende una manciata di noci da un piatto, e una dietro l'altra ne scaglia tre o quattro nella schiena di Encolpio, come fossero sassi. Encolpio non può impedirsi di ridacchiare anche lui. 640. Lica ed Encolpio sono fermi, davanti al celebrante, che è un bel giovanotto, allegro e intelligente, dall'aria di marinaio. Dietro di lui, c'è il gruppo dei testimoni, zitti e compunti: una decina. 641-642. II celebrante parla con voce forte e chiara: CELEBRANTE: Ho esaminato i risultati del sacrificio; gli auspici sono favorevoli, gli Dei approvano questo matrimonio. Avvicinati, nuova sposa, e prendi per mano il tuo sposo, e sappi che sempre unita a lui, devota, ubbidiente dovrai essere... E tu, uomo, se, come dicono, hai avuto il gusto per i ragazzi, devi astenertene: è un piacere illecito per un marito: tutto alla tua donna dovrai dedicarti... Siate allegri, felici sempre, e di buon accordo: Ie nozze suI mare sono predilette da Venere. Dite la formula, ve ne prego. 643. Lica, rapito, assente, felice, guarda Encolpio e mormora: LICA: Ubi tu Gaius, ego Gaia. Una vecchia serva, che aveva assistito dal fondo alIa cerimonia, grida: VECCHIA: Feliciter! (pron.: Felíchiter). 644. Improvvisamente, ci accorgiamo che un gruppo di soldati è balzato suI ponte (gli stessi congiurati che hanno ammazzato Cesare), e ora camminano minacciosi e cupi verso i passeggeri. 645. L'ufficiale si trova accanto Gitone: lo guarda un attimo, lo prende per un braccio, e lo consegna ai soldati: UFFICIALE: Questo viene con noi. 646. Lica, disturbato nel mezzo del suo gogno, lancia un grido rabbioso: LICA: Ma che succede? UFFICIALE: Succede che questa nave non è piú tua, Lica! Cesare è morto: it nuovo Cesare è in arrivo. Il tuo imperatore l'abbiamo affogato come un maiale. 647-649. Lica ha una reazione immediata: toglie la spada a un suo vicino, e si scaglia contra l'ufficiale tentando di colpirlo. Ma l'ufficiale con un rapido colpo di spada gli mozza la testa. 650. Il corpo di Lica, senza testa, resta per un attimo ancora dritto. 651-652. La testa di Lica affonda nel mare, con un'espressione di incredulità, di dolore suI volto. NAVE DI LICA MORTE DI CESARE (Versione definitiva) Litorale. Esterno. Giorno. Sulla spiaggia, Encolpio, sdraiato, si risveglia; apre gli occhi, si solleva su un braccio, si guarda intorno smarrito. E vede... ... contro il cielo, i volti di Gitonc e Ascilto che lo guardano seri, quasi tristi. Ancora trasognato , Encolpio parla a Gitone, muovendo appena Ie labbra: come se si trattasse di pensieri piú che di parole. ENCOLPIO: Sei sempre davanti ai miei occhi, Gitone. Indegna debolezza... Ti amo ancora, benché mi abbandonasti. Nel mio petto, ferito crudelmente, cerco invano la cicatrice. E tu non parli? Mi hai lasciato per un altro amore... Meritavo forse questo oltraggio? Gitone sospira come oppresso dalla tristezza. Ascilto ha gli occhi umidi di lacrime. Ma una mano rude afferra Encolpio, lo costringe ad alzarsi. E solo adesso ci rendiamo conto della realtà circostante. Ascilto e Gitone sono avvinti da catene ai polsi e aIle caviglie. Piú in là, altri gruppi di ragazzi, anch'essi incatenati, vengono fatti salire su piccole barche nere, spinte suI mare. Mani dure, con mosse precise, avvolgono di catene i polsi e Ie caviglie di Encolpio. Encolpio, sbalordito, atterrito, è trascinato verso una piccola barca, dove già sono alcuni altri ragazzi incatenati. Vede... ... la barchetta con dentro Gitone, Ascilto e qualcun altro, avviarsi suI mare. Anche la barca di Encolpio è spinta suI mare. Egli si guarda intorno. Davanti a sé, davanti a tutte Ie barche, c'è una barchetta piccola, dorata, nella quale s'intravede, come una visione irreale, Trifena, immobile, eretta, con la sua smagliante acconciatura. Tutte Ie barche convergono verso la enorme nave di Lica, immobile, nera, come un insetto mostruoso. Nave di Lica. Giorno. SuI ponte della nave, i gruppi di ragazzi prigionieri vengono spinti giú, dentro una specie di botola che immette nell'interno. Intanto, Encolpio, che è anche lui trascinata giú, comincia a narrare fuori campo. ENCOLPIO (F.C.): M'informarono, i miei compagni di sventura, che eravamo ahimé prigionieri del terribile Lica di Taranto. Egli e la sua campagna Trifena, battevano i mari in cerca di cose preziose che rallietassero la vita solitaria di Cesare nella sua isola. Noi tutti, a guisa di oggetti, eravamo cosí destinati a fornire da passatempi per l'imperatore crudele. Eccomi quindi nuovamente in disgrazia, e, seppur vicino, ancora diviso dal mio amatissimo fratellino... La stiva della nave: è una vastissima caverna con Ie pareti circolari, come un enorme dirigibile di legno; angusta e buia. Qui si ammassa una folla spaventosa di giovinetti, seminudi, l'uno sull'altro, piangenti o inebetiti o assurdamente ridenti. I corpi, viscidi per il sudore, Ii fanno somigliare a pesci guizzanti presi in una gigantesca retata. Qualcuno ha ancora Ie catene, ma la maggior parte ne è stata liberata. L'ambiente è pieno di fessure, crepe da cui entra un po'di luce, in raggi polverosi; ma vi sono anche piccoIe finestre quadrate, e finestrelle minuscole , rettangolari, come spioncini da cui si possa guardar dentro dall'esterno. Occhi bistrati di uomini e donne (i padroni e gli ospiti della nave) appaiono agli spioncini, e scrutano la massa dei ragazzi, con espressione avida, o curiosa, o stupita o feroce. Dalle altre fessure o finestrelle, si scorgono rapide immagini della vita esterna della nave. Un marinaio tozzo, barbuto, che stringe fra Ie braccia un gran polipo appena pescato, il quale lo ha avvinto coi tentacoli: il marinaio stringe Ie braccia fino a soffocare il polipo, e intanto gli dà dei morsi per ucciderlo. Un albatro ucciso a colpi di bastone, che si trascina svolazzando, tutto insanguinato. Poi, ogni tanto, si apre un grande sportello, che svela una prospettiva lontana: immagini viste come col canocchiale rovesciato, e che mostrano: Trifena che si sdraia nuda su un pagliericcio, mentre il gigante Ie si avvicina e la stringe avidamente; suI piú bello, con gran fracasso, lo sportellone viene richiuso. Lica, seduto su una specie di trono come Giove; due o tre bambine gli si arrampicano sopra baciandolo furiosamente; Lica spalanca Ie gambe, e anche qui la visione s'interrompe. Una donna altissima, tutta pelosa, che stringe fra Ie braccia una ragazza sedicenne, e la accarezza lascivamente. Un negro gigantesco balla freneticamente insieme a un essere bianchissimo, che non si capisce se sia uomo o donna. Trifena taglia con un colpo netto il collo di una gallina, e ne fa sgocciolare il gangue suI sedere nudo di una ragazza. Un cane feroce, legato a una catena, abbaia furiosamente, avidamente, tentando di aggredire due donne che si abbracciano e si rotolano in terra proprio a pochi centimetri dal suo muso. Passa un corteo di persone in atteggiamenti religiosi, da processione, che portano in trionfo come un idolo una bambina nuda, con un serto di foglie in testa, tenuta in braccio dal gigante. Una grande statua di legno, di un Dio sorridente, dal fallo eretto, su cui Trifena si arrampica, si strofina, mentre altre persone battono Ie mani ritmicamente, cantando un canto monotono. Tre persone (uomini? donne?) disposte a triangolo, tentano di raggiungersi, di congiungersi, mentre su di loro un vecchio con la barba bianca pronuncia solenni parole rituali. Un nano e una donna enorme si battono a colpi di bastone; la donna incalza l'uomo finché escono di campo. Trifena è dentro una tinozza d'acqua bollente, da cui escono fumi di vapori; una donna sorridente porta un gran cesto con dentro due bambini, che rovescia dentro la tinozza. A ognuna di queste visioni rapide, troncate dallo sportello che si chiude, i prigionieri, curiosi, avidi, lanciano grida e risate; protendono Ie braccia. Alcuni si abbracciano, si accarezzano teneramente fra loro. Si consolano per Ie voluttà che intravedono e da cui sono esclusi. Le “rapide immagini della vita esterna della nave” sono state soppresse, ad eccezione del bagno di Trifena nella tinozza. È stata invece aggiunta la scena di Lica che, appassionato com' è della lotta greco-romana, sfida Encolpio e lo sconfigge, ma durante il duello s'innamora di lui. Gitone, malinconico, in disparte, canta una canzone. CANZONE DI GITONE. Encolpio è lontano; striscia lentamente verso di lui, commosso dalla canzone che è struggente, disperata, ma si trova davanti, come ostacoli... ... altri ragazzi che ridono, parlano, canzonano; e Ascilto, che tenta di fermarlo, prendendolo per Ie mani, come un innamorato, e gli sorride tentatore, lascivo, cinico. Ascilto avvicina il suo viso a quello di Encolpio e bisbiglia: ASCILTO: Senti? Lo senti? ParIa di te... Encolpio tende l'orecchio, e sente... LA VOCE DI LICA F.C. che declama dei versi in greco, con una cantilena musicale, quasi una canzone. Encolpio resta pensieroso ad ascoltare. VOCE DI ENCOLPIO (F. C.): Nella distretta della prigionia, mi capitò la triste fortuna di des tare la passione del nostro padrone Lica: it quale, avendomi notato fra mezzo agli altri, s'era incapricciato di me, e aveva pertanto stabilito di eleggermi a suo sposo. Di quest'ultima parte si è conservata solo la canzone di Gitone. Scena n. 33. Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno. 627. Preparativi per Ie nozze di Lica e Encolpio. II ponte è pieno di animazione, di ancelle che accorrano, di ospiti che guardano, commentano, recano doni. 628-629. Circondato da specchi e da ancelle che tengono fra Ie braccia i vestiti da indossare, o che porgono i pettini o gli ornamenti, Lica si sta facendo vestire da sposa. É Trifena in persona che lo sta vestendo. 630. Lica ha un'aria quasi estatica, un'intensità quasi religiosa. Si sente importantissimo, solenne. Anche Trifena è molto seria, dignitosa. 631. Trifena gli dipinge Ie labbra, gli trucca violentemente gli occhi, gli infila un'alta parrucca bionda, tutta a riccioli. Prende un pettine da un'ancella, sistema i riccioli sulla parrucca. 632. Ascilto e Encolpio, appoggiati al parapetto, vicini, guardano con un sorriso amaro. 633. Trifena, sempre compunta, continua a vestire Lica. È la volta del mantello color zafferano, dei sandali della stessa tinta,... 634. ... poi del «flammeum»: un velo violentemente arancione, quasi fiamma, che nasconde la parte superiore del viso. 635. Lica si avvia trasognato, in preda all'estasi. Trifena resta ferma, non partecipa al carteo; lo guarda allontanarsi. Lica si avvia seguito dalle ancelle e da altre donne. Si dirige verso... 636. ... un piccolo gruppo, fermo nel mezzo del ponte, costituito dal celebrante e dai testimoni. 637. Due servi negri, alti e robusti, si dirigono verso Encolpia, e con un inchino, lo invitano a seguirli per entrare nel carteo. Dietro l'apparenza servile del gesto, c'è una specie di contenuta minaccia, come a dire: ubbidisci e non fare storie. 638. Encolpio si avvia al corteo; si volta e fa un sorriso ad Asdlto, il quale scoppia a ridere d'un riso di schemo. 639. Ascilto prende una manciata di noci da un piatto, e una dietro l'altra ne scaglia tre o quattro nella schiena di Encolpio, come fossero sassi. Encolpio non può impedirsi di ridacchiare anche lui. 640. Lica ed Encolpio sono fermi, davanti al celebrante, che è Trifena in abiti da Sacerdotessa. 641-642. Trifena parla con voce forte e chiara: TRIFENA: Ho esaminato i risultati del sacrificio; gli auspici sono favorevoli, gli Dei approvano questo matrimonio. Avvicinati, nuova sposa, e prendi per mano il tuo sposo, e sappi che sempre unita a lui, devota, ubbidiente dovrai essere... E tu, uomo, se, come dicono, hai avuto il gusto per i ragazzi, devi astenertene; è un piacere illecito per un marito; tutto alla tua donna dovrai dedicarti... Siate allegri, felici sempre, e di buon accordo: le nozze sui mare sono predilette da Venere. Dite la formula, ve ne prego. 643. Lica, rapito, assente, felice, guarda Encolpio e mormora: LICA: Ibi tu Gaius, ego Gaia. Una vecchia serva, che aveva assistito dal fondo alla cerimonia, grida: VECCHIA: Feiliciter! (pron.: Felíchiter). 644. Lica si volta sorridendo verso Encolpio e sussurra: LICA: Di tutti i tesori che porto a Cesare, uno, il piú prezioso, non l'avrà. E i due si avviano, tenendosi per mano, con la solennità e la calma dei veri sposi. Anche Encolpio non ha piú voglia di scherzare; è come turbato anche lui dall'incredibile cerimonia. Ascilto lo guarda, torvo, senza piú ridere nemmeno lui. Solo Gitone, in un angola, fa un piccolo riso di schema. Mentre gli sposi si avviano giú sottocoperta, riprende la narrazione di Encolpio. ENCOLPIO (F.C.): Queste nozze da burla m'avevano procurato il favore e l'affrancamento: e non solo per me, ma bensí per Gitone e l'immeritevole Ascilto, i quali ora scorrazzavano liberamente e si davano alle piú sconce mattane. Nave di Lica. Ambienti diversi. Una cabina piuttosto piccola, quadrata, illuminata da un lume che penzola seguendo il moto della nave. Questa cabina è tutta piena di alghe, come certe celIe dei manicomi. Alghe stege suI pavimento a fare da letto, alghe appese, grondanti; festoni di alghe dappertutto. SuI tappeto di alghe, Ascilto è disteso, nudo; ridendo si avvolge dl alghe, si sporca tutto; è viscido di melma verdastra. A questo punto prende per una mano Trifena, che è in piedi e lo guarda con ribrezzo e piacere, e la tira giú, la fa coricare accanto a sé; la ama sporcandola di alghe. Gitone e un giovane marinaio sono seduti accanto, suI ponte; accoccolati davanti a un largo piatto di legno, pieno di pesci cotti in una salsa scura; mangiano insieme nello stesso piatto come cagnolini. Gitone prende un pesce, gli dà un morso, poi lo porge all'altro che lo morde a sua volta, e viceversa. Ogni tanto si danno rapidi baci. Altro ambiente: un vecchio con un olio speciale sta ungendo lentamente tutto il corpo di Gitone, il quale intanto accarezza la testa del vecchio come fosse un cane. Poi un uomo alto e robusto prende fra Ie braccia Gitone, lo solleva come la statua d'un santo, e lo porta via, con l'aria solenne, fissa, ieratica d'un sacerdote. Lo conduce a... ... una bambina, vestita con grande sfarzo, scintillante di gemme, la quale lo aspetta, con aria cattiva, occhi crudeli. Ha in mano una lunga spilla d'oro. Sono stati soppressi: la ripresa della narrazione di Encolpio e gli «ambienti diversi» della nave di Lica, sostituiti dalla scena di Lica che canta per Encolpio e da quella della pesca della balena. Intanto: ENCOLPIO (F.C.): Ma il nostro periodo di fortuna finí ben presto; si approssimava infatti quel giorno fatale delle calende di giugno. Scena n. 32. Mare aperto con nave di Cesare e barcone assalitori. Esterno. Giorno. 603. Mattina presto suI mare, che scintilla, chiarissimo. Come una visione irreale, una navicella tutta dorata, ornata, preziosa, scivola sulle acque. 604. È la nave di Cesare; vi è a bordo infatti l'imperatore, che è giovanissimo, e con qualcosa di malato, di malsano addosso... 605. ... È albino, ha i capelli bianchi cortissimi; gli occhi rossi semichiusi fra Ie palpebre ogni tanto si accendono, poi si rispengono. Sdraiato sotto una specie di baldacchino, guarda davanti a sé, immobile... 606. ... La navicella passa attraverso altissimi archi di rocce, sfiora grandi faraglioni. 607. Presso l'imperatore, un po' chino, come se lo stesse confessando, siede un vecchio precettore, dall'aria austera, ma un po' ottusa. Sta leggendo (non troppo ad alta voce) un brano di Tacito: PRECETTORE: “Roma da principio ebbe ire: da Lucio Bruto la libertà e il consolato. Le dittature erano a tempo. La potestà dei Dieci non resse oltre due anni. Non Cinna, non Silla signoreggiò lungamente...”. 608. II precettore si ferma un momento; è stanco, e guarda il mare. Ha l'asma... 609. ... I rematori conducono il vascello remando adagio, regolarmente, a testa bassa, non avendo il coraggio di alzare lo sguardo su Cesare. 610. II precettore riprende: PRECETTORE: “La potenza di Pompeo e di Crasso tosto in Cesare, e l'armi di Lepido e d'Antonio caddero in Augusto: il quale trovato ognuno stracco per Ie discordie civili...”. Da dietro un faraglione, avanza un'ombra;... Sono state soppresse Ie battute del precettore. 611. ... è l'ombra di una grande barca, di tipo militare, scura e di tavole spesse. Dietro l'ombra , segue la barca, sulla quare sono ritti come soldatini di piombo molti soldati, di pelle un po' scura, tutti fermi, impalati, seri. 612. Cesare non guarda nemmeno il barcone, che ritiene una nave di scorta. II precettore si è fermato di nuovo, e si asciuga il sudore, come esausto. 613. II barcone si avvicina lento alIa navicella dell'imperatore. Quando è abbastanza vicino, un ufficiale, piccolo e feroce come una belva,... 614, ... salta nella navicella urlando: UFFICIALE: Vae tyrannis! 615-617. Altri soldati lo imitano, invadono la navicella come pirati, e massacrano i rematori, il precettore e gli altri. 618-624. Cesare, squittendo, strillando, si difende con una spada elegante e sottile; ma finisce in acqua. Emerge di nuovo, e i congiurati lo ammazzano a colpi di remo, Ie acque si tingono di rosso. Cesare affonda. 625. I congiurati sono rimasti padroni della situazione; ed hanno l'aria soddisfatta, ma incerta, smarrita. Sembra che adesso che hanno ammazzato l'imperatore, non sappiano piú che fare... 626. ... Il barcone sbanda. Nave di Lica. Totda. Esterno. Giorno. Rapidi, arrampicandosi agilmente a bordo, e lanciando grida di minaccia, una ventina di soldati balzano suI ponte (gli stessi congiurati che hanno ammazzato Cesare), e ora camminano con Ie armi in mano verso i passeggeri. 645. L'ufficiale si trova accanto Gitone: lo guarda un attimo, lo prende per un braccio, e lo consegna ai soldati: UFFICIALE: Questo viene con noi. 646. Lica, in vesti maschili, accorre e lancia un grido rabbioso: LICA: Ma che succede? UFFICIALE: Questa nave non è piú tua, Lica! Cesare è morto: il nuovo Cesare è in arrivo. Il tuo imperatore l'abbiamo affogato come un maiale. 647-649. Lica ha una reazione immediata: toglie la spada a un suo vicino, e si scaglia contra l'ufficiale tentando di colpirlo. Ma l'ufficiale eon un rapido colpo di spada gli mozza la testa.. 650. Il corpo di Lica, senza testa, resta per un attimo ancora dritto. 651-652. La testa di Lica affonda nel mare, con un'espressione di ineredulità, di dolore suI volta. Alla Morte di Lica it film fa seguire il carteo del nuovo lmperatore (scena 43). LA VILLA DEI SUICIDl Scena n. 34. Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Giorno. 653. Un ampio giardino di alti pini e di cipressi circonda una bella villa dalle linee pure, classiche. L'ambiente è ricco e curato, ma qua e là ci sono macchie di siepi scure, selvagge; un albero è spaccato, squarciato dal fulmine. 654. Dalla bocca d'un fauno di pietra, enorme, scende in una vasca un filo d'acqua, sgocciolante, scarso, accompagnato da un gorgoglio roco. 655 In un angola del giardino, alcuni bambini giocano, sorvegliati dalle nutrici e da vecchi servi. 656. Un maschietto sui dodici anni, dall'aria triste e pensierosa, fa carrere un cerchio d'argento a cui sono legati dei campanellini, che fanno un dindolio leggero nella corsa. 657. Una bambina sui quattro anni, tutta infiocchettata, con una gran fronte pesante, gioca con un carrettino di rame a cui è aggiogato un cagnolino bianco. Anche la bambina ha una espressione seria e come assente. 658. Un altro bambino, di circa nove anni, lancia un aquilone a forma di uccello, molto colorato. È un maschietto dall'aspetto vivace, ma è come spaventato, nervoso; si morde Ie labbra e guizza interno rapide occhiate. 659. Un carro è fermo suI retro della villa: un gran carro coperto da un tendone. Alcuni schiavi, scambiandosi poche frasi veloci, lo stanno caricando di casse, cestoni e piccoli mobili preziosi. 660. Accanto, un altro cocchio è fermo; una specie di calessino per i viaggiatori, con due cavalli riccamente bardati. 661. Fra i rami degli alberi, cantano gli uccelli. Tra i cespugli e i fiori, passeggiano solennemente alcuni pavoni. 662. Sulla facciata della villa c'è una meridiana, con scritto sopra il motto SICUT UMBRA DIES NOSTRI. Scena n. 35. Villa dei suicidi. Grande sala. Interno. Giorno. 663. Una grande e bella sala della villa, solenne come una chiesa. SuI fondo c'è un'ara per gli dèi familiari, davanti alla quale il padrone e la padrona della villa stanno officiando un semplice rito. 664. Lui è un uomo sui trentacinque anni; un ex ufficiale dal volto nobile e vivo; ha una piccola barba a punta. Lei è una donna dolce e sottomessa. 665. La sala è piena di schiavi e servi, di varie età e razze, che stanno in piedi, silenziosi, come se assistessero alla messa. Hanno tutti la stessa espressione seria e triste. 666. Lui sparge sale e farro sull'altare; terminato il rito si rivolge agli schiavi, e parla con voce forte, quasi allegra: IL PADRONE DELLA VILLA: Vi sciolgo dai vincoli; siete liberi. Domani arriverà il biglietto di confisca. II padrone fa un piccolo sorriso e conclude: Ma noi non ci saremo. 667. Prende per mano la moglie e si avvia fuori del salone. Scena n. 36. Villa dei suicidi. Camera dei bambini. Interno. Giorno. 668. La camera dei bambini è molto vasta, e piuttosto squallida, a causa dei pochissimi mobili che ci sono. Qua e là sono sparsi dei giocattoli: alcune bambole d'argilla, con Ie membra articolate; dei cavalli di terracotta, ecc. 669. II padrone della villa e la moglie salutano i loro tre figli (quelli che abbiamo vista giocare prima in giardino). Il padre Ii tocca: tocca i bambini sulla testa, suIle braccia, suIle spalle, come per trattenere il ricordo nelle dita. 670. II bambino di nove anni abbraccia strettamente la madre; è il piú sensibile e turbato. Scena n. 37. Villa dei suicidi. Bosco. Esterno. Giorno. 671. I carri, carichi di cestoni e casse, attraversano il bosco che circonda la villa, e si allontanano... 672. ... Anche gli schiavi partono, chi a piedi, chi a cavallo. Ma non sarà un'immagine di esodo, di fuga: saranno brevi scene spezzate, che tolgano ogni grandiosità. 673. Un tendone di carro che sbandiera nel vento... 674. Un cane che abbaia rabbioso al passaggio dei cavalli... 675. La bambina nel calesse che mangia una piccola focaccia... 676. Uno schiavo che trascina un asino riluttante... 677. Le ruote di legno, a raggi scolpiti, che girano lentamente... SU QUESTO, FUORI CAMPO, UNA VOCE FEMMINILE - la voce della padrona di casa recita, con lieve cantilena: VOCE FEMMINILE (F.C.): Animula vagula blandula, hostes comesque corporis... Scena n. 38. Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Giorno. 678. Fuori della villa, nel giardino, sotto gli alberi, il padrone è sdraiato su un divano di marmo, coperto da cuscini. Accanto a lui, quasi inginocchiata, rannicchiata, la moglie sta leggendo su una tavoletta la poesia di Adriano che abbiamo udito FUORI CAMPO. La lettura della poesia di Adriano è stata posticipata; avverrà dopa la morte del marito (695). 679. L'uomo ride fra sé. Ha in mano un pugnaletto d'argento; con gesto deciso, quasi soddisfatto,... 680. ... affonda la lama nelle vene di un polso... 681. ... II gangue sgorga. 682. La donna ha smesso di leggere la poesia, e china la testa. 683. L'uomo ha reciso Ie vene anche dell'altro polso. II sorriso arguto gli è rimasto suI volto come una cosa dimenticata. 684. La donna è sempre immobile, a testa china. 685. L'uomo gira intorno lentamente lo sguardo; guarda gli alberi, pieni di uccelli cinguettanti (fra i rami è rimasto impigliato l'aquilone del bambino), poi guarda la moglie, con tenerezza contenuta; la fissa a lungo. IL PADRONE DELLA VILLA: Sei pallida, stanca. Dammi quel vino... Bevi anche tu. 686. La donna porge all'uomo una tazza di vine; un'altra la tiene per sé, vi accosta Ie labbra, ma non beve. L'uomo invece beve d'un fiato, come se fosse una medicina; poi fissa la donna con serietà, con intenzione, e Ie dice a bassa voce: IL PADRONE DELLA VILLA: Non farlo. So che lo farai lo stesso, ma ti prego; non farlo. 687. II sole scende; di colpo il giardino si empie d'ombra, e gli uccelli tacciono. 688. L'uomo guarda il cielo, poi dice: IL PADRONE DELLA VILLA: Le stagioni non sono piú quelle di una volta. 689. Una pausa. Nel giardino camminano tranquilli alcuni pavoni. 690. La donna è nella solita posizione, curva, a capo basso. L'uomo parla: IL PADRONE DELLA VILLA: In Africa ho visto delle montagne bianche di neve in mezzo al deserto. Una volta è entrato un leone nell'accampamento. Fiutò come un cane, poi se ne andò. L'uomo fa una breve risata. Tiene Ie braccia scostate dal corpo;... 691. ... il sangue continua a scorrere, bagna la terra. 692. IL PADRONE DELLA VILLA: Rompila. L'uomo indica una enorme clessidra posta su una colonnina. .. 693-694. ... La donna spinge giú con un certo sforzo la clessidra: che cade in terra, e si spacca con fragore, spargendo la sabbia. 695. L'uomo sorride ancora, ma è un sorriso stanco. Respira forte per rianimarsi. L'aria si fa sempre piú buia. Dopo la morte del marito, la moglie dice i versi di Adriano: «Animula vagula blandula, hostes comesque corporis... ». Scena n. 39. Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Notte. 696. La notte è rischiarata da una luna grande e bianchissima. Nel bosco che circonda la villa,... 697. ... avanzano due ombre, leggere, veloci, quasi saltellanti. 698. Encolpio e Ascilto camminano fra gli alberi, guardandosi attorno, con occhiate curiose e rapaci. Ascilto ha un grosso bastone a cui si appoggia, Encolpio porta un sacco suIle spalle. Sono sudati e stanchi. 699. Encolpio all'improvviso sobbalza per la paura: si è trovato davanti una lastra di marmo, incastrata in un muro di cinta, dove c'è il disegno di un cane nero ringhiante e la scritta CAVE CANEM. 700. Ascilto ride a gola spiegata della paura dell'amico, e grida: ASCILTO: Un cane dipinto! Poi smette di ridere, appoggia la mano suI braccio di Encolpio e gli dice seriamente: Encolpio, non temere le ombre. 701. E spicca una corsa allegra verso l'interno della villa. 702. Encolpio lo segue. Sono state sappresse le inquadrature 699, 700, 701 e inizio 702. Ma Ascilto si è fermato inorridito. Ha visto nel giardino... 703. ... il padrone della villa, suI divano, morto. E ai suoi piedi, sdraiata in terra, in atteggiamento contorto, quasi ridicolo, c'è la moglie, morta anch'essa; si è tagliata la gola con il pugnaletto d'argento. 704. II volto di Ascilto si contrae in una smorfia di paura piagnucolosa; si volta verso Encolpio, che l'ha raggiunto, e gli si rifugia fra Ie braccia, come un bambino spaventato 705. Encolpio stringe Ascilto fra Ie braccia, per incoraggiarlo e per darsi coraggio. 706. Timorosi, lentamente, i due si dirigono verso l'interno della villa; si guardano interno, varcano la soglia sempre abbracciati. Scena n. 40. Villa dei suicidi. Atrio. Interna. Notte. 707. Nell'atrio della villa ci sono alcune decine di maschere mortuarie degli antenati dei padroni. Le piú importanti sono state applicate a dei busti di marmo o di bronzo; altre hanno conservato intatto l'aspetto di volti funebri e sono appese ai muri. 708. Encolpio e Ascilto Ie guardano, e sorridono alla vista di tutte quelle maschere macabre, dagli occhi chiusi; sono stranamente divertiti. ENCOLPIO: Gli antenati dei padroni... Ercole, quanti guardiani! Ascilto avvicina la faccia aIle maschere , e fa il buffone: ne imita Ie espressioni... 709. ... Imita il cipiglio di un militare, o la stanchezza estenuata d‟uma matrona. 710. Encolpio ride fino aIle lacrime. 711-712. Ascilto smette Ie smorfie; stacca una maschera dal muro, se la mette davanti alIa faccia come se fosse una maschera teatrale, e comincia a recitare dei versi greci, di Eschilo o di Sofocle. ASCILTO: (RECITA IN GRECO). 713. Encolpio ha smesso di ridere; smette anche di badare ad Ascilto, e si aggira per la villa, con un lume acceso in mano. 714-716. La luce della lampada di Encolpio, insieme a quella della luna che entra dalle finestre, rischiara qua e là Ie vastissime stanze vuote. 717-719. Fa intravedere una statua, un altare, un tavolo, delle armi, Ie eleganti figure di un affresco. 720-721. Ascilto ed Encolpio, ciascuno con un lume in mano, percorrono gli stanzoni, camminando in varie direzioni. Ogni tanto si scambiano qualche richiamo o qualche informazione. 722. Ascilto scopre nella cucina (glielo fa apparire la luce della sua lampada) un mezzo vitello sotto sale. Ascilto raspa via con la mano lo strato di sale grosso, affamato; Encolpio gli è subito vicino con un coltello in mano, e i due tagliano grosse fette di quel vitello:... 723. ... la carne ha l'aspetto del prosciutto. Se la ficcano in bocca avidamente, mugolando per la soddisfazione... 724. ... Ingollano anche qualche tazza di vino. All'improvviso smettono di masticare. Hanno sentito una voce lontana. Come un singhiozzo prolungato, un lamento... 725. ... I due restano immobili, tesi, spaventati. Per la paura, ad Ascilto scappa una scorreggia. 726. Subito dopo scoppiano a ridere; Encolpio insulta Ascilto: ENCOLPIO: Finocchiaccio! Otre spaccato! Encolpio ridiventa serio, e si avvia col lume in mano mormorando: Giú... Nel dormitorio degli schiavi... Sono state soppresse la seconda parte della 725 e la 726. 727. Si avviano nella direzione dei lamenti, che ogni tanto si sentono di nuovo. Scena n. 4I. Villa dei suicidi. Dormitorio sotterraneo. Interno. Notte. 728. Un lungo corridoio, umido, sotterraneo, sul quale si aprono molte stanzette, quasi delle celIe. Ogni stanzetta ha invece della porta un cancelletto di legno. I cancelletti sono tutti aperti. Sembra una stalla da cui sia fuggito il bestiame. 729. Encolpio e Ascilto avanzano nel corridoio, e si fermano davanti a una delle stanzette. 730. Nella stanzetta, senza finestre, arredata con qualche pagliericcio, c'è una ragazza giovanissima; una schiavetta orientale, vestita d'una modestissima tunica. Sta piagnucolando e lamentandosi. Ma appena vede i due giovani,... 731. ... si alza e viene verso di loro senza timore. Con strani gesti, che vogliono accennare a chissa che cosa, e indicare chissà dove, la schiavetta comincia un discorso in una lingua orientale, naturalmente incomprensibile. 732. Encolpio e Ascilto non l'ascoltano, ma la esaminano. Ascilto soprattutto la guarda come se fosse un oggetto, una bestia. Per meglio esaminarla, Ie strappa di dosso la tunica... 733. ... La ragazza scappa via seminuda, come un gatto. I due la inseguono di corsa. Scena n. 42. Villa dei suicidi. Interno. Notte. 734. Negli stanzoni della villa, comincia un inseguimento dei due che tentano di afferrare la schiavetta. È un lungo andirivieni incalzante, un vasto itinerario illuminato malamente da alcune lampade poste qua e là. 735-737. Si sente lo scalpiccio dei piedi in corsa, l'ansimare, e ogni tanto, piccoli scoppi di risa della schiavetta. 738. Alla fine, Encolpio si trova fra Ie braccia la ragazza, e subito la stringe violentemente. Ascilto lancia un grido di gioia. 739. Encolpio serra stretta la schiavetta, che implora e supplica nella sua lingua orientale, ma lui comincia a baciarla dolcemente, lungamente, con tenerezza... 740. ... Scivolano a terra abbracciati; la ragazza non si difende piú. 741-742. II volto della schiavetta si è fatto piú grave, affettuoso, dolce. Uno dei due giovani Ie giace tranquillo fra Ie braccia; l'altro la bacia, l'accarezza. 743-745. L'amore fra i tre continua, ora suI pavimento, ora fra i cuscini, sui divani; sono abbracci furiosi, languori lenti, risate. 746-749. Ogni tanto uno dei due amici si assenta. Ascilto a un certo punto scompare, poi ritorma tutto bardato di corazze e armi del padrone di casa, e buffonescamente si scaglia contro Encolpio, prendendolo a piattonate con la spada. 750-751. Poi scompare la schiavetta, mentre i due giacciono esausti, soddisfatti; e rientra portando dei piatti e delle bevande; apparecchia graziosamente un angola della tavola. 752. I due siedono a tavola e mangiano famelicamente,... 753. ... mentre la ragazza Ii guarda sorridendo, in piedi, sottomessa e docile. 754. Poi riprende l'orgia dei tIe, in quella grande villa deserta, lussuosa e silenziosa... 755. ... Rotolano avviluppati... 756. ... Alla fine, Encolpio e Ascilto si addormentano, stanchi. 757. La schiavetta Ii guarda dormire. E, con un filo di voce quasi infantile, struggente, comincia a cantare un canto della sua terra, appassionato e triste... 758. ... I due dormono. La schiavetta canta, pensierosa, assorta, quasi con Ie lacrime agli occhi. 759. Ora dormono tutti e tre. II silenzio é assoluto. Cominciano a baluginare dei riverberi rossastri, saltellanti, come lingue di fuoco. E si sente anche il crepitio di qualcosa che brucia. Qualche frase lontana, detta con tono militaresco: degli ordini. Una breve risata nervosa... Altri ordini secchi. 760. Encolpio si sveglia. Guarda, tende l'orecchio. Si alza. 761. Si dirige verso una piccola finestra quadrata, e guarda fuori. 762. Fuori, c'è un grande rogo, una pira accesa per bruciare il cadavere del padrone della villa... 763. ... La sua sagoma nera si distingue in mezzo aIle fiamme. Intorno al rogo, ombre di soldati che si muovono lente, si scambiano frasi brevi. 764. Encolpio guarda incantato, affascinato. Sta spuntando l'alba. 765-766. II rogo avvampa veloce, crepitante. I soldati sono fermi, immobili intorno al rogo, che scaglia fiamme, scintille, fumo verso il cielo. Scena n. 43. Corteo del nuovo imperatore. Strada di Montagna. Esterno. Giorno. La scena n. 43 è stata anticipata alla fine della scena 33 (nozze e morte di Lica). 767. Su una strada di terra battuta, fra i monti e il mare, passa l'esercito del nuovo Cesare, diretto verso Roma. 768-769. È un incredibile corteo, quasi una parata di circo equestre. In testa a tutti, su un cavallo bianco, c'è l'Imperatore: un generale sulla cinquantina, duro, tagliente, il cui volto aguzzo si distingue appena sotto l'elmo. 770. Dietro di lui, serrati come per proteggerlo, ci sono gli ufficiali piú fedeli, i veterani. Gli somigliano, anche, nella durezza dei profili e nell'atteggiamento. 771. Poi seguono, in gruppo tumultuoso, chi a cavallo, chi a piedi, chi sdraiato sui carri, i vecchi combattenti, i fedeli soldati, con Ie corazze di cuoio vecchie e lacere, gli elmi ammaccati o assenti: molti sono feriti, alcuni ciechi, altri zoppi, o monchi... 772. ... Cantano tutti insieme un coro stonato, e poco rispettoso per l'imperatore, a giudicare dalle risate di scherno. Su tre carri in fila, è appoggiato un obelisco egiziano intero, ancora polveroso di sabbia rossastra. 773. E alcuni elefanti, umiliati, pesanti, magri, con Ie orecchie che sembrano stracci, guidati e pungolati da alcuni africani agili e saltellanti. 774. Poi altri soldati, fra i quali certuni suonano trombe e buccine, emettono altissime note strazianti, stonate. 775. Su alcuni carri ci sono i cadaveri dei generali morti in battaglia... 776. ... ancora vestiti con Ie armature, stecchiti, mummificati, coperti di mosche e vermi. 777. Coppie di bufali trascinano enormi gabbie di legno, nelle quali si aggirano pantere e leoni, inquieti, ruggenti. 778. In altre gabbie, simili a queste, ci sana delle schiave ammucchiate, spaventate, coperte da vesti rozze multicolori. 779. ... I soldati che marciano al loro fianco, Ie stuzzicano e Ie tormentano con Ie lance, come bestie. 780. Poi molti schiavi incatenati, a piedi, taciturni oppure allegri, che scherzano coi soldati e scambiano insulti vivaci. 781. Carri e carrettoni carichi di statue di Dei egizi, con teste di cani o di ibis, e di vasellame prezioso, di tappeti. 782. Un carro lungo, suI quale ci sono dei vasi con alberelli africani, per essere trapiantati: banani, palme, ananas. 783. Una fila di pigmei, tutti incatenati, torvi, brutti... 784. ... Una giraffa, altissima, legnosa, condotta da un ragazzo. 785-786. AlIa fine, bestiame vario: capre, maiali, pecore nere. E poi altri soldati a cavallo, e anche qualche signora in un cocchio. 787-789. Tutto questo corteo passa sollevando un gran polverone, e si allontana, scompare; Ie grida, i canti, i suoni si DISSOLVONO. Il paesaggio torna silenzioso, deserto. L'ERMAFRODITO Scena n. 44. Radura net bosco. Carro delta ninfomane. Esterno. Giorno. Anziché in una radura nel bosco, la scena e stata ambientata in una zona desertica. 790. Una radura in un bosco molto selvatico, che sale sull'erta d'una montagna. ENTRA IN CAMPO un carteo composto d'un carro chiuso come quelli degli zingari, a forma di piccola casa col tetto spiovente, e di alcuni schiavi a cavallo o a dorsa di mulo. 791. II carteo si ferma di botto, come per un ordine prestabilito;... 792-793. ... e subito vengono drizzate alcune semplici tende, per la sosta. 794. Dall'interno del carro vengono delle urla isteriche di donna; agghiaccianti. Un uomo sulla quarantina, calvo, con una barba nera un po' in disordine, smonta dal cavallo, ed entra rapidamente nel carro, con un'espressione dolente. Ma Ie urla continuano lo stesso. 795-797. Uno schiavo anziano, dall'aspetto del contadino, con lineamenti grossolani e manone robuste, viene avanti sogghignando un po', e parla a qualcuno che non vediamo. ParIa con accento meridionale, ma con inflessione chiaramente da « checca »; anche Ie sue movenze sono da pederasta, un po' comiche dato il suo fisico rude. ANZIANO: Che maledizione, che maledizione! So’ sei mesi che quella sta cosí, Dio ci liberi! Un maschio all'ora, vuole: un maschio all'ora; piú affamata d'una gallina, povera padrona mia! Quello, il padrone mia, è disperato; e che può fa'? Gli è rimasto un filo, del bastone che teneva; teneva un bastone, gli è rimasto um filo di lana! Maschi, ci vogliono: sempre nuovi: e mica si soddisfa, sai? È una maledizione, è un Dio maligno che le ha fatto dispetto. Sentila come strilla, è una lupa incalorita. Chiama il maschio, la senti? È malata: vuole un maschio forte, bellino e ben fornito: fatti un po' vede'... Anziché con accento meridionale, l'anziano dall'aspetto contadino sarà fatto parlare addirittura in algerino; e il suo racconto verrà tradotto ad Encolpio ed Ascilto da una ragazza. 798. Lo schiavo anziano sta parlando con Ascilto e Encolpio, che ascoltano divertiti, appoggiati ai tronchi degli alberi. Ascilto ha rubato nella villa qualche vestito e un parte dell'armatura del padrone morto, ed ora è stranamente vestito un po' da borghese un po' da militare. Anche Encolpio ha una nuova mantellina rossa. La schiavo anziano si avvicina ad Ascilto e gli solleva la tunica... 799. ... dà un'occhiata aIle sue parti basse. E fa una smorfia di ammirazione e di desiderio controllato. ANZIANO: Sí, sei bem fornito: puoi andare. Vai, caro, falla Felice La padrona mia, che poi lui ti regala, è generoso. Non ave paura, mica ti manglia... 800. Lo schiavo fa una carezza sulla guancia di Ascilto, e lo accompagna al carro; Ascilto ci va, sogghignando incuriosito, disponibile. 801. ... Poi l'anziano si rivolge ad Encolpio: ANZIANO: Vedrai che l'amico tuo sarà contento: un bel regalo ci farà il padrone: se vuoi ci puoi andare anche tu, dopo... Pure tu sei bellino, sai... Come ti chiami, caro? Di dove vieni? Scena n. 45. Carro ninfomane. Interno. Giorno. 802. Nel carro, addobbato come una piccola casa viaggiante, c'è un letto suI quale è stesa una donna giovane, legata per i polsi e per Ie caviglie con cinghie di cuoio... 803. ... Si contorce istericamente, sbava; lancia ogni tanto degli strilli paurosi. Solleva a fatica Ia testa e guarda AsciIto... 804. ... che è entrato e la fissa curioso. 805. Il marito (I'uomo con Ia barba nera) dà una rapida occhiata a AsciIto, e mentre si accinge a sciogliere i legami della donna, gli domanda a bassa voce: MARITO: Sei sano? Ascilto fa cenno di sí. L'uomo, liberata Ia donna, esce rapidamente. La 805 è stata semplificata: il marito si limita a dare una rapida occhiata ad Ascilto e a sciogliere i legami della donna; dopodiché esce di scena. 806. La donna, non piú legata, resta immobile, ha smesso di contorcersi, e piange;... 807. ... dagli occhi Ie escono lacrime abbondanti. Intanto mormora con voce rotta e dolorante: DONNA: Ancora... Che tormento... Come sempre, ancora... Che dolore, che dolore! Ancora... Fammi morire... Ascilto ride, e risponde: ASCILTO: Tu mi farai morire, bellissima. 808. Poi Ascilto fa per gettarsi sulla donna; ma reprime lo slancio, e si inginocchia presso i suoi piedi. Come un cagnolino, comincia a leccarle dolcemente i piedi, poi Ie caviglie, Ie gambe. 809. La donna seguita a piangere in silenzio, straziata; si copre la faccia con il braccio, per la vergogna e il dolore. Scena n. 46. Radura nel bosco. Carro ninfomane. Esterno. Giorno. 810. II marito, uscito dal carro, si è seduto in terra; lo vediamo di spalle. Lo schiavo anziano si volta a guardado, poi sospira, e si rimette a parlare con Encolpio. 811. Encolpio, accovacciato per terra, sta mangiando alcune ghiande arrostite sui carboni. Mangiando, lancia occhiate allo schiavo, ascoltandolo. 812. L'anziano ha preso un'aria compunta, di circostanza, e parla a voce piú bassa, come confidando dei segreti. ANZIANO: Mah, speriamo nell'oracolo. Si dice un gran bene di questo ermafrodito. Una manfrodita, sí: una bambina che tiene un grilletto cosi... 813. Indica la metà di un dito. ... come il pisellino d'una creatura. Dice che fa tante magie! Guarisce la gente impestata, ti dice l' avvenire meglio di Apollo. Sta su, nel tempio vecchio di Cerere. Una volta, una città che gli aveva fatto offesa, l'ha trasformata in pollaio. Tutti quanti a starnazzare cosí, come galline... 814. Agita Ie braccia imitando i polli. Cococò, cococò... Ride moderatamente. Te l'immagini la scena... Speriamo bene, che ti devo dire? Si volge verso il carro, ascoltando... 815. ... Poi sospira. Non si sente niente. Meno male. Si vede che va tutto bene. Il padrone mio è generoso, all'amico tuo vedrai che gli regala! Se vuoi andare anche tu... Scena n. 47. Tempio vecchio di Cerere. Inferno. Giorno. 816-818. Un grande tempio abbandonato, cadente, che sorge in mezzo alla foresta, in cima alla montagna. Gli alberi hanno allungato Ie radici e i rami fin dentro il tempio, che è tutto coperto di edera, d'ortica, di erbacce. Qua e là il soffitto ha ceduto. II pavimento si è avvallato, e vi stagnano larghe pozze d'acqua. Ma si scorgono ancora frammenti di mosaici, e una testa di statua è in terra dove è rotolata. 819. Nell'angolo piú riposto del tempio, giace l'Ermafrodito. È un giovinetto, quasi un bambino; e sta dormendo, bocconi, un sonno agitato da frequenti sussulti. 820. Accanto, c'è un vecchio contadino dall'aria dura, tacituma,... 821. ... che sembra sorvegliarlo. Intorno, fra Ie colonne e il fogliame, si affacciano i volti dei devoti, dei curiosi. 822. L'Ermafrodito si sveglia, e si rigira suI dorso. È um esserino gracile, tremante, con un'espressione di sofferenza suI viso grinzoso. Ha gli occhi di una chiarezza quasi mostruosa, sembrano bianchi come quelli delle statue. Geme lievemente, come un cucciolo. 823. II vecchio contadino gli accarezza la fronte sudata. Poi intinge una spugna in una secchia d'acqua, e bagna pian piano tutto il corpicino dell'Ermafrodito. 824. Fra i presenti c'è un moto di curiosità. 825. II vecchio accosta la faccia a quella dell'Errnafrodito, e sembra ascoltare e interpretare i gemiti e Ie mosse inconsulte del mostriciattolo. II vecchio si rivolge a un contadino: VECCHIO: Ha detto grandine. 826. II contadino non è bell certo che il vecchio abbia parlato a lui: CONTADINO: Grandine per me? VECCHIO: Grandine per te. 827-828. Il vecchio bagna ancora leggermente il corpo dell'Ermafrodito. Poi si alza in piedi, lo prende in braccio e lo solleva in alto, come fosse una reliquia, per mostrare a tutti il suo sesso aberrante. 829. Alza la tunichetta, e fa vedere il sesso del giovinetto. 830. Fra i presenti, ci sono Encolpio, Ascilto e un omaccione che è in loro compagnia. Anche loro guardano stupiti. 831. L'omone è una specie di bandito, di predone, di disertore; ha una faccia irsuta e feroce, ed è vestito in modo stravagante, con stracci ed elementi militareschi. Accenna verso l'Ermafrodito, e parla con accento meridionale: PREDONE: Avete visto? I due giovani accennano di sí, distratti. Il predone continua: Il figlio degli Dei; di Mercurio e di Venere. E chillo se la gode. 832. Il predone accenna al vecchio, che ha rimesso giu l'Ermafrodito. Poi, con un sorriso furbo, accenna a un angolo del tempio, dove i devoti vanno a deporre doni per il semidio. Pollame, vaccina, porci. Avete capito? Il figlio degli Dei. E chillo se la gode. Il sorriso del predone diventa piú feroce: Mò je la famo vede 'm bo' noi, je la famo vede... 833. Davanti all 'Ermafrodito , c'è una giovane donna inginocchiata, piangente, ansante. Parla come se pregasse, con enorme passione e dolore: GIOVANE DONNA: Ti prego, semidio: m'è rimasto lui solo, non me lo fare morire... Sta male, soffre, è tutto gonfio, povero rospicino mio... Non te l'ho potuto portare, ma tu me lo salverai lo stesso, è vero?.. Fa' un gesto, dimmi di sí... 834. L'Ermafrodito non ascolta, non vede; come sempre trema e si agita. Ma il vecchio, accanto a lui, fa un gesto solenne con la testa, e dice: VECCHIO: Tuo figlio è salvo. Vai pure. 835. La giovane donna vorrebbe baciare l'Ermafrodito, ma il vecchio la respinge. La donna se ne va piangente, felice mormorando: GIOVANE DONNA: Grazie, semidio... grazie... 836. Intanto si avvicina, portato a braccia, un malato con una gamba tutta fasciata, e un'espressione di sofferenza estrema... 837. ... Il vecchio intride la spugna e bagna il volto del mostriciattolo. La scena è stata arricchita di altre figure di malati e di infelici, tra cui “lo sfortunato eroe della battaglia di Quadragesimo” un uomo monco delle braccia e delle gambe, che viene trasportato con una specie di carriola. Scena n. 48. Tempio vecchio di Cerere. Interno. Notte. 838. Qua e là., masse scure di dormienti, e bagliori di focherelli che si stanno spegnendo. 839. Nel suo angolo, l'Ermafrodito dorme avvolto in panni di lalla bianca; accanto, dorme anche il suo sorvegliante, il vecchio... 840. ... Ombre furtive scivolano verso i due. 841. Il predone si avvicina cauto al vecchio, e alza la spada per trafiggerlo... 842. ... Proprio in quell'attimo il vecchio si sveglia, come per una misteriosa intuizione,... 843. ... vede la spada su di sé, e lancia un breve urlo roco di spavento: VECCHIO: Oh! 844. Il predone trafigge il vecchio, che muore... 845. ... Ascilto, che è accanto al predone, nell'attimo in cui questo pianta la spada, ha un breve riso nervoso di eccitazione, di piacere. 846. Encolpio raccoglie fra Ie braccia, delicatamente, l'Ermafrodito, e i tre dispaiono. Scena n. 49. Carretto predone. Zona desertica. Esterno. Giorno. 847. Un carrettaccio trascinato da un mulo percorre velocemente e fragorosamente dei sentieri di montagna, pieni di sassi. 848. Il predone tiene Ie redini, e frusta a tutta forza il mulo, aizzandolo con urla selvagge. Dentro il carretto, Encolpio, rannicchiato, tiene in grembo la testa dell'Ermafrodito, che è tutto sballottolato dalla corsa, e sembra stupito, sgomento. 849. Ascilto, benché anche lui sbatacchiato dagli scossoni del carro, dorme tranquillamente, a bocca aperta. 850. Nel carro ci sono anche degli oggetti, che rotolano su e giú: qualche pagnotta, orcioli, un sacchetto. 851. Ora il carretto si inerpica su una strada piú ripida; il predone è sceso e tira il mulo per la cavezza, incitandolo;... 852. ... Encolpio e Ascilto spingono il carro da dietro; talvolta appoggiano il piede sui raggi delle ruote per fargli superare gli ostacoli. 853. Nel carretto, l'Ermafrodito, su un po' di paglia, soffre per Ie scosse, ed è sempre piú sgomento, spaventato, dolorante... 854. ... Ha la faccia tutta bagnata per il sudore e forse per Ie lacrime. 855. Ora il carretto è fermo. Si sono fermati in uno spiazzo pietroso, arido, senza un albero a vista d'occhio; solo cespugli bruciati dal sole. 856. L'omaccione è un po' lantano dal carretto, scruta l'orizzonte, e dice: PREDONE: La città sta qua sotto. Poi si mette a cantare, col suo vocione, un canto dialettale, convulso, pieno di gioia selvaggia. Si interrompe e dice: Figlio di Mercurio e di Venere: di Venere e di Mercurio. Encolpio, che sta presso l'Ermafrodito, suI carretto, e lo accarezza leggermente, dice: ENCOLPIO: Sta male. Ha la bocca aperta, tutta secca. 857. II predone si avvicina preoccupato: PREDONE: Dacci da mangiare: dacci da beve. ENCOLPIO: Sta male. Ascilto si china sull'Ermafrodito, e bisbiglia: ASCILTO: Semidio... Perché soffri, semidio? 858. L'omone, che si è avvicinato e ha guardato l'Ermafrodito, fa qualche passo indietro, spaventato: PREDONE: Ohè ohè... Quello sta male, quello more. 859. Encolpio vorrebbe dare da bere all'Ermafrodito, ma l'acqua si rovescia, non gli entra in bocca. II mostro ha un'espressione sempre piú sofferente; il viso si è raggrinzito, e comincia a chiudere gli occhi; Ii riapre e Ii richiude. 860. Ascilto è in piedi, appoggiato al carretto, e sta zitto, non si muove. 861. II predone, spaventato, indietreggia sempre piú; intanto dice: PREDONE: Dacci da beve, dacci da beve! Encolpio è anche lui spaventato. ENCOLPIO: Non beve! È il sole che gli fa male. Il sole. 862. Encolpio rovescia un orciolo d'acqua su un grande panno, e avvolge l'Ermafrodito col panno umido... 863. ... Gli copre anche la faccia. 864. Ascilto guarda, curiosa, diffidente, estraneo. 865. L'omone si è accoccolato per terra. 866. Encolpio scopre la faccia dell'Ermafrodito, e vede che è ormai pallidissimo, ha gli occhi chiusi, ansima, geme debolmente. 867. L'omone è seduto per terra, appaggiato a un cespuglio. Encolpio gli si avvicina, e annuncia: ENCOLPIO: È morto. 868. L'omone resta fermo, non dice niente. Poi di scatto si alza e si avventa su Encolpio: PREDONE: Colpa tua, disgraziato! L'hai fatto morire! L'hai fatto morire! 869-872. Ascilto interviene in difesa dell'amico, si avvicina di corsa e sferra un calcio al predone. Questi lascia Encolpio e si getta contro Ascilto cercando di prenderlo a calci; Encolpio corre contro il predone tirando calci anche lui. I tre scorazzano rapidi su e giú, sferrandosi calci e insulti. 873-876. II predone ha afferrato Ascilto, l'ha buttato per terra e lo sta prendendo a pugni sulla faccia. Encolpio raccoglie un sasso, e tenendolo in mano da dietro colpisce l'omone sulla testa. L'omone si rivolta sanguinante, si scaglia su Encolpio. Ascilto tira un sasso enorme sulla schiena dell'uomo. 877-880. La lotta diventa feroce, orrenda. Si rotolano per terra, in mezzo alIa polvere e alle pietre, con calci nel ventre, urli di dolore, sassate in fronte, cazzottoni... 881-883. ... Si massacrano, sono tutti e tre pieni di ferite, strappi, lividi. 884. L'ULTIMA IMMAGINE di questa battaglia è l'omone, steso per terra, con Ascilto che gli tiene un ginocchio sulla gola ed Encolpio che tenta di spaccargli la testa con un sasso. Scena n. 50. Paesaggi meridionali. Esterno. Giorno. La scena 50 è stata soppressa. 885-889. UNA SERlE DI IMMAGINI dell'Italia meridionale, agreste e pagana, abbacinata dal sole. 890-893. Nei campi, ci sono enormi Priapi di legno. verniciati di rosso, a guisa di spaventapasseri. I contadini, in vesti bianche, mietono il grano, e lo ammucchiano. 894. Un cacciatore sta cacciando “con lo specchio”. Ha disposto un grande specchio di metallo lucente fra gli alberi. 895. Un cinghiale avanza circospetto... 896. ... Vede l'immagine di un altro cinghiale - ossia la sua nello specchio - ... 897. ... e vi si dirige grufolando... 898. ... Ma da dietro lo specchio, emerge il robusto braccio del cacciatore, armato di lancia, che infilza il cinghiale. 899. Una vallata, dove cinquanta anni addietro si combatté una grande battaglia, è tutta coperta di scheletri di soldati, ancora in parte dentro Ie corazze e Ie vesti, ormai arrugginite e lacere. L'erba selvatica copre in parte quella vecchia carneficina... 900. ... Encolpio e Ascilto stanno attraversando la vallata; Ii vediamo lontani; camminano adagio. LA CITTÀ MAGICA Scena n. 51. Circo di provincia con labirinto. Esterno. Giorno. 901. Le gradinate di un circo di una città di provincia, meridionale, assolata; il circo è piccolo, polveroso, quasi sgretolato. Un gruppo di persone dalla pelle scura, avvolte in bianchi baraccani, ha afferrato Encolpio e lo spinge giú,... 902. ...lo fa rotolare per Ie gradinate, in una specie di gioco feroce. 903-904. Encolpio un po' ride; un po' si acciglia spaventato; reagisce, fa per scappare, poi si abbandona,... 905. ... poi tenta ancora di sfuggire. Intanto Ie voci di quelle persone lo incoraggiano, lo aizzano, lo costringono: VOCI: - Tu! Vai tu! - Coraggio, vai! - Niente paura! – Vai! Tocca a te! – Devi! Devi! 906. Encolpio è ruzzolato ormai nell'arena. Qui c'è un grande labirinto di pietra porosa, grigia; un dedalo di muriccioli alti circa due metri... 907. ... Encolpio si trova davanti all'entrata del labirinto, ed osserva pensieroso; è spaventato ed affascinato insieme. Un vecchietto dall'aria maligna, cotto dal sole e lustro, con l'aria da inserviente porge ad Encolpio una spada e una torcia accesa: VECCHIETTO: Le armi. Eccoti le armi. Ammazza il Minotauro, che Arianna ti aspetta, ti desidera. 908. Il vecchietto ridacchia e scompare. Encolpio ha in una mano la spada, nell'altra la torcia. 909. La folla esplode in un grande urlo d'incoraggiamento, di invito. 910. Encolpio varca la porta del labirinto, e si addentra fra quelle pareti nude, scabrose, sotto un sole violento, a picco. 911. Encolpio avanza, cercando qualcuno, timoroso. Nelle pareti ci sono delle porticine, ed anche tagli netti, aperture che troncano il muro in tutta la sua altezza... 912. ... Encolpio attraversa Ie varie aperture, sempre piú sperduto. 913. Il pubblico grida ad Encolpio indicazioni contrastanti: GRIDA DEL PUBBLICO: - Vai a destra, Teseo! – No! Torna indietro! - Sempre a sinistra devi voltare! Sempre a sinistra! 914. Fra il pubblico, intravediamo per un attimo Ascilto ed Eumolpo; stanno seduti vicini, e parlano fra loro. Eumolpo tiene una mano sulla spalla di Ascilto, e gli sta dicendo chissà che cosa; Ascilto ascolta a testa bassa. 915. In mezzo al labirinto c'è uno spiazzo rotondo. Arianna è distesa su un largo divano pieno di cuscini. Arianna è una ragazzona bruna, di tipo orientale, con grandi occhi neri, orecchini, vestita di veli... 916. ... È grassa, un po' sfatta, sembra una bella prostituta in attesa del cliente. Accanto a lei, un'ancella magrolina la sta pettinando piano piano. Arianna si guarda intorno un po' annoiata, muovendo lentamente i grandi occhi. 917. Encolpio, un passo dietro l'altro, percorre i cunicoli del labirinto. Torna indietro, ripercorre la stessa strada; fa brevi corse, poi si ferma. 918. D'improvviso, Ie grida del pubblico cessano: c'è un improvviso clima d'attesa, di maggiore interesse. 919. Encolpio, fermo, tende l'orecchio. E nel silenzio, sente un ansimare roco, come il respire pesante di una bestia. Encolpio, a quel rumore sinistro, è come impazzito:... 920. ... comincia a carrere disordinatamente, ma si ritrova sempre nello stesso punto. Si ferma, ansimante; e sente vicinissimo l'ansimare del mostro... 921. ... Ricomincia a carrere, e si trova di fronte il Minotauro. 922. II Minotauro è un uomo con una mostruosa maschera a forma di testa di toro, nella cui cavità il respiro si fa piú cupo e veramente bestiale. È coperto di pelli scure; in tutta la sua persona ricorda un toro, perchè ha spalle larghe, è tozzo, e ha Ie gambe corte, un po' storte. Ha in mano una clava. Se ne sta immobile, sotto una porta, la clava pendente nella mano; niente di minaccioso, all'infuori di queI respiro roco. 923. Encolpio, quasi ipnotizzato, gli si avvicina adagio. Alza la fiaccola, e minaccia il mostro; vuole spaventarlo col fuoco come una bestia; gli allunga la fiaccola sotto la faccia... 924. ... II Minotauro indietreggia lento, come una belva che per il momento non ha voglia di aggredire. 925-926. Encolpio incalza il mostro con la torcia. L'altro indietreggia ancora, muovendo appena la testa di qua e di là per scansare il fuoco. 927. Ma all'improvviso, si avventa. Alza la clava e si precipita su Encolpio,... 928. ... il quale può appena scansare il colpo:... 929. ...la mazza si abbatte sui muro sgretolandolo. Contemporaneamente, il Minotauro lancia un urlo roco, come fanno i boscaioli quando calano l'accetta. 930. Encolpio resta tremante contro il muro; non ha piú la forza di difendersi né di attaccare. Si limita ad alzare il braccio, ed a scagliare stancamente la torcia contro il mostro... 931. ... che la scanga facilmente. II Minotauro è rimasto fermo. Gli occhi, attraverso la maschera, fissano Encolpio: si sente una voce leggera, alonata - la voce del mostro - che bisbiglia: MINOTAURO: Encolpio... 932. Encolpio, ancora piú spaventato da questo richiamo, trova la forza di scattare, di fuggire... 933. ... Percorre qualche corridoio, senza essere inseguito;... 934. ... crede di aver perso il suo nemico. Si ferma, si guarda intorno, ascolta. 935. II pubblico ha smesso di gridare e commentare; stanno tutti zitti, fermi; sembra un'assemblea di fantocci. 936. Da una porticina, avanza pian piano il Minotauro. Si ferma a breve distanza, e di nuovo bisbiglia: MINOTAURO: Encolpio! 937. Encolpio lo guarda avanzare, terrorizzato, vinto; e chiede a bassa voce, angosciosamente: ENCOLPIO: Chi sei? 938-940. II Minotauro scatta: si avventa come un vera toro contro Encolpio e lascia andare una tremenda mazzata che sfiora la testa del giovane e fa schizzare via grosse schegge dal muro. 941. Encolpio fa un salto di lato. 942-944. II Minotauro colpisce ancora per due volte: due terribili colpi di clava, che però stranamente, sfiorano Encolpio senza toccarlo. 945-946. Encolpio ritrova la forza della disperazione: alza la spada e tenta goffamente di colpire il mostro. II quale si difende facilmente: saltella qua e là, quasi divertito: fa una specie di grottesco balletto; si allontana, poi si avvicina, si allontana ancora; ballonzola. 947. Encolpio esausto si ferma. Fissa il mostro, che lo fissa, e che mormora ancora, con la stessa voce alonata: MINOTAURO: Dove vai, Encolpio? 948-950. Poi si avventa rabbioso calando la clava; sembra che stia per colpire Encolpio, ma lo manca. Encolpio tentando di fuggire, scivola e cade... 951. ... II mostro gli è sopra; lancia brevi urla roche, dei ruggiti piú che muggiti; alza la clava e si accinge a spaccare la testa a Encolpio. 952. Gli occhi di Encolpio si riempiono di lacrime, ed egli parla al Minotauro, che è sopra di lui sempre con la clava alzata: ENCOLPIO (piangendo): Doveva esserci un gladiatore al mio posto: non io: sono studente. Non accanirti contro di me: risparmiami. Non so bene perché mi abbiano fatto questo scherzo: non so usare una spada come occorre. Non sono un Teseo degno di te. Caro Minotauro, ti amerò se mi farai salva la vita. Pietà per Encolpio. Tu mi conosci, vero? Se mi conosci, perdona la mia perplessità. 953. II Minotauro, alla fine del discorso di Encolpio, getta la clava, e si toglie la maschera ridendo;... 954. ... mostra una faccia allegra, simpatica, di uomo giovanissimo, biondo. BaIza su con un agile saIto. 955. Poi parla, rivolto verso il proconsole che è seduto nel posto d'onore: MINOTAURO: Proconsole, hai sentito? Non è viltà: e il discorso sensato di un giovane letterato. Certo non lo ucciderò: del resto aspetto la tua sentenza. Per mia parte, ti dico che oggi è nata una nuova amicizia. 956. II giovane va ad abbracciare Encolpio, che si lascia fare, tutto frastornato. Intanto... 957. ... tutto il pubblico è esploso in una risata colossale, eccessiva... 958. ... Ridono gracchiando i vecchi; ridono a sussulti Ie matrone;... 959. ... torcendosi i ragazzi;... 960. ... gli uomini emettono risatone rauche;... 961. ... tutto il circo rimbomba d'un riso gigantesco, d'uno scoppio di felicità collettiva. 962. Anche il proconsole ride, dandosi però un certo contegno; il proconsole è giovanissimo, vivace, con la barbetta nera; e ride a piccole esplosioni, grattandosi la barba. Poi smette di colpo e si alza in piedi. 963. Tutti smettono di ridere, come per comando. 964-965. II proconsole parla verso Encolpio, senza alzare la voce, come se fosse Ií vicino; Ia sua voce è ancora lievemente incrinata dal riso. ParIa con forte accento straniero, molto duro. PROCONSOLE: Sei un giovane colto: un poeta a quel che mi dicono. Certo hai dimostrato scarsa abilità con la spada: sarai Piú destro manovrando la penna: io lo spero. Ma non devi offenderti delle nostre risate; sappi che oggi hanno inizio le feste in onore del Dio Riso, le quali non possono cominciare bene senza una burla ad uno straniero. Mentre il pubblico per il momento ha smesso di ridere e sta zitto... 966. Encolpio scoppia Iui a ridere come un matto, sfogando cosí la paura passata. La sua risata solitaria echeggia nel circo silenzioso. 967. II proconsole continua: PROCONSOLE: Senza una burla ad uno straniero. E la burla è riuscita, o no? Al proconsole si fa vicino un vecchio sacerdote, ancora tutto rosso e scosso per Ie risate, e fa cenno di sí: dà Ia sua approvazione alzando Ia mano; poi si ritrae. 968. Il proconsole si rimette a sedere; ma continua a parlare, sempre con voce normale, anzi abbassandola ancora di piú, e dandole una sfumata maliziosa: PROCONSOLE: Ma la bella donna è vera, non una burla: l'hai guadagnata, Encolpio: affronta Arianna, e lei almeno sconfiggila... vai, Encolpio, falla felice... 969. Nel centro dello spiazzo rotondo, in mezzo al labirinto, Arianna è ferma, sdraiata suI divano; l'ancella magrolina sta indietreggiando e scompare. Arianna non ha piú l'aria imbronciata, ma allarga la bocca in un leggero sorriso sensuale; anche gli occhi si sono caricati di sguaiate allusioni postribolari... 970. ... Con la mano grande e morbida, si accarezza i veli sulle gambe. 971. Encolpio, allegro e sorridente, si avvicina ad Arianna. Comincia a toccarla e a stringerla come accingendosi a un abbondante pasto. 972. Arianna si lascia palpeggiare socchiudendo gli occhi, piú per atteggiamento professionale che per vero piacere... 973. ... Intanto accarezza maternamente la testa di Encolpio; lo accarezza per tutto il corpo con gesti esperti... 974. ... Sporge Ie grosse labbra offrendosi al bacio. 975. II pubblico segue con attenzione la scena. Qualcuno commenta ridendo... 976. ... Un brutto vecchio, con una raggiera di capelli bianchi si alza in piedi, sostenuto da due ragazzetti, per vedere meglio. 977. II proconsole guarda con un sorriso ironico; ogni tanto scambia brevi commenti con Ie sue vicine. 978. Encolpio sta afferrando fra Ie braccia quella massa di carne che gli si abbandona; è un po' sudato, eccitato; d'improvviso scorge sopra di sé... 979. ... Ie gradinate del circo, come in una vertigine, cariche di gente attenta, che lo fissa. 980. II suo volto comincia a farsi sgomento. Encolpio diventa nervoso. 981. Arianna, che aveva chiuso gli occhi, abbandonandosi lascivamente, riapre gli occhi, stupita. 982. Encolpio si accinge nuovamente a quella specie di scalata, che si fa sempre piú difficile. 983-984. Il pubblico comincia a scambiarsi frasi tecniche, come gli spettatori d'una corrida: PUBBLICO: - È stanco. - Sfiancato dalla lotta. - Non ce la fa, non ce la fa... - La colpa è della donna. - Svegliati, monta! - Monta! - Monta! 985. Arianna guarda con rabbia tremenda Encolpio che si affanna su di lei; e sibila con voce roca: ARIANNA: Ma che fai? Mi sembri un morto! 986. Encolpio la guarda con aria supplice: ENCOLPIO: Aspetta, non fare cosí... Non andare in collera: sii dolce per un po': ci riesco: è sicuro... ARIANNA: Schifoso, ma che fai? Che fai, schifoso? 987. Encolpio chiude gli occhi, come per concentrarsi meglio nei pensieri lascivi; la sua fronte si aggrotta quasi dolorosamente, come succede nella masturbazione. 988. Il pubblico, pian piano, uno dopo l'altro, si alza in piedi, per seguire meglio la scena. Si sentono qua e là voci marmorate, FUORI CAMPO: Voci FUORI CAMPO: - Brutta sorte: è un segno di malaugurio. - Quello è un cappone - La colpa e della donna. - Che vergogna... 989. Il proconsole fa un piccolo cenno ai suoi accoliti, e se ne va rapidamente col suo seguito. 990. Un omaccione ha in mano un sasso, e lo scaglia contro Encolpio. 991. Nell'arena, Arianna sta cacciando a calci Encolpio, che rotola per terra: ARIANNA: Lumaca, lumacone, lumaca schiacciata: vattene via! ENCOLPIO: È stato il sole... Il sole che mi ha tradito; il sole mi ha dato la febbre... 992. Nel pubblico qua e là, scoppiano urli rabbiosi, quasi dei ringhi. Molti tirano sassi a Encolpio... 993. ... La gente comincia ad andarsene, disgustata. 994. Encolpio è rimasto solo, in mezzo all'arena; un sasso l'ha colpito in uno zigomo che sanguina. Ha il petto scosso da singulti... 995. ... Come in sogno, vede su di sé la faccia di Ascilto, che gli sorride... 996. ... Disperato, parla all'amico, per bisogno di conforto: ENCOLPIO (angosciato): Ascilto, ho perduto la spada! 997. Ascilto scoppia in una risata, e non risponde, ma indica qualcuno che sta sopraggiungendo, dietro di lui, senza guardare: ASCILTO: Guarda! Un tuo amico, Encolpio! 998-1000. Ed avanza Eumolpo, portato su una lettiga da alcuni schiavi; ha con sé un codazzo di servi. Eumolpo è vestito con abiti sfarzosi, ha Ie dita cariche di anelli, e una specie di diadem a d'oro interne alIa fronte. Ha una gamba tutta fasciata per la gotta, perciò parla ad Encolpio senza scendere dalla lettiga. EUMOLPO: Il lusso e gli agi, Ia ricchezza, i vini, le belle donne, le cene prolungate fino al canto del gallo, le mollezze che sbigottiscono il cuore e la mente, ogni vizio mai rifiutato, sempre ben accolto, i giorni passati a dormire e le notti nelle frivolezze, le musiche, il potere sulle persone inferiori, la gioia di comandare, le ragazzine e i ragazzi, Ie sbornie cupe come la marte, questa felicità insomma mi ha impestato; ecco i risultati. 1001. Eumolpo indica la gamba fasciata. Fa una breve pausa e guarda con malignità Encolpio; poi bonariamente prosegue: EUMOLPO: Ma anche tu che non kai un soldo sei mezzo storpio, fratellino. Ti ho visto; sembravi un sorcio bagnato sopra una vacca. Eppure era una vacca bella assai, tutta carne. Che ti succede? Priapo ce l'ha con te, è evidente: quello è un dio dispettoso che ora ti fa di legno, ora di pasta. I rimedi però ci sono: il tuo Eumolpo... Scena n. 52. Strade città africana. Esterno. Giorno. 1003. La scena è cambiata di colpo: Eumolpo in lettiga è portato a passeggio per Ie vie della città: ma non c'è stata nessuna interruzione nel discorso, che prosegue diretto dalla scena precedente. Eumolpo in lettiga parla con Ascilto ed Encolpio che gli camminano a fianco, e un po' lo ascoltano, un po' si guardano curiosi intorno... 1004. ... Percorrono strade sabbiose d'una città a case basse, africana quasi, con minuscole finestre buie... 1005-1006. ... nelle quali a volte si stagliano volti, come ritratti in cornice. EUMOLPO: ... ti può aiutare: sono potente qui, e nessuna porta mi è chiusa; Eros è mio amico e mi si manifesta spesso. A forza di imbrogli e traffici, sono diventato il padrone della città. Ho voglia di un ballo? Me l'organizzano in mezz'ora. Per prima cosa ti conduco al giardino delle delizie; e Ií vedremo se quel piolo caduto non si risolleva; ho idea di sí. 1007-1009. Nelle botteghe e nelle case, si nota adesso un certo fervore di preparativi; un affrettarsi; un lavorare incalzante a strani oggetti. Da una finestra viene calata giú una pezza di tela, che viene raccolta da una persona in basso; su un davanzale un uomo dispone alcune orribili teste di animali scolpite in legno; un ometto che pare un ciabattino sta inchiodando un grosso pupazzone di legno;... 1010. ... un altro pupazzone con la testa di cane come Anubi viene deposto fuori d'una porta, appoggiato al muro. 1011. La lettiga con sopra Eumolpo si allontana per la via; si sente ancora la sua voce: EUMOLPO: I Lupercali... Le feste della fecondità... I Lupercali! Soppresse Ie inquadrature 1007-1011. Il discorso di Eumolpo (1006) termina con Ie parole; “Per prima cosa ti conduco al Giardino delle Delizie”. Scena n. 53. Giardino delle delizie. Esterno. Giorno. 1012. Un giardino allegro e pieno di sole, dove però ogni cosa sembra essere su scala piú piccola: gli alberi sono un po' piú piccoli del normale, e casí la casetta adiacente, e Ie panchine, Ie colonne, ecc. Un po' come un giardino da giocattoli. Fra queste cose piccoIe e graziose, si muove con delicatezza estrema il padrone, che è un omaccione enorme, molto scuro, quasi un negro; sembra un guardiano dell'harem... 1013. ... Nonostante la corporatura atletica, è umilissimo, servilissimo; accoglie Eumolpo e i suoi amici come se arrivasse l'imperatore.; con piccoli cenni dà ordini di srotolare tappeti, e di portare subito cuscini, bevande. 1014. Eumolpo viene deposto dalla lettiga su un divano. Subito una bambina sui tredici anni gli salta addosso festosamente, come se fosse venuto il nonno;... 1015. ... però lo bacia lascivamente sulla bocca. 1016. Encolpio e Ascilto guardano il giardino, che è un lupanare all'aperto. 1017. Fra gli alberi, piccoli e di classificazione incerta, svolazzano grossi uccelli abbastanza minacciosi... 1018. ... Presso gli alberi, stagliate contro il muro di cinta, rossastro e graffiato, stanno ferme in diversi atteggiamenti sei o sette ragazze giovanissime e piccole, dall'aria di studentesse. Sono Ie prostitute. All'improvviso, come uccelli che prendono il volo, si muovono di scatto e corrono tutte assieme verso Eumolpo, che troneggia nel centro del giardino... 1019. ... Gli si inginocchiano intorno, lo riveriscono. Lui sorride benigno; Ie benedice. EUMOLPO: Il compito di oggi non è da poco: eppure non dubito che sarà fatto: questo mio amico ha fiducia in me, cosí io l'ho in voi... 1020. Mentre Eumolpo parla, la ragazzina di prima gli porta a far vedere una manciata di gattini nati da pochi giorni; Eumolpo accarezza sia i gattini che i capelli della bambina... 102I-1022. ... Poi, pensoso, guarda il muro rossastro di cinta, dove sono disegnati dei lievi affreschi che riproducono vari atteggiamenti erotici. E mormora quasi fra sé: EUMOLPO: Quante posizioni. E certo ne inventeranno ancora altre: l'uomo progredisce ogni giorno di piú. Per mio conto, credo di averle provate tutte: anche se qualcuna l'ho dimenticata con l'età. Nessuno può ricordare tutto l'amore che ha dato e avuto. Nemmeno i giovani: tu per esempio... 1023. Eumolpo si rivolge a una ragazza giovanissima, con un visetto un po' imbronciato e innocente: EUMOLPO: ... ricordi tutti quelli che hanno baciato Ie tue labbra? 1024. La ragazza fa cenno di no con la testa. 1025. Due ragazze che stanno in piedi, abbracciate, scoppiano a ridere, e per sfogare l'allegria si danno brevi baci sulla bocca. 1026. Ascilto, allegro anche lui, si avvicina aIle due ragazze, e interviene in questo gioco baciandole. 1027. Una ragazza cinge il collo di Encolpio con Ie braccia, e gli dà una serie di baci rapidi e leggeri, dolcemente. 1028. Eumolpo fa cenno al padrone di avvicinarsi: EUMOLPO: Questo mio amico, a dirla fra noi, ha lo scettro che non funziona: ha la stanga spezzata, la spada rotta: ed era tutto il suo onore come puoi hen capire... 1029. II padrone fa un cenno come a dire: ci pense io. Poi si avvicina a un albero, e lo guarda con compiacenza, come ammirando la natura. In realtà, sta scegliendo un ramo; ne stacca uno... 1030. ... flessibile, fornito di foglioline, e va a darlo a una delle ragazze, col gesto di chi offre un mazzo di fiori. E Ie dice una parola all'orecchio. 1031. Encolpio è circondato da ragazze come infermiere che lo curano. Una gli porge una tazza di vino; un'altra gli prende una gamba e gli fa in certi punti delle piccole trafitture con uno spillo sottile; un'altra lo massaggia;... 1032. ... finalmente quella che ha avuto il ramo dal padrone, si avvicina e fa un piccolo inchino rituale. Poi cambia faccia, diventa rabbiosa come una furia;... 1033. ... e si avventa come una gatta frustando Encolpio col ramo, a tutta forza. 1034-1035. Encolpio urla, tenta di fuggire, ma Ie ragazze lo tengono saldamente. Agli urli di Encolpio... 1036. ... evidentemente risvegliata, si affaccia a una finestrella una vecchietta, scapigliata e sbadigliante; vede la scena e ride divertita. VECCHIETTA (dalla finestra): L'ortica ci vuole! L'ortica! 1037. Ascilto ride come un ragazzino. Si rotola sui cuscini, afferra una delle ragazze, e grida: ASCILTO: lo, io... Ci sto io qua: io, ci sono! Io! Lasciate stare quell'anguillone! 1038. Eumolpo, che poco può muoversi per colpa della gamba, si sta sistemando in posizione: la ragazzina tredicenne gli sta montando sopra, a cavalcioni;... 1039. ... i servi gli sistemano per bene i cuscini;... 1040. ... aiutano la ragazzina a reggersi, ecc. 1041. La faccia di Encolpio, sudato, disfatto, disperato. 1042-1043. Tutte Ie ragazze corrono insieme verso Ascilto, che si sta sempre rotolando allegramente sui cuscini e ripete: ASCILTO: lo! lo! Gli si buttano addosso ridendo... 1044. ...lui Ie acchiappa tutte, Ie rovescia;... 1045. ... gioca in mezzo a loro, felice, ridente. Si sente la voce di una ragazza: RAGAZZA: Ma è enorme... La 1045 è stata soppressa. È stata, invece, introdotta una nuova scena, dove si vede Ascilto, trionfante sulle ragazze, dondolarsi con loro su una grande altalena. 1046. Encolpio si avvia verso un divano in disparte, sotto un albero, e si siede malinconico. 1047. Gli si avvicina il padrone, che ha in mano una ciotola. Guarda Encolpio bonariamente, e gli dice, con un curioso accento da «burino» meridionale: PADRONE: T'avevo preparato il satirio... ma qua mi pare che... E il padrone fa col pollice e l'indice, un gesto che significa: qua non c'e niente da fare. 1048. Encolpio lo guarda col volto infinitamente triste. Soppresse la 1047 e la 1048. Aggiunta la scena di Encolpio frustato dalle prostitute nel tentativo di risvegliarne gli addormentati sensi. 1049. Adesso la scena è cambiata. È pomeriggio inoltrato, l'aria è meno luminosa; tutti dormono, come nella “Bella addormentata nel Bosco”... 1050. ... Dormono fra i cuscini Ascilto e alcune ragazze, in mezzo a bicchieri rovesciati e piatti con avanzi;... 1051. ... dorme il padrone, accoccolato per terra, con la faccia fra Ie mani;... 1052. ... dormono due ragazze abbracciate come sorelline;... 1053. ... dormono gli schiavi e i servi in gruppo, ammassati come cani. 1054. Encolpio non dorme, anzi ha gli occhi fissi, sbarrati. E vede... 1055. ... Eumolpo che si allontana, portato via dai servi in lettiga, silenziosamente. 1056. Eumolpo si volta verso Encolpio e gli dice: EUMOLPO: Addio Encolpio. Ti aspetto. 1057. Encolpio e stupito: ENCOLPIO: Dove? Mi aspetti dove? 1058. Eumolpo si allontana, la voce si perde: EUMOLPO: La nave che porta in Africa gli schiavi e Ie merci preziose partirà alla mezzanotte di domani... C'è ancora un viaggio da fare... Nuove scoperte... Eumolpo scompare, torna il silenzio e l'immobilità. Ma subito, c'è FUORI CAMPO una esplosione fragorosa di musica: una banda fracassona e sgangherata, con suoni discordanti, strazianti: acutissimi e bassi; una musica urlante e angosciosa nella sua apparente festosità. 1059-1060. Nel giardino tutti si svegliano, e corrono fuori: sono attratti e spaventati; corrono al richiamo di quella musica come a qualcosa di ineluttabile, d'invincibile, di affascinante. 1061. Encolpio fa anche lui per seguire gli altri, incerto... 1062. ... Dalla finestrelIa, si affaccia di nuovo la vecchietta scapigliata, che ride e gli dice: VECCHIETTA: I Lupercali! Vatti a esporre, vatti a esporre! Se ti fai frustare da loro, ti tornano Ie forze, lo sai? Quelli danno la fecondità. La 1062 è stata soppressa. A questo punto, nel film, s'inserisce il racconto della vita della maga Enotea, che viene fatto dal padrone del Giardino delle Delizie, anziché dal Nano. Scena n. 54. Gittà africana. Lupercali. Esterno. Sera. La scena 54 è stata soppressa. 1063-1066. Encolpio si aggira sperduto in mezzo a una strabiliante festa che travolge tutto il paese, fino alIa periferia, ai campi circostanti. È una festa sacra e pagana, erótica e magica, contadinesca, orientaleggiante: nel suo insieme dà piú spavento che gioia. 1067-1070. In questa festa, dove trionfano i falli di legno di Priapo, e dove avvengono frequenti episodi amorosi, Encolpio si sente sempre piú escluso e disperato. Ogni tanto, con rabbia sempre maggiore, si getterà in mezzo a un'orgia, afferrerà una donna che gli si offre, ecc.; ma per ritrarsi ogni volta sconfitto e umiliato. 1071. Durante la festa, si assisterà a scene come queste: 1072. Una processione a cui partecipano molti asini truccati, con ali finte incollate sulla schiena. 1073. Una frenetica danza su otri pieni di vino. 1074. Delle vestali cuociono su un altare salse speciali, con l'aria mistica di grandi esperte di cucina. 1075. Passa una gigantesca statua di un dio egiziano, con testa di animale; intorno alIa statua quattro persone tengono :alzati quattro specchi, perché la statua possa vedere il suo carteo di fanatici. 1076. La processione sfila fra due ali di soldati romani, che tengono indietro la folIa come poliziotti. 1077. Nei campi, i contadini bruciano in un grande falò gli arnesi di lavoro: forconi, rastrelli, aratri, vanghe, ecc. 1078. Due soldati spalancano il cancelletto di ferro della prigione; i carcerati sono liberati, e si spargono tra i festanti, conservando però Ie facce cupe, pallide e barbute. 1079. Intorno a un'aia, sono disposte delle altalene, molto alte, su cui velocissimamente, come in una giostra, vanno su e giú i contadini. 1080. Gruppi di persone con maschere aberranti, in corteccia di albero, a forma di teste di animali o di fauni. 1081-1082. Su due croci a forma di X, affiancate, sono legati un maiale e un uomo (un criminale). Vengono sgozzati tutti e due da un sacerdote. 1083. Dei bambini mangiano bambole di pasta. 1084-1085. Ma i veri protagonisti della festa sono dei sacerdoti, giovani e robusti, i quali sgozzano rapidamente delle capre, e Ie scuoiano... 1086. ... Poi indossano la pelle dell'animale,... 1087. ... e con altre pelli si fanno delle solide corregge, con cui frusteranno la gente... 1088. ... Con queste sferze in mano, corrono rapidi su e giú, in due file di opposta direzione,... 1089. ... e colpiscono a tutta forza quelli che si espongono aIle frustate:... 1090. ... in gran parte donne. 1091. Anche Encolpio, affascinato e inorridito, si espone aIle frustate dei Lupercali; poi cade in ginocchio, vergognoso, dolorante. 1092. Ed è attratto e quasi ammonito da immagini di fallimento, di senescenza,... 1093. ... un vecchio con un filo di sangue che gli esce dalla bocca, portato via a braccia;... 1094. ... una vecchia orrenda che baIla una danza frenetica e poi sviene;... 1095. ... dei lebbrosi, con la faccia mangiata seminascosta dal manteIlo, che assistono in piccolo gruppo, seduti in disparte, vergognosi. 1096. Alcuni giovani mascherati, con in mano dei bastoni molli di cuoio, a forma di falli pendenti, circondano Encolpio... 1097. ... e lo colpiscono con quei bastoni, schernendolo. Scena n. 55. Fattoria del nano. Esterno. Alba. Soppresse le inquadrature 1098-1100, il Padrone del Giardino delle Delizie comincia il racconto della vita di Enotea al posto del Nano. 1098. Una fattoria, molto squaIlida, cupa. In un recinto, dove di solito stanno Ie bestie, ricoperto solo in parte da una rozza tettoia, giace immobile il Nano. È sdraiato dentro una mangiatoia di pietra, su un mucchio di stracci e di coperte. Accanto, ha un grosso cero giallo, un candelone acceso, il cui chiarore si confonde con quello dell'alba. 259 1099-1105. Il Nano parla, ansimando, con voce afona, rauca, con accento siciliano. Ogni tanto la voce gli scende al livello d'un brontolio indistinto, gorgogliante: si fa sempre piú afona, fino a sfumare. E ogni tanto il volto è contratto da smorfie di dolore. ParIa a Encolpio, che gli siede di fronte. NANO: Il tormento mio è lo stesso del tuo, anche se è l'opposto. Chi niente, chi troppo. Troppo è doloroso come niente. Tre anni d'agonia, fratello. Tre anni senza potermi rilasciare... Meglio morire, meglio morire. Tu sei cappone, io so' fatto stallone. Priapo è capriccioso: m'ha castigato. Lui e Enotea m'hanno castigato: Enotea e lui. ENCOLPIO: Enotea? NANO: È una maga molto potente; è la padrona della città; è un'indovina. Può tutto: alzare la terra, sciogliere i sassi, fare l'acqua di pietra. Spegnere le stelle. Un oste che le aveva fatto offesa l'ha trasformato in rana; adesso quel povero vecchio nuota in una botte del suo vino e parla coi clienti cosí; cra, cra, cra, cra, cra... Un avvocato che l'aveva diffamata, l'ha trasformato in montane. E adesso, se vai in tribunale, vedi quel montane che tratta le cause. Encolpio è terrorizzato, incantato. Mormora: ENCOLPIO: Enotea... NANO: Tanti anni fa... Tanti anni fa era una bella ragazzina, e c'era un mago famoso che s'era pigliata la cotta per lei! M a it mago era vecchio e brutto, e lei sai che fece? Gli disse cosí, dice: vieni stanotte a casa mia, ch'io ti calo un cesto per salire su da me... E quando il vecchio stava nel cesto, lei lo legava a un'inferriata, hai capito? Scena n. 56. Casa con cestone (nel racconto del Nano). Esterno. Giorno. 1106. Un gran cesto è fermo, pendente lungo il muro di una casa, a mezz'aria; la corda è stata legata ad un'inferriata, e il cesto non può ne salire né scendere... 1107. ... Dentro il cesto, c'è un vecchio stregone, tutto scuro di pelle, avvolto in un mantellone nero, come un uccellaccio. 1108. Sotto il cesto, s'è raccolta una folIa di curiosi, che indicano il mago col braccio teso, ridono, lo sbeffeggiano. 1109. Dentro una finestrina, si intravedono alcuni volti di giovinette, che ridono maliziose, e scompaiono come fantasmi. 1110. Il mago resta immobile, cupo nella sua vergogna. Si passa una mano sulla faccia. Fa un ghigno amaro. Poi sibila fra i denti qualcosa che non si capisce. La voce del Nano, afona, gorgogliante, continua FUORI CAMPO: NANO (F.C.): E lui si vendicava contra la città, sai come? Il fuoco. Ha tolto it fuoco a tutta la citta!... Questo tanti anni fa... Tanti anni... Scena n. 57. Città buia (nel racconto del Nano). Esterno. Notte. 1111-1113. Visioni della città, di notte, completamente al buio. È illuminata da una luna a tre quarti, rossastra. Finestre buie, nessuno per la strada. Solo qualche ombra, qua e là, si fa sotto Ie 260 porte. Da dentro Ie case vengono pianti, lamenti, invocazioni; come se la città fosse in preda a una pestilenza. Scena n. 58. Spelonca del Mago (nel racconto del Nano). Interno-Esterno. Giorno. 1114. Fuori d'una spelonca tutta sassi, come una cava, il Mago sta seduto all'ombra d'un fico. Guarda... 1115. ... due uomini che sono davanti a lui; uno giovane a cavallo di un asino; l'altro piú anziano a piedi. II giovane parla con disinvoltura e coraggio: GIOVANE: Da tre giorni io mangio il pane secco. E quando sarà finito? Senza fuoco non si può stare. I bambini e Ie donne, a forza di mangiare erbe crude, non fanno che vomitare. I ladri approfittano del buio e corrono per la città come branchi di lupi. 1116. Il mago resta pensieroso. Poi dice a bassa voce: MAGO: Ma il fuoco c'è. Portate Ie vostre torce e accendetele. 1117. L'uomo anziano chiede dolorosamente: ANZIANO: Ma dove? 1118. Il mago s'illumina d'un riso maligno. MAGO: Sotto Ie vesti di Enotea. È là che it fuoco si nasconde... Là lo troverete... 1119. I due uomini si guardano in faccia stupiti, mentre FUORl CAMPO si sente una lunga, convulsa shignazzata del mago. Scena n. 59. Casa di Enotea (nel racconto del Nano). Interno. Giorno. 1120. La casa della giovane Enotea, piuttosto tenebrosa, augusta, povera. Un conidoio, in fondo al quale c'è una stanzetta dove sta Enotea. 1121. Enotea sta sdraiata su un lettuccio, con la testa fra Ie mani e piange di vergogna e di rabbia... 1122. ... Intorno a lei, i parenti la confortano come se fosse un'ammalata grave. 1123. In silenzio, come rispettando questo clima di lutto, delle persone in fila percorrono in 261 continuazione il corridoio, ciascuno con una torcia o un mazzo di frasche in mano... 1124. ... Si avvicinano ad Enotea, e accostano Ie torce aIle parti basse della ragazza:... 1125. ...le ritraggono fiammeggianti. Intanto la voce del Nano riprende la narrazione FUORl CAMPO: NANO (F.C.): E quella, adesso che è vecchia, si vendica contro la città, contro tutti; ci tiene in pugno... Tiene un potere magico, hai capito? Il fuoco dentro le è rimasto! Scena n. 60. Fattoria del Nano. Esterno. Alba. 1126. Il Nano ha finito il suo racconto. Encolpio ha ascoltato con grande attenzione, incantato come una bambina da una favola. Domanda: ENCOLPIO: E dove sta adesso? Il Nano fa un gesto con la mano, a indicare: chissà? Lontano ! NANO: Mah... Chi dice all'acquitrino... chi dice alla montagna... ENCOLPIO: E tu non l'hai cercata? Non vuoi guarire, tu? 1127. II Nano sta per rispondere, ma scoppia vicinissimo un clamore. 1128. Irrompono nella fattoria, nel recinto, gruppi di festanti, ubriachi, eccitati, rossi in faccia; innalzano giganteschi Priapi di legno, cantano rapidissime e brevi canzoni oscene;... 1129. ... si gettano suI Nano e lo sollevano. II Nano urla di dolore, come un forsennato. 1130. I festanti lo portano in trionfo come una vivente statua di Priapo, in mezzo a quelli di legno, incuranti dei suoi urli e maledizioni... 1131. ... Se ne vanno schiamazzando, cantando e soffiando dentro contorti strumenti a fiato. 1132. Encolpio è rimasto solo nel recinto, davanti alla mangiatoia vuota, mentre il cero si consuma. 1133. II corteo si è unito ad altri cortei; i festanti cominciano una vera sarabanda di tipo sabbatico. Sono state soppresse: l'ultima battuta di Encolpio (1126) e le inquadrature 1127-1133. Scena n. 61. Acquitrino con battello. Esterno. Giorno. 1134. Un battello percorre un vasto acquitrino. È una chiatta, mossa da ruote a pale, che sono 262 azionate da quattro grossi mufloni maschi aggiogati a un albero maestro. I mufloni, camminando in tondo, fanno girare l'albero, che comunica il moto aIle ruote;... 1135. ... la barca avanza lenta, tra il calpestio dei mufloni e il cigolio del fasciame. 1136. Ogni tanto il battelliere accelera il moto lasciando andare una frustata suI dorso dei mufloni... 1137. ... II battelliere è torvo, tutto giallo in faccia, evidentemente per la malaria, ed è scosso dai brividi della febbre. 1138. Ascilto dorme sdraiato lungo la murata. Encolpio, appoggiato alla murata, guarda lo stagno paludoso attraversato dal battello. 1139. Qua e là, Ie acque sembrano piú profonde; sono piú cupe. Tra Ie canne e Ie altre erbe palustri, ogni tanto spuntano cime di alberi sommersi. II battello passa anche vicino a quattro colonne che spuntano dall'acqua... 1140. ... Uccelli volano bassi, lanciando urla roche. 1141. Encolpio guarda... 1142. ... una specie di isolotto, quasi tutto coperto di cespugli e di canne, ma dove s'intravede anche il tetto di una casa bassissima. È là che sta dirigendosi il battello. 1143. Quando Encolpio vede avvicinarsi la casa, ha un moto di spavento e va ad accucciarsi presso Ascilto... 1144. ... Gli accarezza i capelli. Ascilto si sveglia, e sorride. ENCOLPIO: Ascilto , hai paura? ASCILTO: Io? Di che cosa? ENCOLPIO: Verrà Enotea? Se non venisse? 1145. Ascilto si alza in piedi. ASCILTO: Verrà, verrà... Verrà a prendersi questi... E Ascilto mostra una manciata di denari, con un ghigno. Incontra lo sguardo... 1146. ... del battelliere, pallido e tremante, che lo fissa. 1147. L'isolotto è sempre piú vicino. 263 1148. Encolpio ha un sobbalzo, perché si è sentito un grido lontano, una breve frase incomprensibile, urlata da qualcuno, fra Ie acque. Scena n. 62. Acquitrino con isolotto della maga Enotea. Esterno. Giorno. 1149. II battello si è fermato presso l'isolotto, ed Encolpio e Ascilto sono balzati a terra... 1150. ... Camminano impantanandosi, aprendosi la strada fra Ie canne. C'è un gran silenzio. 1150 a. Davanti a loro, compare la casa della maga. È una bassa e larga costruzione, con poche finestre chiuse da battenti di legno. Anche la porta è chiusa. 1151. Ascilto si ferma, si lascia scivolare giú, si accoccola per terra... 1152. ... Encolpio prosegue il cammino da solo. 1153. Osserva delle gabbie per Ie galline; vuote. E nota anche... 1154. ... una statua spezzata, rovesciata e semiaffondata nel fango. La testa della statua è di donna, ed ha un fine sorriso ambiguo. 1155. Encolpio si avvicina alla casa, e senza esitazioni spinge la porta; entra. Scena n. 63. Casa della maga Enotea. Interno. Giorno. 1156. L'interno della casa è rischiarato dal sole che filtra tra Ie connessure dei battenti delle finestre e della porta. Raggi del sole polverosi che s'incrociano. È un'unica stanza, tutta ordinata e pulita. Un camino con dei tegami e altri oggetti di cucina appesi. Da un lato, un lettino. In mezzo, c'è un'ara di pietra, con una statuetta. 1157. Una vecchia negra, tutta vestita di nero, si muove in quella penombra; si avvicina ad Encolpio, che la guarda con gli occhi sbarrati. 1158. La vecchia pone delicatamente una mano suI braccio, e gli parla affettuosa, materna: VECCHIA NEGRA: Sei benedetto. Enotea viene, Enotea viene per te. Bevi, figlio mio. E indica un calice deposto sull'ara... 264 1159. ... Encolpio prenae il calice, deciso, disposto a tutto, e beve... 1160. ... mentre la vecchia sguscia via silenziosamente, se ne va. 1161. Encolpio siede suI letto. Si guarda intorno. 1162. Poi si alza, va a spiare quel che succede, attraverso Ie fessure delle finestre. E vede... 1163-1164. ... Ascilto e il battelliere che stanno colluttando; si rotolano nel fango come due scarafaggi. 1165. Encolpio è come se non vedesse; resta con lo sguardo fisso, distratto; solo la faccia gli si contrae in una smorfia piagnucolosa. 1166. Resta in piedi, appoggiato alIa parete. Aspetta. 1167. Un grosso uccello nero passa davanti alIa finestra; è come un'ombra che presto scompare. 1168. SuI lettino, adesso, c'è sdraiata Enotea, che guarda Encolpio. È una donna dal fisico robusto, di contadina cotta dal sole; può avere anche sessanta o settanta anni, ma è sana, forte, con la pelle fresca, e un viso intenso e bello, sotto i capelli bianchi come argento. 1169. Encolpio rimane fermo, contro il muro; la guarda incantato, timido. 1170. Enotea si alza in piedi, lenta, maestosa; si avvicina a Encolpio. È altissima, piú alta di lui; gli si ferma di fronte guardandolo curiosamente. 1171. Encolpio la fissa, attratto e spaventato, aspettando che dica qualcosa, che agisca. 1172. Enotea col braccio forte, deciso, lo palpeggia; poi scuote la testa e sospira con sconforto. ENOTEA: È un' anguilla marinata. Gli occhi d'Encolpio si riempiono di lacrime; mormora: ENCOLPIO: Mammina mia, che disgrazia! Soppressa la prima parte della 1172 (con la prima battuta di Enotea). 1173. E aggiunge piangendo: Il reo che hai di fronte è confesso... Ho commesso un tradimento, ho ucciso un uomo... ho profanato un tempio... Adesso sono un soldato senz'armi. Chi abbia fatto il pasticcio, non so. Non riesco a capire cosa ho combinato... Questa paralisi... 265 1174. Enotea comincia lentamente a spogliarlo, con gesti materni; un lieve sorriso un po' triste Ie appare suI volto; mormora: ENOTEA: Bambino mio... incestuoso... Battuta soppressa alla 1174. 1175. E tira fuori uno dei suoi seni, come una donna che allatta: è un seno ancora fresco, bianchissimo, sodo. Encolpio afferra il grande corpo della donna; vi si aggrappa, tenta di scalarlo come una vetta. 1176. Enotea, sempre col suo sorriso triste, si distende suI Ietto, e attrae Encolpio su di sé. 1177. EncoIpio si arrampica suI corpo di Enotea, affannato, desideroso; tenta di raggiungere con Ie Iabbra quelle di Enotea. 1178. Enotea gli prende Ia testa, con mossa decisa, e incolla la bocca alla bocca di EncoIpio. Encolpio si abbandona al bacio con dedizione totale, stanca. 1179. Lei lo stringe forte con Ie braccia robuste; lo accarezza teneramente. Scena n. 64. Acquitrino con isolotto della maga Enotea. Esterno. Giorno. 1180. Encolpio appare sotto la porta della casa di Enotea; stordito da quanto è avvenuto, e dal sole che lo investe in pieno. Ascilto gli è vicino; lo prende per mano e gli sussurra: ASCILTO: Vieni... 1181. Ascilto trascina di corsa Encolpio verso il battello;... 1182. ... l'isolotto sembra disabitato , all'infuori di loro due. I due saltano velocemente suI battello. Scena n. 65. Battello sull'acquitrino. Esterno. Giorno. 1183. Ascilto ed Encolpio sono suI battello, soli; Ascilto dà una frustata ai mufloni, che cominciano a girare. 1184. Ascilto baIza verso il timone, e dirige il battello. Poi allunga un'altra frustata ai mufloni. 266 1185. Encolpio, piegato sulla murata, comincia a ridere; il riso felice, un po' sciocco, di chi ha superato una crisi; il riso ancora debole del convalescente. 1186. Ascilto, serio, affannato, passa dal timone ai mufloni, che frusta e incita. Poi, fissato il timone... 1187. ... si avvicina ad Encolpio, sempre chino suI parapetto, e gli mette un braccio intorno alle spalle. 1188. I mufloni, eccitati dalle frustate, veloci, fanno girare rapidamente l'albero. 1189. Le ruote a pale battono Ie acque della palude. Scena n. 66. Terra fra la palude e il mare. Esterno. Giorno. 1190. Scesi dal battello, Encolpio e Ascilto camminano su un terreno piatto, argilloso, fra il mare e lo stagno paludoso che hanno attraversato. Non c'è anima viva in giro. 1191. Encolpio cammina avanti, in preda a una strana eccitazione, Ascilto lo segue. Encolpio parla; parla un po' fra sé, un po' ad Ascilto. ENCOLPIO: Sono gli Dei maggiori che mi hanno rimesso a posto. Mercurio, bontà sua, mi ha restituito quello che una mano rabbiosa m'aveva strappato. 1192. Ride e si volta verso Ascilto: Bisogna stare allegri, adesso. Ho da recuperare it tempo perduto. C'imbarcheremo, sai? Stanotte partiamo. 1193. Ascilto sorride con una certa pena, come se avesse un dolore nascosto; si è fatto pallido; e ogni tanto sbanda, camminando. ASCILTO (malinconicamente): E dove andiamo? ENCOLPIO: Lontano, fratellino; del resto qui ci scotta it terreno sotto i piedi; it nuovo Cesare è molto severo coi fuorilegge, dicono... 1194. Ascilto arranca dietro a Encolpio, che non si accorge di nulla, e va avanti, a testa alta. ENCOLPIO: Mi sembra di avere le ali. Quella maga mi ha stravolto it cervello. Corri, Ascilto... 1195. Ascilto è sempre piú pallido e barcollante. Si ferma, poi riprende a camminare. ENCOLPIO: Ho da recuperare il tempo perduto. Il fiore della giovinezza appassisce presto. La vita è un dono... 267 1196. Ascilto ruzzola per terra... 1197. ... Encolpio lo guarda stupito... 1198. Ascilto raspa un po' per terra, come un animale colpita a morte, poi resta immobile. 1199. Encolpio si avvicina ad Ascilto. Si china su di lui 1200. Ascilto sta rantolando. La bocca gli si fissa in una specie di sogghigno; Ascilto è morto. Encolpio, scoprendo un po' il cadavere, si accorge che ha un grosso squarcio suI fianco. 1201. Encolpio si guarda intorno, smarrito. Muove qualche passo incerto. E si accorge con un brivido che l'aria intorno a lui è popolata di presenze misteriose. 1202-1204. Fra gli alberi, i cespugli e il mare, sono apparse visioni trasparenti, abbaglianti nell'aria luminosa: sono gli Dei. Teste gigantesche, dal sorriso sereno; o minuscole, incerte, lievemente beffarde. 1205. Alcuni sembrano parlare fra loro, ma di Encolpio; ge lo indicano, e bisbigliano parole senza suono. 1206. Un Dio dall'aria pensierosa e triste fa cenno di no con la testa. 1207. Fra Ie onde del mare, sembra rotolarsi gioiosamente Venere. 1208. Un vecchio Dio bonario alza il braccio come a indicare ad Encolpio chissà che cosa. 1209. Encolpio si è inginocchiato in terra, rannicchiato, e piange in un parossismo di rabbia. Grida fra i denti: ENCOLPIO: Maledetti... avete ragione: vi ubbidirò... Maledetti! 1210. Alcuni Dei ridono, quasi scandalizzati, divertiti. 1211. II fervore di quelle figure è aumentato; è come un frullare di ali, di piedi alati. 1212. Una mano si sparge, reggendo il caduceo di Mercurio. 268 1213. Un Dio guerriera si toglie l'elmo, si passa un fazzoletto fra i capelli sudati. 1214. Encolpio si è rovesciato indietro, si sdraia, scosso ancora dal pianto; e mormora: ENCOLPIO: Miei adorati Dei, vi odio... 1215-1217. Gli Dei si muovono, corrono, è come una fuga fra gli alberi e i cespugli; alcuni volti scompaiono contro Ie nuvole; altri invece si sporgono piú nitidi. Altri ancora ridono con divina serenità. All'improvviso, appare anche Gitone: immagine sorridente che sale rapida verso il cielo. 1218. Encolpio è in piedi, solo, triste. Guarda dritto davanti a sé. Gli Dei sono scomparsi; ma c'è ancora nell'aria come una vibrazione, una tensione, un'ansia. Soppresse dalla 1201 alla 1218. 1219. Adesso Encolpio è ritto presso il cadavere di Ascilto. Pensieroso e triste, lo guarda, e parla fra sé, senza muovere Ie labbra: VOCE DI ENCOLPIO (F.C.): Dov'è adesso la tua gioia, la tua prepotenza? Sei in balia dei pesci e delle belve: tu che poco fa ostentavi la tua innocenza guerriera. Avanti, adesso, mortali: riempitevi di sogni... Dèi grandi, come giace lontano dalla sua mèta! Scena n. 67. Esterni vari. Esterno. Giorno. 1219 a. Encolpio cammina, solo e malinconico, attraverso alberi e cespugli. 1220. In un altro ambiente, giace sdraiato su un prato, e guarda il cielo. 1221. Di nuovo cammina, su una lingua di terra presso il mare. Scena n. 68. Spiaggia con nave di Eumolpo. Esterno. Giorno. 1222. In acque stagnanti, oleose, dense, ai confini fra la palude e il mare, si innalza la nave di Eumolpo, piatta come un fondale di teatro. 1223. Presso la nave, sulla terraferma, c'è come un piccolo accampamento: un baldacchino, con sotto un letto; qua e là, casse ed anfore. E un gruppo di persone immobili. 1224. Encolpio si avvicina lentamente. 269 1225. Un uomo giovane, dall'aria forte e serena, forse il capitano della nave, si fa incontro ad Encolpio e gli dice: CAPITANO: La nave che doveva portare in Africa Ie merci preziose e gli schiavi, non partirà. Il nostro padrone è morto. Il giovane indica ad Encolpio... 1226. ... il vecchio Eumolpo, morto, sdraiato sul letto sotto il baldacchino. Ha il volto ancora roseo, e sembra sorridere lievemente; è perfettamente composto, sembra addormentato. 1227. Encolpio lo guarda; ha una espressione piú consapevole, matura e triste. Guarda Eumolpo, poi guarda... 1228. ... il giovane capitano, i marinai fermi a braccia conserte, gli amici intorno, Ie casse di merce ammonticchiate in giro, qualche schiavo in fondo, uno schiavo negro seduto su una casa... 1229. Il capitano ha in mano alcuni fogli. Dice: CAPITANO: Ha lasciato uno strano testamento, signore. Ascolta anche tu. 1230-1231. Mentre inquadriamo Eumolpo, immobilizzato nel suo fine sorriso, la voce del capitano legge il testamento ed è come se parlasse Eumolpo stesso. CAPITANO (F.C.): “Tutti coloro per cui ci sono legati nel mio testamento, ad eccezione dei liberti, potranno entrare in possesso di quel che ho lasciato a patto che facciano a pezzi il mio corpo e alla presenza di tutti lo mangino. Esorto i miei amici a non respingere il mio invito, ma divorino il mio corpo con lo stesso ardore con cui avranno mandato all'inferno la mia anima”. 1232. Uno degli uditori fa una smorfia di disgusto. Gli altri hanno ascoltato attentamente. Un vecchio tendeva l'orecchio per sentile meglio. 1233. Il capitano commenta, leale e serio: CAPITANO: Impossibile. È uno scherzo. 1234. Si fa avanti uno degli eredi; un uomo pallido, magro, dall'aria untuosa e ipocrita. Parla con convinzione. EREDE: E perché? Presso certe popolazioni, anche oggi, c'è la norma che i defunti debbano esser mangiati dai familiari. Difatti i malati si sentono rimproverare di continuo che cosí rendono cattiva la loro carne. 1235. Un altro erede, un uomo grasso e stanco, seduto all'ombra interviene anche lui: UOMO GRASSO: Di un rifiuto del mio stomaco non ho da temere. Seguirà i miei ordini, se per un'ora di nausea gli prometto un mucchio di cose buone... 1236. Anche un vecchio dall'aria saggia parla con voce pacata: 270 VECCHIO: Certo, ci sono degli esempi... I Saguntini, assediati da Annibale, mangiarono carne umana, e non si aspettavano un'eredità... Lo stesso fecero i Petelini... E quando Numanzia fu presa da Scipione, si trovarono delle madri che stringevano fra Ie braccia i corpi rosicchiati dei loro figIi... 1237. Un giovanotto, forte e sano, dall'aria golosa, si avvicina al cadavere, e dice gioiosamente: GIOVANOTTO: Io sono pronto ad eseguire. 1238. E, estratto un coltello, esamina il corpo di Eumolpo come studiando qual è il modo migliore per tagliarlo. 1239. Intanto il vecchio saggio bisbiglia: VECCHIO: Tutto quanto accade è necessario... 1240. Qualcuno fugge inorridito. 1241. Gli eredi formano un gruppo compatto intorno al cadavere, e con la solennità di un rito, con calma e decisione, si accingono alIa dissezione. 1242. Encolpio ha seguito la scena con serietà ed attenzione, e adesso ride; è un riso piú stanco, ed anche piú folIe del suo solito. Un riso d'intesa, di comprensione, di accettazione. 1243. Le immagini si fanno piú distorte e frammentarie... 1244. ... Si intravede soltanto qualcosa di quanto succede: la lama di un coltello affilato... 1245. ... un erede che dà un ordine a uno schiavo,... 1246. ... un marinaio che si arrampica sulla nave con una corda... 1247. ... poi Ie onde del mare sulla riva... 1248. ... poi ancora Encolpio che ride; ED A QUESTO PUNTO LA STORIA SI SPEZZA, SI ROMPE IN UNA SERlE DI IMMAGINI DISCONTINUE. Soppresse dalla 1243 alla 1248. 1249-1253. VISIONI INCERTE, di persone che compiono gesti inafferrabili, o ridono per qualche motivo misterioso; visioni di cose ferme, paesaggi abbaglianti, fissi, eterni. A poco a poco, l'allucinato viaggio in una dimensione storica cosí favolosa si ferma e si allontana dal nostro occhio. Tutto si screpola, si copre della polvere dei secoli. Si trasforma in un antico affresco; un affresco stinto, coi colori pompeiani, dove Encolpio è soltanto uno 271 dei tanti volti di persone, dal sorriso ambiguo, che adornano l'affresco. Il finale è stato modificato in misura rilevante. Encolpio, raccogliendo l'invito del capitano della nave di Eumolpo, si unisce ad un equipaggio di giovani che, dopo aver rifiutato di nutrirsi del corpo del vecchio poeta, salpano verso nuovi lidi e nuove avventure. VOCE DI ENCOLPIO: Decisi di partire con loro. La nave trasportava merci preziose e schiavi... Toccammo porti di città sconosciute. Udivo per la prima volta i nomi di Keliscia... Rectis... In un'isola ricoperta di erbe alte, profumate, mi si presentò un giovane greco, e raccontò che negli anni... VOCE DI ENCOLPIO (sovrapposizione): Cum iis proficisci statui. Navis merces pretiosas et servos vehebat. Portus et locos ignotos attigimus. Primum Keliscia, Rectis nomina audibam. In insula quidam herbis altis, suaveolentibus operta, adolescens Graecus mihi apparuit et narravit annos... 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