Rumeu - Faculdade de Letras

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Rumeu - Faculdade de Letras
Universidade Federal do Rio de Janeiro
A IMPLEMENTAÇÃO
DO
‘VOCÊ’
NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA
UM ESTUDO
DE
PAINEL.
Márcia Cristina de Brito Rumeu
Volume I
2008
E
NOVECENTISTA:
2
A IMPLEMENTAÇÃO
DO
‘VOCÊ’
PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA
UM ESTUDO DE PAINEL.
NO
E
NOVECENTISTA:
Márcia Cristina de Brito Rumeu
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como
requisito para a obtenção do Título
de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Orientadora: Prof.a Doutora Célia
Regina dos Santos Lopes.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2008.
3
A Implementação do ‘Você’ no Português Brasileiro Oitocentista e
Novecentista: Um Estudo de Painel.
Márcia Cristina de Brito Rumeu
Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
Presidente Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ
Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ
Professora Doutora Jânia Martins Ramos – UFMG
Professora Doutora Claúdia Nívia Roncarati de Souza – UFF
Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – UFRJ
Professora Doutora Maria Eugenia Lamoglia Duarte – UFRJ (Suplente)
Professor Doutor Emílio Gozze Pagotto – USP (Suplente)
Rio de Janeiro
Dezembro de 2008.
4
Rumeu, Márcia Cristina de Brito.
A implementação do ‘Você’ no Português Brasileiro Oitocentista e
Novecentista: Um estudo de painel./Márcia Cristina de Brito Rumeu.
Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2008.
xxi, 928f. 2v. il.; 31 cm.
Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes.
Tese (Doutorado) – UFRJ/FL Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 257 – 273.
1. Mudança Lingüística 2. Quadro Pronominal 3. A inserção de
‘Você’ no Português Brasileiro. 4. Cartas Pessoais (Familiares).
I. dos Santos Lopes, Célia Regina. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas. III. A Implementação do ‘Você’ no Português
Brasileiro Oitocentista e Novecentista: Um Estudo de Painel.
5
Dedido integralmente este trabalho aos meus
amados
pais
“Alfredo
Rumeu”
e
“Antonia
Rumeu” pelo senso de responsabilidade com
que me apresentaram à vida.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por iluminar a minha vida e por me impulsionar a
pensar e a concluir este trabalho.
À querida orientadora Célia Lopes pela orientação solidária, séria,
paciente, competente, e, principalmente, comprometida com a coerência
de uma investigação lingüística.
Aos queridos professores Dinah Callou e Afranio Barbosa pela
seriedade com que me apresentaram à pesquisa lingüística no interior
dos arquivos públicos do Rio de Janeiro.
Aos meus amados pais “Antônia Rumeu” e “Alfredo Rumeu” por
sempre me terem mostrado o valor do conhecimento na trajetória de
vida do ser humano. Aos dois, sou sinceramente grata por terem
fortalecido a minha alma, com muita responsabilidade e com uma
humilde sabedoria. Ainda no círculo familiar, agradeço também a todos
os meus familiares e, especialmente, a minha sempre tão solícita irmã
“Cristiane Rumeu” pelo carinho e compreensão.
Aos queridos amigos e companheiros de trabalho da Escola
Municipal Rubens de Farias Neves, da Escola Municipal Baden Powell e
do Colégio Estadual Jeannette de Souza Coelho Mannarino com os quais
compartilho as angústias e as alegrias do magistério. Agradecimentos
especiais merecem as queridas amigas e colegas de profissão Ana Carla
Morito Machado, Ana Carolina Morito Machado, Eliane Belford, Lindaura,
Orjana Moreira, Rita e Zelimar Batista pela compreensão e cumplicidade
que sempre demonstraram para comigo.
Aos professores e aos alunos que compartilharam comigo o
“saber”, contribuindo, portanto, para o meu amadurecimento pessoal e
profissional.
Por fim, agradeço a todos os ‘mais que amigos’ que, mesmo
geograficamente distantes, torceram silenciosamente por mim ...
7
SINOPSE
Análise
sociolingüística
do
comportamento
do
indivíduo (panel study, cf. Labov 1994), nos séculos
XIX e XX, em relação ao emprego das formas Tu e Você
como sujeitos pronominais. Estudo da implementação
do Você no quadro pronominal do Português Brasileiro
com base na produção escrita de brasileiros cultos.
8
ENTRE
O
“VOCÊ”
E O
“TU”1
“Apontas-me, como crime, a minha mistura de “você” com “tu” na
mesma carta e, às vezes, no mesmo período. Bem sei que a Gramática
sofre com isso, a coitadinha; mas me é muito mais cômodo, mais lépido,
mais saído – e, portanto, sebo para a coitadinha. Às vezes o “tu” entra na
frase que é uma beleza; outras é no “você” que está a beleza – e como
sacrificar essas duas belezas só porque um Coruja, um Bento José de
Oliveira, um Freire da Silva, um Epifânio e outros perobas “não querem”?
Não fiscalizo gramaticalmente minhas frases em cartas. Língua de cartas
é língua em mangas de camisa e pé-no-chão – como a falada. E, portanto,
continuarei a misturar o “tu” com “você” como sempre fiz – e como não faz
o Macuco. Juro que ele respeita essa regra da gramática como os judeus
respeitavam as vestes sagradas do Sumo Sacerdote. Logo, o dever nosso
é fazer o contrário.”
(Trecho de Carta redigida por Monteiro
Lobato, em São Paulo, 07/11/1904, ao
amigo Godofredo Rangel e publicada na
Revista Língua Portuguesa. In: Revista
Língua Portuguesa, Ano III, Número 27,
p.38, Janeiro de 2008.)
1
Trata-se de trecho de carta de Monteiro Lobato redigida ao amigo Godofredo Rangel que,
segundo o biógrafo Vladimir Sacchetta, está incluída na Coletânea de Cartas “A Barca de
Gleyre” (1944).
9
RESUMO
A IMPLEMENTAÇÃO
DO
‘VOCÊ’
PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA
UM ESTUDO DE PAINEL.
NO
E
NOVECENTISTA:
Márcia Cristina de Brito Rumeu
Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes.
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa PósGraduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do Título de Doutor em Língua Portuguesa.
O objetivo principal deste estudo é investigar, com base em cartas
pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães, o processo de inserção de Você no quadro pronominal do PB
e o seu nível de coexistência com o Tu. A partir do rigoroso controle do
perfil sociolingüístico dos informantes, à luz de Lobo (2001a), analisa-se
o comportamento lingüístico dos indivíduos ao longo de suas vidas, em
fins do século XIX e na primeira metade do século XX (panel study cf.
Labov 1994). O caráter inovador deste trabalho está na tentativa de
elaboração de uma proposta metodológica para o estudo de painel
voltado para sincronias passadas.
Partindo do pressuposto de que Você apresenta, no século XVIII,
um caráter híbrido, comportando-se como uma forma pronominal de
tratamento (Rumeu, 2004), postulam-se, para fins do XIX e para a
primeira
metade
do
século
XX,
indícios
mais
nítidos
da
sua
pronominalização e conseqüente inserção no quadro pronominal do PB
(cf. Duarte 1993, 1995). Isso se deve ao fato de, no século XIX, fase de
transição, a forma Você ser empregada como um tratamento de
prestígio, usado pela elite brasileira nas cartas de pessoas ilustres
(Soto, 2001) e, ao mesmo tempo, ser adotado no uso doméstico (Lopes e
Machado, 2005).
10
A análise da variação entre as estratégias relacionadas a formas de
P2 (Tu) e de P3 (Você) evidenciou o emprego predominante de formas de
Tu sobre Você. O estudo de painel mostra que, na produção escrita das
mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães, o pronome-sujeito
Você é mais produtivo, principalmente, no contexto sócio-histórico dos
anos 30. No que se refere à representação formal dos sujeitos
pronominais, há praticamente uma distribuição complementar: sujeito
Tu nulo e Você pleno, o que parece apontar um estágio de transição
para a mudança de parâmetro do sujeito nulo (cf. Duarte 1993, 1995).
Com relação ao sujeito Você, constatou-se uma distribuição equilibrada
entre pleno e nulo, com favorecimento para o primeiro. Se, por um lado,
a forma inovadora desvendaria um comportamento típico de uma língua
de sujeito nulo, por outro, já revelaria, na amostra, indícios do que se
firmará mais tarde: maior índice de preenchimento da posição de
sujeito no PB.
O
Tu
ainda
resiste
como
pronome
complemento
não
preposicionado (te) e como pronome possessivo (teu/tua). O Você se
instalou mais rapidamente, no quadro pronominal do PB, como sujeito,
preferencialmente preenchido, e como complemento preposicionado
(com você) – actuation problem, cf. Weinreich et alii (1968) –,
considerando a sua história de pronominalização Vossa Mercê>Você
como um processo mudança que pareceu ser notadamente conduzida
pelas mulheres no contexto sócio-histórico do Brasil dos anos 30
(embbeding problem, cf. Weinreich et alii 1968).
Editam-se, com fac-símile, em volume anexo, cento e setenta
cartas trocadas entre os brasileiros da família Pedreira Ferraz –
Magalhães.
Palavras-chave: Mudança Lingüística, Quadro Pronominal, A inserção
de ‘Você’ no Português Brasileiro, Cartas Pessoais (Familiares).
Rio de Janeiro
Dezembro de 2008.
11
ABSTRACT
The implementation of ‘Você’ in Brazilian Portuguese of the
nineteenth and twentieth centuries: A Panel Study.
Márcia Cristina de Brito Rumeu
Advisor: Célia Regina dos Santos Lopes.
The abstract of the Doctoral Thesis submitted to the Programa de
Pós-Graduação
em
Letras
Vernáculas,
Faculdade
de
Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, as part of the
necessary requirements to obtain the Doctor Title in Portuguese
Language.
The main aim of this doctoral thesis is to research the insertion of
‘Você’ (You) in the pronominal system of the Brazilian Portuguese and
the level of coexistence with the pronoun ‘Tu’ (You) in hand-written
private letters of the Brazilian family Pedreira Ferraz - Magalhães.
Based on a rigorous control of the sociolinguistic profile of informants of
the personal letters, in the light of Lobo (2001a), the linguistic behavior
of writers was analyzed along their lives, in the end of the nineteenth
century and on the first half of the twentieth century (panel study, cf.
Labov 1994). The innovator side of this investigation is the application
of the methodology so as to develop the panel study according to the
labovian ideas to explain the progress of the linguistic change in the
past.
Taking into consideration the “cross-bred” side of Você, in the 18th
century, as a pronominal form of address (Rumeu 2004), it is possible to
postulate that there are clear-cut evidences of the linguistic change
process suffered by Você, at the end of the nineteenth century and in
the first half of the twentieth century. It contributed to its insertion in
the pronominal system of the Brazilian Portuguese as a pronoun of the
2nd person singular of discourse (Duarte 1993, 1995). In fact, the
pronoun Você (You) was used as a way of prestige treatment by the
12
upper class of Brazilian society at the end of the nineteenth century
(Soto 2001); moreover, the Você is also adopted in the homely use
(Lopes e Machado 2005).
This study shows that the pronoun Tu (You) was preferred by
writers of the Pedreira Ferraz – Magalhães family. The panel study
suggests the high productiveness of the subject-pronoun Você (You) in
the handwriting production of the women in the thirties of the twentieth
century. In relation to the formal representation of the pronominal
referential subject, there was a complementary arrangement: Tu as null
subject and Você as full subject. This result indicates a transition level
in order to show a parameter change of the language of null subject as
shown by empirical researches (Duarte 1993, 1995). If the pronominal
form Você (You) would reveal the language of the null subject,
otherwise, it would also bring out vestiges of the future: the advance of
the full subject in Brazilian Portuguese.
The pronoun Tu still resists as a complement pronoun without
prepositions (te) and as possessive pronoun (teu/tua). The pronoun
Você was installed quickly as full pronominal subject and as a
complement pronoun with prepositions (com você) – actuation problem,
cf.
Weinreich
et
alii
(1968).
Concerning
the
history
of
grammaticalization of Vossa Mercê>Você in Portuguese, it is possible to
recognize that the Brazilian women led the linguistic change in the
thirties of the twentieth century (embedding problem, cf. Weinreich et
alii 1968).
One hundred seventy hand-written private letters, exchanged
among the Brazilian writers of the Pedreira Ferraz – Magalhães family,
are being edited with facsimile’s help in an attached volume.
Key-words: Linguistic Change, Pronominal System, The implementation
of ‘Você’ in Brazilian Portuguese, hand-written private letters (easy style
letters).
Rio de Janeiro
13
December, 2008.
SUMÁRIO
VOLUME I
Índice de Gráficos, Imagens, Quadros e Tabelas ........................... 17-20
Abreviaturas e Convenções ............................................................... 21
CAPÍTULO 1. APRESENTAÇÃO ................................................................. 22
CAPÍTULO 2. REVISÃO
HISTÓRICO
–
DESCRITIVA
......................................... 28
2.1 Breve resgate da história de formação do Você no português. 28
2.2 O resgate de estudos sobre a alternância Tu e Você no
português brasileiro. .................................................................. 32
2.2.1 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro
escrito: estudos diacrônicos dos séculos XIX, XX e XXI. . 32
2.2.2 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro
falado: estudos sincrônicos. ........................................... 42
CAPÍTULO 3. AS CARTAS PESSOAIS
CONTEXTO
SÓCIO
–
HISTÓRICO
DA
DO
FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES
BRASIL
OITOCENTISTA
E
NO
NOVECENTISTA.
..........................................................................................................
58
3.1 A caracterização da amostra constituída: uma família brasileira
culta no despertar do século XX. ................................................ 58
3.2 A história privada das famílias Pedreira Ferraz e Castro
Magalhães. ................................................................................ 65
CAPÍTULO 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............................ 81
4.1 A Mudança lingüística à luz dos pressupostos variacionistas.77
4.2 A variação e a mudança lingüística em tempo real de curta
duração: os estudos de painel e de tendências aplicados a análises
14
diacrônicas.
...............................................................................
86
4.3 O fator gênero em processos de variação e mudança
lingüísticas..
..............................................................................
91
4.4 Por um estudo de painel em sincronias passadas: os entraves e
os avanços da aplicação de um modelo. ..................................... 97
4.5 Proposta metodológica para os estudos da mudança lingüística
em tempo real de curta duração: o estudo de painel em sincronias
passadas. ................................................................................ 107
CAPÍTULO 5. DESCRIÇÃO
E ANÁLISE DOS RESULTADOS
.............................. 115
5.1 A variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você): a amostra e
os grupos de fatores. .............................................................. 115
5.2 Resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você nas
cartas da família Pedreira Ferraz-Magalhães. ........................... 125
5.3 O sujeito pronominal Tu e Você na família Pedreira – Ferraz
Magalhães: um estudo em tempo aparente. ............................. 151
CAPÍTULO 6. O
PRONOMINAL
ESTUDO DE PAINEL EM SINCRONIAS PASSADAS: A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO
TU
E
VOCÊ
EM
CARTAS
OITOCENTISTAS
E
NOVECENTISTAS.
................................................................................ 163
6.1 A estabilidade dos missivistas Dr. Pedreira, Fernando e Pe.
Jerônimo: a preferência pelo Tu pronominal. ............................ 169
6.2 A instabilidade das missivistas Maria Elisa e Maria Joana: a
preferência pelo Tu pronominal. ............................................... 194
6.3 A instabilidade das missivistas Maria Bárbara e Maria Rosa: a
preferência pelo Você pronominal. ............................................ 211
6.4 A estabilidade da missivista Maria Leonor: a preferência pelo
Você pronominal. ..................................................................... 231
6.5 Breves considerações com base no estudo de painel dos
homens e das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
................................................................................................ 238
15
CAPÍTULO 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................... 249
8. BIBLIOGRAFIA................................................................................. 257
VOLUME II
EDIÇÃO FAC-SIMILAR SEMI-DIPLOMÁTICA
DA
DAS
CARTAS
FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES
Apresentação das Normas para a transcrição de manuscritos dos
séculos XIX e XX. ........................................................................ 22-25
Edição das cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da Família
Pedreira Ferraz – Magalhães aliada às Fichas de identificação dos
missivistas. ............................................................................... 28-654
Ficha de identificação do missivista Dr. Pedreira ...................... 26
Cartas do missivista Dr. Pedreira ........................................ 28-64
Ficha de identificação da missivista Zélia ................................. 68
Cartas da missivista Zélia ................................................... 70-83
Ficha de identificação do missivista Jerônimo .......................... 91
Cartas do missivista Jerônimo .......................................... 93-113
Ficha de identificação da missivista Maria Teresa .................. 115
Cartas da missivista Maria Teresa .................................. 117-133
Ficha de identificação da missivista Maria Amália .................. 136
Cartas da missivista Maria Amália .................................. 138-142
Ficha de identificação da missivista Maria Bárbara ................ 146
Cartas da missivista Maria Bárbara ................................ 148-172
Ficha de identificação da missivista Maria Elisa ..................... 174
Cartas da missivista Maria Elisa ..................................... 176-222
Ficha de identificação do missivista Fernando ................. 223-224
Cartas do missivista Fernando ........................................ 226-366
16
Ficha de identificação do missivista Pe. Jerônimo ................... 367
Cartas do missivista Pe. Jerônimo ................................... 369-407
Ficha de identificação da missivista Maria Leonor .................. 409
Cartas da missivista Maria Leonor .................................. 411-465
Ficha de identificação da missivista Maria Rosa ..................... 466
Cartas da missivista Maria Rosa ..................................... 468-522
Ficha de identificação da missivista Maria Joana ................... 526
Cartas da missivista Maria Joana ................................... 528-653
ANEXO
Árvore genealógica da Família Pedreira Ferraz – Magalhães.
17
ÍNDICE
DE
GRÁFICOS, IMAGENS, QUADROS
E
TABELAS:
Quadro 1: Representação gráfica da pirâmide social portuguesa nos séculos XV e XVI:
ampliação dos contextos de uso da forma Vossa Mercê no português europeu. ........ 31
Imagem 1: A família Pedreira Ferraz - Magalhães em 1890. ..................................... 73
Imagem 2: Os oito filhos religiosos de Zélia, reunidos no Mosteiro do Bom Pastor (Rio
de Janeiro), em Janeiro de 1933.
............................................................................
75
Quadro 2: Padrões de mudança lingüística no indivíduo e na comunidade, conforme
Labov (1994). .......................................................................................................... 86
Quadro 3: Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade adaptados de Labov
(1994:83) por Sankoff (2006:05). ............................................................................. 88
Imagem 3: Trecho da carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La
Plata, 21.02.1948. .................................................................................................. 99
Imagem 4: Trecho da carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro.
Mosteiro do Bom Pastor, 16.09.1898. ......................................................................
99
Imagem 5: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô Dr. Pedreira. Belém
do
Pará,
13.06.1909.
.............................................................................................
100
Imagem 6: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe Zélia, em
10.10.1909. .......................................................................................................... 100
Imagem 7: Trecho da carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do
Bom Pastor, 20.05.1900. ...................................................................................... 100
Imagem 8: Trecho da carta de Fernando, com 29 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Bélgica,
Enghien, 15.11.1922. ........................................................................................... 101
Imagem 9: Trecho da carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane).
Montevidéu, 15.02.1931. ...................................................................................... 101
Imagem 10: Trecho da carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro.
Mosteiro do Bom Pastor, 26.06.1898. .................................................................... 102
Imagem 11: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa
de Duprat), com 59 anos, a sua filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922. ......................... 102
Imagem 12: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa
de Duprat), com 49 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912. .................... 102
Imagem 13: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa
de
Duprat),
com
57
anos,
ao
sobrinho
Pe.
Jerônimo.
RJ,
29.03.1920.
.............................................................................................................................. 103
Imagem 14: Trecho da carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane).
PE, Olinda, 11.07.1920. ........................................................................................ 103
18
Imagem 15: Trecho da carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata,
05.04.1934. .......................................................................................................... 104
Imagem 16: Trecho da carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo.
Pouso
Alegre,
08.12.1922.
.....................................................................................
104
Quadro 4: Cartas oitocentistas e novecentistas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães
distribuídas pelas fases A (1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948) .. 117-119
Quadro 5: Síntese com a distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária dos
missivistas. ........................................................................................................... 120
Tabela 1: Distribuição geral das ocorrências de P2 (Tu) e P3 (Você) em cartas
oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães: todos os dados.
.............................................................................................................................. 125
Tabela 2: A combinação das formas pronominais Tu e Você com formas de P2 e P3 nas
cartas oitocentistas e novecentistas. Valor de aplicação: Tu (P2). .......................... 130
Imagem 17: Trecho da 3ª página da carta de Pe. Jerônimo, com 44 anos, ao irmão
Fernando. (Vila Antonio Dias, MG, 21.09.1925.) .................................................... 132
Tabela 3: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação às categorias
gramaticais (pronomes/verbos) na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). ................................................................. 134
Tabela 4: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) pelos missivistas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). ........................... 137
Tabela 5: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em função do gênero dos
missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). ................................................................ 140
Tabela 6: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação à faixa etária
dos missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). .......................................................... 141
Tabela 7: Cruzamento dos grupos de fatores gênero e faixa etária em relação à
produtividade das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) nas cartas oitocentistas e
novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães. ............................................. 143
Tabela 8: Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas pessoais oitocentistas e
novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. ........................................... 146
Quadro 6: Missivistas do estudo em tempo aparente. ............................................ 152
Tabela 9: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos
etários: estudo em tempo aparente (1905 – 1920). ................................................. 152
Gráfico 1: Estudo em tempo aparente: uso de Tu e Você como sujeitos de segunda
pessoa do discurso distribuídos entre os missivistas jovens, adultos e idosos da
Família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. ...................... 154
Tabela 10: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos
etários/gênero: estudo em tempo aparente (1905 – 1920). ..................................... 155
19
Gráfico 2: Estudo em tempo aparente: ocorrências de Você distribuídas pelo gênero
(feminino e masculino) em relação à faixa etária dos missivistas (jovens, adultos e
idosos) da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. ....... 155
Tabela 11: A representação nula ou plena do sujeito pronominal por homens e
mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre 1905 e 1920: um estudo em
tempo aparente. .................................................................................................... 157
Gráfico 3: A representação pronominal do Você pelos homens. .............................. 159
Gráfico 4: A representação pronominal do Você pelas mulheres. ............................ 159
Quadro 7: Missivistas do Estudo de Painel. ........................................................... 165
Tabela 12: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do
Dr. Pedreira aos filhos entre os anos de 1876 e 1896. ........................................... 170
Gráfico 5: Comportamento lingüístico do Dr. Pedreira em relação ao emprego de Você
como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso nas cartas destinadas à filha
Zélia entre os anos de 1877 e 1896. ...................................................................... 172
Tabela 13: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do
missivista Fernando entre os anos de 1919 e 1933. ........................................ 176-177
Gráfico 6: Comportamento lingüístico do missivista Fernando em relação ao emprego
de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de
1919
e
1933.
.........................................................................................................
178
Tabela 14: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pelo informante Pe. Jerônimo aos irmãos entre os anos de 1905 e 1931.
.............................................................................................................................. 186
Gráfico 7: Comportamento lingüístico do missivista Pe. Jerônimo em relação ao
emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os
anos de 1905 e 1931. ............................................................................................ 190
Tabela 15: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pela informante Maria Elisa aos irmãos entre os anos de 1915 e 1938. .195
Gráfico 8: Comportamento lingüístico da missivista Maria Elisa em relação ao emprego
de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de
1915
e
1938.
.........................................................................................................
198
Imagem 18: Trecho de carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo em
Pouso
Alegre,
29.06.1922.
.....................................................................................
199
Tabela 16: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pela informante Maria Joana aos irmãos entre os anos de 1912 e 1947.
20
.......................................................................................................................
202-
203
Gráfico 9: Comportamento lingüístico da missivista Maria Joana em relação ao
emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os
anos de 1912 e 1947. ............................................................................................ 207
Tabela 17: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pela informante Maria Bárbara aos irmãos entre os anos de 1911 e 1928.
.............................................................................................................................. 212
Gráfico 10: Comportamento lingüístico da missivista Maria Bárbara em relação ao
emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os
anos de 1911 e 1928. ............................................................................................ 215
Tabela 18: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pela informante Maria Rosa aos irmãos entre os anos de 1908 e 1948. .219
Imagem 19: Trecho da carta de Maria Rosa, com 41 anos, ao irmão Pe. Jerônimo,
confeccionada em Montevidéu, 11.09.1919. .......................................................... 222
Gráfico 11: Comportamento lingüístico da missivista Maria Rosa em relação ao
emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os
anos de 1908 e 1948. ............................................................................................ 224
Tabela 19: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas
produzidas pela informante Maria Leonor aos irmãos entre os anos de 1913 e 1933.
.............................................................................................................................. 232
Gráfico 12: Comportamento lingüístico da missivista Maria Leonor em relação ao
emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os
anos de 1913 e 1933. ............................................................................................ 235
Gráfico 13: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos
homens da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. ................ 239
Gráfico 14: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel das
mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. .............. 240
Quadro 8: Proposta de Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você no PB
adaptado de Rumeu (2004). .................................................................................. 251
21
ABREVIATURAS
E
CONVENÇÕES:
AN - RJ → Arquivo Nacional
C1 – C 30 → Carta 01 a Carta 30
NURC → Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta
PB → Português Brasileiro
PE → Português Europeu
PHPB – RJ → Projeto Para uma História do Português Brasileiro (Equipe
do Rio de Janeiro)
PEUL → Programa de Estudos sobre o Uso da Língua
PnB → Português no Brasil
P2 → Segunda Pessoa do Singular
P3 → Terceira Pessoa do Singular
[- EU] → Segunda Pessoa (Traço de Pessoa Semântica)
[Ø eu] → Segunda Pessoa (Traço de Pessoa Formal)
22
CAPÍTULO 1. APRESENTAÇÃO.
Esta tese tem como tema geral o estudo da norma escrita culta do
português brasileiro (doravante PB) em cartas pessoais oitocentistas e
novecentistas. A partir do controle do perfil sócio-cultural dos
informantes (missivistas), à luz de Lobo (2001a), investiga-se o
comportamento lingüístico de brasileiros cultos unidos por vínculos
familiares (família Pedreira Ferraz – Magalhães) ao longo de suas vidas,
em fins do século XIX e na primeira metade do século XX (panel study
cf. Labov 1994). Em termos do objeto de estudo, analisa-se, com base
nessas cartas pessoais (familiares), o processo de inserção de Você no
sistema e o seu nível de coexistência com o Tu no PB dos períodos em
estudo.
A análise da implementação de Você no quadro pronominal está
estruturada em três estudos parciais intrinsecamente relacionados. O
primeiro é reservado a um levantamento geral de todas as realizações
das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) encontradas nas missivas que
compõem a amostra. O objetivo é depreender os contextos em que o Tu
ainda resiste e os ambientes morfossintáticos em que o Você é
introduzido mais rapidamente no sistema. Considerando o fato de
outros estudos (Lopes 2007; Lopes 2008; Lopes e Duarte 2007; Lopes e
Machado 2005; Marcotulio et alii 2007; Rumeu 2004) terem evidenciado
o sujeito como um domínio funcional favorecedor à pronominalização de
Você no PB, produz-se, em um segundo momento, um estudo em tempo
aparente (apparent time, cf. Labov 1994) cujo foco se restringe à
representação nula ou plena das formas Tu e Você como sujeitos
pronominais. Acredita-se que a distinção entre homens e mulheres
distribuídos nas três gerações (jovens, adultos e idosos), no período de
1905 a 1920, permita esboçar quem impulsionou o avanço de Você no
quadro pronominal do PB. No terceiro, analisa-se, em relação à
representação nula ou plena dos sujeitos Tu e Você, o comportamento
23
lingüístico de oito informantes da família brasileira em distintos
intervalos de tempo (estudo de painel). O objetivo é, sobretudo, sugerir
os procedimentos metodológicos do estudo de painel em sincronias
passadas a fim de evidenciar, em conformidade com o pensamento
laboviano, a progressão da mudança lingüística em tempo real de curta
duração.
As hipóteses deste trabalho foram formuladas a partir dos
resultados de outros estudos sobre o tema na tentativa de depreender
como, quem e quando o Você suplanta o Tu no PB. A partir da
constatação de Rumeu (2004) de que o Você, no século XVIII, ainda se
comportava como uma forma pronominal de tratamento, postula-se que,
em fins do século XIX, e, no século XX, seja possível entrever mais
evidências da sua pronominalização e conseqüente admissão no nosso
quadro pronominal, cf. Duarte (1993). Nesse período de transição, o
Você ainda conserva uma relativa formalidade, mas se manifesta, por
outro lado, em alternância com o Tu. Em outras palavras, entende-se
que ainda que o Você viesse sendo empregado, desde o século XIX,
como forma de tratamento da elite brasileira, representada pelo
imperador Dr. Pedro II e a condessa de Barral, cf. Soto (2001), já se
mostrava generalizado no uso doméstico dos Ottoni, cf. Lopes e
Machado (2005). Acrescente-se o fato de ser a mulher da família Ottoni
(Bárbara Ottoni) a responsável pelo emprego de tal inovação lingüística
na intimidade da relação entre avó-netos (crianças) e mãe-filha.
Partindo dessas observações, busca-se, neste estudo, testar a hipótese
laboviana (1990) de que as mulheres tendem a alavancar os processos
de mudança lingüística, sendo assim consideradas “inovadoras”. As
mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães, ao preferirem o
inovador Você, poderiam ser consideradas “inovadoras”, conforme
previa Labov (1990)?
Outra hipótese se refere ao momento da implementação de Você no
quadro pronominal do PB. Machado (2006:99) comprovou, com base em
peças teatrais, que, a partir de 1918, o Você se consolida como principal
24
estratégia de referência à segunda pessoa, alterando “substancialmente
o comportamento do preenchimento dos sujeitos ao longo do século XX,
visto que a elevação da freqüência de uso das formas plenas está
intimamente ligada ao aumento da freqüência do emprego de você”. Isso
posto,
acredita-se
que
a
partir
do
estudo
pormenorizado
do
comportamento de cada um dos informantes em sua individualidade,
através da análise de painel (panel study, cf. Labov 1994), seja possível
confirmar ou infirmar o período entre os anos 20 e 30 do século XX
como o momento de instauração do Você no sistema pronominal do PB.
Ademais esta investigação ofereça um pormenorizado estudo de
painel direcionado à elucidação do nosso passado lingüístico, dispõe-se,
à comunidade acadêmica, a edição semi-diplomática de cento e setenta
cartas familiares produzidas por “mãos” legitimamente brasileiras.
Acompanha-se a produção escrita da família Pedreira Ferraz –
Magalhães basicamente em três gerações. A primeira geração é a do Dr.
Pedreira (patriarca da família) que escreve aos filhos e aos netos, no
contexto histórico-social da corte carioca, em fins do século XIX. A
segunda geração é a de Zélia (filha do Dr. Pedreira e matriarca da
família) que escreve aos seus filhos em inícios do século XX. A terceira
geração é a dos filhos de Zélia (netos do Dr. Pedreira) que trocaram
correspondências entre si, no interior dos conventos do Brasil e do
exterior, no decorrer da primeira metade do século XX. Destaque-se
que, com base na produção escrita desses informantes cujos perfis
sociais – origem (nacionalidade e naturalidade), filiação, idade, gênero
(sexo), nível de escolaridade, representação social – foram levantados,
seja possível entrever as redes de relações sociais tecidas entre
brasileiros que nasceram e viveram no Brasil imperial e republicano.
Trata-se, pois, de amostras de cartas familiares confeccionadas por
informantes pertencentes a uma abastada e conservadora família
rigidamente vinculada aos valores do catolicismo cristão, o que
permitirá elucidar aspectos sócio-históricos e lingüísticos da vida
25
corriqueira de uma família de brasileiros, mais particularmente cariocas,
no seu convívio familiar.
Estima-se que, através dos estudos lingüísticos embasados nos
textos escritos em terras brasileiras tais como as cartas de comércio
produzidas no Brasil da segunda metade do século XVIII, editadas por
Barbosa (1999), as cartas particulares do Recôncavo Baiano do século
XIX, editadas por Lobo (2001a), as cartas da administração pública e as
cartas da administração privada confeccionadas no Rio de Janeiro dos
séculos XVIII e XIX, editadas por Rumeu (2004), seja possível contribuir
para a análise da face brasileira assumida pela língua portuguesa na
realidade sócio-histórica do Brasil (Português no Brasil). A esses corpora
que vieram elucidar o português no Brasil, apresenta-se o estudo
lingüístico-filológico de Carneiro (2005) que, por sua vez, contribui para
a reconstrução da história do PB, ao editar cartas de brasileiros cultos
(cartas da administração privada), confeccionadas no Brasil, no
desenrolar de todo o século XIX, mais precisamente entre 1809 e 1904.
Assim sendo, entende-se que esta investigação lingüística venha a
acrescentar aos estudos sobre a constituição histórica do PB, uma vez
que as cartas em estudo apresentam alto caráter pessoal e foram
confeccionadas por informantes letrados, vinculados a uma mesma
família e representantes, nesta investigação, da escrita culta do Rio de
Janeiro, no início do século passado.
Assumindo o objetivo de vislumbrar a expressão da escrita
efetivamente praticada por escreventes letrados, na sua produção
textual informal, pretende-se, não só, no que se refere à análise
lingüística, investigar o processo de implementação de Você no quadro
pronominal, mas também, no que toca à construção da sócio-história
de uma família culta que circulava na corte carioca no alvorecer da
República, responder as seguintes questões:
26
1. Considerando que Rumeu (2004) detecta, em cartas setecentistas e
oitocentistas, um Você híbrido, busca-se responder a seguinte questão:
em que estágio de pronominalização se encontra o inovador Você na
virada do século XIX e primeiro quartel do século XX no PB, transition
problem, segundo Weinreich et alii (1968)?
2. Por que ocorreu a inserção de Você no quadro pronominal do PB
(actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968)? Qual é o contexto sóciohistórico de implementação da forma Você nas matrizes lingüística e
social do PB (embbeding problem), conforme Weinreich et alii (1968)?
3. A investigação do caminho trilhado pela forma Você (transition
problem, cf. Weinreich et alii 1968), na virada do século XIX para o
século XX, passa pela análise do comportamento lingüístico do
indivíduo no uso idiossincrático do conservador Tu (estratégia de
referência ao interlocutor licenciada pela norma gramatical) e do
inovador Você (estratégia nova de referência ao interlocutor). Deseja-se,
através da proposta de confecção de um estudo de painel (panel study),
pensada por Labov (1994), refinar a metodologia de estudo da mudança
lingüística em tempo real voltada para sincronias passadas. O objetivo é
organizar os procedimentos de estudo da mudança em progresso na
diacronia a fim de depreender o comportamento dos membros da
família Pedreira Ferraz – Magalhães. Esses indivíduos, ao mudarem de
faixa etária, se mostram estáveis ou instáveis em relação à variação
entre os pronomes-sujeito Tu e Você?
Com o intuito de dar conta dos objetivos desta investigação,
estruturou-se este estudo em sete capítulos. No primeiro capítulo,
introdução, apresentam-se as diretrizes gerais deste trabalho, as
hipóteses que o norteiam e as amostras que o embasam. No segundo
capítulo, expõem-se alguns resultados de trabalhos lingüísticos sobre a
variação Tu e Você em diferentes corpora do PB dos séculos XIX, XX e
27
XXI. Posteriormente, no capítulo 3, caracterizam-se os corpora e
recupera-se a história da família Pedreira Ferraz – Magalhães. No
quarto capítulo, explicitam-se os pressupostos teórico-metodológicos
que fundamentam esta análise lingüística à luz da Teoria da Variação
de orientação laboviana. Passa-se, no capítulo 5, à análise descritivoanalítica não só dos resultados gerais da variação Tu e Você (item 5.2)
em diferentes contextos morfossintáticos, mas também dos resultados
do estudo da mudança em tempo aparente (apparent time cf. Labov
1994), no item 5.3, com relação ao preenchimento do sujeito. O capítulo
6 apresenta o estudo de painel dos missivistas (panel study, cf. Labov
1994). Enfim, chegam-se, no capítulo 7, às considerações finais desta
tese.
No segundo volume desta tese, apresenta-se a edição fac-similada
semi-diplomática de cento e setenta cartas (170) trocadas entre os
membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães. As referências do
onde e do quando foram produzidas as missivas, da naturalidade, da
nacionalidade e da idade do autor das cartas, seguidos de um breve
resumo do conteúdo das epístolas são expostos antes da transcrição da
carta. Expõem-se também as fichas de identificação de todos os
missivistas das cartas, confeccionadas à luz de Lobo (2001a), e a árvore
genealógica da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Acredita-se ser
legítima
a
preocupação
do
lingüista-pesquisador
em
expor,
à
comunidade acadêmica, a reprodução fac-similar da missiva não só
para que se confirme ou infirme a interpretação do código escrito, mas
também para que se viabilizem outras análises de teor lingüístico,
paleográfico e/ou sócio-histórico com base em um homogêneo conjunto
de cartas certificadamente produzidas por brasileiros cultos.
28
CAPÍTULO 2. REVISÃO
HISTÓRICO
–
DESCRITIVA.
2.1 Breve resgate da história de formação do Você no português.
A língua portuguesa herdou do latim um sistema dual de
referência à segunda pessoa do discurso. O pronome Tu, no plano da
intimidade, e o pronome Vós, no plano da cortesia. Segundo Cintra
(1972), o Vós, até princípios do século XV, representou a forma de
tratamento cerimonioso preferida da realeza portuguesa. A partir dessa
fase, entretanto, o cerimonioso Vós começou a dividir espaço de atuação
com expressões de caráter nominal utilizadas para o tratamento da
realeza na sociedade lusitana.
A sociedade portuguesa de origem feudal reorganizou-se em
virtude do surgimento de uma nova classe social – a burguesia. No fim
do século XV e início do século XVI, além do clero e da nobreza,
também a burguesia vem a compor, em Portugal, a pirâmide social. O
fato de o monarca lusitano ter tido que dividir o glamour do cenário
social com a classe burguesa conduziu à reestruturação das relações
interpessoais de modo que estas evidenciassem, preferencialmente, a
soberania do rei em relação às demais camadas sociais. Com o intuito
de evidenciar, através de formas de tratamento respeitosas, uma
sociedade rigidamente hierarquizada foram instituídas, na segunda
metade
do
século
XV,
expressões
substantivas
especificamente
direcionadas ao tratamento da realeza portuguesa, tais como Vossa
Majestade, Vossa Alteza, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa
Mercê, por meio das leis de cortesia estabelecidas, em 1586, por Felipe
II, na Espanha e, em 1597, por Felipe I, em Portugal. Conforme a
legislação imperial, Felipe I estabelece, em Portugal, as formas nominais
de tratamento Vossa Majestade para o Rei e para a Rainha, Vossa
Alteza para Príncipes e seus sucessores, Vossa Excelência para
sucessores dos Infantes e para o Duque de Bragança e Vossa Senhoria
para o Clero e autoridades do Império Português. A forma nominal de
29
tratamento Vossa Mercê se dissemina pela nobreza e também pela
burguesia
portuguesa,
comportando-se
como
uma
estratégia
de
tratamento formal que se opunha ao informal Tu. No século XVIII, o
autor afirma que o Vós como forma empregada para fazer referência a
um único interlocutor, àquela altura do processo de reorganização do
sistema de tratamento do português, já se constituía como um traço
arcaizante da língua, condenada, pois, ao desuso.
Uma vez que se considere – parafraseando Bakhtin (1973) – a
língua como o sensor das transformações sociais, há de se considerar,
com base na Sociolingüística Variacionista Laboviana (cf. Weinreich et
alii 1968), a variação como um fenômeno inerente às línguas humanas
e a mudança lingüística como um processo que se encaixa – embedding
problem – tanto no eixo lingüístico, quanto no eixo social. Os motivos
para
o
abandono
do
pronome
de
tratamento
Vós
como
uma
demonstração de polidez para com a realeza portuguesa devem ser
entendidos a partir do contexto histórico-social de Portugal nos séculos
XV e XVI. Em termos sociais, há de se admitir que a corte e a nobreza
foram as responsáveis pela adoção e posterior degradação inicial das
formas nominais de tratamento cortês, visto que desejavam estabelecer,
lingüisticamente, uma diferenciação entre as camadas da pirâmide
social portuguesa. Essa tentativa de consolidação de uma sociedade
criteriosamente ordenada em diferentes níveis sociais evidenciava o
desejo de manutenção do status quo expresso através das relações de
poder entre a realeza portuguesa e os seus súditos com base em um
relacionamento
interpessoal
assimétrico.
Em
termos
lingüísticos,
observa-se que, em virtude do desuso do pronome Vós para o
tratamento cerimonioso do interlocutor, houve a criação de formas
nominais de tratamento e entre elas estava a forma nominal de
tratamento Vossa Mercê que evoluiu, lenta e gradualmente, até originar
a forma pronominal Você em português.
No que diz respeito à forma Você, Rumeu (2004) argumenta que tal
forma assume, nas cartas oficiais e não-oficiais produzidas no Brasil dos
30
séculos XVIII e XIX, um estágio intermediário no seu processo de
mudança categorial. Trata-se, pois, da expressão de um cline (de uma
“camada”, cf. Hopper e Traugott 1993) que acaba por evidenciar o Você
como uma forma medianeira entre a forma nominal de tratamento que
a determinou (Vossa Mercê), no século XV, para referência honorífica,
desgastada semanticamente no século XVIII, e o pronome Você que,
atualmente, já se inseriu no sistema pronominal do PB, conforme
constataram Lemos Monteiro (1994) e Duarte (1995).
Ainda segundo Rumeu (2004:126), o Você apresenta-se, pois, como
uma forma pronominal de tratamento, deixando entrever, traços
sintáticos que o aproximam tanto da forma nominal de tratamento que
o impulsionou “Vossa Mercê” (a expressão plena do sujeito e a coreferencialidade com a terceira pessoa gramatical) como da forma
pronominal pessoal “Você” (o exercício da função sintática de sujeito e a
posição do sujeito (pré-verbal)).
Com relação ao encaixamento da mudança categorial de Vossa
Mercê para Você nas matrizes lingüística e social (embbeding problem,
segundo Weinreich et alii, 1968), Rumeu (2004) constata que, em
conformidade com as conclusões de Lopes (1999, 2003) no que se refere
à história de formação da forma a gente no PB, a produtiva
transformação da forma de tratamento Vossa Mercê no pronome Você
deu-se de cima para baixo (change from above, cf. Labov 1994) não se
tratando, pois, de uma transformação lingüística isolada.
Há uma emergência gradativa de formas nominais de
tratamento que passam a substituir o tratamento cortês
universal vós, num primeiro momento pela ascensão da nobreza
e mais tarde da burguesia que exigia um tratamento
diferenciado. Essa propagação, que começa de cima para baixo,
se dissemina pela comunidade como um todo, e as formas
perdem sua concepção semântica inicial, gramaticalizando-se –
algumas de forma mais acelerada que outras, como é o caso de
Vossa Mercê > vosmecê > você. Pelo fato de as formas nominais
levarem o verbo para a terceira pessoa do singular, houve a
redução do nosso paradigma flexional, que perdeu, como já
apontou Duarte (1995), ‘a propriedade de licenciar e identificar
sujeitos nulos.’
31
(LOPES, 1999:144)
Realeza
(séc. XV)
Movimento de ‘cima para baixo’
Nobreza
Burguesia
Plebe
(séc. XVI)
(séc. XVI)
(séc.XVI)
Quadro 1: Representação gráfica da pirâmide social portuguesa nos séculos XV e XVI: ampliação dos
contextos de uso da forma Vossa Mercê > Você no português europeu.
A produtividade de Vossa Mercê deu-se de cima para baixo (change
from above, nos termos Labovianos), favorecendo o seu desgaste
fonético e semântico até formar Você que, por sua vez, carrega, como
traço da forma original, o fato de estabelecer relação de concordância
com a terceira pessoa gramatical.
A inserção de Você no quadro
pronominal do PB conduz a sua reorganização a partir da perda da
riqueza flexional, impulsionando-o a não mais licenciar a expressão
nula do sujeito referencial em português, conforme Lemos Monteiro
(1991), Duarte (1995).
32
2.2 O resgate de estudos sobre a alternância Tu e Você no português
brasileiro.
Expõem-se, nesta seção, os resultados de alguns dos estudos
lingüísticos acerca das estratégias de referência ao interlocutor com
corpora diversificados desde o século XIX até o século XXI. Busca-se
apresentar uma breve síntese do que já foi discutido sobre a variação
dos pronomes de referência à segunda pessoa do discurso Tu e Você, a
fim de vislumbrar os aspectos que ainda merecem ser apreciados em
relação à reestruturação do quadro pronominal do PB.
2.2.1 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro escrito: estudos
diacrônicos dos séculos XIX, XX e XXI.
Redirecionando
o
foco
desta
revisão
histórico-descritiva
especificamente para análise das formas Tu e Você, passa-se à
exposição dos resultados dos trabalhos que versam sobre o português
dos séculos XIX, XX e XXI, em diferentes amostras de língua escrita.
São eles: o de Lopes e Machado (2005) com cartas pessoais oitocentistas
da família Ottoni; o de Lopes (2007) com cartas oitocentistas destinadas
ao ilustre Rui Barbosa; o de Barcia (2006) com cartas de leitores
publicadas em jornais brasileiros oitocentistas; o de Chaves (2006) com
cartas particulares produzidas em Minas Gerais, entre os anos de 1800
e 1954; o de Soto (2001) com cartas brasileiras oitocentistas e
novecentistas; o de Brito (2001) com cartas pessoais e peças teatrais
dos séculos XIX e XX; o de Machado (2006) com peças teatrais
ambientadas no Rio de Janeiro do século XX; o de Marcotulio et alii
(2007) com bilhetes amorosos produzidos no Rio de Janeiro, em 1908 e
o de Lopes (2008) com uma visão panorâmica da inserção de Você no
PB entre os séculos XX e XXI.
33
Lopes e Machado (2005), com base em uma amostra de quarenta e
uma cartas pessoais redigidas, no contexto sócio-histórico de fins do
século XIX, por um casal de brasileiros cultos (Christiano Benedicto
Ottoni e Barbara Balbina de Araújo Maia Ottoni) e direcionadas aos seus
netos (Mizael e Christiano), observam as distintas preferências dos avós,
ao fazerem referência aos sujeitos de segunda pessoa do discurso com
as estratégias pronominais Tu e Você. O avô Christiano prefere o Tu
combinando-o com formas de segunda pessoa do discurso (P2) e o
pronome Vocês categoricamente na função de sujeito, o que era de se
esperar de um avô-professor sempre voltado para a correta expressão da
norma gramatical do português. Já a avó Barbara evidencia um maior
nível de desprendimento em relação aos preceitos gramaticais, uma vez
que apresenta maior variação na combinação entre Tu e Você com
formas de segunda e terceira pessoas.
As autoras discutem, à luz dos princípios de gramaticalização
persistência e decategorização, conforme Hopper (1991), a combinação
das formas pronominais Tu e Você com os pronomes complementos e
possessivos de segunda e terceira pessoas. Na forma Você, constataram
que ainda persiste a especificação original de terceira pessoa (P3), ainda
que a interpretação semântica seja de segunda pessoa do discurso (P2).
Na produção escrita da avó Barbara, Lopes e Machado averiguaram que
a forma Você assume uma interpretação semântica de segunda pessoa
[- EU], embora possa estar combinada com formas de P2 (te manda) –
evidência de decategorização, isto é, da adoção de traços da categoriadestino (pronome) – ou de P3 (sua cartinha) – expressão de persistência
de resquícios formais da categoria-fonte (a forma nominal de tratamento
Vossa Mercê). Tal comportamento lingüístico levou as autoras a
detectarem, na escrita de brasileiros cultos, a tão condenada “mistura
de pronomes”, evidenciando a concorrência entre Tu e Você nas relações
interpessoais íntimas e solidárias no PB de fins do século XIX.
Lopes (2007), em O tratamento ao Rui Barbosa, pretende analisar
as novas possibilidades combinatórias produtivas a partir da inserção
34
de Você no quadro pronominal do PB (Você com te~lhe~você,
teu/tua~seu/sua, Vocês com lhes~vocês, seus~teus) e examinar a
questão da reorganização do sistema de tratamento da língua
portuguesa com a implementação de formas gramaticalizadas. Para
detectar as motivações da variação entre as formas de referência à
segunda pessoa do discurso Tu e Você no PB, embasa o seu estudo em
uma amostra de cartas escritas por nove brasileiros (com exceção do
remetente de Carlos Nunes de Aguiar que não teve a sua nacionalidade
identificada) ao ilustre brasileiro Rui Barbosa, em fins do século XIX.
Ao descrever as formas de tratamento produtivas nas cartas a Rui
Barbosa, a autora admite que é delineado um quadro de estratégias
nominais e pronominais de referência à segunda pessoa do discurso em
consonância com os resultados dos estudos sobre o século XIX.
Observa-se a forma Vossa Excelência nas missivas mais formais
marcadas pelas relações entre remetente e destinatário de natureza
transacional2. Nas cartas de Joaquim Nabuco e de Luis Andrade,
predominam as formas verbais de terceira pessoa sem sujeito explícito.
Nas cartas íntimas, constata-se que a relação entre o remetente e o
destinatário das missivas se dá prioritariamente com o pronome de
segunda pessoa Tu.
Interessante observar o comportamento do informante Carlos
Nunes de Aguiar que, numa mesma carta de amizade a Rui Barbosa,
emprega formas de P2 (Tu) e de P3 (Você). A autora considera
interessante a produção escrita desse informante oitocentista, pois, com
base na mescla de tratamento, é possível investigar traços do caráter
pronominal do Você e indícios da reestruturação do sistema pronominal
do PB. Mostraram-se como fatores relevantes na análise da regra
variável Tu ~ Você o paralelismo discursivo (controlado para a análise da
Para Briz (2004:80), as relações transacionais (...) são assimétricas por definição, pois o
papel funcional, os direitos e as obrigações se apresentam de algum modo determinados e
mais estritamente submetidos a convenções sociais.
2
35
mistura da mescla de tratamento numa mesma carta) e os tipos de
pronome.
No que se refere à análise das formas de P2 ou P3 que precedem as
formas Tu e Você na seqüência discursiva, Lopes observa que apesar de
as formas Tu e Você ocorrerem, respectivamente, antecedidos por
formas de P2 (Tu) e P3 (Você), já se verifica timidamente, nessas cartas,
a mescla de formas de P2 (Tu) precedendo o Você e formas de segunda
pessoa sendo antecedidas por formas de P3 (Você) e variantes.
Com relação aos tipos de pronomes relacionados às formas de P2
(Tu) e de P3 (Você), verificou-se que a forma Você evidencia uma maior
produtividade como pronome-sujeito, imperativo e pronome complemento
preposicionado (para/com você), enquanto o Tu é favorecido pelos
pronomes possessivos (teu/tua), formas verbais não imperativas e
pronome complemento não preposicionado (te). Segundo Lopes, esses
resultados corroboram a hipótese, que também se quer testar nesta
tese, de que a implementação da forma Você no quadro pronominal do
PB não se deu de modo idêntico em todas os subtipos pronominais.
Com base nas cartas de Aguiar, Lopes observou a variação Tu e
Você, na posição de sujeito. O grupo de fatores preenchimento do sujeito
foi selecionado como relevante para a aplicação da regra variável.
Apesar de o Tu íntimo como sujeito nulo ser a preferência do informante
oitocentista em análise, a forma Você como pronome sujeito pleno se
deu preferencialmente na indicação do discurso indireto em que o
falante se reporta ao discurso de outrem. A autora busca motivações
pragmáticas para as ocorrências de Você no discurso reportado. Dessa
forma, com base nos conceitos de face positiva (face) e face negativa
(território) - Teoria da polidez - pensados por Brown e Levinson (1987),
Lopes admite o Você como uma estratégia de tratamento a Rui Barbosa
utilizada para suavizar a face negativa (território) do interlocutor,
evidenciando, através do discurso reportado, um maior distanciamento
social entre remetente e destinatário da missiva.
36
Barcia (2006) se propõe a descrever e a analisar a produtividade
das estratégias nominais e pronominais de tratamento de referência à
segunda pessoa do discurso em cartas de leitores publicadas em jornais
brasileiros oitocentistas. A autora pretende ainda detectar o estágio do
processo de pronominalização assumido por Vossa Mercê a originar
Você nessa amostra.
Em jornais do Brasil oitocentista, detecta as seguintes formas
pronominais e nominais de tratamento: Tu, Vós, Você, Vossa Excelência,
Vossa Senhoria, Vossa Mercê (suas formas variantes). As formas Vossa
Excelência e Vossa Senhoria assumem uma maior produtividade nas
relações transacionais e menos solidárias, o que a leva a considerar que
tais formas ainda conservem o valor cerimonioso com que foram
idealizadas. A forma Vossa Mercê conserva o caráter de cortesia que é
peculiar ao seu processo de formação, mas evidencia uma maior
freqüência de uso nas relações sociais menos solidárias e transacionais,
corroborando, segundo Barcia (2006), a idéia de que os itens em
processo de gramaticalização passam por um processo de perda de
substância semântica (dessemantização), defendida por Lehmann
(1985), Hopper (1991) e Heine (2002).
Nos jornais oitocentistas, a legítima forma pronominal Tu assume
uma maior freqüência de uso nas ambiências de menor grau de
formalidade. A forma Você, ao se desgastar fonética e semanticamente,
passa a concorrer com o pronome Tu nas cartas interpessoais e nas
relações sociais mais solidárias. No entanto, Barcia (2006) observa o
comportamento híbrido da forma Você uma vez que também se
apresenta em cartas transacionais tal qual a forma Vossa Mercê. Assim
sendo, a autora chega à conclusão de que, na produção jornalística de
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a forma Você apresenta-se em
um estágio intermediário do seu processo de gramaticalização (Nome >
Pronome → Vossa Mercê > Você).
37
Chaves (2006), com base em um corpus composto por cartas
particulares produzidas em Minas Gerais, entre 1800 e 1954, se propôs
a investigar a implementação de Você como pronome de tratamento,
concebendo o Vossa Mercê como a forma que o originou. A autora busca
pistas gráficas que permitam rastrear a história de formação do Você no
PB
a
partir
da
comparação
entre
as
fases
do
processo
de
gramaticalização das formas Vossa Mercê e Você e as diferentes
estratégias de abreviação dessas formas de referência à segunda pessoa
do discurso. Chaves (2006), tendo em vista as duas etapas do processo
de gramaticalização de Você – 1ª) Título > perda do título > aquisição do
pronome e 2ª) Sintagma nominal > item lexical > pronome –, comprova
que a segunda metade do século XIX deve ser considerada a fase
deflagradora dessas transformações lingüísticas.
A autora admite que as relações igualitárias travadas entre
remetente e destinatário das missivas oitocentistas e novecentistas e o
assunto no âmbito privado constituem fatores que favorecem o uso da
forma Você nas cartas particulares em análise. Em relação ao gênero
dos informantes, constatou que o uso da variante inovadora Você
assume uma maior freqüência de uso na produção escrita das
mulheres, ao passo que os homens preferem as outras variantes da
forma Vossa Mercê. Em relação às abreviaturas, Chaves (2006)
comprova que funcionam como traços gráficos que acompanham os
estágios do processo da transformação pronominal do Você no PB.
Com base na análise de cartas brasileiras, Soto (2001) encaminha
o seu estudo acerca das expressões de tratamento pronominal alocutivo
no Brasil dos séculos XIX e XX. A autora assume a instabilidade do
sistema de tratamentos do português em relação à marcação do lugar
do outro – interlocutor – detectada na Carta de Caminha como ponto de
partida para a sua investigação. Considera que Você se insere como
forma de referência à segunda pessoa do discurso no sistema de
pronomes da língua portuguesa, dividindo o seu espaço de atuação com
38
vestígios da forma nominal de tratamento Vossa Mercê – Mecê – e com a
forma pronominal Tu.
A investigação lingüística das cartas brasileiras novecentistas
conduziu Soto (2001) a constatar que o século XX representa o
momento de ruptura com um quadro pronominal que previa o Tu como
forma licenciada, em conformidade com a norma padrão, para fazer
referência à segunda pessoa do discurso. Além disso, comprova que o
século XX se apresenta como o período em que se dá a configuração do
Você como forma de referência ao interlocutor totalmente desligada do
sentido de polidez atribuído à sua forma nominal de tratamento
originária, Vossa Mercê. A forma Você se apresenta completamente
desvinculada da semântica do Poder, compartilhando o seu campo de
manifestação no domínio da informalidade em concorrência com a
forma pronominal – Tu. Brito (2001) investiga, a partir de peças de
teatro e de cartas pessoais dos séculos XIX e XX, a mudança na
uniformidade
de
tratamento,
trazendo
à
tona
os
aspectos
morfossintáticos que motivaram o falante do PB a se utilizar, não
uniformemente, dos pronomes de segunda pessoa na função de objeto
mais especificamente nos contextos em que o te está relacionado à
forma Você (“Faça o mundo te ouvir”). A autora combina as teorias
gerativista
(Teoria
de
Princípios
e
Parâmetros)
e
variacionista
(Sociolingüística Quantitativa), concebendo que a mudança lingüística
ocorre no processo de aquisição da linguagem (Teoria da Mudança
Diacrônica).
Os resultados de Brito (2001:167) permitem admitir que o emprego
do te com a forma de tratamento Você é uma mudança paramétrica,
encaixando-se em outras mudanças de parâmetros tais como: a) o não
preenchimento da posição de objeto (conforme Cyrino (1997), o PB se
direciona para uma nova marcação paramétrica que privilegia a posição
de objeto nula); b) a mudança na forma de tratamento e na direção da
cliticização (que é da esquerda para a direita, diferindo-se do português
clássico e do PE moderno); c) a queda do uso do clítico (o onset da
39
sílaba do clítico acusativo ‘o/a’ deixa de ser licenciado) e d) o
enfraquecimento da concordância no PB.
Machado (2006) envereda pelo estudo da implementação de Você
no quadro pronominal do PB no desenrolar do século XX. Além da
análise da variação de formas nominais e pronominais de referência à
segunda pessoa do discurso, em peças teatrais ambientadas no Rio de
Janeiro, entre os anos de 1908 e 1996, a autora também pretende
entender a dinâmica das relações sociais que embasam o uso de
estratégias nominais e pronominais com base na discussão tecida por
Brown e Gilman (1960), Brown e Levinson (1987).
Em seu estudo, detecta persistências formais e semânticas
(Hopper, 1991) relacionadas à história de formação do Vossa Mercê
como forma nominal de tratamento a originar Você no português. Como
evidências de persistência formal de Vossa Mercê na forma Você,
encontra os seguintes traços: a conservação da flexão verbal de terceira
pessoa do discurso, a manutenção da flexão de número, a produtividade
de Você em diferentes funções sintáticas, a tendência de Você fixar-se
na posição sintática de sujeito como um traço pronominal adquirido na
sua história de formação, a combinação formal do Você com formas de
P3, ainda que se combine semanticamente com formas de P2
(decategorização). Como um traço de persistência semântica, tem-se o
uso do Você de referência indeterminadora que, por sua vez, pode evocar
a sua história de formação como a forma nominal de tratamento Vossa
Mercê cuja referência estaria fora do eixo comunicativo.
No que se refere às estratégias de referência ao interlocutor e às
relações sociais que as embasam, Machado observa que, de modo geral,
as formas nominais de tratamento são preferidas nas relações
assimétricas ascendentes. A estratégia pronominal Você passa a
assumir, a partir de 1918, com base na análise da peça O simpático
Jeremias, o espaço do Tu nas relações sociais simétricas e assimétricas
descendentes.
40
Marcotulio et alii (2007) se propõem a descrever as formas de
referência à segunda pessoa do discurso em bilhetes amorosos escritos
no Rio de Janeiro, em 1908, por Robertina de Souza. Com o intuito de
apresentar as formas de tratamento produtivas em correspondências de
amor trocadas entre amantes no Rio de Janeiro oitocentista, a partir
das hipóteses de Lopes (2007), Marcotulio et alli voltaram-se para os
pressupostos teórico-metodológicos da teoria da variação de base
laboviana (Labov, 1994) e da pragmática sócio-cultural pensada por
Bravo & Briz (2004).
O estudo dos contextos favorecedores ao uso de Você e dos
contextos de resistência do Tu levou à análise do tipo de pronome, do
tipo de sujeito (pleno ou nulo), do paralelismo discursivo como fatores
lingüísticos e dos destinatários dos bilhetes amorosos (o companheiro
de Robertina – Arthur – ou o seu amante – Álvaro) como fatores
extralingüísticos.
No que se refere ao tipo de pronome, constatou-se que as formas
de
P2
(Tu)
são
favorecidas
por
pronomes
complemento
não
preposicionados, por formas verbais imperativas e não imperativas:
praticamente os mesmos contextos identificados nas cartas escritas por
Aguiar no século XIX (cf. Lopes 2007). Os pronomes possessivos
detectados nos bilhetes novecentistas se expressaram categoricamente
como formas de P2 (Tu), o que leva a entendê-lo como um contexto de
resistência do Tu pronominal. Já os pronomes do caso reto e os
pronomes complemento com preposição mostraram-se como contextos
favorecedores à produtividade das formas de P3 (Você), nos bilhetes
amorosos analisados por Marcotulio et alii.
O que motiva a investigação acerca da expressão (nula ou plena)
dos sujeitos pronominais é o intuito de averiguar se o Você já assume
as mesmas ambiências funcionais do Tu. Assim sendo, chegam os
autores à conclusão de que a expressão plena do sujeito favorece o
pronome Você, ao passo que a expressão nula do sujeito favorece o
pronome Tu nesses bilhetes do início da era novecentista no Brasil.
41
Com relação ao paralelismo discursivo, Marcotulio et alii também
constataram a mistura das formas de referência ao interlocutor com
formas de P2 (Tu) e de P3 (Você). A análise das formas de tratamento
produtivas nos bilhetes novecentistas, em relação aos respectivos
destinatários dos textos (Arthur e Álvaro), permitiu constatar distintas
opções de referência ao sujeito de segunda pessoa do discurso. A
informante Robertina, ao dirigir-se ao marido (Arthur), em contextos
discursivos de seriedade e respeito, o tratava com formas de P3 (Você),
ao passo que ao referir-se ao amante (Arthur), em contextos discursivos
de afetividade, optava por tratá-lo com formas de P2 (Tu).
Lopes (2008), em Retratos da variação entre você e tu no português
do Brasil: sincronia e diacronia, se propõe a apresentar uma visão
panorâmica da inserção de Você no quadro pronominal do PB, seguindo
pelos séculos XX e XXI, período de implementação efetiva do inovador
Você em tal sistema pronominal. O estudo da variação Tu ~ Você no PB
do século XXI se dá com base em dois roteiros cinematográficos:
Amores Possíveis (Halm, 2001) e Cidade de Deus (Mantovani, 2003).
Enquanto este reproduz o discurso de moradores de comunidades
carentes do Rio de Janeiro, aquele evidencia o comportamento
lingüístico da classe média alta carioca.
Lopes, ao enfocar a variação dos pronomes de segunda pessoa do
discurso Tu e Você no PB contemporâneo (século XXI), constata que a
concorrência entre tais formas pronominais é mantida, sobretudo, na
posição de sujeito, sendo motivada por fatores sociais, regionais,
etários.
O
te
acusativo
mostra-se
produtivo,
nos
roteiros
cinematográficos do século XXI, misturando-se ao Você ou ao Tu
sujeito. Comportamento semelhante ao observado no século XIX e no
início do século XX (cf. Marcotulio et alii 2007; Lopes 2007). Com
relação às formas imperativas, a autora constatou se tratar de um
contexto de resistência de segunda pessoa. No que se refere aos
pronomes possessivos, verificou-se que, na variedade culta da língua,
com a preferência pelo Você, elege-se o pronome possessivo seu (P3). Já
42
o grupo social que assume a primazia pelo pronome de segunda pessoa
Tu também prefere o possessivo de segunda pessoa Teu.
Passa-se à exposição de alguns resultados de investigações
sincrônicas sobre as formas Tu e Você no PB falado em diferentes
regiões brasileiras.
2.2.2 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro falado: estudos
sincrônicos.
Com o intuito de potencializar a descrição do grau da variação
entre as formas Tu e Você, os resultados de alguns trabalhos sobre o PB
falado sincronicamente são trazidos a esta discussão. Para a região
nordeste, expõem-se as investigações de Soares (1980) com a fala de
Fortaleza, a de Bezerra (1994) com a fala de crianças da Paraíba e a de
Pedrosa (1999) com a fala de João Pessoa (PB). Para a região norte,
apresenta-se o trabalho de Soares & Leal (1993) com a fala do Pará.
Para a região sudeste, têm-se os trabalhos de Ramos (1997) com o
dialeto de Belo Horizonte, o de Paredes e Silva (2003) com a fala carioca,
o de Modesto (2006) com a fala santista (SP), o de Mota (2008) com o
português oral de São João da Ponte (MG) e o de Lopes (2008) com a
fala carioca. Para a região centro-oeste, volta-se o foco para os estudos
de Lucca (2005) e de Dias (2007) com a fala brasiliense. Para a região
sul, destacam-se as análises de Loregian-Penkal (2004), a de Arduin
(2005) com a fala de localidades do sul do Brasil e o estudo de Amaral
(2003) com a fala de Pelotas (RS).

Região Nordeste
Soares (1980) se propõe a analisar as formas de tratamento
produtivas na fala de Fortaleza. A autora admite existir um sistema
ternário – Tu, Você, Senhor – produtivo nas relações simétricas e
assimétricas de interação formal e informal em contextos reais e
simulados (interações comunicativas de autoria dos informantes com
43
base em ilustrações) de fala. A diversificação de uso das formas Tu,
Você e Senhor é conduzida pela situação comunicativa, pelo papel
social, pela idade e pelo grau de intimidade dos interlocutores.
A autora constata que o Tu é mais produtivo que a forma Você que,
por sua vez, é selecionada em situações comunicativas mais voltadas
para a formalidade na fala de Fortaleza. A expressão da concordância
com a forma pronominal Tu mostrou-se variável a depender da
escolaridade
do
falante,
do
grau
de
formalidade
da
situação
comunicativa e do grau de atenção do informante a sua própria
expressão oral.
O estudo de Bezerra (1994) se dá com base na fala espontânea de
crianças paraibanas entre 06 e 12 anos de idade. A autora pretende
analisar o grau de variação das formas Tu e Você no discurso infantil da
Paraíba. Para tal, foram levadas em consideração as realizações
expressas e não expressas (marcadas na flexão verbal) dos pronomes
em análise na função de sujeito pronominal. O trabalho em questão se
constitui como uma análise interacional que versa sobre questões de
polidez e de preservação da face, não se detendo exclusivamente aos
resultados quantitativos.
Ainda que a perspectiva de análise não tenha sido a quantitativa
stricto
sensu,
observam-se
alguns
resultados
quantitativos
interessantes em relação à produtividade de Tu e Você. São eles: a
freqüência de uso da forma Tu (69% dos dados) mostrou-se mais
significativa do que a da forma Você (31% dos dados). A autora aponta o
tipo de ato comunicativo específico da situação de interlocução (pedido,
repreensão,
insulto,
desculpa,
consentimento
etc.)
como
condicionamento para o emprego de Tu ou de Você no discurso infantil
das crianças paraibanas. No que se refere ao gênero dos informantes,
observou Bezerra que, dentre as ocorrências da forma Tu, há uma
acirrada concorrência entre os meninos e meninas: 71% das meninas
preferem o Tu, assim como 65% dos meninos optam pelo Tu. A autora
constata que há, no discurso infantil paraibano, o predomínio da forma
44
Tu em contextos comunicativos de maior intimidade, ao passo que o
Você se mostra produtivo em contextos comunicativos de não
solidariedade entre os interlocutores, marcados pela ameaça do falante
a face do seu interlocutor.
Pedrosa (1999) estuda a concordância verbal com o pronome Tu,
em João Pessoa (Paraíba), com base em dados da fala do VALPB em
relação ao gênero, à faixa etária e à escolaridade dos pessoenses.
Constata haver, na fala pessoense, uma tendência a não realização
da concordância com o pronome Tu, em 77% dos dados. Os falantes
mais jovens, entre 15 e 25 anos, e os adultos, com idade acima de 50
anos, tendem a estabelecer a concordância canônica com o pronome Tu.
Os falantes pessoenses de zero até quatro anos de escolarização tendem
a desfavorecer a aplicação da regra de concordância verbal com o Tu.
Por outro lado, os informantes pessoenses com um período de estudos
superior a cinco anos mostraram-se propensos à aplicação da regra de
concordância verbal com o pronome Tu.

Região Norte
Soares & Leal (1993) pesquisam as formas de tratamento
produtivas em interações comunicativas travadas, em Belém, entre pais
(professores e funcionários da Universidade Federal do Pará) e os seus
respectivos filhos. Os resultados apontam para uma preferência dos
filhos pelo Tu e pelo Senhor, respectivamente, para se dirigirem aos seus
pais. As autoras constatam também que ao se dirigirem aos pais, os
filhos de professores preferem Tu e os filhos de funcionários preferem
Senhor. Os pais, por sua vez, se direcionam aos filhos por Tu, usando
mais essa forma pronominal para os filhos adolescentes do que para as
crianças.

Região Sudeste
Ramos (1997) investiga a variação entre as formas pronominais de
referência à segunda pessoa do discurso você/ocê/cê num corpus
45
formado por entrevistas representativas do dialeto de Belo Horizonte.
São dois os seus objetivos principais: detectar o nível de variação entre
as formas você/ocê/cê e averiguar a legitimidade da hipótese de que o
cê já se constituiria um clítico no PB. A análise é norteada pelos
pressupostos teórico-metodológicos de Teoria da Variação de base
laboviana (Labov 1972), adotando o programa VARBRUL como aporte
para a análise quantitativa. Os resultados evidenciam uma alta
freqüência de uso do cê na boca dos falantes de Belo Horizonte, o que já
sugere a sua implementação no sistema. As formas você e ocê se
apresentam nos casos nominativo e oblíquo, ao passo que o cê somente
se mostrou produtivo no nominativo.
A produtividade das formas você, ocê e cê também é analisada em
relação à idade e ao gênero dos informantes. No que toca à idade dos
informantes, foi constatado que o cê se distribui por todas as faixas
etárias (jovens, medianos e velhos), o que constitui mais uma evidência
de que tal forma já esteja implementada no sistema lingüístico. Com
relação à distribuição das formas você, ocê e ce, conforme o gênero
(sexo) dos informantes de Belo Horizonte, foi averiguado que as
mulheres preferem as variantes você e cê. Considerando apenas a
análise binária cê e ocê, Ramos identificou uma maior propensão de uso
da forma cê pelas mulheres de Belo Horizonte. Tal constatação levou a
autora a acreditar que o cê não constitui uma variante estigmatizada,
visto que as mulheres tendem a preferir as variantes de prestígio como
já conjecturado por Labov (1990). A hipótese da cliticização do cê é
atestada por Ramos, sendo tal processo de cliticização favorecido,
sobretudo, em contextos de orações interrogativas do tipo ‘que que’ na
fala de Belo Horizonte.
Paredes e Silva (2003) se propõe a estudar, na fala carioca
contemporânea, a variação entre as formas Tu e Você como sujeitos
pronominais com base nos pressupostos sociolingüísticos da teoria da
variação pensada por Labov. O corpus que se presta a esse estudo
lingüístico
é
constituído
por
registros
de
conversas
informais
46
produzidos entre setembro de 1995 e março de 1996 (Paredes Silva,
1996). A pesquisadora ainda acrescentou dados do acervo do Projeto
PEUL/UFRJ registrados em momentos distintos do século XX. A
hipótese que norteia esse trabalho é a de que o falante carioca recupera
o Tu pronominal como um monossílabo tônico responsável por fazer
referência ao interlocutor, em competição com o Você, que desgastado
foneticamente, atinge o estágio de clítico cê, conforme Ramos (1997) e
Paredes Silva (1998). Apoiada no pensamento de Barrenecha & Alonso
(1987), de que há alta produtividade de sujeitos de segunda pessoa do
discurso em línguas que podem omiti-lo, como o português e o
espanhol, Paredes e Silva (2003:164) acredita que se deva “a uma
necessidade do falante de envolver o ouvinte, mencionando-o mais
amiúde para mantê-lo mais próximo na conversação, pode ser estendida
ao caso do retorno do tu que investigamos”.
Os fatores sociais gênero (sexo) e faixa etária dos informantes
mostraram-se relevantes pelo programa VARBRUL para a produtividade
do Tu pronominal na fala carioca contemporânea. Tanto na amostra de
conversas informais constituída por Paredes Silva (1996), quanto na
amostra de fala do projeto PEUL, os homens mostraram-se a frente no
processo de mudança em direção ao uso de formas não padrão,
preferindo o Tu com o verbo na terceira pessoa para fazer referência ao
interlocutor. Constatou que entre os homens mais jovens há a
preferência pelo emprego não padrão do Tu pronominal, o que constitui
um indício de uma mudança lingüística ainda em curso no dialeto
carioca.
Modesto (2007) se propõe a descrever e a analisar a alternância
entre as formas Tu e Você na cidade de Santos (cidade litorânea de São
Paulo). A partir da análise de gravações secretas e não secretas da fala
de jovens e adultos em suas interações cotidianas, o autor constrói o
seu estudo com base nas idéias funcionalistas de Halliday (1974, 1975
e 1976) e na Teoria da Variação de orientação laboviana (1972, 1983). O
corpus de fala santista se constituiu com o discurso de informantes
47
nascidos em Santos ou que, em tal cidade, tenham vindo residir até os
sete anos de idade. Os homens e mulheres que compõem a amostra de
fala em análise vivem em Santos como estudantes ou concluintes do
ensino médio, ou como universitários ou graduados (ensino superior).
Em Santos, obtiveram-se os seguintes percentuais de uso de Tu e
Você: 67% de Você e 32% de Tu. A alternância entre tais formas
pronominais é motivada por fatores lingüísticos, sociais e pragmáticodiscursivos. O Tu é motivado por situações de [+ envolvimento],
[-monitoramento] e [+ expressividade], ao passo que o Você é
determinado por [+ monitoramento], [- expressividade]. A forma objetiva
te é produtiva em permuta com as formas Tu e Você num mesmo ato
ilocutório. Segundo o autor, não se verifica uma situação de mudança
em progresso, uma vez que as variáveis gênero e faixa etária
mostraram-se irrelevantes pelo programa computacional Goldvarb
2001. O autor acredita que haja entre as formas alternantes Tu e Você
uma relação de contemporização, mantendo-se estáveis na atual
sincronia,
isto
é,
em
co-ocorrência
nas
situações
lingüísticas
especificamente determinadas pelo contexto pragmático-discursivo.
Mota (2008) volta-se para identificação das motivações de uso dos
pronomes Tu/Você no interior do município de São João da Ponte,
localizado na região de Montes Claros (MG). A sua pesquisa é orientada
pelos pressupostos da Teoria da Variação, conforme Labov (1972, 1994,
2001), visando à detecção da razão sócio-histórica para a conservação
do Tu. A autora se baseia em entrevistas e em testes de produção
lingüística entre homens e mulheres cujo nível de escolaridade é o
ensino fundamental. Os informantes são distribuídos entre as seguintes
faixas etárias: de 07-14 anos (crianças), de 15-25 anos (jovens), de 2649 anos (adultos) e com mais de 50 anos (idosos).
A análise quantitativa sob a orientação da sociolingüística
laboviana levou-a a constatar que o Tu é a forma resistente nos
informantes de São João da Ponte em todas as faixas etárias,
sobressaindo-se, porém, entre os jovens (de 15-25 anos). Admite Mota
48
que o Tu se apresente, em São João da Ponte, como um resquício do
falar rural. Na amostra formada por entrevistas, observa o predomínio
do Você na função de sujeito (96%), e o prevalecimento do Tu na função
de objeto (te), com .91 de peso relativo, superando as ocorrências de
Você nessa função sintática. A análise dos testes de produção
lingüística evidenciou uma situação semelhante à observada nas
entrevistas: o Você na função de sujeito, com 79% dos dados, e o Tu, na
função de objeto (te), com .95 como peso relativo e em 75% dos dados.
Com base na expressão falada dos moradores de São João da
Ponte, Mota constata o predomínio do Tu, sobretudo, nas relações mais
íntimas. No que se refere à variação, interpreta tal fenômeno como
estável, identificando o isolamento da comunidade no processo de
urbanização e incremento econômico da cidade como a motivação sóciohistórica para a resistência do Tu.
Lopes (2008) investiga a coexistência das formas Você e Tu no
espaço urbano do Rio de Janeiro contemporâneo. Considerando o fato
de que as entrevistas nos moldes laboviano não captarem o Tu e o Você
pronominais na referência ao interlocutor, os autores voltam-se para a
composição de uma amostra piloto da fala carioca constituída por
gravações
secretas
de
conversações
travadas
com
ambulantes,
vendedores e gerentes abordados no centro da cidade do Rio de Janeiro,
com perguntas do tipo “Como eu faço para chegar na Rua do Acre?”.
Com base em vinte entrevistas é confeccionado um estudo quantitativo
das formas de tratamento pessoal de teor laboviano (Labov, 1994), coindexando os fatores lingüísticos a fatores sócio-pragmáticos, tendo em
vista a Teoria da Polidez pensada por Brown & Levinson (1987).
São tecidas as seguintes considerações por Lopes (2008) em
relação ao emprego de Tu e Você na fala urbana contemporânea no Rio
de Janeiro: a) o emprego generalizado de Você entre gerentes e
vendedores independentemente do gênero dos informantes; b) a
produtividade variável de Você e Tu entre os vendedores ambulantes
com algumas restrições no que se refere ao gênero e à faixa etária dos
49
informantes: os homens jovens usaram tão somente o Tu; as mulheres
idosas preferiram o Você e os adultos, independentemente do gênero do
informante, empregaram variavelmente ora o Tu, ora o Você. Assim
sendo, os autores chegam a projetar “(...) a médio e longo prazo, uma
convergência que nivelaria Você ~ Tu na fala urbana carioca”, conforme
Lopes et alii (2008:68). Em termos qualitativos, o estudo demonstrou
que o falante, ao ser interpelado, no espaço urbano carioca, trata o seu
interlocutor com um Você não marcado como uma estratégia neutra de
proteção da sua face. Com o rompimento desse distanciamento inicial e
com o desenrolar da interação comunicativa, tornando-se, pois, mais
cooperativa, há a possibilidade de o informante ensaiar uma maior
aproximação e intimidade com o seu interlocutor, chegando a tratá-lo
por Tu.

Região Centro-oeste
Lucca (2005) analisa a variação estilística em relação à referência
de segunda pessoa do discurso na fala de jovens brasilienses. Com base
em
uma
amostra
composta
por
conversações
travadas
entre
informantes do gênero masculino, nascidos nas regiões administrativas
de Taguatinga, Ceilândia e Brasília, estudantes do ensino médio da rede
pública brasiliense, tem-se como intuito observar os condicionamentos
lingüístico e social do uso variável dos pronomes Tu e Você na fala dos
jovens brasilienses, computando os dados por meio do programa
computacional Goldvarb 2001 (Robinson et alii¸ 2001).
Assumindo
como
pressupostos
teóricos
a
noção
de
estilo
conjecturada por Labov (1975), por Bell (1984, 2001) e a Teoria do
Poder e da Solidariedade pensada por Brown e Gilman (1960), parte-se
da hipótese de que os jovens brasilienses assumem um uso variável das
formas Tu e Você em conformidade com a audiência (audience design,
cf. Bell, 1984), o que pode motivar a preferência pelo Tu com os seus
pares e pelo Você com os seus não-pares. Com o objetivo de entender o
tipo de relação social travada entre os pares e os não-pares, a autora
50
assume a idéia de Brown e Gilman (1960) de que os pronomes de
referência à segunda pessoa do discurso no francês Tu e Vous estão
associados à dinâmica de relações sociais movidas pela Solidariedade
ou pelo Poder, respectivamente. Nesse sentido, Lucca (2004a) parte da
hipótese de que o Tu seja mais freqüente entre os jovens brasilienses
em relações sociais movidas pela informalidade, isto é, pela dinâmica da
solidariedade.
A autora comprova a hipótese inicial de que os jovens informantes
de Brasília tendem a usar o Tu em situações informais, cotidianas,
familiares de intercâmbio lingüístico entre pares solidários. Já em
relações sociais solidárias cujos temas discursivos sejam familiares,
averiguou a preferência pelo pronome Você. Lucca constatou, a partir
da análise desse corpus brasiliense, a íntima agregação entre a
produtividade variável das estratégias de referência à segunda pessoa
do discurso (Tu e Você) e a variação estilística, o que é seguramente
motivado pela busca de ajustar-se ao tema sobre o qual conversa com o
seu interlocutor.
Dias (2007) se propõe a analisar a alternância Tu/Você também na
fala
brasiliense,
em
conformidade
com
os
pressupostos
da
sociolingüística variacionista estabelecidos em Weinreich et alii (1968),
voltando-se
para
a
depreensão
da
variação
em
relação
ao
comportamento dos informantes distribuídos pelas seguintes faixas
etárias: de 13 a 19 anos, de 20 a 29 anos e com mais de 30 anos.
Preocupou-se em selecionar informantes provenientes de Brasília ou
que para lá tenham ido com até cinco anos de idade. A constituição da
amostra se deu a partir de gravações de conversas espontâneas, visto a
dificuldade de captura do Tu nas entrevistas sociolingüísticas. Tal fato
se dá em função do caráter íntimo do Tu, o que o torna uma forma
peculiar
aos
relacionamentos
de
maior
proximidade
entre
os
interlocutores.
Os resultados de Dias (2007) tanto sugerem um processo de
mudança em curso na língua com a expansão dos usos do Tu, como
51
evidenciam um processo de gradação etária no qual o uso do Tu
diminui à proporção que o falante se estabelece profissionalmente. Além
disso, observou que os homens assumem uma maior freqüência de uso
do Tu do que as mulheres. No que se refere à distribuição dos dados de
Tu em relação às faixas etárias dos informantes, verificou que os
informantes com idade inferior a 30 anos usam o Tu com interlocutores
da mesma idade, o que configura um traço de intimidade em diálogo
cujo tom seja jocoso ou irônico. Os informantes mais velhos tendem a
usar o Tu em brincadeiras. O estilo de vida do informante também se
mostrou relevante ao uso do Tu. Dias constata que os falantes
brasilienses cujo estilo de vida seja alternativo empregam mais o Tu do
que os informantes cujo estilo de vida seja conservador.

Região Sul
Loregian-Penkal (2004), com base em uma amostra ampliada de
língua falada em capitais sulistas (Florianópolis e Porto Alegre) e em
cidades interioranas (Ribeirão da Ilha) do sul do Brasil, se preocupa em
investigar, sob a perspectiva teórica da sociolingüística variacionista, a
referência de segunda pessoa do discurso através das formas Tu e Você
na função de sujeito pronominal em suas expressões nula e plena.
O emprego do Tu no sul do Brasil é favorecido, segundo LoregianPenkal, pela argumentação, pelo discurso determinado e pela expressão
nula do sujeito pronominal. No que se refere ao favorecimento do Tu nos
discursos argumentativos, esclarece que pode constituir uma estratégia
do falante que, por sua vez, “pode estar envolvido na estratégia de
convencimento do outro e de imposição de sua opinião, contexto propício
ao uso do Tu: tratamento mais íntimo, usado para dar ordens e para
impor sua vontade”, cf. Loregian-Penkal 2004:147). No que diz respeito
à determinação do discurso, constatou que o discurso determinado
favorece o emprego do Tu, ao passo que o uso do Você é favorecido pelo
discurso indeterminador. Assim sendo, sugere que a entrada de tal
forma
no
sistema
pronominal
tenha
se
dado
pela
trilha
da
52
indeterminação na fala do sul do Brasil. No que toca à expressão do
pronome, constatou que a não realização pronominal favorece o
emprego do Tu nas regiões (Florianópolis e Ribeirão da Ilha) que
evidenciam a concordância verbal canônica de segunda pessoa do
discurso. Por outro lado, em Porto Alegre, observou Loregian-Penkal que
o falante do sul do Brasil mostra-se propenso à expressão formal do
pronome de referência ao sujeito de segunda pessoa do discurso seja
através do Tu, seja através do Você. Em relação ao gênero dos
informantes,
verificou
que
as
mulheres
de
Porto
Alegre
e
de
Florianópolis mostraram-se propensas ao emprego do Tu.
Arduin (2005) se propõe a estudar a variação dos pronomes
possessivos de segunda pessoa do singular teu/seu nas seguintes
cidades da região sul do Brasil: Blumenau, Chapecó, Flores da Cunha,
Florianópolis, Lages, Panambi, Porto Alegre e São Borja. À luz dos
pressupostos da sociolingüística laboviana (Weinreich et alii, 1968;
Labov, 1962) e da Teoria do Poder e da Solidariedade pensada por
Brown e Gilman (2003), analisou a variação dos pronomes teu/seu, com
base em 192 entrevistas disponibilizadas no banco de dados do projeto
VARSUL (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do Brasil), reunidas
em relação às variáveis extralingüísticas faixa etária, gênero (sexo), nível
de escolaridade e região (etnia) dos informantes.
Os resultados do estudo de Arduin (2005) em relação ao grupo
paralelismo formal apontam para a forma Tu como uma estratégia de
referência à segunda pessoa do discurso que favorece o uso do
possessivo Teu. No que se refere às variáveis sociais, constata que as
mulheres assumem uma maior freqüência de uso do pronome
possessivo Teu, ainda que o uso do pronome Seu não tenha se
mostrado estigmatizado nas cidades do sul do Brasil analisadas. Em
relação à escolaridade dos informantes, observa que o pronome Teu
evidencia uma maior produtividade entre os informantes de nível
ginasial.
53
No que toca à dinâmica do Poder e da Solidariedade, Arduin (2005)
verifica que o pronome Teu é produtivo nas relações sociais simétricas
ou nas assimétricas travadas de superior para inferior. Já o pronome
Seu mostrou uma maior freqüência de uso nas relações sociais de
inferior para superior. Acrescente-se ainda o fato de os informantes
mais jovens terem evidenciado uma tendência ao uso do possessivo Teu,
o que confirma a hipótese formulada por Brown e Gilman (2003) de que
as sociedades modernas estão se mostrando mais solidárias, logo,
menos movidas pelo Poder.
Amaral (2003) estuda a variação da manutenção de traço de
concordância verbal de segunda pessoa do singular em Pelotas (RS). O
autor toma por base noventa entrevistas do Banco de Dados
Sociolingüísticos Variáveis por Classe Social – VarX – organizadas entre
os anos de 2000 e 2001. Como referencial teórico se apóia na Teoria da
Variação Laboviana e em considerações sobre a noção de classes sociais
baseada
em
econolingüísticos,
princípios
ocupacionais
socioeconomicistas,
e
das
condições
marxistas,
estruturais
de
manutenção das desigualdades sociais.
Os resultados deste trabalho evidenciam que a concordância de
segunda pessoa do singular é variável em Pelotas. O apagamento
variável da desinência de número-pessoal se dá em conseqüência de
uma regularização do paradigma verbal nos quais são privilegiadas
formas neutras. Os condicionamentos lingüísticos que licenciam o
apagamento do traço de segunda pessoa do singular são a saliência
fônica, a interlocução, a entrevista/entrevistador, a ausência de
pronome-sujeito e o tipo de frase. Em termos sociais, constatou que o
emprego de traço de segunda pessoa constitua prestígio, ao passo que a
sua não realização não represente algo estigmatizante em Pelotas. O
apagamento da marca de segunda pessoa se apresenta como “uma
mudança lingüística quase completada”, nos termos de Amaral (2003). A
produtividade do Você é pouco significativa (duas ocorrências apenas)
na amostra da fala Pelotense. Verificou-se ainda que os informantes
54
mais velhos e que as mulheres realizam mais os traços de segunda
pessoa do singular no corpus da fala de Pelotas.
 Retomando para finalizar ...
Em suma, os resultados das investigações sobre o nível da variação
entre as formas Tu e Você na língua falada do PB atual permite detectar
os seguintes aspectos em convergência:
 O emprego do Tu se dá em contextos comunicativos voltados para a
solidariedade, em relações interpessoais mais íntimas;
 O emprego do Você se evidencia em situações comunicativas “menos
invasivas”, o que permite entendê-lo como uma forma mitigadora;
 As mulheres preferem o inovador Você, alavancando o processo de
inserção de tal forma no sistema pronominal do PB;
 Os homens preferem o Tu em concordância com a terceira pessoa
verbal ou sem marca desinencial, o que permite considerá-los
acionadores de um processo de mudança em direção ao uso não
padrão de tal forma pronominal, na expressão oral do PB, em
desacordo, portanto, com a norma gramatical.
Considerando, por sua vez, os resultados dos estudos referentes
aos séculos XIX e XX no PB escrito, é possível conjecturar as seguintes
hipóteses a serem investigadas neste trabalho:
 O século XX constitui o momento em que o Você passa a concorrer
deliberadamente com o Tu no mesmo domínio funcional;
 Em termos estritamente morfossintáticos, a implementação de Você
ocasionou um rearranjo no quadro de pronomes, uma vez que sua
inserção não se deu da mesma maneira em todos os contextos
morfossintáticos:
pronome-sujeito,
pronome
complemento
preposicionado e formas verbais imperativas constituem contextos
implementadores de formas de P3 (Você), ao passo que pronomes
possessivos,
formas
verbais
não
imperativas
e
pronomes
55
complemento não preposicionados apresentem-se como contextos de
resistência do Tu (cf. Lopes 2008; Lopes 2007; Marcotulio et alii 2007
etc);
 A produtividade da combinação de Você com te, rotulada de “mistura
de tratamento” nos tratados gramaticais e esboçada nas cartas
oitocentistas e novecentistas de mãos brasileiras, constitui um
reflexo da reorganização do sistema pronominal do PB a partir da
inserção da forma inovadoraVocê (cf. Brito 2001; Lopes e Machado
2005; Soto 2001 etc).
 Formulando
a
hipótese
principal
a
partir
de
algumas
questões/problemas:
Diferentemente dos caminhos que o Você segue, a partir do século
XIX, em Portugal, a aristocracia brasileira emprega tal forma nos
Oitocentos como mostra Soto (2001:241) na análise de cartas
brasileiras oitocentistas e novecentistas. Tal constatação evidencia
como conservadorismo do PB, por um lado, o fato de o Você ainda
resguardar o prestígio da Forma Nominal de Tratamento que a originou
(Vossa Mercê) para o tratamento da realeza. Por outro lado, o emprego
de Você, cf. Soto (2001), em cartas-diário, pela Condessa de Barral, ao
se referir ao imperador D. Pedro II, e entre os amigos baianos Rui
Barbosa e José Marcelino (senador e governador da Bahia), em cartas
pessoais trocadas em 1904 e 19063, respectivamente, cf. Menon (2006),
já não seriam indícios do acelerado processo de dessemantização
sofrido pelo Você a assumir, no Brasil, o inovador domínio da
solidariedade? Como depreender o uso lingüístico mais informal dessa
elite letrada brasileira de sincronias passadas do PB com base na
produção escrita de uma pequena parte da população brasileira
socialmente privilegiada que não teve uma produção escrita regular?
Segundo Menon (2006:153), a carta de José Marcelino para Rui Barbosa é de 27.06.1904 e
a de Rui Barbosa retribuída a José Marcelino é de 12.10.1906.
3
56
O que teria motivado o Imperador D. Pedro II a tratar a amiga
Condessa de Barral, mulher da elite brasileira, com o inovador Você? E
o que teria movido a Condessa de Barral a retribuir tal tratamento
íntimo ao Imperador do Brasil D. Pedro II, conforme averiguado por
Soto (2001)? O que teria impulsionado Bárbara Ottoni – redatora
mediana nos termos de Barbosa (2005:40) – a também preferir, no
Brasil de fins do século XIX, o Você para fazer referência aos seus
netos?
A complexidade dos usos tratamentais, como se sabe, não se limita
ao valor semântico-social que uma determinada forma de tratamento
carrega em si, mas aos valores que os indivíduos podem atribuir a elas
nas diferentes situações comunicativas travadas no âmbito social que,
por si só, são também demasiadamente complicadas. Ao mesmo tempo
que Você é utilizado pela elite em cartas do então imperador D. Pedro II,
aparece, no mesmo século, generalizado no uso doméstico nas cartas da
vovó Bárbara. O que os diversos trabalhos sobre o tema têm mostrado é
que a partir do século XVIII a forma vulgar Você torna-se produtiva nas
relações assimétricas de superior para inferior, podendo até assumir, em
algumas situações sócio-pragmáticas, “conteúdo negativo intrínseco”,
em oposição à sua contraparte desenvolvida “Vossa Mercê”. Por outro
lado, no Brasil do século XIX, a concorrência passa a ser maior entre Tu
e Você em relações solidárias mais íntimas, não sendo tal estratégia
negativamente marcada. Essa aparente contradição advém da própria
origem e do processo de mudança4 de Vossa Mercê > Você, na medida
em que se tornou gradativamente divergente do tratamento-fonte
(Vossa Mercê) e passou a concorrer com o solidário Tu nos mesmos
contextos funcionais. Do “tratamento nominal abstrato5” (Vossa Mercê),
nos termos de Koch (2008:59), herdou o caráter indireto, por isso seria
menos invasivo, menos “ameaçante ao interlocutor” e, dessa forma,
Trata-se obviamente de um caso de gramaticalização já discutido em outros trabalhos.
“O tratamento abstrato se compõe de um adjetivo possessivo (que se refere ao
interlocutor) e de um substantivo abstrato (que indica uma qualidade ou uma posição social
atribuída ao interlocutor.” (Koch, 2008:59-60.)
4
5
57
acabou sendo a estratégia preferida pelas mulheres na sociedade
brasileira do século XIX, cf. Lopes e Machado (2005); Soto (2001) etc.
Partindo desses problemas, questões e referências, a hipótese
principal deste estudo é a de que o Você no Brasil vinha sendo
empregado, desde o século XIX, como forma de prestígio, usada pela
elite, até mesmo nas cartas pessoais de pessoas ilustres. A adoção de
Você pelas mulheres, em situações cotidianas, pode ter ocorrido pela
manutenção da indiretividade do tratamento original Vossa Mercê, isto
é, pela conservação de algum resquício de distanciamento. Empregar o
tratamento direto Tu poderia não ser “tão adequado” às figuras
femininas no contexto social de fins do século XIX e início do XX.
58
CAPÍTULO 3. AS CARTAS PESSOAIS
CONTEXTO SÓCIO – HISTÓRICO
DO
DA
FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES
BRASIL OITOCENTISTA
E
NO
NOVECENTISTA.
3.1 A caracterização da amostra constituída: uma família brasileira
culta no despertar do século XX.
Lucchesi (1998:74), ao discutir a constituição histórica do PB,
admite a realidade lingüística brasileira “(...) não apenas como
heterogênea e variável, mas também como uma realidade plural; mais
especificamente, como uma realidade polarizada”.6 O autor argumenta
que a heterogeneidade lingüística do PB pode ser justificada pela
polarização de normas expressa através da convivência do português
substandard (normas populares) com o português standard (normas
cultas). Com base na noção de português Standard defende-se que o
conjunto de cartas organizado nesta tese evidencia a escrita culta
cotidiana do PB. Neste trabalho, a opção pela análise desse corpus é
motivada, sobretudo, pela existência de uma lacuna nos estudos sobre
a história da língua portuguesa do Brasil, conforme Castro (1996).
“Em relação ao português clássico, em especial dos
séculos XVII e XVIII (para não falar do
desconhecidíssimo XIX), quem o quiser estudar tem
de se resignar a fazer de cabouqueiro,
desenterrando penosamente os seus documentos,
peneirando os dados, organizando uma taxonomia
inexistente e, se ainda tiver coragem e tempo de
vida, formulando hipóteses interpretativas que
ficarão à espera de um debate crítico só possível se
outros investigadores se transviarem pelos mesmos
terrenos. Dito de outro modo, tem de começar num
ponto do itinerário de pesquisa que se situa muito
antes do cais de embarque dos estudiosos que
privilegiam outras épocas históricas ou que, pura e
simplesmente, privilegiam outras lingüísticas,
porventura menos dependentes de corpora textuais
laboriosamente constituídos.”
(Castro, 1996:136-137)
Convém esclarecer que a preferência por sublinhar e/ou negritar as informações destacadas em
todas as citações expostas neste texto é uma opção da autora deste trabalho.
6
59
O procedimento metodológico adotado por Lobo (2001a), ao editar
cartas pessoais escritas pelas Clarissas do Convento de Santa Clara do
Desterro,
na
Bahia
do
século
XIX,
foi
o
de
construir
uma
sociolingüística histórica do português no Brasil.
“Uma das vias possíveis para o estudo da
constituição histórica do português brasileiro
passaria, então, necessariamente pelo cuidadoso
exame da história da transmissão de cada texto e
da biografia do seu autor e, fundamentalmente, o
seu desenvolvimento deveria apoiar-se em uma
prática de análise em que a realidade lingüística
portuguesa fosse motivo de cotejo sistemático ao
longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.”
(Lobo, 2001a:108. Volume II.)
A fim de subsidiar análises lingüísticas elucidativas em relação à
realização objetiva da norma culta escrita do português do Brasil que,
segundo Pagotto (1999), foi habilmente fixada “à imagem e semelhança”
do português europeu (doravante PE) e amparada pela força do discurso
científico, no Brasil do século XIX, entende-se que se faça necessária a
edição de corpora representativos dessa modalidade em terras d’aquém
mar. Acredita-se que se esteja ampliando a perspectiva de análise
adotada por Rumeu (2004), que, editou, naquele momento, corpora
representativos da escrita culta da língua portuguesa no Brasil
(português no Brasil). Em tal edição de cartas da administração pública
e privada, produzidas na realidade sócio-histórica do Brasil setecentista
e oitocentista, não se dispunha de informações acerca da origem de
todos os missivistas (brasileiros ou portugueses), por isso tais amostras
de textos foram consideradas representativas do português no Brasil
dos séculos XVIII e XIX e não, do português do Brasil. Neste estudo,
entretanto, se propõe, um maior grau de refinamento da amostra, ao
editar os textos produzidos, no contexto sócio-histórico de fins do
século XIX e da primeira metade do século XX, por informantes
seguramente identificados em relação à sua origem brasileira e ao seu
nível de escolaridade (culto). O conceito de “culto” para o período precisa
60
ser obviamente redefinido. Consideram-se como cultos não só os
missivistas que estudaram e se tornaram bacharéis (João Pedreira do
Couto Ferraz, Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, Fernando Pedreira
de Abreu Magalhães, Jerônimo Pedreira de Abreu Magalhães – Pe.
Jerônimo), mas também as filhas do casal Zélia Pedreira de Abreu
Magalhães e Jerônimo de Castro Abreu Magalhães que se dedicaram à
vida religiosa no interior dos conventos. Apesar de não haver indícios de
que essas mulheres religiosas tenham chegado a concluir um curso
superior, é possível assumi-las como informantes cultas do PB devido à
“bagagem intelectual” que adquiriram por terem nascido no seio de uma
abastada família brasileira oitocentista. No aconchego do lar da família
Pedreira Ferraz – Magalhães, valorizava-se o ensino de línguas (inglês),
das ciências, da música, da literatura, conforme Pedreira de Castro
(1960), difundindo-se, pois, a Cultura num sentido mais amplo.
As missivas pessoais trocadas entre os membros da família
Pedreira Ferraz – Magalhães expõem a intimidade de brasileiros letrados
em intercâmbios comunicativos de informalidade caracterizados pela
aproximação afetiva entre o remetente e o destinatário. Entende-se que
os textos de circulação privada, segundo Barbosa (1999), tais como as
cartas pessoais, apresentem-se como os mais transparentes, como os
mais livres da pressão prescritivista da norma padrão, em relação à
explicitação de traços lingüísticos da oralidade.
Entender que a produção escrita informal (cartas pessoais) de doze
informantes unidos por laços familiares e afetivos possa reproduzir com
fidedignidade a realidade lingüística de uma parcela abastada da
sociedade brasileira de fins do século XIX e da primeira metade do
século XX pode parecer um projeto muito audacioso. Nesse sentido,
Oliveira e Silva (1992), ao se referir aos estudos sociolingüísticos com
amostras de língua oral (1992 apud Duarte, 1995:141), esclarece e
acalma quem se volta para realidades pretéritas da língua para estudar
uma dada comunidade lingüística com base apenas na produção
escrita de alguns informantes dela tomados como representantes.
61
"Felizmente a língua é uma propriedade humana
relativamente homogênea, entre outros motivos
porque, para haver comunicação, é imprescindível
que todos tenham acesso pelo menos ao âmago da
língua de sua comunidade. Se algum excêntrico
resolvesse criar expressões próprias, seria
dificilmente compreendido, e essas expressões
seriam eliminadas por seleção natural.”
(Oliveira e Silva, 1992:103.)
O intuito de tentar captar aspectos da oralidade de informantes
cultos, a partir da sua expressão escrita informal, nos séculos XIX e XX,
atormenta o lingüista-pesquisador com a seguinte preocupação: será
mesmo possível detectar, em sincronias passadas, traços da oralidade
com base na análise da produção escrita de indivíduos letrados?
Segundo Aguillar (1998), há a possibilidade de entrever o oral através
da escrita, porém há de atentar para o fato de que hábitos de escrita
também podem transparecer na produção, misturando-se, pois, com os
indícios da língua oral.
“(...) A presença do oral na escrita é inegável, se
intue, e às vezes é possível inclusive demonstrar-se:
mas todo disurso é misto, impuro e do mesmo modo
que a oralidade pode impregnar certos tipos de
escrita, também as práticas de escrita podem
infiltra-se na oralidade.”7
(Aguillar, 1998:239/240.)
A perspectiva que embasa o estudo lingüístico a partir de cartas
pessoais é a de que o caráter informal de tais textos evidencie uma
produção escrita menos “cuidada” à luz da norma subjetiva8 (cf. Cunha
1985:52). Porém, consciente da inquietação que cerca o trabalho com
textos escritos a fim de vislumbrar o oral, cabe cercar-se de cuidados
em relação à constituição de um conjunto de textos que se aproxime da
(...) La presencia de lo oral en lo escrito es innegable, se intuye, y a veces puede incluso demostrarse: pero
todo discurso es mixto, impuro, y del mismo modo que la oralidad puede impregnar ciertos tipos de
escritura, también los modos escriturarios pueden infiltrarse en la oralidad.(...)” (Aguillar, 1998:239/240.)
7
8
Segundo Celso Cunha (1985:52), “(...) a palavra norma costuma ser empregada em dois sentidos bem distintos: um,
correspondente a uma situação objetiva e estatística, fruto da observação; outro, relacionado com uma atitude subjetiva,
envolvendo um sistema de valores.”
62
espontaneidade da fala e que esteja criteriosamente organizado em
relação à identificação do papel sócio-histórico dos remetentes e dos
destinatários das missivas. Acredita-se que o elevado nível de
escolaridade
dos
informantes
possa
ofuscar,
mesmo
que
na
informalidade das suas cartas pessoais, traços da oralidade do
português, o que reconduz o foco desta análise não para a busca do oral
através da escrita, mas para a caracterização da produção escrita
informal de indivíduos letrados no Brasil dos séculos XIX e XX.
Considerando que este estudo se embasa em cartas pessoais de
uma família culta brasileira, faz-se necessário, ainda que brevemente,
refletir sobre a origem do conceito de Carta.
Há referências epistolares acerca do gênero textual carta que
recobrem o período de cinco séculos na Antiguidade (do século I a.c até
o século IV d.c). Demétrio (entre séc. I a.c e I d.c), Cícero (entre 103 a 43
a.c), Sêneca, Filóstrato de Lemmos (séc. III d.c), Gregório Nazianzeno
(entre 329 c e 390) e Caio Julio Victor discutem sobre a confecção de
epístolas e definem basicamente carta como um diálogo travado entre
amigos.
Nas Epistulae ad atticum e Epistulae ad familiares, observa-se a
preocupação de Cícero em ressaltar a aproximação entre pessoas
proporcionada pela escritura de cartas.
“Eu, apesar de nada ter para te escrever, ainda
assim escrevo, pois parece que falo contigo.”
(Epistulae ad atticum (12, 53) apud Tin (2005:21))
“Eu te vi todo em tua carta.”
(Epistulae ad familiares (2, 4, 1; 4, 13, 1; 6, 10, 4.)
apud Tin (2005:21))
Nesse sentido, pode-se dizer que, nas cartas da família Pedreira
Ferraz – Magalhães, há o diálogo mencionado por Cícero, uma vez que
os missivistas Dr. Pedreira e Jerônimo de Castro Abreu Magalhães,
(sogro e genro, respectivamente), no século XIX, e Maria Rosa (filha de
Jerônimo e neta do Dr. Pedreira), na primeira metade do século XX,
63
também entenderam a carta como um diálogo por escrito, conforme se
observa nos trechos em análise de (01) a (03).
(01) “Tal é o consaço, que me accomette, que devera já estar deitado afim de [ver] si
concilio osonno e mesmo porque as 2 horas de amanha pela manhã devo estar já de pé
tomando algum alimento e logo apoz descendo a serra da Tijuca, porem o desejo de
escrever-te e fingir que estou conversando comtigo são incentivos mais poderosos de que
os meios hygienicos para eu não passar tão mal.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 11.08.1877.)
(02) “(...) Conhecimento profundo do latim é um instrumento precioso para outros mais
altos conhecimentos – Mas é tarde Terei mais occasiões de Contigo Conversar Sé feliz no
santo temor de Deus. Meus respeitosos cumprimentos a meo Compadre o Senhor Padre
Superior e a teus mestres e acceita a benção de teo Pae e amigo Jeronymo”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo. Fazenda Santa
Fé, RJ, 19.07.1897.)
(03) “Pasei a manhã muito agradavel escrevendo a Você parece que estavas aqui.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
No século XII (1135), tem-se o Anônimo de Bolonha que, com
rigidez e formalismo, apresenta o Rationes dictandi definindo carta como
“o adequado arranjo das palavras assim colocadas para expressar o
sentido pretendido por seu remetente”, conforme Tin (2005:37). Já no
século XVI (1520), tem-se a síntese das tradições da epistolografia
medieval e clássica com a produção de três tratados sobre a escrita de
cartas por Erasmo de Rotterdam: Breuissima maximeque compendiaria
conficiendarum
epistolarum
formula
(também
conhecida
por
ars
dictaminis), Libellus de conscribendis epistolis e Opus de conscribendis
epistolis. Em 1590, tem-se, sob a autoria de Justo Lípsio, a Epistolica
institutio. Trata-se de um tratado sobre a produção de cartas cujo
caráter pedagógico é acentuado.
O subgênero carta pessoal, especificidade do gênero textual carta, é
confeccionada a partir da seguinte tríade: autor – leitor – tema íntimo.
Admitindo, conforme Paredes Silva (1988:77), que a carta pessoal se
estrutura internamente na seção de contato, no núcleo da carta e na
seção de despedida, além de as noções de quando e de onde foram
produzidos tais textos fazerem parte da sua composição, legitima-se a
64
caracterização sócio-histórica dos missivistas. Movidos pela intimidade
dos temas tratados, os informantes da família Pedreira Ferraz –
Magalhães podem evidenciar as escolhas tratamentais empregadas no
período.
Editam-se, neste trabalho, cento e setenta (170) cartas de teor
pessoal confeccionadas por informantes cultos, nascidos no Rio de
Janeiro e integrantes das ilustres famílias Pedreira Ferraz – Magalhães,
que se corresponderam entre 1877 e 1948. A conservadora edição facsimilar semi-diplomática de tais cartas, organizada a partir da
identificação
do
perfil
sócio-histórico
dos
missivistas,
permitirá
desvendar, tendo em vista o caráter pessoal das correspondências,
aspectos rotineiros da vida cotidiana brasileira, de fins do século XIX e
no alvorecer do século XX. Trata-se de um material riquíssimo para o
reconhecimento da história da vida privada de uma família brasileira
nascida no Rio de Janeiro que circulou da capital carioca para o interior
e por outros espaços sócio-geográficos dentro e fora do Brasil. Uma
família religiosa que, apesar dos deslocamentos advindos da pressão
social da vida adulta, se manteve unida pelas cartas ativas e passivas
trocadas entre seus membros ao longo das suas vidas. A partir dessas
amostras que estarão disponíveis à comunidade científica, é possível
detectar
as
redes
sócio-familiares
das
quais
participavam
seus
membros, o comportamento sócio-lingüístico de uma família cristã na
Corte carioca e, ainda, o perfil sócio-cultural da mulher, principalmente
a
religiosa,
no
transformação.
início
do
período
republicano
num
Brasil
em
65
3.2 A história privada das famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães.
 Brevíssima contextualização do Brasil oitocentista e novecentista:
mulher, família e sociedade.
O perfil histórico do Brasil transfigura-se nos Oitocentos. A
estabilização do sistema capitalista, o processo de reurbanização do
país, sofisticando a vida urbana, e a implementação da concepção de
vida burguesa representam aspectos determinantes no processo de
constituição do perfil da mulher de uma família abastada. Em fins do
século XIX e em inícios do século XX, observa-se que as relações sociais
senhoriais inspiradas no estilo de vida da aristocracia portuguesa com a
figura do pai como o detentor de poder sobre a casa grande e sobre a
senzala movem-se para o requinte da vida burguesa na urbe carioca. O
pai ainda centraliza o comando sobre a vida familiar, mas a mulher
casada passa a também influenciar no processo de manutenção ou
aquisição de status da família perante a sociedade elitizada. Em relação
ao papel social da mulher na sociedade brasileira oitocentista, Oliveira
(2008) tece o seguinte comentário:
“A história da mulher brasileira, como a história de
tantas mulheres, é marcada pelo estabelecimento
da ordem patriarcal que, legitimada pela religião
cristã ocidental, transmitiu o silenciamento do
feminino em todas as esferas sociais. A mulher do
Brasil
oitocentista,
formada
e
constituída
socialmente nesta ordem, era subordinada e
dependente do pai ou do marido, sendo feita
propriedade do homem e silenciada por ele.”
(OLIVEIRA, 2008:01.)
À mulher cabe evidenciar, na sociedade da época, a sua ilibada
conduta ética tanto como uma exímia anfitriã nos salões ou como uma
recatada freqüentadora de saraus literários, quanto na vida cotidiana
como esposa exemplar e mãe zelosa, atuando, portanto, como “guardiã
do lar e da família”, conforme D’Incao (2007:230). Assim sendo, é
66
incumbência da mulher o primoroso zelo com a primeira educação dos
filhos, não os deixando à mercê da influência maléfica de idéias
subversivas que transgridam à moral familiar e à fé católica.
É nesse contexto histórico que se constituirão as duas famílias que
estão em foco nesta investigação. Em fins do século XIX, tem-se como
ponto de partida o patriarca Pedreira Ferraz, homem legitimamente
oitocentista, que deixa entrever em suas cartas as redes familiares que
vai tecendo na virada do XIX para o XX. Um “ponto” fundamental dessa
rede é sua filha Zélia, a matriarca da família Magalhães, que também
tece sua própria teia, construindo com o pai, esposo e filhos um
segundo momento desse processo. Ligados aos dois pontos estão os
netos do Dr. Pedreira, filhos de Zélia e Jerônimo, que entre si
estabelecem, no primeiro quartel do século XX, um outro nível de
relação: os irmãos conduzidos à fé religiosa que se aventuram por
outras redes sociais na jovem República brasileira.

A Família Pedreira Ferraz
→ João Pedreira do Couto Ferraz (Conselheiro Pedreira, Dr. Pedreira ou
Pai Pedreira)
O patriarca da família Pedreira Ferraz – Magalhães é o informante
do gênero masculino, João Pedreira do Couto Ferraz, nascido no Rio de
Janeiro, a 10 de agosto de 18269. Filho do casal Guilhermina Amália
Correia de Lima Pedreira e Luís Pedreira do Couto Ferraz que, servindo
como Desembargador Afranista da Relação, residiu na Corte, onde
constituiu família composta por sete filhos10. Um dos seus filhos é o
missivista João Pedreira do Couto Ferraz que iniciou a sua carreira
política a partir da advocacia, bacharelando-se, em 1848, na Academia
A data de nascimento do Dr. Pedreira foi consultada no Dicionário das Famílias
Brasileiras (fonte secundária).
10
O desembargador Afranista Luís Pedreira do Couto Ferraz teve o seu filho primogênito,
Luis Pedreira, do Couto Ferraz (*RJ, 07.05.1818), nomeado Visconde do Bom Retiro pelo
Imperador Dom Pedro II. O Visconde do Bom Retiro, irmão de João Pedreira do Couto
Ferraz, doutorou-se em Leis, na cidade de São Paulo, em 1839, mantendo-se solteiro.
9
67
de Olinda11. Foi nomeado, ainda jovem, pelo Imperador Dom Pedro II,
Moço da Câmara, promovido Veador da Casa Imperial e, por mais de 50
anos, exerceu a função de Secretário do Supremo Tribunal Federal.
Difundiram-se, em família, formas específicas de tratamento do
Conselheiro Dr. João Pedreira do Couto Ferraz como Conselheiro
Pedreira, Dr. Pedreira ou Pai Pedreira.
O Dr. Pedreira casou-se, em 19 de abril de 1856, na capela do Ingá
(Niterói – RJ), com Elisa Amália de Oliveira Bulhões, nascida também
no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1834. Tal capela foi erigida por
um grupo de católicos do qual o Dr. João Pedreira do Couto Ferraz
tornou-se o fundador a partir da implementação, em 1853, da
Irmandade Nossa Senhora das Dores do Ingá. O casal decidiu viver ao
sopé do morro do Corcovado, no morro Inglês, onde atualmente se tem
o bairro do Cosme Velho, evidenciando, na alta sociedade carioca do
século XIX, o estilo de vida de uma família nobre. Alguns anos depois, o
Dr. Pedreira comprou, no Alto da Boa Vista (Tijuca), uma Quinta com
um expressivo solar ao qual denominou Chácara da Cachoeira. No
requinte dessa residência, Dr. Pedreira e Elisa Amália criaram os seus
seis filhos (Maria Teresa12, Zélia13, João, José, Antonio, Guilhermina), sob
a benévola influência de ilustres homens e famílias da época tais como
a do poeta Gonçalves Dias e a do dramaturgo João Caetano, cf. Pedreira
de Castro (1960:33), que freqüentavam o Solar do Alto da Boa Vista,
Ao versar sobre a educação de elite ministrada no Colégio Pedro II, inaugurado em 1837,
por D. Pedro II, na capital imperial, Enders (2004:161), afirma-se o seguinte: “(...) Após os
estudos secundários, os alunos do Colégio Pedro II seguem os caminhos de excelência do Brasil monárquico
e republicano: vão estudar direito nas faculdades de Recife ou de São Paulo, fundadas em 1827. De fato,
somente nos anos 1890 é que se implanta um ensino jurídico no Rio de Janeiro.”
12
A informante Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), nascida no
Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1863, é filha do casal João Pedreira do Couto Ferraz
(Rio, RJ, 10.08.1826 – Rio, RJ, 01.11.1913) e de Elisa Amália de Oliveira Bulhões (Rio, RJ,
20.03.1834 – RJ, 18.10.1901.) e irmã de Zélia Pedreira de Abreu Magalhães.
13
A informante Zélia nasceu na casa dos avós paternos, Ingá, em 05 de abril de 1857. O
casal Pedreira Bulhões batizou a filha Zélia com o nome de Elisa Justina. No entanto, coube ao
Pai Pedreira a inversão dos fonemas do nome Elisa, de modo a originar o nome Zélia que
predominou entre todos que com ela se relacionaram, conforme as informações obtidas no
livro “Zélia ou Irmão do S.S. Sacramento”.
11
68
sobretudo, em noites festivas de saraus literários. Mantendo-se fiel ao
Catolicismo, o Dr. Pedreira ergueu, em sua residência, no Alto da Boa
Vista, uma capelinha consagrada a São João Batista, a fim de manter
vivo o amor aos valores cristãos.
As cartas de autoria do Dr. Pedreira, transcritas para a
constituição da amostra estão compreendidas entre os anos de 1877 e
1898. Nesse período, o autor estava entre os seus 51 e 72 anos de idade
e exercia o cargo de Secretário do Supremo Tribunal Federal. As
missivas foram redigidas, principalmente, na Corte do Rio de Janeiro e
tinham como destinatários a sua filha Zélia14, aos seus filhos, ao seu
genro (esposo da sua filha Zélia), Jerônimo de Castro Abreu Magalhães,
e aos seus netos, filhos do casal Zélia e Jerônimo: Maria Amália
(Amaliasinha), Maria Bárbara, Maria Elisa (Isa), Maria Joana (Jane),
Maria Leonor (Nonô), Maria Rosa (Rosinha), Jerônimo, João Maria e
Fernando.
As cartas que o Dr. Pedreira escreve aos filhos versam basicamente
sobre o envio de encomendas, sobre o seu cansaço físico em decorrência
das suas atividades profissionais como Secretário do Supremo Tribunal
Federal, sobre a sua saudade da convivência familiar com os filhos,
netos e esposa e sobre o clima de calor intenso suportado por ele na
Corte Carioca como se observa, respectivamente, de (04) a (07).
(04) Assunto: Envio de encomendas.
“Com esta remetto pequenas encommendas; como sejão o extracto de carne da melhor
qualidade, (...) aluneta que encommendou me o Senhor Albino, os livros para o senhor
Padre João que deseja cada vez munir se de mais argumentos efactos historicos para
confundir os ímpios e ignorantes.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a seus filhos. RJ, 14.04.1883.)
Nascida em uma família abastada do século XIX, Zélia aprendeu a ler, aos 05 anos, com
o pai (João Pedreira do Couto Ferraz) que, por sua vez, teve condições financeiras de custear,
durante seis anos, conforme Pedreira de Castro (1960:25, 35, 36), a sua educação com
professores das línguas (inglês e alemão) e das ciências.
14
69
(05) Assunto: Cansaço físico.
“Tal é o consaço, que me accomette, que devera já estar deitado afim de [ver] si concilio
osonno e mesmo porque as 2 horas de amanha pela manhã devo estar já de pé
tomando algum alimento e logo apoz descendo a serra da Tijuca, porem o desejo de
escrever-te e fingir que estou conversando comtigo são incentivos mais poderosos de que
os meios hygienicos para eu não passar tão mal.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 11.08.1877.)
(06) Assunto: Saudade da convivência familiar.
“A carta de minha filha, hontem recebida a’ noite, fez me avivar saudades e tomar a
resolução de ir visitalos, ainda que seja só por 2 ou 3 dias.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 05.09.1885.)
(07) Assunto: O clima quente da Corte Carioca.
“Como tens Você, a tua Mãe e Marido e Pae eirmãos passado ? Aperta o calor aqui, e
agora escrevo sob sua mallefica influencia”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 07.02.1877.)
As cartas enviadas pelo Dr. Pedreira ao seu genro não só tratam
sobre
questões
administrativas
específicas
da
Fazenda
de
café
denominada Santa Fé15, como também versam sobre o seu próprio
estado de saúde, como se observa em (08) e (09), respectivamente.
(08) Assunto: questões administrativas da Fazenda Santa Fé.
“Quanto ao outro ponto, que é momentoso e grave com effeito – chegando a Fazenda de
São Marcos mandei chamar o homem e comelle me entendi. Achei-o na altura da
espinhosa missão, mas lhe previni, como devia portar se, nenhuma só palavra ou gesto
pronunciar a seu respeito..”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz ao seu genro Jerônimo. RJ, 17.04.1882.)
(09) Assunto: o estado de saúde do Dr. Pedreira.
“Adoentado Você por ahi e adoentado eu por aqui, desde que da Fazenda cheguei
ameaçado de [inint.]novidade impertinénte, que desejo abafar noseu nascedouro. Alem
disto uma completa pertubação
nervoza,
que
conseqüentemente
occasiona
merepetidas atrozes insomnias.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz ao seu genro Jerônimo. RJ, 25.02.1882.)
Nas missivas enviadas aos netos, o Dr. Pedreira motiva-os a
aprender a ler, a escrever com uma bela caligrafia e a se comportar
bem, obedecendo sempre aos pais (Zélia Pedreira de Abreu Magalhães e
Jerônimo de Castro Abreu Magalhães) que representam modelos de
A Fazenda de café Santa Fé, localizada à distância de uma légua da cidade do Carmo de
Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, foi habitada pela família Pedreira Ferraz - Magalhães,
constituída por Zélia e Jerônimo, ao se casarem e darem continuidade à família a partir de
seus filhos (cf. Pedreira de Castro 1960.).
15
70
integridade ética, moral e religiosa para os filhos, como se verifica nos
trechos de cartas apresentados em (10) e (11).
(10) “Minha filhinha Nonô (...) Você va pedindo a mamãe que lhe ensine a ler e escrever
para com o tempo sustentarmos uã grande correspondencia.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Nonô. RJ, 15.04.1886.)
(11) “Minha mimosa Iza Foi com muito prazer que li a tua cartinha. Então?! Ja a minha
filhinha tão mocinha escreve que se póde ler com acerto e boa lettra. Bravo ! Em tudo
hás de parecer te com a tua inimitável Mãe.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Elisa (Iza). RJ, 08.07.1895.)
Observam-se
também,
nas
cartas
enviadas
aos
netos,
as
instruções do Pai Pedreira em relação a noções de higiene e educação,
como se constata, em (12) e (13), respectivamente.
(12) “Quanto a ti para ficares bem san, forte e gordinha deves comer só quando a tua
Mamãe disser sim, e não deixes teus maninhos assentarem se no chão frio ou humido.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Rosa (Rosinha), em
09.02.1886.)
(13) “Tu e Iza obedeçam sempre a teus Paes, pois já comprehendem quanto valem os
Paes.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Rosa (Rosinha), em
09.02.1886.)

A Família Castro Magalhães
→ Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães
O informante do sexo masculino, Jerônimo de Castro de Abreu
Magalhães, nasceu em Magé (RJ), a 26 de junho de 1851, fruto da
união entre o português Fernando de Castro Abreu Magalhães e a
brasileira, nascida no Rio de Janeiro, Magé, Rosa Rodrigues de
Magalhães. Com a morte da sua mãe, Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães foi levado por seu pai, a Portugal, para ser educado por uma
tia materna. Em terras d’além mar, Jerônimo freqüentou o Colégio dos
Nobres em Lisboa. Para dar continuidade aos seus estudos, seguiu para
a Alemanha onde cursou Humanidades. O jovem Jerônimo regressou ao
Brasil, aos seus 20 anos de idade, dotado de uma bagagem intelectual
que incluía o curso completo de Humanidades e o Bacharelado em
71
Letras e Filosofia. Em 1875, cursou Engenharia Civil, o que motivou a
sua nomeação, pelo Imperador, como lente catedrático da Escola de
Minas, de Ouro Preto, sendo considerado, pois, o seu fundador em
aliança com um amigo, Dr. Gorceix.
→ Zélia Pedreira de Abreu Magalhães
A informante do sexo feminino, Zélia Pedreira de Abreu Magalhães,
nasceu em Niterói, no bairro do Ingá (RJ), a 05 de abril de 1857, filha
de Dr. João Pedreira do Couto Ferraz (o patriarca da família Dr. Pedreira)
e Elisa Amália de Oliveira Bulhões. Elisa Justina Bulhões Pedreira é o
nome de batismo de Zélia, pois assim também se chamavam a sua mãe
e a sua avó. Acrescente-se a isso o fato de “Elisa” ser a abreviação do
nome bíblico “Elisabet” e de “Justina” evocar a noção de “perfeição”.
Entretanto, o Dr. Pedreira resolveu intercambiar os fonemas do nome
Elisa, trocando obviamente o grafema ‘s’ pelo ‘z’, a fim de apelidá-la de
“Zélia” no convívio do lar. E assim ficou ... Já na sua velhice, mais
precisamente, em 1919, quando tinha 63 anos, a ‘Zélia’ irá assumir
uma outra denominação: “Irmã do Santíssimo Sacramento”, cf. consta
da ficha de identificação do remetente, exposta no volume II desta tese.
A partir de julho de 1875, estreitaram-se as relações entre as
fidalgas famílias Castro Magalhães e Pedreira Ferraz, proporcionando a
aproximação entre os jovens Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães
(filho de Fernando de Castro Abreu Magalhães) e Zélia Pedreira Ferraz
(filha do Dr. Pedreira) num clima do mais completo recato e
religiosidade cristã. Segundo Biasoli-Alves (2000), “no final do século
XIX e início do XX, ‘a mulher é escolhida’, ao mesmo tempo em que é
‘comandada’”. Foi isso que aconteceu com Zélia: ela foi escolhida pela
família do marido. O desejo nutrido pelos Castro Magalhães de receber
Zélia como esposa de Jerônimo foi aprovado pela família Pedreira
Ferraz. Apesar disso, ressalte-se que o compromisso de conveniência foi
ajustado ao desejo de Zélia, pois o seu pai (Dr. Pedreira), conforme
Pedreira de Castro (1960), fez questão de consultá-la sobre a
72
possibilidade de união entre as famílias, ao que esta respondeu
afirmativamente, submetendo o seu futuro aos desígnios de Deus. Zélia
age, pois, como uma mulher do educada no Brasil oitocentista, ou seja,
como uma mulher moldada para ser submissa às aspirações dos
homens: em primeiro lugar, do pai, e depois, do marido.

A Família Pedreira Ferraz – Magalhães
As famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães uniram-se através
do enlace matrimonial entre os filhos Jerônimo e Zélia, em 27 de julho
de 1876, na Capela São João, na Chácara da Cachoeira, residência da
noiva. Após a cerimoniosa celebração e requintada festa de casamento,
seguiu o jovem casal para Petrópolis, onde residiu por um período.
Posteriormente, cedendo à vontade do pai e do tio de Jerônimo, Zélia e o
seu Magalhães, como ela o chamava intimamente, tornaram-se os
novos donos da rica fazenda de café intitulada Santa Fé, afastada uma
légua da cidade do Carmo de Cantagalo e duas léguas de São José d’
Além Paraíba, no estado do Rio de Janeiro.
Nasceram dessa união treze filhos – Maria Elisa, Maria Rosa, Maria
Leonor, Maria Bárbara, Maria Teresa, Maria Joana, Maria Amália, Maria
de Lourdes, Jerônimo, Francisco José, Fernando, João Maria e Luis – dos
quais faleceram ainda na infância os filhos Maria Teresa, Maria de
Lourdes, Francisco José e Luís16.
No livro “Zélia ou Irmão do S.S. Sacramento”, escrito pelo seu filho Jerônimo Pedreira de
Castro, o autor esclarece que faleceram os seguintes filhos de Zélia e Jerônimo: Maria
Teresa, Maria de Lourdes, Francisco e Luís. No entanto, em carta redigida aos seus filhos Zélia
e Jerônimo, o Dr. Pedreira lamenta a morte da “Leonorsinha” (Maria Leonor). Confesso
que ainda não entendi.
16
73
Imagem 1: A família Pedreira Ferraz – Magalhães em 1890.
Educando-os à luz dos mais rígidos parâmetros da fé católica para
serem santos, como desejava a mãe, o casal obteve a recompensa de ver
os seus nove filhos se encaminharem para a vida religiosa consagrados
a diferentes ordens religiosas como padres – Jerônimo tornou-se Padre
Lazarista, Fernando tornou-se Padre Jesuíta e João Maria tornou-se
Padre Franciscano – e freiras – Maria Elisa, Maria Leonor, Maria Joana e
Maria Amália abraçaram o hábito da Congregação de Santa Dorotéia. Já
as irmãs Maria Rosa e Maria Bárbara tornaram-se, respectivamente,
Sóror Maria Auxiliadora do Convento Bom Pastor e Sóror Maria da
Divina Pastora da Congregação do Bom Pastor d’ Angers.
O encaminhamento dos seus nove filhos à vida religiosa no interior
de
conventos
disseminada
brasileiros
pela
especificamente,
família
pela
foi
licenciado
Pedreira
esposa-mãe
pela
Ferraz
“Zélia”
educação
–
sobre
virtuosa
Magalhães,
quem
mais
recaiu
a
responsabilidade pela educação dos filhos. Comprova-se que o papel da
mulher na educação dos filhos tem a sua relevância na sociedade
brasileira de fins do século XIX e da primeira metade do século XX,
ainda que seja encoberta pela figura masculina ou, melhor dizendo
74
“dissolvida pó destrás do gênero masculino”, nos termos de Carboni e
Maestri (2003).
Ao compor a biografia da Irmã Maria do Santíssimo Sacramento
(Zélia), o seu filho Pe. Jerônimo (Pedreira de Castro) afirma terem os
nove filhos de Zélia seguido à vida religiosa em distintos conventos do
Brasil voltados para a “formação da mocidade”. Nas cartas em análise,
há trechos que comprovam que os filhos religiosos de Zélia, além de
outras atividades exercidas nas respectivas congregações a que
pertenciam, envolviam-se com o ensino dos jovens. Nesse sentido,
observem-se, de (14) a (19), os comentários relacionados a Fernando,
Jerônimo, Maria Joana e Maria Elisa e o exercício de atividades
vinculadas ao magistério, tais como: o progresso das alunas, em (14), a
aproximação dos exames finais, em (15), a preparação dos exames, em
(17), os nomes das alunas, em (18) e os resultados dos exames dos
alunos, em (19). Interessante observar que Maria Joana, em (16), se
propõe a refletir, na carta que dirige a mãe, sobre a sua função como
religiosa-educadora.
(14) “[espaço] E tu minha Jane Como estás dos ouvidos? Estou certo que tuas
discípulas do primeiro anno, do teo magistério, devem ter feito muitos
progressos.”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a filha Maria Joana. Fazenda Santa
Fé, RJ, 26.01.1908.)
(15) “[espaço] Nós aqui vamos indo muito bem. Approximam-se os exames dos
alunnos, o que augmenta meu trabalho.”
(Carta de Pe. Jerônimo a sua mãe Zélia. Minas Gerais, Caraça, 07 de setembro de
1909.)
(16) “Abriremos novamente o Collegio no dia 7 de Janeiro, pois já são bem longas estas
ferias. Este anno quero ainda ser mais sollicita a levar as obras para Nosso Senhor !
Ah! minha Mamãe, cada vez sinto mais difficil achar o segredo da vida religiosa na
educação das Jovens ! E depois devo dar a essas almas o que muitas vezes eu estou
longe de possuir !”
(Carta de Maria Joana a mãe Zélia. Fortaleza, 07 de dezembro de 1918.)
(17) “Querido Fernando. [espaço] Ainda em Novembro, recebi sua cartinha em resposta
a minha ultima e não lhe escrevi mais porque estive passando alguns pontos dos
exames finaes que deveriam ser prestados perante o Inspetor do Governo. [espaço]
Graças a Deus sahiram-se todos muito bem.”
(Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. 14 de dezembro de 1919.)
75
(18) “(...) Se achares bem me mande os nomes de sua allunnas para Nossa Senhora
das Victorias: Titia Zezinha e Maria são Socias Propagadora; se fôr possivel diz a ellas
que é em duvida; porque se não vier fiça direito.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Olinda, Pernambuco, 02 de março de
1921.)
(19) “[espaço] [espaço] Felizmente você está satisfeita com o resultado dos
estudos das alumnas, e passa bem de saude. Gostaria muito si Jeronymo pudesse ir
passar em sua companhia algumas horas, visto que elle vem ao Rio... quanto a Nônô,
peço continuamente por ella a Nossa Senhora; de resto nos devemos consolar pensando
que Deus escreve di-reito por linhas tortas, como dizia tantas vezes a nossa mamãe.”
(Carta de Fernando a irmã Maria Elisa. Vals, 10 de abril de 1921.)
O envolvimento dos filhos de Zélia com o magistério no âmbito
religioso os evidenciam como legítimos homens e mulheres do Brasil
Imperial de fins do século XIX e de inícios do século XX, cf. (Nunes
2007):
“(...) Entre 1872 e 1920, cinqüenta e oito
congregações européias se estabelecem em terras
brasileiras; outras 19 também são fundadas no
Brasil por essa época. O trabalho educativo nos
colégios, o cuidados dos doentes, das crianças e
dos velhos em orfanatos e asilos constituirão suas
principais atividades. (...) Na segunda metade do
século XIX, religiosas e religiosos detinham
praticamente o monopólio da educação no Brasil:
das 4600 escolas secundárias existentes, 60%
pertenciam à Igreja e gozavam de enorme
prestígio.” (Nunes 2007:492/494.)
Imagem 2: Os oito filhos religiosos de Zélia, reunidos no Mosteiro do Bom Pastor (Rio de Janeiro), em Janeiro
de 1933. 17
Segundo Pedreira de Castro (1960:240), “No grupo, falta apenas Madre Maria Leonor, que, por
doença, não pôde comparecer.”
17
76
O casal Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães e Zélia Pedreira
de Abreu Magalhães constituiu a sua família, na Fazenda de café Santa
Fé, sob os rígidos princípios da fé cristã católica. Em 1889, Jerônimo e
Zélia e seus filhos optaram por residir na Quinta da União, um
grandioso prédio, situado à Rua São Francisco Xavier (antigo Ginásio
Dom Pedro II), em companhia do Dr. Pedreira (pai de Zélia) e de quatro
dos filhos do Dr. Pedreira que haviam constituído família. Por motivo de
saúde, em 1894, o casal Jerônimo e Zélia decidiu residir em Petrópolis,
na Rua Monsenhor Bacelar, Terra Santa, conforme Pedreira de Castro
(1960:119-121).
Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães, depois de um período de
trabalho intenso na Fazenda da Santa Fé não só por ocasião da colheita
de café, mas também por ocasião da festa do Carmo em que se recebeu
a visita do Bispo, foi tomado por uma gripe pulmonar, culminando em
uma síncope cardíaca que o levaram a morte no dia 12 de agosto de
1909. O falecimento do Sr. Jerônimo se deu quando ele estava longe de
sua esposa Zélia que havia se ausentado da Fazenda Santa Fé, em
viagem a Pernambuco, para visitar uma de suas filhas a quem não via
há dez anos.
Aos 52 anos, Zélia enviuvou e concentrou esforços para se dedicar
integralmente a vida religiosa, a partir de um retiro espiritual no qual
fez secretamente os votos de pobreza, castidade e obediência. Zélia
dividiu-se entre a administração da produção de café da Fazenda Santa
Fé e os cuidados com a saúde do já idoso Dr. Pedreira que, no Rio de
Janeiro, necessitava dos cuidados da filha. Como o seu desejo era servir
a Deus na paz do claustro, Zélia teve de se abster dos bens materiais
quais sejam: a residência de Petrópolis, a Fazenda Santa Fé, imóveis no
Rio de Janeiro e a parte que a ela cabia na herança foi passada para o
Convento das Servas do Santíssimo Sacramento18.
O convento de Religiosas de Clausura denominado “Convento das Servas do Santíssimo
Sacramento” foi fundado, em 1912, no Largo do Machado – Rio de Janeiro, cf. Pedreira de
Castro (1960:185.).
18
77
Aos 62 anos, deu-se o ingresso de Zélia no convento das irmãs
Sacramentinas, mais precisamente no dia 22 de janeiro de 1918. Já
despida dos bens materiais acumulados nessa vida terrena, Zélia
ingressou no Convento somente com um crucifixo e um rosário. O feliz
abraço a essa vida diária de adoração contemplativa a Jesus
Sacramentado, a torna, aos 22 de janeiro de 1919, a Irmã Maria do
Santíssimo Sacramento. A partir de 15 de agosto de 1919, a Irmã Maria
passa a padecer de fortíssimas dores na espinha dorsal que a levaram à
paralisia e, conseqüentemente, à morte, no dia 08 de setembro de 1919.
O passamento de Zélia foi movido por muitas orações, tristeza e
resignação diante dos desígnios de Deus que recolheu para si uma
pessoa cuja trajetória de vida se justifica pela expressão do mais puro
desejo de ser santa e de fazer dos filhos santos.
Como uma mulher nascida no Brasil oitocentista, no seio de uma
abastada família movida pelos valores do catolicismo, Zélia teve a sua
educação construída a partir de aulas particulares, sobretudo aulas de
línguas (francês, inglês, italiano, alemão, latim e grego19) e de ciências,
promovidas em casa. Assim sendo, Zélia traz consigo a preocupação de
conduzir os filhos à vida em sociedade com uma educação estritamente
vinculada aos valores cristãos, o que a levou a se responsabilizar por
ensinar-lhes, em casa, a ler, a escrever, as línguas e as ciências. A
educação que Zélia ministrava aos filhos tinha como princípio básico
torná-los ‘santos’. Como uma mãe extremamente zelosa temia que os
ensinamentos ministrados por outros professores, quer em casa, quer
em sociedade (educação formal), pudessem macular a inocência e os
preceitos cristãos tão rigidamente concebidos na educação familiar.
Chegado o momento de ingressar os filhos na educação formal, Zélia
matriculou as meninas no Instituto de Santa Dorotéia, na cidade de
19
“Zélia teve por professores vários homens de saber, que freqüentavam a casa do Conselheiro Pedreira.
Com tão bons mestres aprendeu a falar corretamente o francês, o inglês, o latim e o grego, a causar
admiração ao Imperador, que por várias ocasiões teve o gosto de conversar com a jovem beletrista nesses
diversos idiomas.”, cf. Pedreira de Castro 1960:35.
78
Friburgo, cidade próxima a uma das residências da família, Petrópolis.
E ao filho mais velho, Jerônimo, Zélia destinou-o à Escola Apostólica,
conduzida pelos Padres Lazaristas, na Westfália, próximo de Petrópolis.
Em (20), tem-se a transcrição de trecho de carta produzida, em fins
do século XIX, por Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho
Jerônimo acerca do andamento dos estudos do filho no seminário,
observa-se que o pai valoriza a aprendizagem de línguas, ressaltando
mais especificamente a relevância da aprendizagem do latim, como uma
“gymnastica do espírito”. Tal posicionamento de um homem educado
sob rígidos padrões portugueses de erudição do século XIX parece
evocar o racionalismo humano dos gramáticos de Port-Royal (século
XVII) que, por sua vez, apontam para um retorno à tradição grecolatina, consolidando a relação entre o pensamento e a linguagem.
(20) “O tempo passa - As faculdades d'alma de anno para anno se vão aprimorando,
mas certos estudos ha que precisam que tenham raizes em annos juvenis O estudo das
línguas é um d’ elles – Muito latim a moda antiga – Olatim alem de ser a maĩ de nossa
língua nacional é uma gymnastica do espírito – Conhecimento profundo do latim é um
instrumento precioso para outros mais altos conhecimentos – Mas é tarde Terei mais
occasiões de Contigo Conversar Sé feliz no santo temôr de Deus. Meus respeitosos
cumprimentos a meo Compadre o Senhor Padre Superior e a teus mestres e acceita a
benção de teo Pae e amigo Jeronymo”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo. Fazenda Santa
Fé, RJ, 19.07.1897.)
Mais um indício do perfil “culto” que circunscreve a história de
formação dos filhos de Zélia e Jerônimo é recolhido em carta escrita por
Fernando, como se observa no trecho da carta transcrito em (21). O fiel
aspirante à missão de Jesuíta, ainda em processo de estudo antes de
sua ordenação, ao escrever a uma irmã não especificada, tece
comentários sobre a sua produção escrita que, por sua vez, envolve
artigos a serem publicados em jornais da época tais como A União e o
Mensageiro do Coração de Jesus (em Portugal). Esse fato constitui uma
evidência de que as missivas que embasam esta tese são o reflexo da
produção escrita de brasileiros que, em fins do XIX e na primeira
79
metade do XX, se mostravam familiarizadas com o manejo da pena e
que tentavam, através dela, intensificar os seus laços de união.
(21) “[espaço] Espero que receberás em breve um trabalho sobre Mamãe no Mensageiro
do Coração de Jesus de Portugal, de que a 1 a parte (são umas 6 ou 7) já foi publicada,
e um outro em francês. Todos os outros trabalhos avançam e varios estarão terminados
brevemente. (...) [espaço] Post Scriptum - Parece que o governo francês recua, já tem
medo de perseguir as Religiosas e os catholicos, tal o barulho que estes vão fazendo. Os
Jesuitas dirigem a publicação de milhões de dispersos como este. O Chefe dos
Ministros, [Herriot], tem sido vaiado por toda a parte, e será obrigado a deixar o
governo. Ainda bem ! Mandei agora dois artigos para A União a este respeito. [espaço]
Acabo de receber cartão de Bebé, de Santos. Pretende visitar-te. Fernando.”
(Carta de Fernando a irmã. Bélgica, Enghien, 09 de janeiro de 1925.)
No que se refere à História da Educação no Brasil, é interessante
observar a leitura de Biasoli-Alves (2000), integralmente fidedigna à
história da família Pedreira Ferraz – Magalhães:
“(...) analisando o contexto da época e olhando a
História da Educação no Brasil, nas primeiras
décadas do século XX, pode-se verificar que havia
poucas Faculdades no país; somente nos grandes
centros, sobretudo no eixo Rio-São Paulo (Almeida,
2000). No entanto, existiam muitos colégios, a
maioria confessionais, herança dos Jesuítas, mas
também de outras congregações religiosas que
para cá vieram, cada qual trazendo os seus padres
e suas freiras, preocupados em educar para Deus
e a sociedade, “os filhos e filhas da terra”.
Proliferam, então, os colégios para meninos e
meninas das classes abastadas e torna-se cada
vez mais comum que a “moça de família”, depois
que aprendeu em casa as “primeiras letras”, seja
enviada a um colégio interno de freiras “para ser
educada”.
(Biasoli-Alves, 2000.)
Acredita-se que as cartas produzidas pelas famílias Pedreira Ferraz
e Castro Magalhães, representantes de uma amostra criteriosamente
organizada, possa subsidiar os estudos sociolingüísticos acerca da
produção escrita de brasileiros letrados que viveram em fins do século
XIX e na primeira metade do século XX.
80
CAPÍTULO 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS.
4.1 A Mudança lingüística à luz dos pressupostos variacionistas
A intrigante contradição do Estruturalismo Saussureano é a idéia
de que, para dar conta da configuração estrutural da língua, é legítima
a concepção de língua como um sistema homogêneo, como o domínio da
invariância, excluindo, pois, a extensão sócio-histórica da análise
lingüística. Essa incongruência da teorização de Saussure se revela
através do Paradoxo Saussureano: como admitir que para entender o
funcionamento interno da língua (langue) se deva atentar para a
expressão do discurso de um único indivíduo (parole) que, por sua vez,
somente pode se dar numa situação de interação comunicativa em um
dado momento histórico-social? Sob a perspectiva da Sociolingüística
Variacionista de orientação laboviana, voltam-se os olhares não só para
a configuração interna da língua, como previa Saussure (1915), mas
também para a sua configuração social, concebendo-a como um
sistema movido por uma heterogeneidade ordenada cujas manifestações
lingüísticas variáveis podem ser descritas e analisadas nos seus níveis
estrutural e social, segundo Weinreich et alii (1968). Visando à
elucidação de incoerências nos estudos saussureanos, entende-se que a
abordagem do contexto histórico se faça necessária à reconstrução da
história lingüística e social, conforme Weinreich et alii (1968), Labov
(1994), com base nas noções de Variação e Mudança como traços
essenciais à estruturação interna das línguas.
Labov (1994) entende as noções de Variação e Mudança como
movimentos constitutivos das línguas humanas, assumindo que a
função da lingüística histórica é a de detectar as diferenças entre o
passado e o presente das línguas. Essa detecção pode ser obstaculizada
por não ser tão simples inferir o quão o passado foi diferente do
presente. Trata-se do Paradoxo diacrônico (Historical paradox) que
motivou Labov a assumir o presente como uma realidade lingüística a
81
partir da qual se pudesse entender o passado das línguas. Acredita-se
que o fato de a força propulsora da mudança lingüística ter atuado no
passado legitima a sua influência sobre a realidade lingüística
sincrônica (atual), como reflexo do princípio norteador da mudança nas
línguas humanas – The uniformitarian principle, cf. Labov (1994).
Ao admitir que as línguas humanas sejam movidas por variação,
potencial que, por sua vez, as leva a se transformarem gradual e
paulatinamente, como entender (pensar) o seu funcionamento interno
pari passu à implementação da mudança estrutural? A Sociolingüística
Variacionista, à luz dos estudos de William Labov, passa a se preocupar
em estudar a mudança lingüística não somente quando já se efetivou
na língua, mas também quando ainda está sob a progressão dinâmica
da variação no sistema lingüístico.
O estudo da mudança lingüística exige que se volte o escopo da
análise para a língua em distintos momentos da sua história. Nesse
sentido, Paiva e Duarte (2004) preocupam-se em tecer as seguintes
questões relacionadas à composição de amostras de textos para os
estudos no âmbito da sociolingüística histórica:
“Se a análise diacrônica implica a reconstrução de
uma ou de diversas sincronias, coloca-se o problema
quantitativo e qualitativo de constituição de uma
amostra e de seleção dos objetos a serem tomados
como ponto de referência. Quantos e quais textos
vamos utilizar para depreender as possíveis
mudanças? Como avaliar a representatividade de
um texto em relação a um certo recorte do tempo?
Até que ponto o fenômeno específico em estudo
requer a análise de corpora específicos? São
questões com que se defrontam inevitavelmente os
sociolingüistas e os pesquisadores da diacronia.”
(Paiva e Duarte, 2004:184).
Em relação à fidedignidade dos dados históricos que se prestem
aos estudos lingüísticos diacrônicos, Labov (1994) aponta alguns
problemas de interpretação. São eles:
82
1º) A imprevisibilidade de localização de documentos históricos.
A resistência dos documentos históricos à atuação dos efeitos do
tempo é fortuita, o que leva o lingüista-pesquisador a contar com o
acaso para localizar textos que sirvam aos estudos lingüísticos de
sincronias passadas;
2º) O baixo grau de expressividade do vernáculo dos escritores.
É possível que, em muitos documentos históricos, se observem os
efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do escriba,
dificultando a identificação de legítimos traços da realidade vernacular
da língua dos autores dos textos. Além disso, os documentos históricos
podem comprovar as evidências negativas a serem inferidas na
ausência de documentos que tenham resistido à ação do tempo;
3º) A difícil caracterização do perfil social dos autores dos documentos
históricos.
Labov também aponta como um empecilho ao trabalho com a
diacronia o fato de nem sempre ser possível dispor de informações
precisas acerca do perfil social dos autores dos documentos históricos,
assim como não lhe é possível assegurar sobre a reconstituição da
sócio-história da comunidade lingüística em análise.
Na proposta a ser desenvolvida nesta tese, atentou-se, em termos
metodológicos, para o resgate meticuloso do perfil sociolingüístico de
cada um dos autores dos documentos, bem como o dos destinatários
das cartas, tendo em vista a idade, o gênero, o grau de parentesco, o
nível cultural e o tipo de relação estabelecida entre os “informantes”.
Entende-se também que, para dar conta de nosso objeto de estudo,
optou-se pela análise de cartas íntimas por ser um tipo de texto cujo
grau de formalismo é menor, visando à estruturação de uma
investigação com uma maior probabilidade de expressão de contextos
lingüísticos favoráveis ao aparecimento de formas de tratamento.
83
A
depreensão
do
processo
de
implementação
da
mudança
lingüística envolve ainda o esclarecimento das seguintes questões
teóricas pensadas por Weinreich et alii (1968): o problema das
restrições (constraints problem) – a detecção dos fatores motivadores da
mudança lingüística; o problema da transição (transition problem) – a
análise das etapas pelas quais a língua atravessa, de modo gradual e
paulatino, ao se transformar; o problema do encaixamento (embedding
problem) – a observação do ajuste da mudança nas matrizes lingüística
e social; o problema da avaliação (evaluation problem) – a apreciação do
falante acerca da mudança lingüística e de suas conseqüências na sua
estrutura; o problema da implementação (actuation problem) – a
percepção da instauração da mudança lingüística a partir da seguinte
indagação: por que um dado processo de mudança lingüística se
instaurou em período e espaço específicos e não em outros momentos e
lugares da história da língua? É possível depreender quem, quando e
como implementou a mudança?
A busca por depreender o processo de implementação da mudança
lingüística perpassa pelos estudos em tempo aparente que se põem a
detectar os fenômenos lingüísticos variáveis nas distintas faixas etárias
dos informantes como a expressão objetiva da língua, em um dado
momento histórico-social. Labov (1994) discute a possibilidade de o
estudo em tempo aparente evidenciar apenas um processo de variação
estável. Esta seria caracterizada pela manifestação das alternâncias de
usos lingüísticos que se conservam a cada geração de informantes como
uma evidência de um processo de gradação etária não apontando, pois,
para um processo de mudança em progresso na língua. A fim de
elucidar esse impasse da análise do fenômeno lingüístico como um
estágio de variação estável (gradação etária) ou como a implementação
da mudança lingüística (mudança em progresso), Labov (1994) instiga a
realização de estudos lingüísticos que conjuguem os resultados das
análises em tempo aparente com as evidências dos estudos em tempo
real.
84
Os estudos em tempo real se caracterizam, conforme teoriza Labov
(1994), como análises lingüísticas em discretos períodos de tempo
(estudos de curta duração) e como estudos lingüísticos que envolvem
dilatados lapsos de séculos (estudos de longa duração). Ao pensar a
produtividade dos estudos lingüísticos em tempo real de curta duração,
Labov conjectura duas estratégias de depreensão da dinamicidade da
variação em relação a formas lingüísticas alternantes em processo de
mudança lingüística. São elas: o estudo de painel (panel study) e o de
tendências (trendy study). Enquanto este se estabelece através da
comparação
entre
distintas
amostras
lingüísticas
de
diferentes
informantes pertencentes a uma mesma comunidade lingüística, aquele
consiste na comparação entre amostras lingüísticas dos mesmos
informantes em um período de tempo entre o recontato dos mesmos
informantes que Labov recomenda ser de, “no mínimo, meia geração (12
anos) e, no máximo, duas gerações (cerca de 50 anos)” (cf. Labov
1981:177 apud Paiva e Duarte 2003:22). A confiabilidade dos estudos
de painel (panel study) e de tendências (trendy study) depende da
rigidez dos critérios de composição da amostra de dados e dos métodos
(entrevistas, questionários, tipos de textos) a serem aplicados às
análises lingüísticas em distintos momentos. Isso quer dizer que tanto
no recontato dos informantes (estudo de painel), quanto na análise do
comportamento
lingüístico
de
distintas
amostras
de
distintos
informantes da mesma comunidade lingüística (estudo de tendências), é
preciso utilizar os mesmos critérios de seleção dos informantes e das
mesmas condições metodológicas de constituição das amostras.
85
4.2 A variação e a mudança lingüística em tempo real de curta duração:
os estudos de painel e de tendências aplicados a análises diacrônicas.
A interpretação dos dados em tempo real de curta duração, tanto
no estudo de painel, como no estudo de tendências, requer a
observação do comportamento lingüístico do informante em relação ao
comportamento da comunidade. Assim sendo, Labov (1994:83) ao
combinar as possibilidades de conduta lingüística dos informantes,
propõe,
como
se
observa
no
quadro
2,
padrões
de
mudança
relacionados ao indivíduo e à comunidade.
PADRÕES DE MUDANÇA
LINGÜÍSTICA NO
INDIVÍDUO
COMUNIDADE
INDIVÍDUO
E NA COMUNIDADE
1. ESTABILIDADE
Estável
Estável
2. GRADAÇÃO ETÁRIA
Instável
Estável
3. MUDANÇA GERACIONAL
Estável
Instável
4. MUDANÇA COMUNITÁRIA
Instável
Instável
Quadro 2: Padrões de mudança lingüística no indivíduo e na comunidade, conforme Labov (1994:83).
Os padrões 1 e 2 de mudança lingüística no indivíduo e na
comunidade
conjecturados
por
Labov
(1994)
não
evidenciam
circunstâncias de implementação da mudança lingüística. No primeiro
padrão, tem-se uma situação de estabilidade na qual tanto o
informante, quanto a comunidade se mostram estáveis. Não há,
segundo Labov (1994:83), a expressão “da variação a ser analisada (...),
há uma situação de estabilidade, de invariância, de homogeneidade”. Já
no segundo padrão, observa-se uma situação de gradação etária
caracterizada pelo comportamento instável do informante na passagem
por diferentes estágios etários da sua experiência lingüística frente a
uma situação de estabilidade no interior da comunidade lingüística.
Segundo Labov (1994:84), “a terceira e a quarta combinações não
são tão transparentes”. A mudança geracional (3º padrão) é marcada
pela instabilidade da comunidade lingüística face ao comportamento
86
lingüístico estável do falante no decorrer de sua vida. Acréscimos
progressivos nos valores das freqüências de uso de uma determinada
variável são desenvolvidos pelas gerações, o que leva a uma mudança
lingüística no interior da comunidade. Trata-se de um típico padrão das
mudanças fonéticas e morfológicas. Ainda sob a orientação laboviana, a
mudança comunitária (4º padrão) se dá quando todos os membros da
comunidade alteram as freqüências de uso de uma dada variável
lingüística
ou
quando
adquirem
simultaneamente
novas
formas
lingüísticas. Esse processo de mudança lingüística é comum em relação
ao processo de mudança lexical, conforme atestado por Payne (1976
apud Labov, 1994) em seu estudo na comunidade lingüística da
Filadélfia. Também a mudança comunitária foi atestada como um
padrão básico de mudança sintática por Sankoff e Brown (1976 apud
Labov, 1994) e por Arnaud (1980 apud Labov, 1994).
Apesar de os padrões de mudança idealizados por William Labov se
prestarem a respaldar, com um maior grau de confiabilidade, o caráter
científico das análises lingüísticas, até mesmo Labov (1994) mostra-se
consciente da relativa aplicabilidade de tais critérios de depreensão da
mudança lingüística no indivíduo e na comunidade em virtude da
constituição diversificada, heterogênea e multifacetada da língua. Assim
sendo, Labov indaga como esses padrões de mudança lingüística
(estabilidade,
gradação
etária,
mudança
geracional
e
mudança
comunitária) relacionam-se com as análises lingüísticas em tempo
aparente e em tempo real. Segundo o autor, a partir do estudo exclusivo
de painel não será possível, por exemplo, identificar se se trata de um
processo de gradação etária ou de mudança comunitária, pois, nos dois
padrões de mudança, o indivíduo é instável. Somente a análise da
comunidade poderá resolver o impasse, já que, na gradação etária, a
comunidade é estável e, na mudança comunitária, a comunidade teria
comportamento instável.
O estudo de tendências permite identificar a performance da
comunidade
lingüística,
mas
não
dá
informações
sobre
o
87
comportamento lingüístico dos informantes em outros momentos
específicos da sua experiência lingüística e da história da língua.
Com base na relativa fragilidade das estratégias de depreensão da
progressão da mudança lingüística em tempo real, quer através do
estudo de painel (panel study), quer através do estudo de tendências
(trendy study), propõe Labov a conjugação desses dois tipos de estudos
em tempo real de curta duração (estudo comparativo entre fases
discretas de tempo) com os em tempo aparente (estudo comparativo
distribuído por níveis etários).
Gillian Sankoff, no artigo intitulado Age: Apparent time and real
time, propõe uma releitura dos quatro padrões de mudança lingüística
propostos por Labov (1994), ao sugerir uma reanálise, sobretudo, do
segundo e terceiro padrões de mudança lingüística: gradação etária e
mudança geracional (tempo aparente), respectivamente. A adaptação
feita por Sankoff (2006) aos padrões de mudança propostos por Labov
(1994), como pode ser visto no quadro a seguir, leva em conta que
aumentos progressivos nas faixas etárias constituem um importante
fator para a depreensão da mudança em progresso nas línguas
humanas. Observe-se a primeira coluna:
PADRÕES
SINCRÔNICOS
INTERPRETAÇÃ
O
INDIVÍDUO
COMUNIDADE
CATEGÓRICO
AUMENTO OU DECRÉSCIMO REGULARES
1. ESTABILIDADE
Estável
Estável
DE ACORDO COM O FATOR IDADE
2. GRADAÇÃO ETÁRIA
Instável
Estável
Estável
Instável
Instável
Instável
AUMENTO OU DECRÉSCIMO REGULARES
DE ACORDO COM O FATOR IDADE
3. MUDANÇA GERACIONAL
(TEMPO APARENTE)
4. MUDANÇA COMUNITÁRIA
CATEGÓRICO
Quadro 3: Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade adaptados de Labov (1994:83) por Sankoff
(2006:05).
Segundo de Sankoff (2006), distribuições etárias gradientes podem
ser interpretadas como um processo não categoricamente deflagrador
de mudança lingüística, mas de gradação etária. A correlação entre
88
gradação
etária
e
mudança
geracional
(tempo
parece
aparente)
evidenciar dois diferentes comportamentos lingüísticos:
1º) Se a mudança está em progresso, os falantes mais velhos
tendem
a,
à
medida
que
envelhecem,
mudarem
os
seus
comportamentos lingüísticos em direção à implementação da mudança;
2º) Com variáveis lingüísticas estáveis é possível haver um padrão
curvilinear co-indexado com o fator idade, assim como com a classe
social. Entende-se que os adultos já inseridos no mercado de trabalho
podem evidenciar uma maior produtividade da variante padrão do que é
característico dos informantes idosos e jovens.
Com
o
intuito
de
depreender
essas
duas
possibilidades
interpretativas, Sankoff sugere que se voltem os olhares para o exame
da história da língua através da análise em tempo real. Acredita-se que
os estudos longitudinais como painel e tendências pensados por Labov
(1994) possam esclarecer a relação entre o fator idade, e as noções de
tempo aparente e de tempo real. Admite-se que aumentos progressivos
na freqüência de uso de uma dada variável lingüística em análise, tanto
no nível do indivíduo, quanto no nível da comunidade sejam essenciais
para a implementação da mudança. Assim sendo, Sankoff prevê quatro
possibilidades interpretativas para os resultados dos estudos em tempo
real. São elas:
1ª) A repetição de um padrão lingüístico peculiar a uma determinada
faixa etária pode ser explicada como um estático processo de gradação
etária;
2ª) O recorrente processo de gradação etária até o mais alto nível da
mudança pode ser entendido como mudança lingüística em tempo real;
3ª) A instabilidade elevada ao seu mais alto grau assumida por todos os
grupos
etários
pode
ser
interpretada
como
a
última
fase
da
implementação da mudança lingüística em progresso;
4ª) A direção da mudança pode ser revertida como resultado de um
processo de estigmatização vindo de cima, isto é, alavancado por
pressões sociais.
89
Sankoff também admite que a combinação do estudo de tendências
com o de painel ratifica a relevância do conceito de tempo aparente para
a depreensão da mudança em progresso na língua.
O caráter inovador deste trabalho está na tentativa de elaboração
de uma proposta metodológica para o estudo de painel (panel study) nos
moldes labovianos que se aplique à análise de sincronias passadas
(cartas pessoais oitocentistas e novecentistas). Tentou-se aplicar, é
claro, a noção de estudo de tendências (trendy study), sob a inspiração
laboviana, a textos escritos em sincronias passadas do PB, mas não se
conseguiu equilibrar a amostra com cartas pessoais confeccionadas por
distintos informantes cultos (homens e mulheres), representantes da
comunidade lingüística, que tivessem produzido regularmente cartas
pessoais em fases distintas da mesma sincronia em análise (século XX).
Assim sendo, restringiu-se esta análise variacionista das formas Tu e
Você ao estudo de painel (panel study) e ao estudo em tempo aparente
(apparent time), nos moldes Labovianos, em sincronias passadas do PB
(fins do séc. XIX e primeira metade do século XX). Os avanços e os
entraves à aplicação do modelo serão discutidos posteriormente.
Outra questão pertinente postulada como uma das hipóteses deste
estudo é tentar explicar o maior emprego de Você na produção escrita
de mulheres brasileiras em fins do XIX e início do XX. Teriam sido as
mulheres as propulsoras da implementação de Você no PB? Qualquer
resposta definitiva a tal pergunta poderia ser considerada redutora ou
demasiadamente simplista, entretanto, cabe examinar, na seção
seguinte, como o fator gênero tem sido discutido em diversos estudos de
natureza sociolingüística.
90
4.3. O fator gênero em processos de variação e mudança lingüísticas.
Partindo do pressuposto de que o Você é uma forma que surgiu
posteriormente ao Tu e que com ele compete no PB, é possível pensar as
seguintes questões: a variável gênero (sexo) poderia representar um
fator de progressão (avanço) ou de regressão (retrocesso) na direção da
implementação de uma nova variante (Você) no sistema lingüístico? A
opção por Tu ou por Você estaria co-relacionada com o papel social
assumido por homens e mulheres na realidade sócio-histórica e
lingüística do PB oitocentista e novecentista?
É interessante observar os resultados de alguns estudos sobre
processos de variação lingüística que permitem evidenciar a influência
da variável gênero (sexo) na escolha de uma dada forma variante. Tais
constatações confirmam a hipótese laboviana (1990) de que, nos
processos de variação, as mulheres tendem a usar as formas que
refletem a norma padrão, desviando-se, pois, das variantes lingüísticas
socialmente estigmatizadas.
No nível fonético, tem-se o pioneiro estudo de Fischer (1958) sobre
o desempenho dos fatores sociais na seleção de pronúncias variantes no
inglês. O autor, ao estudar a competição entre a pronúncia velar
(variante socialmente prestigiada) ou dental (variante socialmente
desprestiada) do sufixo –ing em formas verbais gerundivas (walking,
breaking, talking) do inglês, constata que as mulheres optaram pela
variante socialmente prestigiada, isto é, preferiram a pronúncia
velarizada do sufixo –ing. No inglês falado em Detroit, Wolfran (1969)
examina a realização fonética variável das oclusivas [t] e [d] em posição
de fim de sílaba – walked/walke. As mulheres optam por seguirem a
norma, realizando foneticamente as oclusivas (walked), em oposição aos
homens que não as realizam em fim de sílaba, selecionando, pois, a
variante socialmente desprestigiada (walke). Na variedade carioca do
PB, Mollica, Paiva e Pinto (1989) analisaram o apagamento variável da
91
vibrante
em
grupos
consonantais
–
problema/pobrema;
proprietário/propietário. As mulheres também preferiram a variante
socialmente prestigiada, ao optarem pela realização da vibrante no
interior de grupos consonantais (problema, proprietário).
No nível morfossintático, Laberge (1977) pesquisa a alternância
entre os pronomes nous (nós) e on (a gente) do francês oral de Montreal
(Canadá) – Nous allons au cinema/On va au cinema20. Nesse processo de
variação, as mulheres preferiram o pronome licenciado pela norma
padrão, isto é, elegeram a forma socialmente prestigiada (nous). Ainda
em relação à variação pronominal, apresentam-se os resultados de
Paredes e Silva (1996) sobre o emprego variável das formas Tu e Você na
variedade carioca do PB falado. A autora constata que o uso do Tu em
desarmonia sintática com o verbo na terceira pessoa do singular (Tu
quer uma cerveja?) é mais produtivo na fala dos homens cariocas com
.57 de peso relativo. As mulheres parecem ter optado por não se
exporem a uma construção sintática tão seriamente rechaçada pela
norma gramatical: o emprego do Tu sem concordância verbal. A
influência da variável gênero também pode ser observada em relação ao
fenômeno variável da concordância nominal no PB. O estudo de Scherre
(1996) evidencia que há uma maior probabilidade de as mulheres
efetivarem a concordância no interior do sintagma, com peso relativo de
.58, do que os homens, com peso relativo de .42.
Trabalhos sociolingüísticos que visam a depreender a progressão
da mudança lingüística mostram que nem sempre é possível evidenciar
uma clara polarização entre o comportamento lingüístico de homens e
mulheres e o uso de variantes desprestigiadas e prestigiadas. O
Paradoxo do Gênero, cf. Labov (1990), se estabelece a partir da seguinte
dinâmica:
em
processos
de
variação
lingüística,
como
dito
anteriormente, as mulheres tendem a se voltar para a norma padrão,
mostrando-se mais conservadoras, ao evitarem a estigmatização.
As sentenças “Nous allons au cinema/On va au cinema.” podem ser entendidas, em
português, da seguinte forma: “Nós vamos ao cinema/A gente vai ao cinema.”
20
92
Inverte-se a situação em processos de mudança lingüística. Nesses
casos, as mulheres tendem a introduzir a forma “não-padrão”,
mostrando-se mais inovadoras e os homens, conservadores. No entanto,
ao estudar a estratificação social do inglês de Nova York, com base na
análise da realização retroflexa do [r] pós-vocálico (card), Labov (1966)
observou que as mulheres optaram pela implementação da forma
socialmente prestigiada: a pronúncia retroflexa do [r] pós-vocálico. Ao
estudar a centralização de /ay/ e /aw/ em Martha’s Vineyard, Labov
constata que os homens lideraram o processo de mudança, o que o
levou a admitir que a distinção sexual (gênero masculino versus gênero
feminino) está sujeita “(...) a uma postura expressiva que é socialmente
mais apropriada para um sexo do que para outro”., cf. Labov
2008[1972]:348/349.
Omena (1996) analisa a alternância nós e a gente como sujeito
pronominal no português falado pelos cariocas. Os homens, ao optarem
pelo nós, mostraram-se conservadores, ao passo que as mulheres, ao
preferirem o a gente lideraram o processo de mudança, ao assumirem
uma postura mais inovadora. Entretanto, não se pode afirmar
veementemente que o emprego de nós evidencia o “padrão” e o a gente,
o “não-padrão”, pois tais formas pronominais variantes não são
socialmente estigmatizadas. Acredita-se ser mais coerente, portanto,
optar por tratar as formas variáveis nós e a gente como forma
conservadora, aquela já existente na língua, e como forma inovadora, a
que surgiu a posteriori no sistema lingüístico, respectivamente. Não
necessariamente as formas conservadoras e inovadoras devem estar
vinculadas à “norma padrão” e à norma “não-padrão”, respectivamente.
Zilles (2005) estuda o incremento do processo do pronome a gente
no PB falado em Porto Alegre. Trata-se de uma mudança vinda de baixo
(change from below, cf. Labov 1994) como uma inovação implementada
no discurso da comunidade lingüística. Em relação ao gênero, a autora
constatou que as mulheres conduziram o processo de mudança, à
exceção do grupo de maior nível de escolaridade em que a distinção em
93
relação ao gênero foi neutralizada. Segundo a autora, tal resultado pode
sugerir o surgimento de uma avaliação social negativa da nova forma (a
gente) em consonância com o comportamento da mulher cujo nível de
escolaridade é elevado. Ainda que o a gente seja posterior ao nós, daí o
seu caráter inovador, pode ter assumido, segundo a autora, uma
avaliação social negativa pela camada mais escolarizada da sociedade
brasileira.
Raumolin-Brunberg (2005) examina como a forma de segunda
pessoa do pronome objeto YOU passou a ser usada na função de sujeito
no inglês escrito entre os séculos XIV e XVIII (1350 – 1710). Trata-se de
uma mudança morfossintática do sujeito YE para o YOU que
conviveram na produção escrita de 60% dos informantes entre os anos
1520 e 1539, considerado o rápido período de difusão das formas
variantes Ye e You. O YOU na função de sujeito é introduzido no século
XIV, espraiando-se a partir de 1480 e implementando-se a partir de
1560. A autora admite se tratar de uma mudança vinda de baixo em
termos de consciência social (change from below, cf. Labov 1994.)
conduzida pelas mulheres no seu período de difusão, o que, em
consonância com Labov (1990), as evidenciam inovadoras.
Sundgren (2001) discute o fato de as mulheres da Eskilstuna
(Suécia) empregarem mais a linguagem de prestígio do que os homens.
A autora defende que homens e mulheres assumem diferentes tipos de
ocupação, o que pode gerar as diferenças de usos em relação à forma
padrão. A mulher tem de usar as formas voltadas para a língua padrão
para que o seu discurso adquira prestígio. O homem, por sua vez, não
necessita usar a norma padrão para adquirir prestígio no interior da
comunidade sueca de Eskilstuna. O discurso masculino é assumido
como norma, ainda que essa norma nem sempre corresponda à norma
padrão. O valor atribuído ao discurso masculino, a que Sundgren se
refere, dialoga com a noção de prestígio encoberto (covert prestige, cf.
Labov 1972). Enquanto o homem está mais propenso a se envolver em
interações comunicativas em distintas esferas da sociedade, a mulher
94
fica restrita ao exercício de atividades específicas no âmbito doméstico.
Nesse sentido, a expressão lingüística masculina goza de um prestígio
encoberto no interior da comunidade lingüística de Eskilstuna (Suécia).
Também em relação ao objeto de estudo desta investigação, faz-se
necessário explicar o que se entende por comportamento lingüístico
conservador vs. inovador, além de se relativizar o conceito de “padrão” e
“não-padrão.”
O emprego preferencial do Tu, estratégia de referência à segunda
pessoa do discurso mais antiga no sistema pronominal do PB,
proveniente do latim vulgar Tu (nominativo)21, é entendido como um uso
lingüístico conservador. Por outro lado, a preferência pelo Você,
estratégia pronominal inserida, gradual e paulatinamente (Vossa Mercê
→ Você), no sistema pronominal do PB, seria considerada como
expressão de um comportamento lingüístico inovador.
Além disso, pela produtividade de Você nas cartas de pessoas
ilustres no século XIX, conforme discutido no capítulo anterior, não se
pode dizer que, no Brasil, a variante inovadora Você carrega um estigma
social. Assim sendo, não pode ser considerada como uma variante “nãopadrão” stricto sensu, como previa Labov (1990). Faz-se necessário
rediscutir esse conceito de variante “não-padrão” em relação ao escopo
deste trabalho. O processo gradual e paulatino de gramaticalização de
Vossa Mercê leva ao surgimento do Você que passa a ser usado no
mesmo domínio funcional que o Tu (genuíno pronome de segunda
pessoa). O termo “não-padrão” só poderia, pois, ser aplicado à forma
Você no seguinte sentido: o Você é uma forma pronominal que, nascida
de uma necessidade de delimitação do espaço social português através
do estabelecimento de formas específicas para identificar a rígida
hierarquização social portuguesa (Vossa Mercê para o rei português, no
século XVI) é posterior ao Tu. O Você alcança o status de autêntico
Segundo Maurer Jr. (apud ILARI, Rodolfo. 2002:94), a segunda pessoa pronominal
(singular) assumia, no latim vulgar, as seguintes formas: Nominativo: tu; Genitivo/Dativo:
ti/tibi; Acusativo: te.
21
95
pronome de segunda pessoa do discurso (sujeito de referência
determinada), chegando, até mesmo, a se comportar como uma
estratégia
de
indeterminação
do
sujeito
(sujeito
de
referência
indeterminada ou arbitrária22).
Diante das considerações tecidas sobre a variável gênero (sexo), é
possível admitir que as performances lingüísticas de homens e mulheres
são motivadas pelos papéis sociais que assumem numa dada realidade
sócio-histórica. Entretanto, os resultados das pesquisas lingüísticas
sobre fenômenos lingüísticos em variação e em processo de mudança
comungam de um aspecto em comum: as mulheres mostram-se mais
sensíveis ao prestígio social atribuído às formas lingüísticas. Neste
estudo, a partir da produção escrita de informantes cariocas, pretendese depreender a influência da variável gênero no processo de
implementação do Você no quadro pronominal do PB oitocentista e
novecentista.
Observe-se o emprego do Você como estratégia de indeterminação do sujeito em amostra
do PB oral examinada por Duarte (1995): “Você, quando você viaja, você passa a ser turista.
Então você passa a fazer coisas que você nunca faria no Brasil.”
22
96
4.4 Por um estudo de painel em sincronias passadas: os entraves e os
avanços da aplicação de um modelo.
Tanto para o estudo de painel, quanto para o estudo de tendências
em momentos pretéritos da história da língua, fica-se à mercê da
produção escrita de informantes legitimamente brasileiros ao longo de
uma mesma sincronia passada que, nos acervos públicos brasileiros,
tenha resistido à ação do tempo.
Para um estudo do comportamento da comunidade lingüística
(estudo de tendências) seria necessário um complexo resgate de fontes
escritas produzidas por diferentes informantes jovens, adultos e idosos,
distribuídos entre os gêneros masculino e feminino, em distintos
períodos, pelo menos dois, do passado.
A investigação do comportamento do indivíduo em sincronias
passadas (estudo de painel), por sua vez, requereria a seleção de um
número considerável de textos como a expressão da produção escrita
dos mesmos homens e mulheres em dois momentos no eixo do tempo
que configurassem uma mudança de faixa etária. Documentos do
mesmo indivíduo escritos, por exemplo, na sua juventude e depois na
fase adulta.
Nesta tese, obteve-se documentação de oito indivíduos, três
homens
e
cinco
mulheres
pertencentes
à
mesma
família.
Diferentemente de um estudo de painel tradicional em que se opõe o
mesmo indivíduo em dois momentos no tempo, neste estudo foi possível
acompanhar, através da análise da produção escrita dos integrantes da
família Pedreira-Magalhães, o comportamento do indivíduo ao longo de
sua vida. Apesar de não se ter um corpus equilibrado pelas dificuldades
intrínsecas a própria natureza de um estudo histórico, têm-se como
observar, na amostra constituída, jovens passando à fase adulta (dois
homens e três mulheres) e duas mulheres adultas que se tornam
idosas. Além disso, tem-se um feito inédito de incorporar ao corpus a
97
documentação relativa a duas informantes durante as três fases da
vida: juventude, adultez e velhice. Nenhuma amostra de fala conhecida
já obteve tamanho êxito!
O fato de ter optado pela caracterização criteriosa do perfil
histórico-cultural
de
uma
família
em
particular,
não
permitiu,
entretanto, a concretização do estudo de tendências à luz da
perspectiva laboviana (1994). Não havia no âmbito familiar dos Pedreira
Ferraz-Magalhães
documentação
relativa
a
diferentes
jovens/adultos/idosos em dois momentos no eixo do tempo.
 Outros avanços:
Ainda que, para Labov (1994), o vernáculo das cartas, peças
teatrais e textos literários não expresse, com legitimidade, a norma
objetivamente realizada no interior da comunidade lingüística, só
restam os registros escritos como reflexo da expressão do PB em
sincronias
pretéritas,
conduzindo
o
lingüista-pesquisador
a
um
criterioso trabalho com a língua escrita. É claro que Labov tem razão,
ao admitir que não há uma correspondência biunívoca entre a fala e a
escrita, mas é possível detectar, na escrita cotidiana (familiar), reflexos
da expressão falada da língua. Assim sendo, pinçaram-se trechos das
cartas pessoais (familiares) em análise nos quais é possível entrever
aspectos fonéticos e morfossintáticos que evidenciam traços de
oralidade no registro escrito de falantes cultos do PB. Na produção
escrita da família Pedreira Ferraz – Magalhães, foi possível observar a
transparência dos seguintes traços fonéticos e morfossintáticos, alguns
deles característicos do PB como é o caso da colocação pronominal:
 Inversão de fonemas no grupo consonântico CVC [per] por CCV [pre]:
“(...) porque todos te querem muito bem. Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você
Nossa Madre te manda lembranças o mesmo Irmã Maria Rosa – e Irmã Maria Agustinha
(a do gallinheiro) (...) ”
(Carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 21.02.1948.)
98
Imagem 3: Trecho da carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 21.02.1948.
 Monotongação de /ow/ > /o/ e de /ey/ > /e/:
“[espaço] [espaço] É Facil calcular qual não foi a minha dor quando sube da morte de
meu santo Avô; envio os meus mais sentidos pezames a meu caro Papae pela morte
d’um ente tão caro ao seu coracão. (...)”
(Carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor,
16.09.1898.)
Imagem 4: Trecho da carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor,
16.09.1898.
“[espaço] Sube hontem por um cartão postal de Mamãe que talvez ella já tenha partido
para Pernambuco; oh! meu Papae quantos sacrificios para a felicidade de seus filhos !!”
(Carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô Dr. Pedreira. Belém do Pará,
13.06.1909.)
99
Imagem 5: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô, Dr. Pedreira. Belém do Pará, 13.06.1909.
“(...) Mamãe, só Domingo proximo pretendia acabar esta carta, mas uma noticia
inesperada me diz ser dever acabar hoje as pressas. [espaço] Domingo proximo
escreverei a Fernandinho <e aos outros> e mandarei a lista dos sufragios. [espaço]
Sube neste instante que morreu o marido de D. Santa, julgo dever lhe communicar logo,
porque ella foi dedicadissimo na morte de Papae é justo que Mamãe faça o que puder
para a consolar.”
(Carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe. 10.10.1909.)
Imagem 6: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe Zélia, em 10.10.1909.
“(...) Nós aqui vamos muito bem como nos dexou eu sempre muito contente e cada dia
mais feliz em minha vocação.”
(Carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do Bom Pastor,
20.05.1900.)
Imagem 7: Trecho da carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do Bom Pastor,
20.05.1900.
“[espaço] O Bebê me escreveu do livro sobre os escriptos, i. é, da publicação dos
escriptos de mamãe. A idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já
100
conhece tudo e que tem maior facilidade por estar ahi no Brasil? Tenho medo que se
percam em escriptos preciosos, menos registrados. Enfim, de minha parte estou
plenamente de accordo com tudo o que julgares.”
(Carta de Fernando, com 29 anos, a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.)
Imagem 8: Trecho da carta de Fernando, com 29 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.
 Início da sentença com pronome oblíquo átono:
“(...) Passemos mais santamente esta quaresma, e só em Jesus procuremos nossa
felicidade. Me perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e
toco o organo para que cantem as meninas; temos 370 ou mais, devididas em 3
secciones – bastante não é?”
(Carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane). Montevidéu, 15.02.1931.)
Imagem 9: Trecho da carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane). Montevidéu, 15.02.1931.
“P.S. Me esqueci de dizer-lhe que offereci a Santa Co[m] munhão em entenção de meu
querido Papae. Minhas Superioras lhe enviam muitos comprime[n]tos pelo dia de hoje.”
(Carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai. Mosteiro do Bom Pastor, 26.06.1898.)
101
Imagem 10: Trecho da carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom
Pastor, 26.06.1898.
“Elle ficará encarregado de tudo arranjar - não é assim ? Quanto a quero de coração !!
Me recommende sempre minha a todas boãs Madres d'ahi a Madre Superiora a todas a boâ Madre [inint.] Catharina a Irmã Josephina tambem.”
(Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 59
anos, a sua filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922.)
Imagem 11: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 59 anos, a sua
filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922.
“(...) Minha saude é sempre [pouca]. Te abraço com o maior carinho como tua tia e
madrinha muito grata e amiga Mimi”
(Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 49
anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912.)
Imagem 12: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 49 anos, ao
sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912.
102
“(...) escrever - espero que te mandarão as cartas, não é ? Te acompanharei com muitas
orações, meu bom Padre Deos recompensará bem teus trabalhos !!” quantas conversões
alcançarás !!”
(Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 57
anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.)
Imagem 13: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 57 anos, ao
sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.
 Ausência de concordância verbal:
“(...) Essas primeiras são as que Já vieram noviças e com uma quasi postulante que
temos nas meninas fazer 100. É muitas graças do Céo não é verdade?”
(Carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane). PE, Olinda,
11.07.1920.)
Imagem 14: Trecho da carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane). PE, Olinda, 11.07.1920.
“[espaço] Estou contentissima que meus irmãos pregue Ø em publico as virtudes de
nossa Fundadora, e ao mesmo tempo, sinto não estar ahi para assistil-o. (...)”
(Carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata, 05.04.1934.)
103
Imagem 15: Trecho da carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata, 05.04.1934.
 Presença de concordância do verbo ‘fazer’ com a expressão
pluralizada de tempo:
“(...) Hoje fazem 25 annos que entrei no Instituto; com quanto fervôr renovei a minha
entrega total nas mãos de Deus e como um holocausto inteiro que (...)”
(Carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Pouso Alegre, 08.12.1922.)
Imagem 16: Trecho da carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Pouso Alegre, 08.12.1922.
Considerando
o
nível
de
aproximação
entre
remetente
e
destinatário das missivas familiares a partir da expressão de aspectos
da fala que se deixam transparecer na escrita culta, aplica-se o estudo
de painel, pensado por Labov (1994), a essas cartas. Os tradicionais
painéis do PB – conforme Duarte (2003); Lopes & Callou (2004); Omena
(2003); Paredes Silva (2003) – se dão a partir da análise de amostras de
fala da década de 70 em oposição à fala da década de 90 do século XX,
com o corpus do Projeto NURC, e das amostras de fala da década de 80
(Amostra Censo) em oposição às de 1999 e 2000, com o corpus do PEUL.
Trata-se de estudos em tempo real de curta duração apoiados no
objetivo de apreciar a progressão da mudança lingüística em discretos
lapsos temporais. Neste trabalho, por outro lado, tem-se o resgate da
produção escrita dos informantes ao longo do curso de suas vidas,
buscando delinear o comportamento lingüístico dos brasileiros em
extensos lapsos de tempo de sincronias passadas (Dr. Pedreira (no
104
intervalo de 20 anos da sua velhice (1876-1896)), Fernando no intervalo
de 14 anos (1919-1933), Pe. Jerônimo no intervalo de 26 anos (19051931), Maria Elisa no intervalo de 23 anos (1915-1938), Maria Joana no
intervalo de 35 anos (1912-1947), Maria Bárbara no intervalo de 17
anos (1911-1928), Maria Rosa no intervalo de 40 anos (1908-1948),
Maria Leonor no intervalo de 20 anos (1913-1933)). O avanço deste
estudo está justamente no esboço de um perfil mais abrangente da
história lingüística dos informantes (estudo de painel) traçado a partir
da observação de distintas fases de vida do indivíduo (juventude,
adultez e velhice) a fim de explorar o nível da variação entre as formas
Tu e Você no sistema lingüístico e o grau de implementação de Você no
quadro pronominal do PB novecentista (embbeding problem, cf.
Weinreich et alii 1968). Acredita-se que apesar de o perfil do
comportamento lingüístico do indivíduo projetado com base em
períodos mais dilatados de tempo se distanciar da definição laboviana
de estudo de painel stricto sensu (panel study, cf. Labov 1994:74 e
76/77), permite acompanhar, por outro lado, a progressão da mudança
lingüística a partir da observação da trajetória de vida dos informantes,
em sincronias pretéritas do PB:
“(...) retornar à comunidade depois de um período
de tempo e repetir o mesmo estudo. (...) Em um
estudo de painel, volta-se para localizar o mesmo
indivíduo que foi sujeito do primeiro estudo e
monitorar
todas
as
mudanças
no
seu
comportamento
submetendo-o
ao
mesmo
questionário, entrevista ou experimento. (...) Um
completo estudo de painel foi feito em Montreal em
1984, com base na amostra original de 120
falantes no estudo de Sankoff-Cedergren study
(Sankoff and Sankoff 1973)”23.
(Labov 1994:74 e 76/77)
Segundo Labov (1994:74 e 76/77), “(...) to return to the community after a lapse of time and
repeat the same study. (...) A panel study attempts to locate the same individual that were the subjects of
the first study, and monitors any changes in their behavior by submitting them to the same questionnaire,
interview, or experiment. (…) A complete panel study was constructed in Montreal in 1984, based on the
original sample of 120 speakers in the Sankoff-Cedergren study (Sankoff and Sankoff 1973)”.
23
105
Esse estudo apontado por Labov como representativo da categoria
painel se deu com um intervalo temporal de 11 anos24. Nas cartas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães, por sua vez, são analisados os
perfis lingüísticos dos missivistas em extensos intervalos temporais de
40 (Maria Rosa), 35 (Maria Joana), 26 (Pe. Jerônimo), 23 (Maria Elisa),
20 (Dr. Pedreira e Maria Leonor), 17 (Maria Bárbara), e 14 (Fernando)
anos, esboçando um painel da trajetória de vida desses brasileiros.
Labov (1981:177 apud Paiva e Duarte (2003:22)) admite que os lapsos temporais
desejáveis para que se possa identificar a expansão progressiva da mudança lingüística são
os períodos de, no mínimo, meia geração (12 anos) e de, no máximo, duas gerações (cerca
de 50 anos).
24
106
4.5 Proposta metodológica para os estudos da mudança lingüística em
tempo real de curta duração: o estudo de painel em sincronias
passadas.
A amostra de cartas pessoais da família Pedreira Ferraz –
Magalhães pode ser considerada sui generis. Trata-se de missivas
pessoais asseguradamente produzidas por brasileiros cultos, entre o fim
do século XIX e a primeira metade do século XX. À luz do desejo de
construção de uma sociolingüística histórica do português no Brasil
implementada por Lobo (2001a), pensou-se esta proposta metodológica
para a aplicação em trabalhos de mudança em tempo real de curta
duração (estudo de painel, cf. Labov 1994). Buscou-se organizar uma
amostra
de
cartas
majoritariamente
pessoais
onde,
quando,
em
por
que
foi
quem
possível
e
para
desvendar
quem
foram
confeccionadas as missivas em análise, segundo Lobo (2001a).
Acredita-se que a “arte de fazer o melhor uso de maus dados”, nos
termos labovianos (1994:11), deve ser o princípio orientador não só de
trabalhos lingüísticos com dados sincrônicos, mas também com dados
diacrônicos, segundo Romaine (1982). O desejo de descrever e de
analisar a língua em sua expressão vernacular em sincronias passadas
requer que se atente para o “problema dos filtros” que, por sua vez, deve
constituir uma preocupação pertinente tanto aos estudos de língua
escrita, quanto aos de língua falada, cf. Romaine (1985 apud Lobo
(2001a:99, Vol. II)).
Para se libertar da obscuridade do trabalho com realidades
lingüísticas muito distantes da sua, cabe ao lingüista-pesquisador
“expurgar” da sua amostra as possíveis inadequações que um corpus de
língua escrita em sincronias passadas pode oferecer, tais como os
elencados por Labov (1994:11): hipercorreção, mistura dialetal e “erros”
do escriba. É, portanto, tarefa do lingüista criar e dosar o grau de
refinamento metodológico necessário para distinguir, com clareza, o que
107
é traço específico do vernáculo da língua do que é expressão
idiossincrática do autor.
Nesta proposta de aplicação do estudo de painel a textos escritos
nas realidades lingüísticas do PB oitocentista e novecentista, chegou-se
aos seguintes procedimentos metodológicos:
 A identificação do perfil social dos informantes (missivistas) de
sincronias passadas.
Um dos aspectos apontados por Labov (1994:11) como responsável
por tornar deficitário o estudo lingüístico sob uma perspectiva
diacrônica é a difícil identificação do perfil social dos autores dos textos.
A caracterização social do missivista, nos moldes de Lobo (2001a), a
partir do reconhecimento da sua origem (nacionalidade e naturalidade
do autor do texto), da família a que pertence (filiação), do seu nível de
escolaridade e das atividades exercidas durante a sua trajetória de vida
é, sem dúvida alguma, o “sonho de consumo” do lingüista-pesquisador
que pretende se embrenhar pelos obscuros caminhos do estudo
diacrônico do PB.
Conseguiu-se desvendar, neste trabalho, a história de vida de
todos os autores das cartas em análise. Os missivistas da família
Pedreira Ferraz – Magalhães, cuja biografia foi revelada com a consulta
a duas obras sobre a vida da Irmã Zélia, produzidas pelo seu próprio
filho e também informante deste trabalho (Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães25),
apresentam
as
suas
fichas
de
identificação
confeccionadas, nos moldes de Lobo (2001a), com sucesso.
 O gênero dos textos que compõem o corpus para estudos diacrônicos.
25
PEDREIRA DE CASTRO, Pe. Jerônimo. (1960). Zélia ou Irmã Maria do SS. Sacramento.
Vida exemplar de uma mãe cristã, que terminou seus dias junto a Jesus Sacramentado. Petrópolis:
Editora Vozes, VII Edição.
______ . (1943). Segundo Livro de Zélia (Irmã Maria do Santíssimo Sacramento). Seus
escritos espirituais, cartas e exemplos. Petrópolis: Editora Vozes.
108
A fim de que o vernáculo da língua possa saltar aos olhos do
lingüista-pesquisador com um maior grau de clareza e fidedignidade a
uma realidade lingüística passada, há de se atentar para o subgênero
textual (carta pessoal) que norteia a produção escrita em sincronias
passadas, buscando textos mais “soltos” em relação ao seguimento da
norma padrão.
A opção pelo trabalho com cartas pessoais somente trocadas entre
os entes da mesma família (a família Pedreira Ferraz – Magalhães) em
estanques lapsos de tempo se dá por se tratar de um tipo de texto que
expressa, com um menor grau de formalismo, a subjetividade das idéias
compartilhadas entre os interlocutores. Acrescente-se a isso o fato de as
cartas pessoais em análise evidenciarem a intimidade das relações
familiares entre pais e filhos, entre irmãos, entre tios e sobrinhos e
entre amigos, no contexto sócio-histórico e lingüístico de fins do século
XIX e da primeira metade do século XX.
A construção de uma sociolingüística histórica do PB, nos moldes
de Lobo (2001a), com base na reconstituição da história de vida dos
informantes
(missivistas),
corrobora
o
controle
das
díades
que
sustentam a dinâmica das cartas pessoais trocadas no seio da família
Pedreira Ferraz – Magalhães. Nesta tese, as díades controladas
evidenciam as relações familiares travadas entre pais e filhos, entre avô
e netos, entre irmãos, entre tia e sobrinhos e entre amigos como
remetentes e destinatários das missivas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães.
 A preferência por manuscritos autógrafos.
A necessidade de construção de uma filologia de textos escritos no
Brasil defendida por Lobo (2001a) constituiu-se como o parâmetro desta
proposta metodológica voltada para o trabalho com textos escritos em
sincronias passadas.
109
“Exige-se do lingüista historiador da língua, como
de qualquer outro historiador, a capacidade de
reconstruir e interpretar eventos passados. (...) Do
fato de lidar com textos escritos, decorre ainda
uma exigência preliminar, a de que – caso não
seja, ele próprio, também filólogo – disponha de
conhecimentos filológicos, a fim de que saiba
distinguir nos hábitos de escrita do passado os que
têm significado, do ponto de vista lingüístico, dos
que não têm, e a fim, também, de que os
resultados da sua análise não sejam de pronto
descartados, em virtude do pecado original da má
constituição de corpora a partir de textos não
submetidos ao crivo de uma análise filológica.”
(Lobo, 2001a:104, Volume II.)
O estudo de realidades lingüísticas distantes requer a busca por
argumentos que legitimem o texto como um fiel representante de uma
dada sincronia passada. Assim sendo, é legítimo que os olhares se
voltem para o tratamento filológico dado ao corpus que sustentará a
análise sociolingüística. O ideal é que a amostra seja composta por
vários textos, permitindo o cotejo e a separação das cartas escritas e
assinadas pelo missivista (cartas autógrafas), das outras cartas que
podem ter sido escritas por um escriba (escrevente) e assinadas pelo
remetente ou que podem ter sido escritas e assinadas por um escriba
(cartas apógrafas), segundo Lobo (2001a:148, Vol. II). O reconhecimento
do tipo de letra com que a missiva foi escrita e do tipo de assinatura do
redator constituem os traços formais que permitem entrever se o
documento foi produzido e assinado pelo mesmo informante-escrevente.
Na amostra de missivas da coleção Irmã Zélia, o acentuado número
de cartas legitimaram o cotejo e a análise entre tais textos,
fundamentando a constatação segura de que todas as cartas são
autógrafas, isto é, produzidas e assinadas pelo mesmo missivista. Tal
característica deste corpus constituiu, indubitavelmente, um fator
positivo para esta análise, pois se tem certeza sobre a mão que escreve
as missivas da família Pedreira Ferraz – Magalhães: são mãos
brasileiras que confeccionam cartas cotidianamente (numa explícita
110
manifestação
de
escrita
informal)
em
situações
lingüísticas
de
intimidade entre os familiares.
 A busca por textos produzidos por homens e mulheres distribuídos
por suas respectivas faixas etárias (jovens, adultos e idosos).
Os tradicionais trabalhos sociolingüísticos de base laboviana que
investigam fenômenos lingüísticos peculiares à expressão falada da
língua, tecem as suas conjecturas em função do controle do gênero
(sexo) e da faixa etária (jovens, adultos e idosos)26 dos informantes.
O controle do gênero dos informantes também representa um
relevante instrumento de identificação do avanço ou do retrocesso da
mudança lingüística como discutido em 4.4. Há de considerar as
nuanças de comportamento lingüístico entre homens e mulheres em
função dos distintos perfis de estruturação da sociedade em que estão
inseridos, o que pode ser mais bem mensurado através da análise
multivariacionista, conforme Labov (1990 apud Lopes 2003:146).
O controle da faixa etária dos informantes é relevante em relação à
aplicação dos padrões de mudança lingüística idealizados por Labov
(1994) e a conseqüente detecção do perfil de estabilidade, de gradação
etária (tempo aparente), de mudança geracional ou de mudança
comunitária a partir do cotejo entre o comportamento do indivíduo e o
da comunidade lingüística.
A amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães
apresenta-se
como
um
corpus
que
se
presta
a
um
estudo
sociolingüístico. Uma vez que o lingüista-pesquisador detenha o perfil
social de todos os informantes desta família devidamente identificados,
o controle do gênero e da idade dos remetentes e destinatários das
missivas é factível. Por outro lado, o trabalho com dados lingüísticos de
Há vários artigos publicados em conceituados periódicos sobre sociolingüística (Language
Variantion and Change), assim como há um considerável número de dissertações e de teses
de doutoramento que tomaram como base os acervos de língua oral culta dos Projetos
NURC e PEUL.
26
111
sincronias passadas é sempre refreado pela ação do tempo sobre os
textos que sobreviveram no interior dos arquivos brasileiros. Não se
conseguiu homogeneizar quantitativamente o corpus desta investigação
em relação ao número de cartas produzidas equilibradamente por
homens e mulheres. Como conseqüência de o número de mulheres ser
maior que o de homens, observa-se que a produção escrita das
missivistas do gênero feminino é mais extensa do que a dos homens da
família Pedreira Ferraz – Magalhães.
 A relevância da confecção de edições conservadoras nos estudos
diacrônicos do PB.
Para Barbosa (1999:106), a construção de corpora confiáveis ao
estudo lingüístico do PB, tanto deve voltar-se para reconstrução do
contexto sócio-histórico daquela sincronia passada, quanto para a
compreensão do contexto de escritura dos textos a serem editados, a fim
de expor, à comunidade acadêmica, uma amostra que seja reflexo
expressivo de um dado momento histórico-social.
“Nessa altura em que se debruçam por sobre os
diversos
escritos
produzidos
na
América
Portuguesa pesquisadores tanto de linhas
empiricistas, quanto de mentalistas tornou-se
imprescindível editarem-se textos em prosa não
literária que não apresentem semelhantes
limitações às diversas abordagens possíveis com
os dados deles oriundos. Mais que isso, edições
que avancem ao máximo na descrição, portanto,
não só do contexto sócio-histórico do texto, mas na
das condições de produção, relação entre emissor e
receptor, modalidade, estilo etc, tornam-se
imperativas para estabelecer confiabilidade e
fidedignidade ao material posto à disposição da
comunidade acadêmica dedicada às questões
acerca da mudança lingüística.”
(Barbosa, 1999:106.)
Considerando o interesse por editar, de forma fac-similar semidiplomática
interpretativa,
as
cartas
pessoais
elaboradas
pelos
112
brasileiros cultos da família Pedreira Ferraz - Magalhães, convém
justificar o que significa compor-se uma edição fac-similar semidiplomática. Optou-se por apresentar o corpus em discussão a partir da
sua reprodução em fac-símile para que o leitor possa checar a leitura do
editor, confirmando-a ou infirmando-a. A adoção de uma leitura
conservadora do manuscrito pressupõe o total respeito à grafia, à
pontuação e a todas às práticas textuais identificáveis como peculiares
aos textos produzidos naquelas sincronias passadas (séculos XIX e XX),
comprometendo-se em não modernizá-los em aspecto lingüístico algum.
Uma vez adotado o parâmetro de transcrição conservadora das
cartas oitocentistas e novecentistas, optou-se também por apresentálas, à comunidade acadêmica, através de uma edição semi-diplomática.
Segismundo Spina define o que vem a ser uma transcrição diplomáticointerpretativa ou semi-diplomática:
“(...) a transcrição diplomático-interpretativa (ou
semidiplomática) vai mais longe na interpretação
do original, pois já representa uma tentativa de
melhoramento do texto, com (...) o desdobramento
das abreviaturas (trazendo as letras, que não
figuram no original, colocadas entre parênteses)
(...)”
(Spina, 1977:79.)
A confecção da edição semi-diplomática das cartas pessoais da
família Pedreira Ferraz -
Magalhães em exposição consiste no
desenvolvimento de algumas das abreviaturas das cartas pessoais, a
fim de auxiliar um leitor contemporâneo no seu processo de decifração
do código lingüístico e interpretação do texto.
Acredita-se que, com base em uma amostra bem controlada – o
quando, o onde, o quem e o para quem devidamente elucidados, segundo
Lobo (2001a) –, os estudos sociolingüísticos em tempo real de curta
(panel study e trendy study, cf. Labov 1994) e de longa duração tendem
a esclarecer, com um grau maior de confiabilidade, uma dada realidade
lingüística.
113
Em síntese, nesta investigação, ao descrever e analisar o
comportamento
familiares,
lingüístico
expõe-se
o
dos
indivíduos
desempenho
de
com
uma
base
parcela
em
cartas
culta
da
comunidade lingüística do PB. Trata-se de significativas amostras para
o estudo de painel e para o estudo em tempo real de “média” duração,
pois se tem uma diferença de quase cem anos (71 anos) entre a
primeira (1877) e a última (1948) missiva dos corpora deste estudo. A
análise dos resultados apresentada nos dois capítulos que seguem está
dividida em três partes.
Na primeira delas, capítulo 5, apresenta-se o desempenho
lingüístico dos membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães, no que
se refere ao uso dos pronomes Tu e Você em todos os contextos de
ocorrência (análise geral dos dados em tempo real de média duração),
observando, principalmente, a mescla de tratamento nas cartas.
Ainda no capítulo 5, serão correlacionados os resultados da
variação entre as formas Tu e Você somente na posição de sujeito, às
distintas faixas etárias dos informantes (Jovens – de 14 a 30 anos –,
Adultos – 31 a 50 anos – e Velhos – mais de 51 anos) em um estudo em
tempo aparente, na seção 5.3.
Na
última
parte,
capítulo
6,
produz-se
um
painel
do
comportamento lingüístico de oito indivíduos da família ao longo de
suas vidas, visando compor uma criteriosa metodologia para a
estruturação dos estudos sociolingüísticos alicerçados em fontes
escritas em fases pretéritas do PB. Observa-se novamente a variação de
Tu e Você na posição de sujeito, na tentativa de acompanhar a
progressão da mudança do quadro pronominal do PB.
CAPÍTULO 5. DESCRIÇÃO
E ANÁLISE DOS RESULTADOS.
114
5.1 A variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você): a amostra e os
grupos de fatores.
A fim de expor um panorama geral da alternância entre as formas
de P2 (Tu) e de P3 (Você), nas cartas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães, analisam-se, quantitativa e qualitativamente, os dados à luz
dos pressupostos da teoria da variação sob a orientação laboviana
(1994).
Busca-se delinear, em uma amostra composta por trinta missivas
pessoais, produzidas em fins do século XIX e na primeira metade do
século XX, o perfil da variação entre as formas de referência à segunda
pessoa do discurso Tu e Você nas suas mais variadas realizações
pronominais e verbais. Pretende-se observar a produtividade da mescla
de tratamento do tipo Você com te – já averiguada em diversos trabalhos
(cf. Arduin; Barcia; Lopes e Machado; Marcotulio et alii; Soto). Parte-se
da hipótese de Lopes (2007) de que a inserção de Você no quadro
pronominal do PB não se deu da mesma forma em todos contextos
morfossintáticos (subtipos de pronomes): o pronome-sujeito, o pronome
complemento
preposicionado
e
as
formas
verbais
imperativas
representam contextos implementadores de formas relacionadas a Você,
enquanto
o
pronome
possessivo,
o
pronome-complemento
não
preposicionado (te) e as formas verbais não imperativas apresentam-se
como contextos de resistência do Tu.
Consideram-se, neste estudo, as formas Tu e Você27 em todas as
suas representações pronominais e verbais: pronome pessoal na função
de sujeito Tu e Você (nulo e pleno), pronome complemento direto
(oblíquos sem preposição – te, você, lhe, o), pronome complemento
preposicionado (os oblíquos com preposição – a ti, contigo, para ti (P2) – a
Mesmo sabendo que tanto Tu quanto Você são formas de referência ao interlocutor
(segunda pessoa do discurso), para facilitar a apresentação dos resultados, indicam-se como P2
as formas relativas a Tu e como P3 as formas relativas a Você.
27
115
você, com você, para você (P3)), pronome possessivo (teu, tua e seu, sua)
e as desinências verbais imperativas e não imperativas.
As trinta missivas que se prestam ao estudo da variação Tu e Você
foram trocadas entre pai e filhos, mãe e filhos, avô e netos, netos e avô e
entre irmãos. São cartas íntimas nas quais os componentes da família
Pedreira Ferraz – Magalhães tratam de questões pessoais. O conteúdo
das missivas, o local e a data da sua expedição em relação às fases A
(1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948) de constituição da
amostra e a referência à origem e à idade dos missivistas estão descritos
no quadro 4, a seguir apresentado.
MISSIVISTAS
João Pedreira do Couto
Ferraz (Dr. Pedreira –
Pai de Zélia)
(* RJ, 10.08.1826)
Jerônimo de Castro
Abreu Magalhães.
(* RJ, Magé,
26.06.1851.)
FASE A (1877 – 1897)
Local e
data
RJ,
07.02.1877
.
51 anos
(faixa 3)
RJ,
15.04.1886
.
60 anos
(faixa 3)
RJ,
08.07.1895
.
69 anos
(faixa 3)
Fazenda
Santa Fé,
RJ,
18.12.1896
.
45 anos
(faixa 2)
Fazenda
Santa Fé,
RJ,
19.07.1897
.
Zélia Bulhões Pedreira
de Castro Abreu
Magalhães
(* RJ, Niterói, Ingá,
05.04.1857.)
-
46 anos
(faixa 2)
-
Conteúdo da Carta
C1. Carta de João Pedreira do
Couto Ferraz a sua Filha Zélia
acerca do envio da encomenda
por ela solicitada, dando-lhe
suas notícias e pedindo-lhe
notícias de seus familiares na
Fazenda Santa Fé.
C2. Carta de João Pedreira do
Couto Ferraz a sua neta, Noné
(Maria Leonor), agradecendolhe a cartinha a ele enviada,
contando-lhe sobre o seu
estado
de
saúde
e
recomendando-lhe aprender a
ler e a escrever para que
possam
trocar
correspondências mais longas.
C3. Carta de João Pedreira do
Couto Ferraz a sua neta, Iza
(Maria Elisa), parabenizando-a
por já ter sido alfabetizada e
pela sua bela caligrafia.
C4. Carta de Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães ao
seu filho Jerônimo acerca dos
seus estudos no seminário.
C5. Carta de Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães ao
seu filho Jerônimo em
agradecimento pela carta de
felicitação pelo seu aniversário
e pela missa em ação de graças
ao seu aniversário.
Local e
data
Idade do
Remetente
Conteúdo da Carta
-
-
-
-
RJ,
26.01.1908.
-
Local e
data
Idade do
Remetente
Idade do
Remetente
Conteúdo da Carta
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
57 anos
(faixa 3)
C6. Carta de Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães a sua
filha Maria Joana (Jane)
elogiando a sua redação, a sua
ortografia e dando as notícias
da Fazenda Santa Fé.
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
58 anos
(faixa 3)
RJ,
23.01.1912.
55 anos
(faixa 3)
-
55 anos
(faixa 3)
-
Conteúdo da Carta
C7. Carta de Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães a seu
filho Jerônimo agradecendo a
obra de Monsenhor Gibbou e
relatando-lhe que estão em
missão lá na Fazenda de
Santa Fé (Carmo).
C8. Carta de Zélia desejando
uma feliz viagem ao filho que
se encontra em um vapor em
direção a Fortaleza e
relatando notícias suas e dos
demais filhos.
C9. Carta de Zélia ao filho
agradecendo a carta recebida,
dando as suas notícias e dos
demais irmãos.
FASE B (1898 – 1923)
FASE A (1877 – 1897)
MISSIVISTAS
FASE C (1924 – 1948)
Local e
data
RJ,
09.07.1909.
RJ,
27.11.1912.
-
Zélia Bulhões Pedreira
de Castro Abreu
Idade do
Remetente
FASE B (1898 – 1923)
Local e
data
Idade do
Remetente
Conteúdo da Carta
C10. Carta de Zélia a sua filha
dando suas notícias, dos
116
FASE C (1924 – 1948)
Local e
data
Idade do
Remetente
Conteúdo da Carta
117
Quadro 4: cartas oitocentistas e novecentistas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães distribuídas pelas fases A (1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948).
118
O quadro 5, a seguir apresentado, esboça uma síntese da
distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária e ao gênero
dos missivistas.
FASE A (1877 – 1897)
FASE B (1898 – 1923)
FASE C (1924 – 1948)
Homem
Mulher
Homem
Homem
Mulher
Jovem (de 14 a 30 anos – Fx. 1)
-
-
C19
-
-
Adulto (de 31 a 50 anos – Fx. 2)
C4
C5
-
C20
C29
C30
C23
C24
C26
C27
-
C21
C22
C25
C28
FAIXA ETÁRIA DOS MISSIVISTAS
Idoso (mais de 51 anos – Fx. 3)
02
TOTAL
C1
C2
C3
C6
C7
03
04
05
Mulher
C13
C14
C18
C15
C16
C17
C8
C9
C10
C11
C12
11
02
15
08
10
30 cartas
Quadro 5: Síntese com a distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária dos missivistas.
A quantificação de todas as formas de P2 (Tu) e de P3 (Você)
levantadas nesta amostra de trinta cartas pessoais foi submetida aos
seguintes grupos de fatores lingüísticos:
1º) Subtipo de pronome/desinência verbal (contexto morfossintático) que
inclui pronome pessoal do caso reto, pronome possessivo, pronomes
oblíquos com ou sem preposição, formas verbais imperativas e não
imperativas:
O objetivo da análise desse grupo de fatores é controlar não só os
contextos de resistência do Tu, como também os contextos que
evidenciam a implementação de Você no quadro pronominal do PB.
2º) Paralelismo discursivo que controla apenas a combinação de formas
pronominais com formas antecedentes de segunda e terceira pessoas
gramaticais numa mesma carta, além da primeira ocorrência do item.
Aliado ao grupo de fatores anterior, o controle do paralelismo tinha
como intuito detectar se há uniformidade no tratamento, ou seja,
119
emprego exclusivo de formas relacionadas a Tu ou de formas
relacionadas a Você (cf. Brito 2001).
3º) Função sintática assumida pela forma relacionada a Tu ou Você. A
função sintática, na análise de Omena (1996), mostrou-se como uma
restrição lingüística em relação à alternância nós e a gente no PB. Nas
funções de sujeito, complemento e adjunto adverbial os resultados
assinalam uma significativa freqüência de uso da inovadora forma a
gente. Segundo Rumeu (2004:126), o exercício da função sintática de
sujeito e a sua posição pré-verbal apresentaram-se como traços
sintáticos que anunciam a pronominalização da forma Você.
Assim
sendo, deseja-se detectar a(s) função (ões) sintática(s) em que as formas
Tu e Você são mais recorrentes, de modo a evidenciar ou não o caráter
pronominal assumido pelo inovador Você nas cartas pessoais dos
séculos XIX e XX.
4º) Tipos de sujeito (nulo ou pleno). Segundo Duarte (1995), o PB do
século XIX era uma língua de sujeito nulo, iniciando a sua mudança de
parâmetro a partir do século XX. Deseja-se, pois, confirmar tal hipótese
nas cartas pessoais oitocentistas e novecentistas, a fim de entrever a
legitimidade do caráter de pronome atribuído à forma Você em fins dos
Oitocentos e na primeira metade dos Novecentos.
Acrescentem-se
ainda
os
seguintes
grupos
de
fatores
extralingüísticos:
1º) Gênero dos informantes/missivistas: masculino ou feminino. Como
discutido no capítulo 4, busca-se detectar se há algum tipo de
interferência
do
gênero
(sexo)
dos
missivistas
no
processo
de
implementação de Você no PB.
2º) Faixa etária dos missivistas: faixas 1 (de 14 a 30 anos - jovem), 2 (de
31 a 50 anos - adulto) e 3 (acima de 51 anos – idoso) para a
configuração do estudo de tempo aparente.
120
A investigação de Omena (1996:80) sobre a alternância nós e a
gente no PB detectou uma incidência categórica de a gente entre os
falantes mais jovens (crianças) ainda que também os adultos tenham
assumido uma alta freqüência de uso (77%) da forma inovadora.
Segundo Lopes e Machado (2005), o casal de idosos da família Ottoni
apresenta comportamento diferenciado com relação ao gênero e à
influência do oral no escrito. O avô Christiano prefere a forma Tu
combinando-a com as formas de segunda pessoa além de empregar
categoricamente a forma Vocês na função de sujeito. Já a avó Bárbara
evidencia um comportamento instável em relação à combinação das
formas Você e Tu com formas de segunda e terceira pessoas. Busca-se,
pois, observar se a variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você) no PB
pode apresentar especificidades de expressão em relação ao gênero e à
faixa etária dos informantes.
3º) Controle dos remetentes das missivas pessoais trocadas entre os
Pedreira Ferraz – Magalhães.
Trata-se de um grupo de fatores que visa identificar se os
informantes analisados apresentavam comportamento diferenciado
quanto à uniformidade de tratamento nas cartas. Em princípio,
postula-se que quanto maior a mescla de tratamento, maior seria o
grau de inserção de Você no sistema, uma vez que tal forma estaria se
comportando como uma verdadeira variante de Tu (segunda pessoa do
singular). Do mesmo modo, quanto maior a uniformidade de tratamento
nas cartas, menos integrado o Você estaria ao sistema pronominal do
PB. Os informantes são os seguintes:
121
1. João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira, pai de Zélia);
2. Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Irmã Zélia);
3. Maria Teresa de Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat – irmã
consangüínea de Zélia);
4. Jerônimo de Castro Abreu Magalhães (marido de Zélia). Os Filhos do
casal Zélia e Jerônimo:
5. Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Isa);
6. Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Amaliasinha);
7. Maria Rosa Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Rosinha ou Irmã
Maria Auxiliadora);
8. Maria Leonor Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Nonô”);
9. Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Pe. Jerônimo ou
“Jerominho”);
10. Maria Bárbara Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Irmã Maria da
Divina Pastora);
11. Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Jane”);
12. Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Fernandinho”).
4o) Tipo de relação familiar estabelecida entre pais e filhos, avô e netos, e
entre irmãos e 5º) Grau de hierarquia social estabelecida entre o
remetente e o destinatário das cartas.
O controle dos dois grupos mencionados objetivava observar se as
formas relacionadas a Você ocorriam preferencialmente nas relações
assimétricas descendentes (pai-filho), como mostram os estudos
relativos ao século XVIII e início do XIX (cf. capítulo 2), ou se já se
faziam presentes nas relações igualitárias (entre irmãos) nos domínios
funcionais do solidário Tu (cf. Brown e Gilman 1960).
6º) Fases de escritura das cartas (fase A – entre 1877 e 1897 – fase B –
entre 1898 e 1923 – e fase C – entre 1924 e 1948). Dividiu-se a amostra
em três períodos de tempo com aproximadamente 20-25 anos cada um,
122
a fim de verificar se a produtividade das formas relacionadas a Tu e
Você aumentou ao longo do primeiro quartel do século XX.
A análise de regra variável de todas as ocorrências de formas
vinculadas a P2 (Tu) e a P3 (Você), nessa amostra, assumindo as formas
relacionadas a Tu (P2) como valor de aplicação, evidenciou a seleção dos
seguintes grupos de fatores na respectiva ordem de triagem do
programa Goldvarb:
1º) a combinação de formas pronominais ou paralelismo discursivo;
2º) o missivista;
3º) o contexto morfossintático/subtipo de pronomes;
4º) o gênero (sexo) dos missivistas;
5º) a faixa etária dos missivistas.
123
5.2 Resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você nas cartas
da família Pedreira Ferraz-Magalhães.
O levantamento e a codificação das formas de P2 (Tu) e P3 (Você)
nas cartas pessoais da família Pedreira Ferraz – Magalhães resultaram,
em termos de resultados gerais, na identificação de 496 dados
distribuídos entre as formas em análise, conforme é possível observar
na tabela 1.
FORMAS DE P2 (TU) E P3 (VOCÊ) EM CARTAS PESSOAIS
OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS
FORMAS DE P2 (TU)
FORMAS DE P3 (VOCÊ)
TOTAL
Oco
%
Oco
%
Oco
%
331/496
67%
165/496
33%
496/496
100%
Tabela 1: Distribuição geral das ocorrências de P2 (Tu) e P3 (Você) em cartas oitocentistas e novecentistas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães: todos os dados.
Dentre as 496 ocorrências de formas de referência à segunda
pessoa do discurso, verifica-se que, em 67% delas, têm-se formas de P2
(Tu) e, em 33% dos dados, têm-se formas de P3 (Você).
De modo geral, constata-se que os pronomes relacionados ao Tu
íntimo constituem o tipo de estratégia de referência à segunda pessoa
do discurso preferida nas missivas pessoais trocadas entre os entes da
família Pedreira Ferraz – Magalhães, o que corrobora os resultados de
outros trabalhos com base em amostras diversificadas dos séculos XIXXX (cf. Barcia, Lopes e Duarte, Lopes e Machado, Lopes, Marcotulio et
alii28). Não se trata de um resultado surpreendente. Entretanto, é
Barcia (2006), nos jornais brasileiros oitocentistas, encontra os seguintes percentuais de
Tu e Você: 11% de Tu contra 09% de Você. Lopes e Machado (2005:52) chegam a
encontrar, nas cartas produzidas pelos avós da família Ottoni, percentuais de 89% de Tu
contra 11% de Você como sujeitos pronominais. Marcotulio et alii (2007), nos bilhetes
amorosos novecentistas (1908), encontram 77% de formas de P2 (Tu) contra 23% de
formas de P3 (Você). Lopes e Duarte (2007:353) detectam, nas cartas entre amigos e
primos, produzidas no Brasil oitocentista e novecentista, o predomínio do Tu, com 72%
dos dados, nas relações simétricas [+ íntimas].
28
124
significativo que, nas cartas familiares em análise, o maior uso de
formas de P2 (Tu) vá ao encontro da comprovação da hipótese de que o
Tu era ainda produtivo nas relações que envolviam mais intimidade
entre os interlocutores, tais como nas relações de amizade e nas
relações familiares. Por outro lado, o fato de as formas de P3 (Você), por
sua vez, terem assumido uma freqüência de uso menor que as de P2
(Tu) pode ser um indicativo de que, como já averiguado em outros
estudos, se trata de um processo de implementação iniciado, ainda que
timidamente, no século XVIII (cf. Rumeu 2004), e acelerado em fins do
século XIX (cf. Lopes e Duarte 2007:353).
Como os fatores externos mostraram-se mais relevantes do que os
internos, serão apresentados os resultados relativos aos dois grupos de
fatores lingüísticos (1º e 3º) e, sem seguida, analisam-se os aspectos
extralingüísticos selecionados (2º, 4º e 5º pela ordem).
125

Fatores lingüísticos: a mescla de tratamento.
→ A combinação de formas ou paralelismo discursivo.
O fato de o Você ter advindo de uma forma nominal de tratamento
que conduz o verbo para a terceira pessoa do singular (Vossa Mercê),
mas se referir à segunda pessoa do discurso impulsionou alguns
rearranjos no sistema pronominal motivados pela união/fusão do
paradigma de segunda pessoa singular com o de terceira do singular,
conforme já discutido por Faraco (1996), por Menon (1995). A mescla de
tratamentos, representada por novas possibilidades combinatórias de
Você com te~lhe, Você com teu~seu/tua~sua constitui um vestígio da
pronominalização de Você no PB. Nesse sentido, observam-se, em
termos formais e semântico-discursivos, algumas especificidades que
acompanham o Você na sua história de formação. Trata-se de um
pronome um tanto quanto “camaleônico” no que toca à especificação
formal e semântica do traço de pessoa, pois apesar de fazer referência à
segunda pessoa do discurso (ganho de uma propriedade pronominal –
[Ø eu]), estabelece concordância com a terceira pessoa gramatical
(manutenção de um traço original – [-EU]), cf. Rumeu (2004), Lopes e
Rumeu (2007). A capacidade de o Você carregar essas marcações para o
traço de pessoa formal – [Ø eu] – e semântica – [-EU] – o habilita a
incidir com formas pronominais de segunda pessoa – te/teu/tua.
Um outro rearranjo do quadro pronominal do PB devido à inserção
de Você foi a passagem do possessivo de terceira pessoa seu para o
paradigma de segunda pessoa. Tal migração levou a forma dele (de+ele)
a se constituir como um “possessivo” de terceira pessoa a fim de
impedir a ambigüidade do possessivo “seu” que poderia, assim, se
prestar a identificar tanto a segunda pessoa, como a terceira pessoa do
126
discurso, concorrendo, pois, com os pronomes possessivos de segunda
pessoa – teu/tua29.
Concentrando
esforços
na
análise
do
sincretismo
entre
os
paradigmas de segunda e terceira pessoas do discurso (Você com te~lhe,
com teu~seu/tua~sua) é interessante trazer a esta discussão os
resultados de Oliveira e Silva (1974, 1982) e Brito (2001).
Oliveira e Silva constata que a combinação de Você com te é mais
produtiva que a combinação de Você com teu em conformidade com
resultados de investigações sincrônicas (Jensen, 1977; Head, 1976
apud Oliveira e Silva, 1982).
“(...) enquanto teu concorre apenas com seu (numa
proporção de 1,6 para 98,4) te (18,2%) concorre
com a forma nula (21,3%) e com os pronomes lhe
(na função de objeto direto com a freqüência de
14,3%), você (18,1%) e senhor (22,6%); concorre,
portanto, com os outros pronomes numa situação
de igualdade. Fica assim comprovada a bem
menor penetração da forma teu que da forma te.”
(Oliveira e Silva, 1982:139).
Brito
(2001),
ao
estudar
a
mudança
na
uniformidade
de
tratamento no PB, admite que o falante do PB usa o Você conjugando-o
ao pronome objeto te, pois a este cabe o papel de marcar a
concordância. A autora constata que Martins Pena já não evidencia, em
peças teatrais da primeira metade do século XIX, a uniformidade de
tratamento, uma vez que combina Você com te. Tal processo é
acelerado, na segunda metade do século XX, período em que, segundo
Brito (2001), o emprego do pronome objeto te com o Você é mais
produtivo no PB. Já a partir da segunda metade do XIX, o pronome
lexical Você passa a ser mais freqüente na função de objeto, porque os
pronomes objeto (acusativo) o/a tornam-se formas não mais licenciadas
pelo onset da sílaba do clítico acusativo, o que leva o falante a
preencher a posição de objeto com o pronome lexical Você ou a
Cf. Abraçado (2000); Menon (1996); Negrão & Müller (1996); Oliveira e Silva (1982);
Oliveira e Silva (1996).
29
127
empregar o te com o interlocutor [+ animado] para qual se atribua um
Você.
Para controlar a mescla de tratamento numa mesma carta da
família Pedreira Ferraz - Magalhães, examinou-se a combinação das
formas de P2 (Tu) com as de P3 (Você). O grupo previa o controle da
primeira ocorrência numa seqüência discursiva, além das formas Tu ou
Você precedidas de segunda pessoa formal (Tu) ou de terceira pessoa
formal (Você). Como se deu efetivamente a depreensão da mescla
tratamentos nas cartas oitocentistas e novecentistas em análise?
Separaram-se alguns trechos de cartas nas quais se verifica a variação
entre formas de P2 (Tu) e P3 (Você) a fim de ilustrar como se deu o
legítimo controle dos dados.
(a) “Agradeço muito a tua cartinha e tambem a vovó tua madrinha ficou muito contente.
[espaço] Ella vae responder, e diz que cada vez gosta mais de ti, e tambem dos outros
bisnettinhos. Nós temos passado, assim, assim. [espaço] Desejo que esta te ache já
melhor, com o uso do mercurio. [espaço] Foi bom, Você voltar para Santa Fé, por que
aqui teem adoecido muitas crianças, até a Maria da Glória está de cama.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta, Maria Leonor. RJ,
15.04.1886.)
(b) “[espaço] Nossa Senhora permitta que estejas fazendo a melhor viagem, ou antes
ella te encha de benção e graças para onde a obediência te manda. [espaço] Estou
seguindo a marcha do teu vapor, dia por dia, pelo Jornal - sei que hoje de manhã
estavas em Maceió. [espaço] Oh ! com que saudades fiquei tuas, filho mil vezes querido
de meu coração !! Estou anciosa por tuas amantissimas lettras e noticias ! A' bordo
recebi uma linda carta de Jane para você, mas como não abri o envelloppe deixei de te
dar.”
(Carta de Zélia ao filho. RJ, 23.01.1912.)
Em (a), o Dr. Pedreira se dirige a sua neta Maria Leonor
regularmente com formas de P2 (Tu) – tua, ti, te –, mas rompeu tal
uniformidade ao se referir a Maria Leonor com o Você. O pronome
possessivo (tua) figura, na codificação dos dados, como a primeira
ocorrência de uma série discursiva. A segunda ocorrência do possessivo
tua apresenta-se como forma vinculada à segunda pessoa discursiva.
Os pronomes oblíquos átonos (ti, te) figuraram, na codificação, como
evidências do emprego de formas de P2 (Tu) também antecedidas por
128
formas de segunda pessoa do discurso (P2) – tua. O dado de Você
pronominal foi controlado em relação ao seu contexto: trata-se de uma
forma de P3 (Você) precedida por forma de P2 (Tu) – te, confirmando
assim as constatações de Oliveira e Silva (1982), Brito (2001) e Arduin
(2005) no que se refere à funcionalidade de Você ajustado ao clítico te
no PB.
Em (b), Zélia se dirige ao filho por Tu nulo (estejas), que, na
codificação dos dados, seria a primeira ocorrência de uma série
discursiva, sustentando tal uniformidade tratamental com o emprego de
formas pronominais oblíqua (te) e possessivas (teu, tuas) precedidas de
forma vinculada a P2 (Tu). Entretanto, a autora volta-se para o filho
com o inovador Você, antecedida de forma de P2 (Tu) e, em seguida, se
refere ao interlocutor com um pronome oblíquo átono de segunda
pessoa te, antecedido por forma de P3 (Você).
Assim sendo, chegou-se aos seguintes resultados:
COMBINAÇÃO DE FORMAS DE P2 (TU) E P3 (VOCÊ)
NAS CARTAS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS
A 1ª ocorrência na série discursiva
Precedida de 2ª pessoa formal
Precedida de 3ª pessoa formal
TOTAL
TU
Oco.
19/30
281/313
31/153
331/496
%
63%
90%
20%
67%
P.R.
.36
.68
.19
Tabela 2: A combinação das formas pronominais Tu e Você com formas de P2 e P3 nas cartas oitocentistas e
novecentistas. Valor de aplicação: Tu (P2).
A partir da análise da tabela 2, verifica-se que a famigerada
“mistura de tratamento”, tão rechaçada pelos manuais de gramática
contemporâneos já se deixa evidenciar nas cartas familiares dos
Pedreira Ferraz – Magalhães. Constata-se que as formas de P2 (Tu),
apesar de se manterem preferencialmente combinadas com a segunda
pessoa formal, em 90% dos dados (.68), se mostram, mesmo que
timidamente, combinadas com a terceira pessoa formal, em 20% dos
dados (.19) em cartas de fins do século XIX e início do XX. Observem-se
os exemplos de (01) a (03).
129
(01) “Em tudo has de parecer te com a tua inimitavel Mãe.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta, Maria Elisa (Isa).
RJ, 08.07.1895.)
(02) “Respondeu-me pelo telephone como te disse, dizendo que havia renunciado á tudo
que pudesse receber de heranças etc, em seu favôr - e que assim de nada mais podia
dispôr - mostrou-me a sua melhor bôa vontade e o pezar de não pôder me ajudar - e que
si eu quizesse falasse com você meu Padre Jeronymo.”
(Carta de Maria Teresa (Viscondessa de Duprat) ao sobrinho Jerônimo. RJ,
15.05.1926.)
(03) “Escrevo á mui querida M.elle Aschmann agradecendo tudo que fez por você.
Escreveu-me bellissimos postaes de Lisienx et Paris. Como tem sido nossa amiga esta
bella alma ! Sêja bem grato a este dom, que o Céo nos deu.”
(Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. Vila
Antonio Dias, MG, 21.09.1925.)
Em (01), há uniformidade no tratamento: o avô Dr. Pedreira, ao
dirigir-se a sua neta Maria Elisa (Isa), o faz a partir da expressão nula
do sujeito de segunda pessoa do discurso (Ø hás de parecer...) seguido
de formas de P2 (Tu) – te e tua. Em (02), por sua vez, se observa a
mescla de formas de P3 (Você) com formas de P2 (Tu). Em (02), a
Viscondessa de Duprat, ao corresponder-se com o sobrinho (Pe.
Jerônimo), emprega forma vinculada a P2 (Tu) – te –, passando,
posteriormente, a ele referir-se com forma relacionada a P3 – Você.
Em (03), tem-se um interessante dado de autocorreção do autor,
conforme se observa no trecho da carta exposta na imagem 17. O Pe.
Jerômino, ao escrever ao seu irmão Fernando, emprega uma forma
verbal imperativa de P2 (Tu) precedida por Você – (...) agradecendo tudo
que fez por você. (...) Sêja bem grato (...)”. Note-se a dúvida que leva o Pe.
Jerônimo a rasurar a sua carta, ao titubear entre as formas verbais
imperativas de P3 (Você) “Seja bem grato (...)” e de P2 (Tu) “Sê bem grato
(...)”, optando pela forma de segunda pessoa Tu, o que mostra a mescla
de tratamento e a provável integração da forma Você no sistema
pronominal do PB.
130
Imagem 17: Trecho da 3ª página da carta de Pe. Jerônimo, com 44 anos, ao irmão Fernando. (Vila Antonio Dias,
MG, 21.09.1925.)
Do mesmo modo que ocorre com Tu, o inovador Você se apresenta,
mais frequentemente combinado com a terceira pessoa formal, embora
já se deixe evidenciar precedido da segunda pessoa formal, como se
verifica em (03).
(03) “Como tens Você, a tua Mãe e Marido e Pae eirmãos passado ?
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 07.02.1877.)
Mais do que evidenciar a combinação de formas relacionadas a Tu
com formas de Você, o interesse é o de desenhar como o novo quadro
pronominal foi se reestruturando a partir da fusão dos paradigmas de
Tu e Você ou mesmo da formação de um quadro de pronomes supletivo.
Nesse sentido, o levantamento de todos os contextos formais de uso de
uma ou outra estratégia tentava medir as ambiências morfossintáticas
em que o Tu ainda resistia bravamente à implementação de Você, e os
contextos em que a forma inovadora ocupou mais rapidamente como
uma produtiva estratégia de referência ao interlocutor no PB.
131
→ Contextos morfossintáticos de resistência do Tu: os subtipos de
pronomes.
A hipótese levantada, nesse caso, parte de um paralelismo
estabelecido entre as mudanças operadas no sistema de tratamento do
PB e no espanhol americano. Para o espanhol da Argentina, por
exemplo, Fontanella (1977) admite que tenha coexistido, nos séculos
XVI e XVII, dois subsistemas pronominais com as formas Vos e Tú. A
fusão de tais formas pronominais resultou na implementação do
paradigma do Voseo argentino. A autora considera que a substituição
do Tú pelo Vos se consolidou na função sintática de sujeito, porém
“nem o pronome objeto os nem possessivo vuestro sobreviveram, em seu
lugar se empregam te, tu, tuyo.” (Fontanella 1977 apud Lopes, 2007:05).
Considerando o fato de a autora ter detectado para o espanhol
argentino a função de sujeito como uma ambiência morfossintática
propícia à implementação do Voseo, levanta-se a seguinte questão:
quais seriam os contextos morfossintáticos em que o Você se insere
primeiramente e se firma no PB ao lado de Tu? Com o intuito de
elucidar tal questão, passa-se à análise dos contextos de resistência do
Tu e de implementação do Você nas cartas oitocentistas e novecentistas
da família Pedreira Ferraz – Magalhães, partindo-se da hipótese de
Lopes (2008, 2007) de que o processo de fixação de Você no quadro
pronominal do PB não se deu com a aquisição imediata das
propriedades de um pronome. Deve-se pensar, pois, em rearranjos a
evidenciarem o paulatino processo de formação e implementação de um
novo pronome no sistema pronominal do PB.
No diz respeito à produtividade de formas de P2 (Tu) e de P3 (Você)
em função dos tipos de pronomes/formas verbais, chegou-se aos
seguintes resultados na amostra de cartas em análise:
132
(SUBTIPOS DE PRONOMES/VERBOS)
Pronome pessoal do caso reto
Pronome possessivo
Pronome complemento sem
preposição
Pronome complemento com
preposição
Forma verbal imperativa
Forma verbal não imperativa
TOTAL
FORMAS DE P2 (TU)
Oco.
%
02/23
09%
115/157
73%
90/135
67%
06/19
30/50
88/112
331/496
32%
60%
79%
67%
P.R.
.01
.54
.65
.03
.25
.76
Tabela 3: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação às categorias gramaticais
(pronomes/verbos) na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2).
A tabela 3 permite evidenciar que há o favorecimento de formas de
P2 (Tu) com formas verbais não imperativas (sujeito nulo), .76, com
pronomes
complemento
sem
preposição,
.65,
e
com
pronomes
possessivos, .54, como se observa de (14) a (16).
(14) “Agradecendo tua carta mando te mũitas bençãos e abraços e ósculos que
repartirás com Rozinha, Nonô, Jereminha, Marietha e M. Barbara.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Elisa (Isa). RJ, 08.07.1895.)
(15) “Chegarei quarta feira a tarde; peço-te pois que na quinta-feira pela manhã, si for
possivel, venhas me ver o Senhor Ignácio. Não vou logo procurar te na residência dos
Lazaristas porque não sei quando poderei encontrar-te.”
(Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão Pe. Jerônimo. RJ,
Friburgo, 14.12.1919.)
(16) “Tanto prazer causou-me tua carta de 16! Ri-me por vezes com teus ditos de
gracejo. Meu filho faz rir á tua titia por vezes – Estimo tanto tua boa saúde! que tudo te
corra o melhor possível nesta vida !”
(Carta da Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira ao sobrinho, Pe. Jerônimo. RJ,
29.03.1920.)
133
Apesar de as formas vinculadas à P3 (Você) não serem as
preferidas na amostra de cartas em estudo, houve o favorecimento de
Você nos seguintes contextos morfossintáticos: pronome pessoal sujeito
em (17) e (18), pronome complemento preposicionado, em (19), (20), (21),
forma verbal imperativa, em (22).
(17) “Você vá pedindo a mamãe que lhe ensine a ler e escrever ...”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Leonor (Nonô). Corte, RJ,
15.04.1886.)
(18) “como você teve boa idéia !
(Carta de Maria Barbara de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Fernando.
SP, 22.10.1925.)
(19) “(...) agradecendo tudo que fez por você.”
(Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. MG,
21.09.1925.)
(20) “(...) vou dizer-lhe algo de meu affecto ternissimo por você, o qual muito se
intensificou...”
(Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa.
RJ, 27.04.1933.)
(21) “(...) De você então ella fala com tanto carinho!”
(Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua filha. RJ,
27.11.1914.)
(22) “(...) quando me escrever diga-se si você o conhece, sim ?
(Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão Jerônimo. RJ,
Friburgo, 07.02.1933.)
A análise da produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em
relação aos subtipos de pronomes/formas verbais na amostra de cartas
da família Pedreira Ferraz – Magalhães parece confirmar a hipótese de
Lopes (2007, 2008); Lopes e Machado (2005) de que a implementação
de Você no quadro pronominal do PB não ocorre da mesma forma em
todos os contextos/posições. As formas verbais não imperativas (sujeito
não-preenchido), os pronomes oblíquos sem preposição (te) e os
pronomes possessivos (teu/tua) mostraram-se como ambientes em que
as formas de P2 (Tu) oferecem resistência, conforme já constatado por
Lopes (2007); Marcotulio et alii (2007). Em relação à inserção do Você
no sistema pronominal, constata-se que os pronomes pessoais do caso
134
reto (sujeito preenchido) e os pronomes oblíquos com preposição (por
você,
de
você...)
apresentaram-se
como
favorecedores,
como
já
averiguado por Lopes (2007), em cartas pessoais oitocentistas enviadas
a Rui Barbosa, e por Marcotulio et alii (2007), em bilhetes amorosos de
inícios do século XX (1908).
Um dos aspectos mais relevantes dos resultados obtidos aqui se
refere ao fato de os contextos morfossintáticos mais favoráveis ao
emprego de Você e Tu serem praticamente os mesmos nos diversos
estudos com base em corpora diacrônicos (escrita) e sincrônicos (fala).
As diferenças detectadas entre um estudo e outro se limitam
basicamente aos percentuais de freqüência, mas não houve alteração
na constituição do quadro de pronomes supletivo do PB pelo menos nos
últimos duzentos anos.
O peso dos fatores sociais em relação à produtividade das formas
de P2 (Tu) e de P3 (Você): uma análise do perfil social da família
Pedreira Ferraz – Magalhães.

Os informantes
A hipótese que motivou o controle dos informantes é a de que o
maior ou menor grau de uniformidade no emprego das formas de P2
(Tu) e P3 (Você) nas cartas poderia corresponder, respectivamente, a um
menor ou maior índice de integração de Você no sistema pronominal do
PB. Assim sendo, mantinha-se o interesse por observar se os membros
da família apresentavam comportamento diferenciado quanto a esse
aspecto. Que missivistas empregavam o sistema pronominal mais
antigo? Quais informantes já adotavam o quadro de pronomes que se
firmará no PB?
135
MISSIVISTAS DA FAMÍLIA PEDREIRA
FERRAZ - MAGALHÃES
João Pedreira do Couto Ferraz
(Dr. Pedreira)
Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães
Zélia Bulhões Pedreira de Castro
Abreu Magalhães
Maria Teresa de Jesus Bulhões
Pedreira (Viscondessa de Duprat)
Maria Bárbara de Castro Abreu
Magalhães
Maria Joana de Castro Abreu
Magalhães
Maria Leonor de Castro Abreu
Magalhães
Maria Rosa de Castro Abreu
Magalhães
Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães (Pe. Jerônimo)
TOTAL
FORMAS DE P2 (TU)
OCO.
%
25/35
71%
P.R.
.01
75/76
99%
.31
98/107
92%
.88
65/71
92%
.86
03/28
11%
.19
13/31
42%
.69
01/29
03%
.07
12/24
50%
.75
26/33
79%
.19
318/434
73%
Tabela 4: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) pelos missivistas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2).
Com base na análise dos pesos relativos da tabela 4, constata-se
que as informantes Zélia e Maria Teresa apresentam altos índices de
formas
de
P2
(Tu)
em
termos
probabilísticos
e
percentuais,
respectivamente com .88, (92%) e com .86 (92%). A análise qualitativa
das cartas das idosas Zélia e Maria Theresa (Viscondessa de Duprat)
permite elucidar que o elevado número de dados de formas de P2 (Tu) é
inflacionado por pronome complemento não preposicionado (te) e por
136
pronomes possessivos (teu/tua) que, representam, por sua vez, os
contextos favorecedores ao emprego do Tu, cf. Lopes (2007); Marcotulio
et alii (2007), como se observa em (04) e (05). Por outro lado, a análise
dos índices probabilísticos de .75 e .69, concernentes, respectivamente,
à produtividade de formas de P2 (Tu) pelas missivistas Maria Rosa e
Maria Joana em comparação aos seus índices percentuais de 42% e
50%, respectivamente, revela que há, percentualmente, mais dados de
Você do que de Tu. Assim sendo, não é possível admitir que tais
mulheres tenham se mostrado mais propensas ao emprego de formas
relacionadas a P2 (Tu), mas sim que elas “mesclavam” com maior vigor
as duas estratégias em suas cartas, adotando o quadro pronominal do
PB.
(04) “Nunca te esqueças da nossa Leonor, sim? até ella alcançar o que tanto deseja.
[espaço] Teu Pai Pedreira vae indo sem novidade. [espaço] Tia Joanninha queria muito ir
commigo te visitar, mas agora está doente dos olhos, o que sente muito.”
(Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao filho. RJ, 27.11.1912.)
(05) “Com quantas saudades te escrevo estas linhas ! [espaço] Tão depressa passou o
feliz tempo em que te esperava aqui e gozava de tua querida companhia, de teus
carinhos filiaes !!”
(Carta da Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira ao sobrinho, Pe. Jerônimo. RJ,
04.02.1919.)
Há de se observar ainda que as informantes Maria Amália (26
oco./100%), Maria Elisa (23 oco./100%) usaram categoricamente as
formas de P3 (Você), enquanto o informante Fernando (13 oco./100%)
fez uso categórico das formas de P2 (Tu), na amostra de cartas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães, como se observa de (08) a (13).
(08) “Sabe que tenho o mesmo officio que você ?”
(Carta de Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmã, Maria Bárbara.
Friburgo, RJ, 01.08.1909.)
(09) “Veja que massada lhe está dando a pobre Madre Castro que lhe escreve com tanta
familiaridade !!”
(Carta de Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães a D. Maria. BA,
07.10.1928.)
(10) “Com fervor peço a Deus que Você esteja bem. Porque não me escreve ?”
137
(Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmã, Maria Leonor.
Pouso Alegre, 04.04.1920.)
(11) “Quando me escrever diga-me si Você a conhece, sim ? e mande-lhe um pequeno
conforto na cruz que carrega; a certeza de uma Oração sua ou uma missa, ella gostará
muito. Escreva-me. Sua Iza B. P.”
(Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Pe. Jerônimo.
Friburgo, RJ, 07.02.1933.)
(12) “(...) peço-te pois que na quinta-feira pela manhã, si fôr possível, venhas me ver o
Senhor Ignácio.”
(Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmão, Pe. Jerônimo.
Friburgo, RJ, 14.12.1919.)
(13) “Li agora tua ultima cartinha. Creio que podes permitir a esse Lazarista a
traducção de “Zélia” em Italiano. Deves avisar comtudo que um resumo dumas cem
paginas, feito da traducção espanhola, começara em breve, segundo me promettem, a a
apparecer no “Mensageiro [inint.] de Jesus, de Roma, revista dirigida pelos Jesuítas.”
(Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmão, Pe. Jerônimo. SP,
02.04.1928.)
Na análise de painel, a ser apresentada neste trabalho, discute-se
qualitativamente o que pode ter determinado alguns dos missivistas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães a empregarem Tu e Você na função
de sujeito oracional, visto que a substituição do Tú pelo Vos também se
concretizou, segundo Fontanella (1977), na posição de sujeito no
espanhol da Argentina.
Passa-se à análise da influência da variável extralingüística gênero
(sexo) do missivista em relação ao emprego de formas relacionadas a P2
(Tu) e P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas em análise.
 O Gênero (sexo) dos missivistas
Considerando que, segundo Labov (1990), em processos de
mudança, as mulheres tendem a implementar a forma “não-padrão”,
atuando
como
personagens
inovadoras
da
história
das
línguas
humanas, passa-se à análise do comportamento de homens e mulheres
da família Pedreira Ferraz – Magalhães, a fim de confirmar ou infirmar
tal hipótese.
138
Embora, na análise do grupo anterior (informante), as mulheres
aparentemente se mostraram favorecedoras ao emprego de formas de
P2 (Tu), quando se opõem os dados de homens e mulheres, os
resultados mostram um maior favorecimento de formas de P2 (Tu) entre
os homens da família.
A análise do gênero dos informantes em relação ao uso de formas
de P2 (Tu) e P3 (Você) na amostra de cartas em estudo permite
vislumbrar os seguintes resultados, com base na tabela 5.
FORMAS DE P2 (TU)
P.R.
OCO.
%
Masculino
139/157
89%
.98
Feminino
192/339
57%
.13
TOTAL
331/496
67%
Tabela 5: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em função do gênero dos missivistas. Valor de
aplicação: Tu (P2).
GÊNERO DOS MISSIVISTAS
Verifica-se que os informantes do gênero masculino, com .98,
comportaram-se como missivistas que favoreceram a produtividade de
formas relacionadas a P2 (Tu) na amostra. Os dados de (23) a (26)
ilustram a preferência dos missivistas do gênero masculino (João
Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira), Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães, Fernando de Castro Pedreira Abreu Magalhães e Jerônimo
de Castro Pedreira Abreu Magalhães (Pe. Jerônimo) pelas formas de P2
(Tu).
(23) “Agradeço muito a tua cartinha e tambem a vovó tua madrinha ficou muito
contente.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Leonor (Nonô). Corte, RJ,
15.04.1886.)
(24) “A corecção da tua orthographia, calligraphia e redacção me asseguram que bem
estudas-te em Friburgo e continuas a progredir Louvado seja Nosso Senhor”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a sua filha, Maria Joana. RJ,
26.01.1908.)
139
(25) “Li agora tua ultima cartinha. Creio que podes permitir a esse Lazarista a traducção
de “Zélia” em Italiano. Deves avisar comtudo que um resumo dumas cem paginas, feito
da traducção espanhola, começara em breve segundo me promettem (...)”
(Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a seu irmão, Pe. Jerônimo.
SP, 02.04.1928.)
(26) “Enthusiasmo-me vendo-te trabalhar por nossa Zélia. Leio a carta que escreveste ao
Bebê, e a approvação do Cardeal Van Rossum.”
(Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. MG,
21.09.1925.)
Há de se observar, entretanto, que as formas vinculadas ao Você
são as preferidas pelas informantes do gênero feminino como ilustrado
em (27) e (28).
(27) “(...) Você me entende ! [espaço] Bem, o dia de hoje passal-o-ei a seu lado, após ser
tudo offertado pela sua santificação ...”
(Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa.
RJ, 27.04.1933.)
(28) “(...) ahi querido Papae achará todo o carinho que lhe poderia fazer se estivesse
junto a si n’ este dia.”
(Carta de Maria Barbara Pedreira de Castro Abreu Magalhães a seu pai Jerônimo.
Mosteiro do Bom Pastor, RJ, 24.06.1906.)
Com base no estudo de painel a ser apresentado no capítulo 6
desta tese, espera-se elucidar tais resultados.

A Faixa etária dos missivistas
Partindo dos resultados de Omena (1996) e de Lopes (2003 [1999])
que atestaram ser o inovador a gente mais produtivo na fala dos jovens,
prevê-se que também o Você possa ser mais freqüente entre os jovens
da família Pedreira Ferraz – Magalhães, uma vez que, assim como o a
gente, se trata de uma forma nominal que se pronominalizou,
competindo com o Tu.
No que toca à produtividade de formas relacionadas à P2 (Tu)
constata-se que a faixa etária dos missivistas se mostrou como um
grupo de fatores relevante. Assim sendo, expõem-se, com base na tabela
6, os resultados em termos de freqüências de uso e pesos relativos.
140
FORMAS DE P2 (TU)
P.R.
FAIXA ETÁRIA DOS MISSIVISTAS
OCO.
%
Jovem (de 14 a 30 anos – Fx. 1)
29/66
44%
.10
Adulto (de 31 a 50 anos – Fx. 2)
80/139
58%
.33
Idoso (mais de 51 anos – Fx. 3)
222/291
76%
.70
TOTAL
331/496
67%
Tabela 6: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação à faixa etária dos missivistas. Valor de
aplicação: Tu (P2).
A partir do exame da tabela 6, observa-se que a produtividade de
formas relacionadas à P2 (Tu) mostrou-se favorecida pelos missivistas
idosos (faixa 3), .70 de peso relativo, como se observa de (29) a (34). Já
as formas relacionadas à P3 (Você) mostraram-se mais produtivas entre
os jovens. Esses resultados parecem indicar os missivistas mais idosos
tendem a manter o comportamento do século XIX em que o Tu ainda
tinha um maior campo de atuação como pronome de referência ao
interlocutor. O fato de os missivistas mais jovens, por sua vez,
adotarem o inovador Você parece apontar para um processo de
mudança lingüística que é inaugurada em fins do século XIX e é
efetivamente implementada entre as décadas de 20 e 30 do XX (cf.
Lopes e Rumeu 200730).
(29) “Agradeço muito a tua cartinha e também a vovó tua madrinha ficou muito
contente. [espaço] Ella vae responder, e diz que cada vez gosta mais de ti, e também
dos outros bis nettinhos.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz, com 60 anos, a sua neta, Maria Leonor. RJ,
15.04.1886.)
(30) “Meo bom filho Padre Jeronymo Recebi tua carta de 5 do corrente. (...) Podes
saudal-a do modo mais conveniente. Dou-te a agradável nova, que estamos em plena
Santa Missão pregada por Redemptoristas.”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, com 58 anos, a seu filho, Pe.
Jerônimo. RJ, 09.07.1909.)
(31) “Não tens tido alteração em tua saúde ? estás gorda ou magra ? quanto pezas ?
[espaço] Si tiver balança ahi, peza e manda-me dizer, sim ?”
(Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães, com 57 anos, a sua
filha. RJ, 27.11.1914.)
Lopes e Rumeu (2007:420) afirmam o seguinte: “Levando-se em consideração os fluxos e contra
fluxos da variação você/tu, alguns estudos demonstraram (Duarte, 1993, Lopes e Duarte 2003, Rumeu,
2004) que o uso majoritário de tu – forma recorrente do século XIX – só será suplantado por você por
volta dos anos 20-30 do século XX.”
30
141
(32) “Peço a Deos, filho querido, que gozes n’ esse dia, de completa felicidade, que
recebas já n’esta vida a recompensa de tuas virtudes, de teu zelo – de tua dedicação
incansável pela tua santa Congregação !!”
(Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira, com 64 anos, ao sobrinho Pe.
Jerônimo. RJ, 13.12.1927.)
(33) “Me perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e toco o
organo para que cantem as meninas ...”
(Carta de Maria Rosa de Castro Pedreira de Abreu Magalhães, com 53 anos, a irmã
Maria Joana. RJ, 15.02.1931.)
(34) “Que dirá, que não te respondi, tuas duas cartas, bem contra minha vontade, mas
não me foi possível – Muitíssimo te agradeço tuas palavras de affectos para com esta
tua irmã que tanto te estima.”
(Carta de Maria Rosa de Castro Pedreira de Abreu Magalhães, com 53 anos, a irmã
Maria Joana. RJ, 15.02.1931.)
Com o intuito de identificar o que estaria estabelecendo a diferença
de comportamento lingüístico entre homens e mulheres em relação ao
uso de formas de P2 (Tu) e de P3 (Você), foram correlacionados os
grupos de fatores gênero e faixa etária dos missivistas/informantes.
OS MISSIVISTAS EM RELAÇÃO
AO GÊNERO E À FAIXA ETÁRIA
FORMAS DE P2 (TU)
OCO.
%
FORMAS DE P3
(VOCÊ)
OCO.
TOTAL
%
OCO./(%)
Homem Jovem (1) (de 14 a 30 anos)
29/32
91%
03/32
09%
Homem Adulto (2) (de 31 a 50 anos)
66/71
93%
05/71
07%
Homem Idoso (3) (mais de 51 anos)
44/54
81%
10/54
19%
Mulher Jovem (1) (de 14 a 30 anos)
-
-
34/34
100%
Mulher Adulta (2) (de 31 a 50 anos)
14/68
21%
54/68
79%
Mulher Idosa (3) (mais de 51 anos)
178/237
75%
59/237
25%
TOTAL
331/496 (67%)
165/496 (33%)
32/157
(21%)
71/157
(45%)
54/157
(34%)
34/339
(10%)
68/339
(20%)
237/339
(70%)
TOTAL POR
GÊNERO
157/496
(32%)
339/496
(68%)
496/496
Tabela 7: Cruzamento dos grupos de fatores gênero e faixa etária em relação à produtividade das formas de P2
(Tu) e de P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães.
Com base na análise da tabela 7, constata-se que, nas cartas dos
homens em todas as faixas etárias, houve uma maior produtividade das
formas de P2 (Tu). A preferência por formas relacionadas ao Tu íntimo
(P2), nas cartas pessoais trocadas entre pai e filho, entre avô e neto e
142
entre irmãos, evidenciou que os missivistas jovens, adultos e idosos
mostraram-se mais conservadores em relação ao uso de formas para
referência ao interlocutor no eixo comunicativo.
Já as mulheres jovens da família elegeram categoricamente as
formas de P3 (Você) no conjunto de missivas. As trinta e quatro
ocorrências de formas de P3 (Você), nas cartas da família Pedreira
Ferraz – Magalhães, se deram nas missivas produzidas por Maria
Amália (carta para irmã – C.15), por Maria Rosa (C.25) e por Maria
Bárbara (C.17) – cartas para o pai. As mulheres adultas Maria Elisa
(C.19), Maria Joana (C.21) e Maria Leonor (C.23), em cartas destinadas
aos irmãos, também preferiram formas de P3 (Você) – 79%. Em
contrapartida, as missivistas idosas Zélia, nas cartas destinadas aos
filhos (C.08, C.09 e C.19), e Maria Teresa, nas cartas destinadas ao
sobrinho Pe. Jerônimo (C.11, C.12, C.13 e C.14), com freqüência de uso
de 75%, optaram por formas de P2 (Tu) na amostra de cartas em
análise.
O
comportamento
lingüístico
diferenciado
assumido
pelos
missivistas dos gêneros masculino e feminino, nas cartas oitocentistas e
novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, parece reforçar a
hipótese laboviana (1990) de que as mulheres tendem a liderar a
inovação no processo de mudança lingüística. Como já discutido no
item 4.4 desta tese, as mulheres estariam utilizando a forma invasora
(Você) que é, por um lado, uma variante de prestígio utilizada pela elite
de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, mas que não
é, por outro lado, uma estratégia estigmatizada na comunidade
lingüística do PB. Nesse sentido, corroboram-se também os resultados
de trabalhos lingüísticos voltados para a diacronia nos quais o gênero
(sexo) dos informantes têm se mostrado relevante para a percepção do
processo de implementação da mudança no sistema lingüístico.
Lopes e Machado (2005), com base em resultados preliminares,
chegam a admitir a possibilidade de as mulheres, representadas pela
missivista do século XIX, Barbara Ottoni, terem sido talvez as
143
propulsoras da mudança lingüística no sistema pronominal do PB. Tal
constatação se deve ao fato de a avó-dona-de-casa Barbara ter adotado,
na amostra de cartas oitocentistas destinadas aos seus netos, uma
maior freqüência de uso do inovador Você. Em contraposição, o avôprofessor Christiano Ottoni prefere as formas relacionadas a P2 (Tu), ao
voltar-se sempre para a correta expressão da norma gramatical do
português nas suas cartas aos netos.
Lopes (2003), no estudo sobre a inserção do a gente no sistema de
pronomes do PB, também postula que as mulheres tenham sido as
dinamizadoras do processo de mudança lingüística em estudo. A
análise da mudança de gente → a gente em tempo real de longa
duração, com base em corpora de teatro e de obras literárias, levou a
autora a vislumbrar o gênero como um grupo de fatores relevante entre
as personagens do gênero (sexo) feminino que se mostraram, por sua
vez, mais propensas ao uso do inovador a gente.
O fato de as mulheres jovens (faixa 1) e adultas (faixa 2) elegerem
preferencialmente as formas relacionadas ao inovador Você, na amostra
de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, também parece
evidenciá-las como líderes de um processo gradual e paulatino de
mudança no sistema de pronomes do PB. Esses resultados a que se
chegou com esta análise geral dos dados parecem justificar a
necessidade de uma análise do comportamento do indivíduo ao longo do
seu percurso de vida para saber se o comportamento dele era estável ou
instável e para tentar delimitar o período do século XX em que a
implementação de Você se mostrou mais contundente.

O Tu e o Você na posição de sujeito pronominal
Com o intuito de constatar se o inovador Você já ocupa as mesmas
ambiências sintáticas do legítimo Tu pronominal e de testar a hipótese
de Fontanella (1977 apud Lopes, 2007:05) segundo a qual a mudança
do Tú pelo Vos, no espanhol argentino, tenha se instaurado no
144
pronome-sujeito31, controlaram-se os dados de sujeito pronominal em
suas realizações nula e plena. As ocorrências de imperativo foram
excluídas da análise, pois inflacionariam as manifestações nulas de
sujeito. Passa-se, com base na tabela 8, à análise da freqüência de uso
dos tipos de sujeito pronominal detectados nas amostras de cartas
pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães.
TU
VOCÊ
TOTAL
Oco.
%
Oco.
%
Oco.
%
Nulo
92/93
99%
24/45
53%
116/138
84%
Pleno
01/93
01%
21/45
47%
22/138
16%
TOTAL
93/138
67%
45/138
33%
138/138
100%
Tabela 8: Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da família
Pedreira Ferraz – Magalhães.
TIPOS DE SUJEITO
Com base na tabela 8, observa-se que, em relação à expressão da
categoria sujeito pronominal, predominam as formas de P2 (Tu). O Tu
comportou-se
preferencialmente
como
sujeito
pronominal
nulo,
assumindo freqüência de uso de 99% como se observa em (35) e (36).
(35) “Leonor está bem melhor graças a Deus se ella fizesse os votos creio que ficaria boa
não Ø achas ?”
(Carta de Maria Barbara de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Fernando.
SP, 22.10.1925.)
(36) “Ø És tão extremoso meu Padre Jeronymo !”
(Carta de Maria Leonor de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Pe Jerônimo.
Olinda, PE, 10.10.1920.)
É interessante observar, em (37), que o missivista Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães se dirige, com 57 anos, à filha Maria Joana
(Jane), com o Tu pleno, numa tentativa acolhedora de trazer à tona a
intimidade da interlocutora, buscando saber sobre a sua saúde. Trata-
31
Tal hipótese é sustentada por Lopes (2007:09) que, em relação ao estudo da variação
Tu/Você, nas cartas oitocentistas destinadas a Rui Barbosa, tece a seguinte consideração:
“Aparentemente, é na posição de sujeito que Você se firmará e por isso nos interessa observar se nesse
contexto você já ocupa os mesmos espaços funcionais de tu”.
145
se da única ocorrência de Tu pleno levantada nas trinta cartas em
análise.
(37) “[espaço] E tu minha Jane Como estás dos ouvidos? Estou certo que tuas discípulas
do primeiro anno, do teo magistério, devem ter feito muitos progressos.”
(Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a filha Maria Joana. Fazenda Santa
Fé, RJ, 26.01.1908.)
Já o Você apresenta-se, em 53% das suas ocorrências, como
sujeito pronominal pleno e, em 47% delas, como sujeito pronominal
nulo. Há uma concorrência acirrada entre a expressão plena e nula do
Você pronominal na análise geral dos dados. É possível visualizá-lo nulo
e pleno de (38) a (42).
(38) “Como hade ser bonito, quando Você pelo gosto do estudo souber bem, e Ø poder,
assim, ensinar as tuas outras maninhas, como a tua excellente Mamãe e minha mũi
presada Filha ensinou a tua titia Mimi e aos teus titios Jânio e Zuzú.”
(Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta Maria Elisa (Isa). RJ,
08.07.1895.)
(39) “(...) E você, minha filha de meu coração como tem passado ? [espaço] estás sempre
alegre ? conservas aquelle genio animado, meigo e carinhoso, com que tua mãe tanto se
encontrava ? [espaço] És cada vez mais feliz pelo grande sacrificio que fizeste, em
deixar tua familia por amor do Esposo Divino ? Ah ! minha tão amada filha, que
riquissima corôa Elle te está preparando ? [espaço] E como está o excellente sacerdote
teu director ? [espaço] Com o maior fervor rezo por elle. [espaço] [espaço] Não tens tido
alteração em tua saude ? estás gorda ou magra ? quanto pezas ? [espaço] Si Ø tiver
balança ahi peza, e manda-me dizer, sim ?”
(Carta de Zélia a sua filha. RJ, 27.11.1914.)
(40) “(...) pois creio que se você o visse agora Ø não o conheceria talvez;”
(Carta de Maria Amália de Castro Pedreira de Abreu Magalhães a irmã Maria Bárbara.
Friburgo, RJ, 01.08.1909.)
(41) “A seu respeito, minha Isa, disse-me o Doutor Braga que, com as novas receitas
Você vae curar-se ... Ø deve, porém, não comer peixe nem ovos, e nem substancias
gordurosas;”
(Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa
(Isa). RJ, 27.04.1933.)
(42) “Amalia me mandou dizer as optimas practicas que Você fez as orphas no retiro;
oh! quem me dera tel-as ouvido. Se Ø poder escreve para Manaos; eu vou escrever muito
breve.”
(Carta de Maria Leonor Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa.
PE, 18.04.1928.)
146
Retomando a hipótese de Duarte (1995) de que o PB do século XIX
era uma língua de sujeito nulo, estreando o seu processo de mudança
de parâmetro a partir do século XX, legitima-se o fato de que, nas
cartas pessoais de fins do século XIX e da primeira metade do século
XX, o Tu se evidencie como sujeito nulo, ao passo que o Você
pronominal apresente-se em franca concorrência entre as suas
expressões plena e nula, ainda que com uma baixa freqüência de uso
nas cartas em análise (33% dos dados de sujeito). A questão de o
inovador Você assumir uma maior freqüência de uso como sujeito
pronominal pleno (em 53 % das ocorrências de sujeito) o evidencia como
uma forma híbrida de referência à segunda pessoa do discurso,
conforme Rumeu (2004). O Você se assemelha ao Tu, ao assumir a
posição sintática de sujeito pronominal tal como um legítimo pronome
de referência à segunda pessoa do discurso. Em contrapartida, o Você
parece manter traços da forma nominal de tratamento que o originou
(Vossa Mercê), ao assumir a sua realização plena como sujeito
pronominal, em 47% dos dados.
147
 Síntese dos primeiros resultados...
Em
suma,
constata-se
que,
nas
cartas
oitocentistas
e
novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, os grupos de
fatores paralelismo discursivo e contexto morfossintático (tipo de
pronome) funcionaram como condicionamentos lingüísticos relevantes
na análise variável entre P2 (Tu) e P3 (Você).
No que se refere ao paralelismo discursivo entre formas de P2 (Tu) e
de P3 (Você), atestou-se a mescla de tratamentos, ainda que de forma
incipiente na amostra em estudo, corroborando os resultados de Barcia
(2006); Lopes (2008); Lopes e Machado (2005); Marcotulio et alii (2007);
Soto (2001).
Em relação aos contextos morfossintáticos de resistência de formas
de P2 (Tu), têm-se as formas verbais não imperativas, os pronomes
oblíquos sem preposição (te) e os pronomes possessivos (teu/tua). Os
pronomes pessoais do caso reto e os pronomes oblíquos com preposição
(com você) mostraram-se como contextos de implementação do Você
(actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968) no quadro pronominal do
PB oitocentista e novecentista, considerando a sua história de
pronominalização
(Vossa Mercê > Você)
como
um
processo
de
encaixamento no sistema lingüístico (embbeding problem, cf. Weinreich
et alii 1968). Legitima-se, pois, a hipótese de Lopes (2007:08) de que
“(...) a inserção de você no sistema pronominal não se implementou da
mesma maneira em todas as categorias gramaticais ou subcategorias
pronominais e tais observações se verificam até hoje nas amostras
constituídas a partir de roteiros de cinema (LOPES, C.R.S.; COUTO, L.R.;
DUARTE, M.E.L., 2005) e de conversas secretas feitas na cidade do Rio
de Janeiro.”
Com relação aos fatores extralingüísticos mostraram-se relevantes:
os missivistas, o seu gênero (sexo) e a sua faixa etária (jovem, adulto e
idoso).
148
As missivistas que demonstraram, na amostra de cartas da família
Pedreira Ferraz – Magalhães, preferência pelas formas de P3 (Você)
foram Maria Leonor e Maria Bárbara. Já as informantes Zélia e Maria
Teresa mostraram-se mais propensas à realização de formas vinculadas
a P2 (Tu) nas cartas pessoais em estudo (mesmo que sempre mescladas
a formas relacionadas a Você).
No que se refere à análise do gênero aliado à faixa etária dos
missivistas, constatou-se que os homens jovens, adultos e idosos
evidenciaram-se mais propensos ao uso de formas relacionadas à P2
(Tu) na amostra. Por outro lado, às mulheres jovens e adultas coube
uma maior tendência ao uso de formas relacionadas ao inovador Você.
As mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães parecem ter
impulsionado o processo de mudança em progresso na língua (cf. Labov
1990), ao preferirem formas relacionadas ao inovador Você que, por sua
vez, se inseriu no sistema pronominal como resultado de uma mudança
lingüística advinda de cima para baixo (change from above) na pirâmide
social portuguesa (Vossa Mercê > Você), encaixando-se (embedding
problem, cf. Weinreich et alii), pois, no contexto histórico-social.
Levando-se em conta que o contexto sintático de pronome-sujeito
(cf. tabela 3) atuou como uma ambiência favorecedora ao emprego de
formas de P3 (Você) aliado ao fato de o Você na função de sujeito ter se
equiparado ao Tu, mostrando-se preferencialmente nulo (cf. tabela 8),
justifica que se volte o foco para a representação do sujeito pronominal
com as formas Tu e Você em estudos de tempo aparente (item 5.3) e de
painel (capítulo 6). Acrescente-se o fato de, nessa análise geral dos
dados, os fatores sociais gênero, faixa etária e missivitas da família
Pedreira Ferraz – Magalhães terem sido considerados preponderantes, o
que legitima que se volte o olhar especificamente para a trajetória de
vida dos informantes com a confecção de um estudo painel em
sincronias passadas.
149
5.3 O sujeito pronominal Tu e Você na família Pedreira – Ferraz
Magalhães: um estudo em tempo aparente.
“O primeiro e mais imediato tratamento a
ser dado aos dados para o estudo da
mudança lingüística em progresso é traçar
a mudança em tempo aparente: isso
significa analisar a distribuição das
variáveis lingüísticas pelos níveis etários.” 32
(Labov 1994:45/46.)
Em função dos resultados observados na seção anterior e com base
na proposta de Labov (1994) de que a progressão da mudança
lingüística possa ser mais rapidamente delineada com o estudo em
tempo aparente33, passa-se à análise do comportamento lingüístico de
homens e mulheres da família Pedreira Ferraz-Magalhães em relação à
representação pronominal do sujeito de segunda pessoa do discurso
com as formas Tu e Você em cartas pessoais. Este estudo em tempo
aparente deu-se a partir da distribuição da produção escrita dos
missivistas jovens, adultos e idosos dos gêneros masculino e feminino,
no decorrer
das
duas
primeiras décadas
do
século XX,
mais
precisamente entre 1905 e 1920. Considerando que o objetivo desta
investigação é o de buscar delinear o processo de implementação da
forma Você no quadro pronominal do PB, pretende-se investigar a
expressão (nula ou plena) das formas Tu e Você como sujeitos
pronominais de segunda pessoa do discurso. Acredita-se que à medida
que o Você se pronominalize, assuma os mesmos campos funcionais
Labov (1994:45/46), ao pensar o estudo em tempo aparente, tece a seguinte afirmação: “The
first and most straightforward approach to studying linguistic change in progress is to trace change in
apparent time: that is, the distribution of linguistic variables across age levels.”
33
“O estudo da mudança no tempo aparente está baseado no pressuposto de que diferenças lingüísticas entre
gerações podem espelhar desenvolvimentos diacrônicos, quando outros fatores se mantêm constates. O
comportamento lingüístico de cada geração reflete um estágio da língua, com os grupos etários mais jovens
introduzindo novas alternantes que, gradativamente, substituirão aquelas que caracterizam o desempenho
lingüístico dos falantes de faixas etárias mais avançadas.” (Paiva e Duarte, 2003:14)
32
150
que um legítimo pronome do PB, em conformidade com Fontanella
(1977) e Lopes (2007:09).
Quantificaram-se as ocorrências de Tu e Você como formas de fazer
referência ao interlocutor em suas expressões nula e plena, nas
correspondências trocadas entre irmãos (as cartas de Fernando, Maria
Bárbara, Maria Joana, Pe. Jerônimo, Maria Elisa, Maria Leonor, Maria
Rosa), entre pai e filho (as cartas de Jerônimo de Castro Abreu
Magalhães), entre mãe e filho (as cartas de Zélia Bulhões Pedreira de
Castro Abreu Magalhães) e entre tia e sobrinho (as cartas de Maria
Teresa de Jesus Bulhões Pedreira), conforme se observa no quadro 6.
Quadro 6: Missivistas do estudo em tempo aparente.
JOVENS (14 A 30 ANOS)
HOMEM
MULHER
Fernando
Maria Bárbara
C1. RJ, Friburgo,
06.11.1919.
C2. França, Vals,
20.12.1920.
C3. SP, 25.06.1911.
ADULTOS (31 A 50 ANOS)
HOMEM
MULHER
HOMEM
MULHER
Pe. Jerônimo
Maria Elisa
Jerônimo
(Marido de Zélia)
Zélia
C1. BA,
08.05.1920.
C2. Ceará,
08.02.1919.
C3. Pará,
28.07.1915.
C4. Pouso Alegre,
01.01.1920.
C1. RJ, 08.06.1905.
C2. RJ, 23.06.1909.
C3. RJ, 17.02.1912.
C4. 06.07.1919.
Maria Joana
C4. 16.01.1912.
-
IDOSOS (MAIS DE 50 ANOS)
-
Maria Leonor
C5. RJ, Niterói,
05.04.1913.
C6. Olinda, (PE),
22.08.1920.
Maria Rosa
Maria Teresa
(Viscondessa de
Duprat – Tia Mimi)
-
C5. RJ, 16.10.1912.
C6. RJ, 29.03.1920.
C7. La Plata,
04.11.1911.
C8. Buenos Aires,
18.01.1920.
02 cartas
02 cartas
04 cartas
02 cartas
06 cartas
08 cartas
18 Cartas
02 cartas
04 cartas
06 cartas
A quantificação dos dados de Tu e Você nas cartas produzidos por
jovens, adultos e idosos da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os
anos de 1905 e 1920 levou aos seguintes resultados principais:
151
GRUPOS ETÁRIOS
TU
Jovem (Faixa 1)
(de 14 a 30 anos)
Adulto (Faixa 2)
(de 31 a 50 anos)
Idoso (Faixa 3)
(Mais de 50 anos)
SUJEITO PRONOMINAL
VOCÊ
22/22
(100%)
11/45
(24%)
03/52
(06%)
36/119
(30%)
34/45
(76%)
49/52
(94%)
83/119
(70%)
TOTAL
119/119 (100%)
Tabela 9: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários: estudo em tempo
aparente (1905 – 1920).
Com base na análise da tabela 9, observa-se que o emprego do Tu
pronominal é majoritário, em 70% dos dados (83 ocorrências), em
oposição a 30% de Você (36 ocorrências), nessa amostra composta por
dezoito cartas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães. Esclareça-se que
os 83 dados de Tu são de sujeito nulo. A análise de Tu e Você em
relação
à
distribuição
etária
dos
missivistas
revela
a
maior
produtividade de Você entre os mais jovens e de Tu, nas outras duas
faixas etárias, principalmente, entre os idosos.
No gráfico 1, a seguir, é possível visualizar uma configuração
curvilínea de variação lingüística entre as formas Tu e Você como
estratégias de referência ao interlocutor utilizadas pelos missivistas
jovens, adultos e idosos da família Pedreira Ferraz – Magalhães, no
decorrer das duas primeiras décadas do século XX.
152
120%
100%
100%
94%
80%
76%
60%
40%
24%
20%
6%
0% 0%
Jovens (de 14 a 30 anos)
Adultos (de 31 a 50 anos)
Tu
Idosos (acima de 50 anos)
Você
Gráfico 1: Estudo em tempo aparente: uso de Tu e Você como sujeitos de segunda pessoa do discurso
distribuídos entre os missivistas jovens, adultos e idosos da Família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos
de 1905 e 1920.
Como já foi anunciado anteriormente, o emprego categórico do
inovador Você pelos missivistas mais jovens pode sugerir um quadro de
aparente mudança lingüística em progresso. Por outro lado, os
missivistas adultos e idosos evidenciaram um acentuado índice de
retração da produtividade de Você, mostrando-se propensos ao emprego
do
conservador
Tu
com
freqüências
de
uso
de
76%
e
94%,
respectivamente. O fato de os adultos terem se voltado para o emprego
do conservador Tu pode ser motivado pelas pressões sociais da vida
adulta, conforme Sankoff (2006), de modo a corroborar o emprego da
variante pronominal padrão, isto é, a forma pronominal licenciada pela
norma subjetiva do PB (Tu).
Lopes (2003:148/149 [1999]) também averiguou um quadro
semelhante em relação ao emprego da forma a gente pelos falantes
cultos do corpus do projeto NURC. Detectou a autora, entre as décadas
153
de 70 e 90 do século XX, um aumento da probabilidade de uso de a
gente pelos falantes mais jovens (faixa 1), ainda que os falantes adultos
e idosos (faixas 2 e 3) diminuíssem o emprego de tal forma pronominal
inovadora num intervalo de 20 anos da análise.
Em seguida, será observado separadamente o comportamento dos
homens e mulheres por faixa etária, a fim de detectar se há diferenças
quanto ao gênero (sexo) dos missivistas. A tabela 10 oferece os
resultados quantitativos e o gráfico 2, mais ilustrativo, delineia distintos
comportamentos por parte dos dois gêneros, principalmente, entre os
missivistas adultos e idosos:
GÊNERO (SEXO)
DOS MISSIVISTAS
H
O
M
E
M
M
U
L
H
E
R
GRUPOS ETÁRIOS
SUJEITO PRONOMINAL
Jovem (Faixa 1)
Adulto (Faixa 2)
Idoso (Faixa 3)
TU
12/12 (100%)
11/11 (100%)
VOCÊ
09/09 (100%)
-
Jovem (Faixa 1)
Adulta (Faixa 2)
Idosa (Faixa 3)
22/33 (66%)
38/41 (93%)
13/13 (100%)
11/33 (33%)
03/41 (07%)
A produtividade de "Você" nas cartas da família Pedreira Ferraz - Magalhães: um
estudo em tempo aparente entre 1905 e 1920.
Tabela 10:
Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários/gênero: estudo
120%
em tempo aparente (1905 – 1920).
100%
100%
80%
60%
40%
33%
20%
0%
Jovem (de 14 a 30 anos)
-20%
0%
Adulto (de 31 a 50 anos)
Homem
Mulher
7%
0%
Idoso (mais de 50 anos)
154
Gráfico 2: Estudo em tempo aparente: ocorrências de Você distribuídas pelo gênero (feminino e masculino) em
relação à faixa etária dos missivistas (jovens, adultos e idosos) da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os
anos de 1905 e 1920.
Entre os missivistas do gênero masculino e feminino da família
Pedreira Ferraz – Magalhães observam-se, com base no gráfico 2,
algumas diferenças de comportamento lingüístico em relação ao
emprego das formas Tu e Você na posição de sujeito nas duas primeiras
décadas do século XX. Os homens e as mulheres jovens apresentam
desempenhos lingüísticos semelhantes, ao assumirem a preferência
categórica pelo inovador Você. Os missivistas adultos e idosos, tanto os
homens quanto as mulheres, voltam-se para o conservador Tu.
Entretanto, verifica-se que os homens adultos e idosos preferem
categoricamente o conservador Tu, ao passo que as mulheres das duas
últimas faixas etárias, assumem um comportamento lingüístico variável
entre as formas Tu e Você. Mesmo que elas tenham preferido o Tu, com
67% e 93%, respectivamente, empregam mais o Você do que os homens
da mesma faixa etária entre 1905 e 1920. Acredita-se ser possível,
portanto, interpretar que o fato de, durante a adultez e a velhice,
somente as mulheres terem empregado o inovador Você as evidenciam
como propulsoras da implementação do Você no quadro pronominal do
PB. Tal interpretação sobre o papel das mulheres nos processos de
mudança lingüística está de acordo com o que foi averiguado por Labov
(1990) em suas pesquisas sociolingüísticas de caráter variacionista.
155
Os resultados de estudos lingüísticos com dados sincrônicos de
fala do PB também muito contribuem para uma melhor compreensão
da performance lingüística de homens e mulheres nos processos de
variação e de mudança lingüística. Em relação à fala popular, tem-se o
estudo de Omena (1986) segundo o qual há uma tendência de as
mulheres empregarem mais o sujeito explícito Nós do que os homens,
ainda que a autora tenha verificado que, na década de 60, há vestígios
de que as mulheres tenham deflagrado o processo de substituição de
Nós por A gente. No que diz respeito à fala culta, as investigações de
Oliveira (1989); Lemos Monteiro (1991); Lopes (1993) apud Lopes
2003:146 [1999] evidenciam que o emprego do inovador A gente é maior
na fala das mulheres do que na dos homens.
Acrescente-se a esse conjunto de estudos sincrônicos, com base na
língua falada, o estudo em tempo real de longa duração sobre a
implementação de A gente no quadro pronominal do PB (gente → a
gente) confeccionado por Lopes (2003 [1999]). A autora, em sua tese de
doutorado, chega a postular que as mulheres tenham sido as
responsáveis pela inserção do pronome A gente, visto que há um
favorecimento do emprego de tal forma já pronominalizada no discurso
de personagens femininas, quer em peças teatrais, quer em obras
literárias.

O preenchimento do sujeito Tu e Você nas cartas da família
Pedreira Ferraz – Magalhães.
A análise da representação (nula ou plena) das formas Tu e Você
como sujeitos pronominais de referência ao interlocutor é motivada pelo
objetivo de investigar se o Você já assume os mesmos campos
funcionais do Tu. Deseja-se, sobretudo, averiguar se, na produção
escrita de homens e mulheres da família Pedreira Ferraz - Magalhães
das duas primeiras décadas do século XX, o PB já aponta evidências da
156
sua mudança de parâmetro passando de língua de sujeito nulo a pleno,
em inícios do século XX, como previa Duarte (1995).
GRUPOS ETÁRIOS
TU
NULO
GRUPOS ETÁRIOS
NULO
VOCÊ
PLENO
Homem Jovem (Fx.1)
-
Homem Jovem (Fx.1)
Homem Adulto (Fx.2)
12/12 (100%)
Homem Adulto (Fx.2)
02/09
(22%)
-
07/09
(78%)
-
Homem Idoso (Fx.3)
11/11 (100%)
Homem Idoso (Fx.3)
-
-
Mulher Jovem (Fx.1)
-
Mulher Jovem (Fx.1)
Mulher Adulta (Fx.2)
22/22 (100%)
Mulher Adulta (Fx.2)
Mulher Idosa (Fx.3)
38/38 (100%)
Mulher Idosa (Fx.3)
08/13
(62%)
06/11
(55%)
-
TOTAL
83/83
(100%)
TOTAL
16/36
(44%)
05/13
(38%)
05/11
(45%)
03/03
(100%)
20/36
(56%)
Tabela 11: A representação nula ou plena do sujeito pronominal por homens e mulheres da família Pedreira
Ferraz – Magalhães entre 1905 e 1920: um estudo em tempo aparente.
No que se refere à representação pronominal de Tu e Você, observase que a expressão nula do sujeito é categoricamente favorecida pelo Tu,
em 100% dos dados (83 ocorrências), o que já é esperado de um
legítimo pronome numa língua ainda movida pelo parâmetro de sujeito
nulo, conforme Duarte (1995).
O inovador Você como sujeito pronominal de segunda pessoa se
revela prioritariamente pleno, em 56% dos dados (20 ocorrências),
mostrando-se em acirrada concorrência com a sua expressão nula, em
44% dos dados (16 ocorrências), como está exposto de (01) a (06).
(01) “Peço a Nosso Senhor que Você faça muito boa viajem ... Ø poderá celebrar a
bordo?”
(Carta da jovem Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.)
(02) “Porém, desejava muito que até Maio Você tivesse ao menos uma intençãozinha
pequena nas suas preciosas missas para uma graça especialissima, que preciso obter,
sem remissão este anno. [espaço] É uma graça espiritual. – Como Ø deixou a nossa
Leonor ? E Mamãe ? Todas nós o accompanharemos com o pensamento até o fim de
sua viagem; e eu lhe dou todos os dias, uma parte em minhas pobres communhões.”
(Carta da jovem Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.)
(03) “Mas experimentarei-te fazer comprehender a minha preocupação de Mãe, christã e
Religiosa, para que me promettas observar minuciosamente os conselhos que te peço
licença de te apresentar meu filho querido pois só você me deixa dar.”
157
(Carta da idosa Zélia ao filho Jerônimo. 06.07.1919.)
(04) “Você sabe que o Reverendíssimo Padre Yabar está em Roma ? Foi para a
congregação dos consultores, e volta em trez mezes. Dizem que para em Pernambuco;
isto para mim julgo ser bom. Oh! estou tão contente com a minha vida nesta Conceição;
Ø pode acreditar que uma confiança firme m[e] diz cada dia a vontade de Deos; e
estar acima de todas cousas desta terra: Ø pode estar contente; penso ficar até a
morte no meu Santo Instituto; e o modo que vivo n'Elle só depende dos meus Superiores;
meu Deos quanto se é feliz quando se obedece !”
(Carta da adulta Maria Leonor ao irmão. PE, Olinda, 22.08.1920.)
(05) “Que prazer saber que estás contenta em Pouso Alegre. (...) Nunca Você me
respondeu sobre a casa de Petropolis, que resolveram ?”
(Carta da adulta Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Argentina, Buenos Aires,
18.01.1920.)
(06) “Deos recompensará bem teus trabalhos !! quantas conversões alcançarás !! – (...)
Você mandou as lembranças de Zelia para Maria Auxiliadora e todas as Madres lá da
Argentina ?”
(Carta da idosa Maria Theresa ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.)
Como só houve variação entre sujeitos plenos e nulos em relação a
Você, principalmente entre os jovens dos dois gêneros e entre as
mulheres adultas, passa-se à análise desse aspecto tentando elucidar
as possíveis interferências dos fatores gênero (sexo) dos missivistas
nesse processo de mudança lingüística em progresso. Os gráficos a
seguir mostram as diferenças de comportamento lingüístico adotado por
homens e mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
120%
90%
80%
70%
78%
100%
80%
60%
50%
60%
40%
30%
20%
100%
40%
22%
10%
0%
Homem-10%
Jovem (de 14 a 30
anos)
62%
55%
45%
38%
20%
0%
0%
Homem Adulto (de 31 a 50
anos)
Você Nulo
0%
Homem Idoso (acima de 50
anos)
Você Pleno
Gráfico 3: A representação pronominal do Você pelos homens.
0%
Mulher Jovem (de 14 a 30 anos) Mulher Adulta (e 31 a 50 anos)
Você Nulo
0%
Mulher Idosa (acima de 50
anos)
Você Pleno
Gráfico 4: A representação pronominal do Você pelas mulheres.
O Você foi empregado pelos missivistas do gênero masculino
somente durante a juventude. Nessa fase, eles optaram pela sua
158
expressão plena, em 78% dos dados (07 ocorrências). A realização
majoritariamente plena do inovador Você pode evocar a sua origem
nominal (Vossa Mercê) como é característico dos nomes no PB.
O comportamento das mulheres jovens e adultas em relação à
representação formal do sujeito de segunda pessoa do discurso as
evidenciam favoráveis à expressão nula do inovador Você (62%). É
possível reconhecer que a expressão nula do Você o equipara ao legítimo
pronome Tu (a sua contraparte nesse processo de variação Tu versus
Você) que, por sua vez, se apresenta formalmente não expresso numa
língua cuja orientação ainda é a de sujeito nulo, cf. Duarte (1995).
As mulheres idosas mostram-se categoricamente propensas à
realização plena do Você – mesmo que com baixíssimo número de
ocorrências (03 ocorrências somente) – na amostra de cartas em
análise. Constata-se, pois, que a conduta lingüística das mulheres
idosas se assemelha a dos homens jovens, ao realizarem plenamente o
Você pronominal. A probabilidade de o Você revelar-se como sujeito
formalmente preenchido pode “trazer à baila” a sua ascendência
nominal (Vossa Mercê), o que legitima a sua expressão plena como é
típico dos nomes no PB, cf. Rumeu (2004).
Assim como a forma A gente assumiu uma maior produtividade,
conforme Lopes (2003 [1999]), entre as mulheres, seja no discurso
falado, seja no discurso escrito, também nas missivas das duas
primeiras décadas do século XX, as missivistas mulheres (jovens,
adultas e idosas) da família Pedreira Ferraz – Magalhães mostraram-se
mais propensas ao emprego do Você do que os missivistas homens.
“Se nós descobrirmos uma tênue relação
entre idade e a variável lingüística, ou uma
significante correlação entre os dois, então
o ponto em discussão é decidir se nós
estamos tratando de uma verdadeira
mudança em progresso ou de uma
gradação etária. (...) O caminho mais
acertado para interpretar os dados de
falantes mais velhos é estudar as
159
mudanças nos
tempo real.” 34
mesmos
indivíduos
em
(Labov 1994:46.)
Acredita-se esclarecer, com um maior grau de precisão, a
progressão da inserção da forma Você no sistema pronominal do PB a
partir da conjugação dos resultados deste estudo em tempo aparente
aos resultados do estudo de painel (panel study), sob a perspectiva
laboviana (1994).
Labov (1994:46), ao teorizar sobre o estudo em tempo aparente, chega a seguinte conclusão:
“If we discorver a monotonic relationship between age and the linguistic variable, or a significant correlation
between the two, the issue is to decide whether we are dealing with a true change in progress or with agegrading (Hockett 1950), a regular change of linguistic behavior with age that repeats in each generation.
(…) The most decisive way to interpret the data of older speakers is to study changes in the same
individuals in real time (…).”
34
160
 Síntese dos resultados do estudo em tempo aparente...
Nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, entre os anos
de 1905 e 1920, a correlação entre as estratégias de representação dos
sujeitos pronominais (nulo ou pleno) Tu e Você e a idade dos missivistas
permite tecer as seguintes considerações:
 Os homens e as mulheres jovens preferem categoricamente o Você, o
que pode sugerir uma mudança em progresso na língua;
 Os homens adultos e idosos preferem categoricamente o conservador
Tu.
Segundo
Labov,
esse
comportamento
mais
conservador
assumido pelos homens pode ser justificado por um maior grau de
comprometimento com a norma padrão no exercício das atividades
profissionais. O engajamento na vida adulta pelas exigências do
mercado de trabalho pode levar o informante a assumir uma postura
lingüística menos inovadora e, conseqüentemente, mais direcionada
para o cumprimento da norma subjetiva da língua;
 Em relação à representação do sujeito pronominal, constata-se que
os homens jovens realizam formalmente o Você, o que pode evocar a
sua origem nominal como forma de tratamento Vossa Mercê
formalmente pleno;
 Entre as mulheres jovens e adultas, observa-se a variação entre a
representação nula e plena do Você:
 Na juventude e na fase adulta, prevalece o Você nulo. Há,
pois, uma relação de semelhança com o legítimo pronome
Tu cuja representação pronominal é nula em conformidade
com o parâmetro de língua de sujeito nulo, cf. Duarte
(1996);
 Na velhice, por seu turno, as mulheres preferem o Você
categoricamente pleno, o que pode sugerir uma postura
lingüística mais “solta” (de quem não tem mais nada a
161
perder na vida), de maior desprendimento em relação ao
prestígio da norma subjetiva da língua.
Passa-se ao estudo de painel, nos moldes Laboviano (1994),
adaptando-o à apreciação da trajetória de vida dos missivistas da
família Pedreira Ferraz – Magalhães e buscando conjugar os seus
resultados com os obtidos no estudo em tempo aparente (apparent time,
cf. Labov 1994) a fim de mapear a progressão de uma mudança já
efetivada no PB: a inserção de Você no sistema pronominal.
162
CAPÍTULO 6. O
PRONOMINAL
TU
ESTUDO DE PAINEL EM SINCRONIAS PASSADAS: A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO
E
VOCÊ
EM CARTAS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS.
Tendo em vista que, como discutido no capítulo anterior, 1) a
posição de sujeito mostrou-se um contexto favorável à implementação
de Você; 2) os jovens da família em análise apresentaram maiores
índices dessa forma em suas cartas; e 3) as mulheres empregaram mais
Você
que
os
homens, propõe-se
um
estudo
pormenorizado
do
comportamento de cada indivíduo nas cartas escritas no decorrer do
tempo. Este capítulo visa à depreensão do uso variável dos pronomes
Tu e Você como sujeito, observando as suas representações nula e plena
em um “estudo de painel” nos moldes Labovianos.
Parte-se das análises diacrônicas de Duarte (1996) e Tarallo (1983)
sobre a mudança em direção ao parâmetro de sujeito preenchido no
PB35 que, por sua vez, termina o século XIX como uma língua de sujeito
nulo, iniciando o seu processo de mudança a partir do século XX. O
intuito é investigar a legitimidade de tal hipótese nas produções
textuais de oito missivistas cultos (Dr. Pedreira, Fernando, Pe. Jerônimo,
Maria Bárbara, Maria Elisa, Maria Joana, Maria Leonor, Maria Rosa)
confeccionadas no decorrer de suas vidas, (panel study, cf. Labov 1994).
A quantificação dos dados se efetivou, nas missivas oitocentistas, a
partir da análise das cartas produzidas pelo Dr. Pedreira as quais têm
como destinatários a filha Zélia e os demais filhos de um modo geral.
Nas cartas novecentistas, levaram-se em conta somente as cartas
pessoais trocadas entre irmãos de uma mesma família (a família
Pedreira Ferraz – Magalhães) em estagnados lapsos de tempo. Esse
rígido controle sobre as relações sociais travadas entre os missivistas e
A marcação de parâmetro toma como base o quadro teórico de Princípios e Parâmetros
(Chomsky, 1981.). Segundo Silva (2006:45), “Pesquisas recentes (Duarte, 1993, 1995, 2003;
Cyrino, Duarte & Kato, 2000; Kato e Duarte, 2003) sobre o português brasileiro (PB) revelam uma
mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (de uma língua [+ sujeito nulo] para uma língua [sujeito nulo]) como conseqüência de reduções nos paradigmas pronominal e flexional.”
35
163
os destinatários das cartas visa à obtenção de um equilíbrio do teor de
intimidade que serve como “pano de fundo” nas relações interpessoais
entre todos os missivistas deste estudo de painel. Além disso,
controlaram-se a idade e o gênero (sexo) dos remetentes e destinatários
das cartas, a fim de depreender se a representação (nula ou plena) das
formas Tu e Você como sujeitos pronominais pode ser socialmente
motivada, como já observado na análise geral dos dados deste trabalho
(capítulo 5, item 5.2).
O comportamento lingüístico dos missivistas é analisado em
relação ao emprego das formas Tu e Você como estratégias de referência
ao interlocutor das cartas no decorrer de suas vidas como jovens,
adultos e idosos. Os informantes Fernando, Pe. Jerônimo, Maria Joana,
Maria Bárbara e Maria Rosa eram jovens de 26, 24, 26, 28 e 30 anos,
respectivamente, ao passo que Maria Elisa, com 38 anos, Maria Leonor,
com 33 anos, produzem suas missivas na passagem da idade adulta
para a velhice, fase esta em que assumem as idades de 61 e 66 anos,
respectivamente. As informantes Maria Joana e Maria Rosa são as
únicas que têm os seus comportamentos lingüísticos delineados, no que
se refere ao emprego das formas Tu e Você, desde a juventude, com 26 e
30 anos, passando pela fase adulta, com 31 e 33 anos, até alcançarem
a velhice, fase em que atingem 61 e 70 anos, respectivamente. O Dr.
Pedreira, por sua vez, é o único informante que tem o painel do seu
comportamento lingüístico analisado no decorrer da sua velhice, mais
precisamente entre os seus 50 e 70 anos, conforme se observa, no
quadro 7, com a exposição das fases de vida de todos os missivistas em
análise.
Acredita-se que o fato de o estudo dos comportamentos lingüísticos
dos missivistas Pe. Jerônimo, Maria Bárbara, Maria Joana, Maria Rosa,
na juventude, e de Maria Leonor e Maria Elisa, na velhice, terem se dado
a partir de uma ou duas cartas pode fragilizar a análise. No entanto, o
trabalho com dados lingüísticos de sincronias passadas fica sempre
submetido aos textos que sobreviveram à ação do tempo no interior dos
164
arquivos brasileiros. Foi, portanto, o que restou, à autora desta tese,
como evidência da produção escrita dos jovens Pe. Jerônimo, Maria
Bárbara, Maria Joana, Maria Rosa e dos idosos Maria Leonor e Maria
Elisa.
MISSIVISTAS DO ESTUDO DE PAINEL
(Jovem)
(Adulto)
(Idoso)
Fernando
Pe. Jerônimo
Maria Bárbara
Maria Joana
Maria Rosa
Fernando
Pe. Jerônimo
Maria Bárbara
Maria Elisa
Maria Joana
Maria Leonor
Maria Rosa
Dr. Pedreira
Maria Elisa
Maria Joana
Maria Leonor
Maria Rosa
Quadro 7: Missivistas do Estudo de Painel.
Um dos objetivos desta tese é o de descobrir se o desempenho
lingüístico de membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães, em
controlados intervalos temporais, os evidenciam como estáveis ou
instáveis em relação ao emprego das formas Tu e Você. Dito de outra
forma: busca-se saber se o indivíduo evidencia uma trajetória de
estabilidade
ou
delineia
instabilidade
no
seu
comportamento
lingüístico, ao mudar de faixa etária. A fim de tentar dar conta dessa
questão, esclarece-se que se entende por estabilidade a não alteração
do comportamento lingüístico do missivista e por instabilidade a
mudança no desempenho lingüístico em lapsos temporais que recobrem
as fases da vida dos informantes (juventude, adultez e velhice),
conforme prevê Labov (1994:98) no decorrer do tempo.
Nos padrões de mudança lingüística discutidos, no capítulo 4, o
comportamento instável do indivíduo pode configurar um padrão de
gradação etária ou de mudança comunitária, ao passo que se o
indivíduo é estável ter-se-ia o padrão de estabilidade ou de mudança
geracional. A decisão quanto a um ou outro padrão de mudança só
poderia ser confirmada a partir de uma análise da comunidade (estudo
de tendências), o que não foi feito neste estudo por focalizarmos uma
165
família em particular. De qualquer forma, talvez seja possível traçar
alguns
indícios
das
motivações
sociais
que
impulsionaram
a
substituição de Tu por Você com base nas observações feitas a partir do
estudo de tempo aparente, discutido no capítulo 5, e no estudo de
painel, proposto neste capítulo. Obviamente que se tem consciência do
limite deste trabalho: trata-se da análise do comportamento lingüístico
dos missivistas extraído das cartas de uma única família culta
circunscrita no espaço sócio-histórico do Rio de Janeiro de fins do XIX e
início do XX.
A análise da estabilidade (manutenção) ou instabilidade (mudança)
do comportamento do indivíduo ao mudar de faixa etária será feita a
partir da observação do 1) uso de uma das duas formas nas cartas
(somente Tu ou o emprego exclusivo de Você) ou 2) emprego das duas
formas de tratamento em estudo (Tu e Você) na mesma missiva. Esses
casos de comportamento variável obviamente serão levantados e
descritos
qualitativamente,
visando
à
depreensão
dos
fatores
lingüísticos e extralingüísticos que motivaram tal variação.
Análises de orientação variacionista sobre a representação nula ou
plena do sujeito pronominal no PB, no espanhol e no PE (cf. Duarte
2003; Paredes Silva 2003; Silva 2006) dialogam entre si, ao apontarem
a mudança de referência ou condições de referência como uma das
variáveis relevantes para a manifestação nula ou plena do sujeito
pronominal. Os resultados desses estudos mais recentes reforçam os já
projetados, na década de 80 (Bentivoglio (1980); Corvalán (1982); Lira
(1982) apud Paredes Silva, 2003:104), que, por sua vez, ressaltavam a
proeminência
do
fator
mudança
de
referência
no
estudo
da
representação (nula ou plena) do sujeito. Com essa variável, conjecturase que a ausência ou a presença de elementos intervenientes entre o
referente/sujeito e a sua primeira ocorrência favoreça, respectivamente,
à expressão nula ou plena do sujeito.
Partindo-se da hipótese, defendida por Duarte (1996), de que o PB,
em fins do século XIX, ainda se constitua como uma língua de sujeito
166
nulo (língua “pro-drop”), passando a implementar o preenchimento do
sujeito pronominal a partir do século XX, mais precisamente a partir de
193736, examina-se a representação pronominal das formas Tu e Você
em cartas oitocentistas e novecentistas.
A quantificação das ocorrências de Tu e Você como sujeito de
segunda pessoa do discurso se deu, nas missivas oitocentistas e
novecentistas,
a
partir
do
controle
dos
seguintes
fatores
extralingüísticos: o remetente, o destinatário, os seus respectivos
gêneros (homem ou mulher) e as faixas etárias (jovens, adultos e idosos)
a que pertencem. Atentou-se ainda para o grau de parentesco
estabelecido entre o emissor e o receptor da carta.
O controle do remetente e do destinatário da missiva é motivado
pelo intuito de detectar se os usos de Tu e Você estão ou não
condicionados
à
produção
escrita
do
missivista,
ao
se
dirigir
especificamente a um determinado membro de sua família. Encadeado
a esses fatores está também o controle do grau de parentesco entre o
missivista e o destinatário da carta a fim de observar se o emprego de
Tu e Você pode ou não ser acionado pela relação interpessoal travada no
seio da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
Busca-se ainda comprovar, na produção textual do idoso Dr.
Pedreira, direcionada aos filhos e a filha Zélia, a hipótese de que os
homens cultos idosos preferem o conservador Tu, corroborando os
resultados de Lopes e Machado (2005) em relação à produção escrita do
avô Christiano Ottoni que optava, nas suas cartas aos netos, pelo uso
do conservador Tu em fins do século XIX. Além disso, pretende-se
discutir, analisando
meticulosamente o comportamento de cada
Com base em uma amostra composta por peças teatrais cujo tom é popular, produzidas
entre os anos de 1845 e 1992, Duarte (1996) analisa a progressão da representação do
sujeito pronominal, relacionando a expressão pronominal plena à redução nos paradigmas
flexionais no PB. Assim sendo, a autora chega à seguinte constatação: “Os resultados da
pesquisa evidenciam o fato de que a redução no quadro de desinências verbais alterou as características de
língua “pro-drop” que o português do Brasil apresentava antes de 1937.”, cf. Duarte (1996:123).
36
167
indivíduo, se foram realmente as mulheres da família Pedreira Ferraz –
Magalhães que impulsionaram o maior emprego de Você no PB.
A apresentação dos resultados do estudo de painel será feita da
seguinte maneira: a primeira tabela informa sempre o número de cartas
em análise, o local e a data de escritura da missiva, a idade do
remetente e do destinatário e, por fim, o índice percentual de freqüência
de sujeito pleno e nulo em relação ao total de cada uma das formas (Tu
e Você). Na configuração do gráfico, os percentuais de freqüência
apresentados referem-se ao total de ocorrências das formas variantes
em relação a um ano específico e não necessariamente em relação a
cada carta como consta da tabela.
168
6.1 A estabilidade dos missivistas Dr. Pedreira, Fernando e Pe. Jerônimo:
a preferência pelo Tu pronominal.
♦
Dr. Pedreira: um brasileiro idoso de fins do século
XIX.
O patriarca da Família Pedreira Ferraz – Magalhães (Dr.Pedreira)
tinha 50 anos, quando escreveu a primeira das quatorze cartas
analisadas, e 70 anos, quando produz a última. A documentação se
insere no período da sua velhice, no Rio de Janeiro, entre os anos de
1876 e 1896, como se observa na tabela 1237.
É bom relembrar que, nesta análise de painel, os percentuais de todas as tabelas referemse individualmente às formas Tu e Você como sujeitos pleno e nulo e não, ao total de
ocorrências de tais formas na mesma carta.
37
169
CARTAS DO MISSIVISTA DR. PEDREIRA
(INTERVALO DE 20 ANOS – DE 1876 A 1896)
(13 CARTAS)
DR. PEDREIRA IDOSO
NO
PRONOMES
(ENTRE 50 E 70 ANOS)
Local e data
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
RJ,
11.10.1876.
RJ,
05.02.1877.
RJ,
07.02.1877.
RJ,
11.08.1877.
RJ,
08.11.1878.
RJ,
15.04.1879.
RJ,
16.07.1879.
RJ,
04.10.1879.
RJ,
26.04.1884.
RJ,
30.08.1885.
RJ,
20.05.1886.
RJ,
23.06.1893.
RJ,
11.08.1896.
Idade do
Remetente
50
51
51
51
52
(13 CARTAS)
Destinatário
(Irmãos)
Filhos
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
53
53
53
Filhos
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
58
59
60
67
70
Filhos
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
Zélia
(*RJ, 05.04.1857.).
TOTAL
Idade do
Destinatário
-
TU
VOCÊ
Nulo
-
Pleno
-
Nulo
-
01/06
(17%)
-
-
-
01/06
(17%)
01/09
(11%)
-
-
-
-
-
-
05/06
(83%)
01/01
(100%)
05/06
(83%)
08/09
(89%)
-
Pleno
01/01
(100%)
-
-
22
-
-
-
22
12/12
(100%)
-
-
-
01/01
(100%)
01/01
(100%)
-
-
-
01/01
(100%)
-
-
-
-
-
20
20
20
21
28
29
36
39
01/01
(100%)
01/01
(100%)
-
02/02
(100%)
02/02
(100%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
36/39
03/39
05/05
(92%)
(08%)
(100%)
39/44
05/44
(89%)
(11%)
44/44
(100%)
Tabela 12: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do Dr. Pedreira aos filhos
entre os anos de 1876 e 1896.
170
O missivista Dr. Pedreira produz cartas direcionadas a sua filha
Zélia e aos filhos que estavam, no período de 1876 e 1896, entre os seus
20
e
39
anos.
Enquanto
nestas
missivas,
o
autor
se
refere
genericamente à filha Zélia, ao seu genro (Jerônimo de Castro) e aos
seus netos, naquelas, o informante faz referência especificamente à filha
Zélia.
A análise da performance lingüística do Dr. Pedreira o evidenciou
como um informante que privilegia o emprego do Tu, em 89% dos dados
(39 ocorrências), optando por não expressá-lo foneticamente, em 92%
dos casos (36 ocorrências). É interessante considerar que, nas cartas
destinadas aos filhos em geral, o Dr. Pedreira parece preferir tratá-los
com o pronome Você. Observe-se que, de (01) a (03), a expressão plena
do sujeito Você é motivada, sobretudo, pela mudança de referência. O
fato de o sujeito da oração principal (‘eu’, marcado nas desinências das
formas verbais ‘vi’ e ‘cuidarei’, e ‘elle’, respectivamente) ser diferente do
sujeito da oração subordinada (Você) leva ao preenchimento do sujeito,
cf. Duarte (2003); Paredes Silva (2003).
(01) “Ahi vão as suas encomendas e Algumas de caza e uvas de que vi Você achar
gosto. Muito cuidado, muito cuidado nos filhos com a saude de [ambos] e ate breve por
todo o mez de Novembro como lhes prometti”
(Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 11.10.1876.)
(02) “Cuidarei do mais sobre que Você falou-me.”
(Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 15.04.1879.)
(03) “Elle tem procurado por isso e arrepudido de Você meu filho ter entendido mal o
que elle disse.”
(Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 26.04.1884.)
Nas cartas destinadas a Zélia, o informante Dr.Pedreira prefere
tratá-la por Tu. É interessante examinar um trecho da carta direcionada
aos filhos na qual o informante faz referência à Zélia através da forma
pronominal Tu, como é possível observar em (04).
171
(04) “Deves, Zelia, ter recebido uma cartinha minha hontem ou hoje.”
(Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 27.05.1895.)
No desenrolar de 20 anos da velhice do Dr. Pedreira, observa-se a
sua estabilidade em relação à produtividade do Tu pronominal para
fazer referência à filha Zélia como interlocutora de suas cartas.
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
0%
1877 (51 anos)
-10%
8%
0%
1878 (52 anos)
1879 (53 anos)
0%
1885 (59 anos)
0%
1886 (60 anos)
0%
1893 (67 anos)
0%
1896 (70 anos)
Você
Gráfico 5: Comportamento lingüístico do Dr. Pedreira em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso nas cartas destinadas à filha Zélia entre os anos de 1877 e 1896.
Nas cartas produzidas pelo Dr. Pedreira idoso, num intervalo de 19
anos (entre 1877 a 1896), em fins do século XIX, observa-se a baixa
produtividade do Você pronominal na função de sujeito, alcançando o
máximo de 08% dos dados, correspondente a uma única ocorrência, na
carta de 1879 destinada a Zélia, como se observa em (05).
(05) “Desta vez como não foi remetida ou recém mandada por mim a caixinha de
encomendas que tua Mãe mandou para [inint.] a Rozinha tem havido demora sendo
provavel que á esta ‘ora já Você tenha recebido.”
(Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 16 de julho de 1879.)
Há de se assinalar que, em quatro cartas do Dr. Pedreira à filha
Zélia e, em uma carta direcionada aos filhos, foram identificadas
ocorrências de Vocês combinando-se com formas de P2 (Tu), o que
172
evidencia a não uniformidade de tratamento como um traço peculiar a
produção escrita do idoso Dr. Pedreira em fins do século XIX. Em duas
ocorrências de Vocês – (06) e (07) –, tem-se o emprego de Vocês na
função de sujeito da oração e, nas outras duas – (08) e (09) –, o Vocês
assume a função de complementos verbais regidos por preposição. As
ocorrências de Vocês na função de sujeito que, obviamente não
entraram no cômputo dos dados, corroboram a hipótese de que tal
forma tenha suplantado o Vós, considerado, já no século XVIII, um
traço arcaizante do português, conforme Cintra (1972). É possível ainda
dialogar com os resultados de Lopes e Machado (2005) em relação às
cartas do avô Christiano Ottoni aos seus netos, em fins do século XIX.
Além de o avô-professor da família Ottoni usar categoricamente a forma
Vocês na função de sujeito, opta preferencialmente por não expressá-lo
(sujeito nulo), em 57% dos dados, aproximando-se à alta produtividade
do legítimo Tu pronominal numa língua que, em fins do século XIX,
ainda é de sujeito nulo, segundo Duarte (1996).
(06) “Escrevo te para contar te que fiz bôa viagem e achei todos com saúde, tendo
noticias do Zuzú. Bem desejo que continues a passar bem de tua dupla existencia,
referindo me ao teu marido e tríplice pelo fructo abençoado e proximo do teu feliz
consorcio. (...) Convem que Vocês d’ahi escrevão cartas a elle comprimentando pelo seu
anniversario.”
(Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 05.02.1877.)
(07) “Esta é para ser lida, quando tiveres algum lazer, ou hora vaga, nestas vesperas
de festas e de hospedagem. Sinto até por isso, desde que podia ajuda-los e os
accompanhar nesses actos, o impossivel de estar com Vocês agóra.”
(Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 11.08.1877.)
(08) “(...) Figuro queestás perto de mim, e no pensamento beijo te, abraço e te abençôo,
elevando minhas preces aos Pés deDeos pela tuafelicidade. Amo á Vocês todos muito
muito; tanto quanto cabe de sentimento no coração paternal”
(Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 08.11.1878.)
(09) “Hoje recebi uma cartinha tua Zelia e quando já os esperava mais cedo, chegou a
noticia (...) Assim seja Que a prole numerosa e Vocês todos aproveitem.”
(Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 27.05.1895.)
O Dr. Pedreira, talvez já por ser idoso, não apresentou, nas cartas
escritas aos filhos, mudança de comportamento lingüístico dos 50 aos
seus 70 anos. No geral, o tratamento preferido é o Tu íntimo como
173
sujeito nulo: uso condizente com o esperado em uma língua cujo
parâmetro ainda é o de sujeito nulo, em fins do século XIX, conforme
previsto por Duarte (1996), e corroborado por Lopes e Machado (2005),
com as cartas do casal de idosos da família Ottoni nas relações íntimas
familiares.
174
♦
Fernando: um homem jovem em inícios do século XX.
A análise do comportamento lingüístico do missivista Fernando, na
passagem da juventude (26 anos) para a idade adulta (40 anos), se dá
com base em trinta e quatro cartas, produzidas no decorrer do primeiro
quartel do século XX – período que compreende os anos de 1919 a 1933
–, nas cidades brasileiras do Rio de Janeiro e de São Paulo e, no exterior
– Bélgica (Enghien), França (Vals) e Itália (Firenze) –, conforme se
observa na tabela 13.
175
CARTAS DO MISSIVISTA FERNANDO
(INTERVALO DE 14 ANOS – DE 1919 A 1933)
(34 CARTAS)
N
O
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
PRONOMES
(ENTRE 26 E 30 ANOS)
Local e data
1
RJ (Friburgo),
06.11.1919.
RJ (Friburgo),
14.12.1919.
SP,
05.01.1920.
RJ (Friburgo),
01.09.1920.
França (Vals),
20.12.1920.
França (Vals),
27.12.1920.
França (Vals),
20.02.1921.
França (Vals),
07.03.1921.
França (Vals),
10.04.1921.
França (Vals),
13.11.1921.
França (Vals),
13.11.1921.
França (Vals),
18.03.1922.
França (Vals),
24.03.1922.
Bélgica
(Enghien),
23.10.1922.
Bélgica
(Enghien),
15.11.1922.
Bélgica
(Enghien),
22.12.1922.
Bélgica
(Enghien),
28.03.1923.
Bélgica
(Enghien),
04.06.1923.
Bélgica
(Enghien),
12.06.1923.
Idade do
Remetente
26
(19 CARTAS)
Destinatário
(Irmãos)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
Jerônimo
Idade do
Destinatário
38
22
23
24
25
26
27
28
-
Nulo
02/04
(50%)
-
Pleno
02/04
(50%)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
05/05
(100%)
01/02
(50%)
-
irmão
-
27
irmão
-
27
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
Maria Leonor
(RJ, 28.09.1880).
Maria Leonor
(RJ, 28.09.1880).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
Maria Elisa
(RJ, 27.04.1877).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877).
irmã
39
40
-
-
41
05/05
(100%)
-
-
-
-
01/02
(50%)
01/01
(100%)
02/09
(22%)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
41
04/04
(100%)
02/02
(100%)
02/02
(100%)
03/03
(100%)
08/08
(100%)
07/09
(78%)
02/02
(100%)
-
-
-
-
-
-
-
29
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
41
24/24
(100%)
-
02/05
(40%)
03/05
(60%)
29
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
41
06/06
(100%)
-
-
-
30
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
42
07/07
(100%)
-
01/01
(100%)
-
30
Maria Elisa
(RJ, 27.04.1877).
46
10/10
(100%)
-
-
-
30
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
42
11/12
(92%)
01/12
(08%)
-
-
27
28
28
28
28
28
29
29
29
40
44
40
44
-
41
-
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
86/87
01/87
09/29
20/29
(99%)
(01%)
(31%)
(69%)
87/116
29/116
(75%)
(25%)
116/212 (55%)
(15 CARTAS)
21
VOCÊ
Pleno
27
38
FERNANDO ADULTO (1924 – 1933)
(INTERVALO DE 09 ANOS - ENTRE 31 E 40 ANOS)
Bélgica
(Enghien),
07.09.1924.
Bélgica
(Enghien),
22.11.1924.
Bélgica
(Enghien),
01.01.1925.
Bélgica
(Enghien),
09.01.1925.
Bélgica
(Enghien),
12.03.1925.
Bélgica
(Enghien),
30.05.1925.
Bélgica
(Enghien),
17.09.1925.
Bélgica
(Enghien),
27.06.1926.
Itália
TU
Nulo
02/02
(100%)
01/01
(100%)
01/01
(100%)
-
26
TOTAL
20
176
FERNANDO JOVEM (1919 – 1923)
TU
Nulo
VOCÊ
Pleno
Nulo
Pleno
31
irmão
-
06/06
(100%)
-
-
-
31
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
43
06/06
(100%)
-
-
-
32
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
44
12/12
(100%)
-
-
-
32
irmã
-
06/06
(100%)
-
-
-
32
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
44
17/17
(100%)
-
-
-
32
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881).
44
14/15
(93%)
01/15
(07%)
-
-
32
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881)
44
12/12
(100%)
-
-
-
33
Maria Elisa
(RJ, 27.04.1877)
49
04/04
(100%)
-
-
-
-
02/02
-
-
-
34
177
Tabela 13: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do missivista Fernando
entre os anos de 1919 e 1933.
178
O missivista Fernando emprega, em sua juventude, ora o Tu, ora o
Você com o predomínio daquele (75% dos dados – 87 ocorrências) sobre
este (25% dos dados – 29 ocorrências). Acrescente-se que o emprego do
Tu dá-se formalmente não preenchido em 99% dos dados (94
ocorrências) e, em somente 01 % dos dados (01 ocorrência), o Tu
apresenta-se pleno. Ainda em sua fase adulta, observa-se, em somente
01% dos dados, uma única ocorrência do inovador Você. Tal ocorrência
de Você pleno se dá em carta produzida, no ano 1927, e dirigida ao seu
irmão Jerônimo.
90%
80%
78%
70%
60%
64%
52%
50%
40%
30%
20%
20%
10%
10%
0%
1919 (26
-10%anos)
3%
1920 (27
anos)
1921 (28
anos)
1922 (29
anos)
1923 (30
anos)
0%
1924 (31
anos)
0%
1925 (32
anos)
0%
1926 (33
anos)
1927 (34
anos)
0%
1928 (35
anos)
0%
1929 (36
anos)
0%
1933 (40
anos)
Você
Gráfico 6: Comportamento lingüístico do missivista Fernando em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1919 e 1933.
Com base na análise da tabela 13, fica claro que o Fernando utiliza
mais Tu do que Você – 75% dos dados, na juventude, e 99%, na fase
adulta. Ainda que, no gráfico 6, se observe, especificamente nas suas
cartas dos anos 20 e 21, a preferência do jovem missivista pelo Você
(em 78% e 52% dos dados, respectivamente) não dá para afirmar
taxativamente que o missivista assuma um comportamento instável ao
passar de jovem a adulto, uma vez que o informante segue a sua vida
adulta, optando pelo Tu pronominal em detrimento do Você a partir de
179
1922, momento em que ele tinha 29 anos, até 1933, momento em que
atinge 40 anos (90% (29 anos) → 97% (30 anos) → 100% (31 anos) →
80% (34 anos) → 100% (35-40 anos)).
Atente-se para o comportamento variável assumido por Fernando
no decorrer da sua juventude, mais precisamente entre os anos de 1919
e 1921. Nessa época, entre os seus 26 e 28 anos de idade, em cartas
destinadas a um irmão não identificado e aos irmãos adultos Jerônimo,
Maria Leonor e Maria Elisa, observa-se a preferência do informante pelo
inovador Você, empregando-o em 64%, 78% e 52% dos dados das cartas
redigidas em 1919, em 1920 e, em 1921, respectivamente.
É interessante observar os contextos lingüísticos da variação Tu
versus Você numa mesma carta. Ainda que o missivista Fernando tenha
priorizado tratar os irmãos por Tu¸ empregou esporadicamente o Você,
na carta a Maria Leonor (França, 20.02.1921 (01 ocorrência – 17% dos
dados)), e em duas missivas destinadas a Jerônimo – Bélgica,
15.11.1922 (05 ocorrências – 17% dos dados) e Bélgica, 28.03.1923 (01
ocorrência – 12% dos dados) –, como é possível observar de (10) a (14).
(10) “(....) Agradeço tudo o que me Ø dizes; é para mim um consolo o receber noticias de
meus queridos irmãos. Então você tem estado um pouco fraquinha, um pouco
incommodada, pelo que me dizes, não é?”
(Carta de Fernando a irmão Maria Leonor. França, Vals, 20.02.1921.)
(11) “O Bebê me escreveu do livro sobre os escriptos, i. é, da publicação dos escriptos de
mamãe. A idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já Ø conhece
tudo e que Ø tem maior facilidade por estar ahi no Brasil? Tenho medo que se percam
em escriptos preciosos, menos registrados. Enfim, de minha parte estou plenamente de
accordo com tudo o que Ø julgares.”
(Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.)
(12) “No que diz respeito ao Adolescente, depois de haver considerada a tua idea, penso
o seguinte: si te for possivel publical-o dentro de poucos mêses (uns 6), seria mais util
talvez que você mesmo o fizesse; si pelo contrario, terei o maior gosto em preparal-o
como Ø desejas, o plano é excellente.”
(Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.)
(13) “Em summa, si ha pressa, eu te peço que o Ø publiques juntamente com os outros
escriptos, ou que você mesmo o prepare para apparecer, segundo o nosso plano, sem
nem de longe julgar que fico sentido por isso (...)”
(Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.)
180
(14) “Enviei no mez passado, i. é, no dia 12 deste, para a "A União" do Rio, um resumo
da biographia de nossa Mamãe. Copiei e resumi varios trechos da que você escreveu e
ajuntei varios factos que presenciara. Quiz pedir-te licença previamente, mas Bebê me
aconselhou a mandar logo o artigo, certo de que o Ø has de approvar.”
(Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 28.03.1923.)
(15) “Bebe escreveu-me hontem. Estive com elle em Petropolis. Sempre bem e animado.
Quer publicar como supplemento á 3a edição, em pequeno livro do mesmo formato, os
Conselhos, cartas etc que não se aham no texto. Se as Vozes38 acceitarem, não vejo
nisso dificuldade, mas você é quem deve resolver. (...) [espaço] Não Ø imaginas como
apreciei os nossos parentes de Portugal ! São de uma cordialidade, de um affecto
extraordinario !”
(Carta de Fernando a Jerônimo. São Paulo, 16.11.1927.)
Em (10), Fernando inicia o período com Tu nulo “(...) o que me
dizes” passando ao emprego de Você. Nesse caso, observa-se o uso de
um Você indireto em que Fernando reporta a notícias sobre a irmã
(Maria Leonor) anteriormente recebidas. Tem-se, pois, o emprego de
Você como uma referência indireta atribuída a outro momento do
discurso da sua interlocutora (Maria Leonor). É como se o missivista
expusesse a notícia sobre a débil saúde da irmã como uma informação
proveniente da “boca” da sua interlocutora. Tanto parece ser assim que,
ao retomar o contato direto com a irmã Maria Leonor, Fernando opta
pelo Tu nulo, interrogando-a, no interior do mesmo período, através da
forma verbal ‘dizes’. O contexto de discurso reportado, que parece ter se
mostrado favorável ao emprego do Você nas cartas do missivista
Fernando, foi inicialmente percebido por Lopes e Machado (2005), nas
cartas do avô Ottoni aos netos, e por Lopes (2007), nas cartas de Carlos
Nunes Aguiar direcionadas a Rui Barbosa. Parece confirmar-se a
hipótese defendida por Lopes (2007) de que o Você ainda possua uma
Nesse caso, o vocábulo Vozes remete a Editora Vozes responsável pela publicação de dois
livros sobre a vida de Zélia sob a autoria de seu filho, o Pe. Jerônimo. Trata-se das
seguintes referências bibliográficas:
PEDREIRA DE CASTRO, P. Jerônimo. (1960). Zélia ou Irmã Maria do SS. Sacramento. Vida
exemplar de uma mãe cristã, que terminou seus dias junto a Jesus Sacramentado. Petrópolis: Editora
Vozes, VII Edição.
__________. (1943). Segundo Livro de Zélia (Irmã Maria do Santíssimo Sacramento). Seus escritos
espirituais, cartas e exemplos. Petrópolis: Editora Vozes.
38
181
motivação discursiva que tudo indica envolver um maior grau de
distanciamento em oposição a um maior grau de intimidade do Tu.
De (11) a (13), respectivamente, observa-se que o emprego do Você
pleno parece ser funcionalmente motivado. Nesses dados de Você
ilustrados em (11), (12) e (13), tem-se o Você pleno para enfatizar39 que
seria melhor que fosse o irmão Jerônimo a publicar os escritos de sua
mãe Zélia, sugerindo-lhe que não delegasse, portanto, essa tarefa a
outra pessoa. Em (11), têm-se duas ocorrências do Você nulo numa
seqüência de duas orações relativas coordenadas entre si, conforme já
constatado por Duarte (2003), em dados de fala, e por Lopes (2007), nas
correspondências de Aguiar destinadas à Rui Barbosa (séc. XIX): “A
idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já Ø
conhece tudo e que Ø tem maior facilidade por estar ahi no Brasil?”
Esclareça-se que Duarte (2003) aponta o contexto sintático da
coordenação como contexto de resistência à expressão nula do sujeito
pronominal (sujeito nulo) e a ambiência sintática da oração relativa
encabeçada por elemento qu- como deflagradora do preenchimento do
sujeito (sujeito pleno) no PB.
Em (14), examina-se o emprego do Você no contexto sintático de
uma construção relativa, corroborando a hipótese de Duarte (2003) em
“O espanhol exigiria o apagamento do pronome sujeito, permitindo sua expressão em casos excepcionais,
como ênfase e constraste, segundo Fernández Soriano (1999 apud Silva 2006:50)” Ex.: ‘Él mismo lo
ha resuelto./*Mismo lo ha resuelto.’ (‘Ele mesmo resolveu isso.’/‘*Mesmo resolveu isso.’)”. De acordo
com Fernández Soriano, no espanhol, língua por excelência de sujeito nulo, há o
preenchimento em casos excepcionais de ênfase e contraste. O autor aponta que, com o
vocábulo “mesmo”, o apagamento do sujeito seria agramatical. Nos dados das cartas
trocadas entre irmãos em análise, observa-se que, em casos de ênfase, como se observa de
(11) a (14) e, em casos de contraste, como se observa, em (15), o pronome Você tende a se
mostrar pleno, corroborando a tendência assumida para uma marcação negativa em relação
ao parâmetro de língua de sujeito nulo [- sujeito nulo] como resultado da redução do
paradigma pronominal e flexional de seis pessoas do discurso (eu falo, tu falas, ele fala, nós
falamos, vós falais, eles falam) para quatro pessoas do discurso (eu falo, tu/você/ele/a gente fala, nós
falamos, eles/vocês falam). Essa reestruturação do paradigma pronominal e flexional do PB é
acionada com a inserção das formas Você, que passa a concorrer com o Tu em fins do
século XIX (cf. Lopes e Machado (2005:49), e A gente, que segundo Lopes
(1999/2003:158), passa a assumir, no século XVIII, a fase embrionária do seu processo de
gramaticalização no PB.
39
182
relação ao preenchimento do sujeito ser favorecido por palavras qu- em
orações relativas do PB. Acrescente-se ainda o fato de haver, de (11) a
(14), uma motivação enfática calcada no intuito de marcar claramente
através da realização plena do Você que a biografia de Zélia deve ser
produzida pelo irmão Jerônimo (e não por outra pessoa). É como se o
missivista Fernando transferisse para o seu irmão Jerônimo toda a
responsabilidade pela veracidade dos trechos da biografia de Zélia,
voltando-se, pois, ao irmão através do inovador Você. Em todos esses
casos, percebe-se uma motivação discursivo-pragmática para o emprego
do Você.
Em (15), tem-se a única ocorrência de Você produzida por
Fernando, em 1927, com 34 anos, em carta direcionada a Jerônimo,
com 46 anos, evidenciando um ligeiro decréscimo na curva ascendente
do Tu cujas freqüências de uso se mantém em ascendência até 1933. Ao
corresponder-se com o irmão Jerônimo, o missivista Fernando opta pelo
Você pleno, conferindo, ao irmão Jerônimo, poder de decisão no trabalho
de confecção da biografia de sua mãe Zélia. Nesse caso, parece que o
Você preenchido pode remeter a contraste – “(...) você é quem deve
resolver” –, não outra pessoa qualquer.
Na passagem da juventude para a adultez de Fernando, é
delineada, desde 1922 até 1933, uma curva descendente do Você (10%
→ 03% → 0% → 0% → 0% → 20% → 0% → 0% → 0%) e a conseqüente
curva ascendente do Tu (90% → 97% → 100% → 100% → 100% → 80%
→ 100% → 100% → 100%) nas cartas destinadas aos irmãos adultos
Maria Elisa, João José, a irmãos não identificados e ao irmão adulto e já
idoso Jerônimo.
Mesmo não tendo sido feito o cômputo dos dados de Vocês e dos
dados de Você em funções sintáticas diversas da função de sujeito, será
proveitoso expô-los em análise qualitativa. Em (16), observa-se uma
ocorrência de Vocês como parte da expressão ‘quanto a’, em ‘quanto a
vocês’ numa referência ampliada aos demais irmãos. Verifica-se, em
(17), uma ocorrência da forma Você em coexistência com formas
183
vinculadas a P2 (Tu): o possessivo ‘tua’ e o oblíquo sem preposição ‘te’.
Interessante observar que esses dados de Vocês, expostos em (17) e
(18), e o dado de Você, em (19), convivem, numa mesma carta, com
ocorrências do pronome possessivo tua e do pronome objeto te – “(...) ele
lembra-se muito de você e mostra-se muito amigo. [espaço] E essa tua
Missão com o Senhor Bispo, meu querido irmão, tem produzido muito
fructo e não te tem fatigado muito ?” (RJ, 01.09.1920); “Espero ver-te
aqui durante as férias, não é ?”/“Todos lembram-se muito de você e
mandam-te lembranças.” (SP, 16.11.1927.) Trata-se, pois, de evidências
de que o pronome possessivo (teu/tua) e o pronome oblíquo sem
preposição (te) apresentam-se como contextos de resistência do Tu,
corroborando os resultados da análise geral dos dados apresentados no
item 5.2 deste trabalho.
(16) “Continuo bem de saúde, satisfeito, mas com muito trabalho. De resto não tenho
novidades e vou para a Europa, com a mesma facilidade, com que iria para o Rio ou
para São Paulo ... a mamãe já nos espera lá em cima; quanto a vocês, estamos, do
mesmo modo, separados... Escreverei agora mais vezes, pois terei mais tempo.”
(Carta de Fernando a um irmão. RJ, Friburgo, 01.09.1920.)
(17) “O Padre Parisi veiu aqui pegar o retiro dos alumnos e voltou agora para fazer o
próprio, em que entrou hontem; ele lembra-se muito de você e mostra-se muito amigo.
[espaço] E essa tua Missão com o Senhor Bispo, meu querido irmão, tem produzido
muito fructo e não te tem fatigado muito ?”
(Carta de Fernando a um irmão. RJ, Friburgo, 01.09.1920.)
(18) “Gostei tambem muito da casa do Santo onde vivem os dois casaes, o do Fernando
e o da Hellena, mas como não têm filhos, a casa é menos alegre. - O Jé Leite levou-me
por toda a parte de automovel, e no ultimo dia, que coincidiu com os annos delle, tive o
prazer de jantar em sua casa, onde me hospedára, com toda a familia reunida. Todos
lembram-se muito de você e mandam-te infindas lembranças. - Não acabaria se
quizesse contar tudo: fica para quando nos vermos...”
(Carta de Fernando a Jerônimo. SP, 16.11.1927.)
(19) “Amalia, muito bem, calma, affetuosa, trabalhando muito em harmonia com a
Superiora. Creio que gostou immenso da minha visita de 15 dias. Monsenhor Pires, o
Senhor Arcebispo, a familia Peixoto etc. etc. trataram-me com uma delicadeza
extraordinaria . Recebi varias visitas que eram destinadas a você.”
(Carta de Fernando a Jerônimo. SP, 16.11.1927.)
Enfim, a análise do comportamento lingüístico do missivista
Fernando evidenciou, no decorrer de dez anos de sua idade adulta
(entre 1923 e 1933), uma trajetória de vida estável em relação a sua
184
preferência pelo Tu para se referir aos irmãos nas cartas em análise. Na
juventude,
o
informante
Fernando
demonstrou
que,
motivado
pragmaticamente, poderia tratar os irmãos por Você. Ao passar a fase
adulta,
como
já
foi
mencionado,
o
missivista
optou,
quase
preferencialmente, pelo Tu pronominal quer para fazer referência aos
irmãos adultos, quer para fazer referência ao irmão idoso Pe. Jerônimo.
185
♦ Jerônimo: um homem jovem em inícios do século XX.
Com
base
em
uma
amostra
composta
por
doze
cartas
confeccionadas – uma redigida no exterior (Paris) e as demais
produzidas em diversas cidades brasileiras (Bahia, Ceará, Fortaleza,
Minas Gerais, Recife e Vitória) – pelo missivista Jerônimo para os seus
irmãos Fernando, Maria Elisa, Maria Joana e Bebê, entre os anos de
1905 e 1931, constatou-se a preferência pelo Tu, em 74% dos dados (75
ocorrências), conforme se observa na tabela 14. O uso do inovador Você
nunca é categórico nas cartas em análise, mostrando-se sempre em
variação com o conservador Tu.
186
CARTAS DA MISSIVISTA PE. JERÔNIMO
(INTERVALO DE 26 ANOS – DE 1905 A 1931)
(12 CARTAS)
PE. JERÔNIMO JOVEM
(EM 1905, COM 24 ANOS.)
NO
PRONOMES
(01 CARTA)
TU
1
Local e data
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
Paris,
15.10.1905.
24
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
12
Nulo
3
Fortaleza,
10.09.1919.
38
4
Fortaleza,
25.10.1919.
Bahia,
08.05.1920.
38
6
Bahia,
08.07.1920.
39
7
Minas Gerais,
1923
42
8
Vitória,
20.07.1925
44
9
Minas Gerais,
21.09.1925.
44
10
Minas Gerais,
23.11.1925.
44
11
Recife,
14.04.1930.
49
12
Minas Gerais,
16.11.1931.
50
5
39
TOTAL
Pleno
22/22
(100%)
-
22/24
(92%)
24/102 (24%)
(11 CARTAS)
38
-
Nulo
02/24
(08%)
PE. JERÔNIMO ADULTO (1919 – 1931)
(INTERVALO DE 12 ANOS - ENTRE 38 E 50 ANOS)
Ceará,
08.02.1919.
Pleno
02/02
(100%)
TOTAL
2
VOCÊ
Maria Elisa
(*RJ,
27.04.1877.)
Maria Elisa
(*RJ,
27.04.1877.)
Irmão
Bebê
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
Maria Joana
(*RJ,
29.07.1886.)
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
Maria Joana
(*RJ,
29.07.1886.)
Maria Joana
(*RJ,
29.07.1886.)
TU
Nulo
VOCÊ
Pleno
Nulo
Pleno
42
04/04
(100%)
-
-
-
42
01/01
(100%)
-
-
01/01
(100%)
-
02/02
(100%)
08/08
(100%)
-
-
-
-
-
-
27
22/22
(100%)
-
01/02
(50%)
01/02
(50%)
30
15/15
(100%)
-
-
-
39
08/08
(100%)
-
-
-
32
06/06
(100%)
-
-
-
32
03/03
(100%)
-
-
-
44
01/01
(100%)
-
-
-
45
03/03
(100%)
-
01/02
(50%)
01/02
(50%)
27
Tu
Tu
Nulo
Pleno
73/73
(100%)
73/78
(94%)
Você
Você
Nulo
Pleno
02/05
03/05
(40%)
(60%)
05/78
(06%)
78/102 (76%)
TU
75/102
(74%)
VOCÊ
27/102
(26%)
102/102 (100%)
Tabela 14: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pelo
informante Pe. Jerônimo aos irmãos entre os anos de 1905 e 1931.
187
Jerônimo, em sua juventude com 24 anos, ao referir-se ao seu
irmão Fernando, optou pelo Você pronominal, em 92% dos dados (22
ocorrências) com somente 08% de Tu correspondentes às duas únicas
ocorrências de tal pronome não expresso (nulo). Ainda com base em
somente uma única carta produzida pelo jovem Fernando, em Paris,
observa-se que o autor optou, nessa carta, pelo emprego categórico (22
ocorrências – 100% dos dados) do Você como sujeito expresso (pleno), o
que é possível observar de (20) a (22).
(20) “Eu te agradeço muito tantas florsinhas que você faz por mim: é impossivel que eu
não fique bom, porque nossa Mamãe do Céo é cheia de amor por nós. Ella te ama muito,
meu Fernandinho, porque você é sempre um bom menino, muito amigo de Mamãe.
Nosso Senhor acceita as orações dos corações innocentes como o teu: eu sou muito feliz
de ser curado de minha surdez em merecimentos de tuas florsinhas. Bebê me diz que
você fez 2000 coisas boas. Que numero grand[e] Como você deve estar piedoso e
bonsinho !”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(21) “Meu Fernandinho, eu gostei de saber que você recebeu os bilhetes postaes que te
mandei; mas você me escreveu dizendo para não mandar mais, porque você pensa que
é muito caro.”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(22) “Em todas as cartas que Bebê me escreve, conta me que você está passeiando: Eu
penso pois que meu irmãosinho passeia muito, mas eu fico muito contente porque assim
você fica conhecendo todos esses logares e mais tarde servirá muito para fallar sobre
elles.”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
A análise das ocorrências de Você, em (20), (21) e (22) permite tecer
duas considerações gerais:
1ª) o missivista Jerônimo opta ora por formas de P2 (Tu), ora por formas
de P3 (Você), ao se reportar ao interlocutor Fernando, o que demonstra
o emprego não uniforme de tais estratégias pronominais;
2ª) o fato de o Você mostrar-se categoricamente pleno na carta em
análise pode ser considerado um reflexo da não manutenção do mesmo
sujeito/referente na sentença (cf. Duarte, 2003; Paredes Silva, 2003)
aliado ao fato de o Você se apresentar em orações encabeçadas pelo
elemento qu- ou por conjunções subordinativas, conforme Duarte (2003).
188
Nessa carta do jovem Pe. Jerônimo que, com 24 anos se dirige ao
ainda menino Fernando (12 anos), apesar de se tratar de um irmão
mais velho escrevendo para um mais novo, a carta sugere um
relacionamento de muita afinidade e intimidade entre os irmãos. Tal é o
grau de envolvimento, que o missivista a constrói com inequívocos
traços de oralidade, transportando-se para o universo infantil. São eles:
o uso do diminutivo nos vocativos ‘meu irmãosinho’, ‘meu Fernandinho’,
nos substantivos ‘florsinhas’, ‘bonsinho’; e o emprego de uma linguagem
voltada para a educação religiosa e infantil repleta de estímulos e
expressões de incentivo: (‘nossa Mamãe do Céo’ é cheia de amor por
nós.', ‘Nosso Senhor acceita as orações dos corações innocentes como o
teu’, ‘Bebê me diz que você fez 2000 coisas boas. Que numero grand[e]
Como você deve estar piedoso e bonsinho !’). Acrescente-se ainda a
combinação de Você com formas pronominais relacionadas a Tu (Você ~
te, teu, tuas) como “reflexos de um passado distante e de um futuro
próximo”, como constataram Lopes e Machado (2005:64) em relação ao
sincretismo entre a segunda e terceira pessoas nas cartas oitocentistas
confeccionadas por Barbara Ottoni.
Na missiva produzida aos 24 anos, em 1905, Pe. Jerônimo, apesar
de preferir o Você pronominal para fazer referência ao jovem irmão
Fernando,
o
trata,
em
duas
únicas
ocorrências,
por
o
Tu
categoricamente não preenchido, como se observa em (23) e (24).
(23) “Que alegria quando eu voltar Padre para o Brasil, não é? Mamãe, Papae Papae
Pedreira, todos ficarão contentíssimos, não Ø achas ? Eu penso que você deve ajudar
minha 1a Missa junto com Bebê.”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(24) “Eu te peço que Ø dês muitas lembranças minhas á titia Mimi e Titia Miná. Um
apertado abraço em Papae e Papae Pedreira.”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
Passa-se à análise qualitativa de três cartas em que o adulto
missivista Pe. Jerônimo evidenciou um comportamento variável entre o
emprego das formas pronominais Tu e Você. Trata-se de cartas
189
produzidas pelo Pe. Jerônimo para as irmãs adultas Maria Elisa (em
Fortaleza, 10.09.1919), Maria Joana (em Minas Gerais, 16.11.1931) e ao
jovem irmão Fernando, na Bahia, 08.07.1920. Em sua idade adulta, o
missivista Pe. Jerônimo seleciona o Tu, em 94% dos dados (73
ocorrências), para tratar os irmãos, preferindo categoricamente não
preenchê-lo formalmente. Apesar de ter sido constatado o emprego
esporádico da forma pronominal Você, levantaram-se ainda cinco
ocorrências de tal pronome. Em três ocorrências (60% dos dados) temse o Você pleno e, em somente duas ocorrências (40% dos dados), o
Você mostrou-se nulo, como se verifica de (25) a (27).
(25) “Minha desolada Isa, [espaço] Nossa Jane foi eloquente nestas duas cartas que te
dirige. Nada direi de mim: deixo você adivinhar tudo. Nossa Mamãe havia completado
sua bella missão: foi para o Céo. Eu soffro mais por minhas seis irmãs do que mesmo
por Mamãe”
(Carta de Pe. Jerônimo a Maria Elisa. Fortaleza, 10.09.1919.)
(26) “Carissimo Fernando, dulcissimo irmão, [espaço] [espaço] Hoje, novo mez do
transito feliz de nossa Santa Mãe, terminei a biographia: 365 paginas deste formato
incluindo a publicação de seus “Pensamentos Religiosos”. tua carta desorientou-me,
pondo duvida no que eu não esperava. Vamos reflectir, caríssimo irmão: você pode
pedir licença de Ø empregar sua legitima como quiseres, porque não a empregarás
n’este testemunho de amor à Mamãe.”
(Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Bahia, 08.07.1920.)
(27) “[espaço] Mais uma vez rendamos juntos muitas acções de graças a Deus por ter
quasi acabado a divergencia entre a Madre Provincial e você. Compete agora á você,
ma Jeannetti, ceder tudo o que falta. Lembra-te da palavra de D. Miguel: "o mal de sua
irmã é ter cabeça de mais”. Você por ser aviadora, Ø quer que todos vôem. Nem todas
as Dorós tem azas como as tuas: cede, e cede tudo que possas, como te diria a nossa
santa Mamãe. ”
(Carta de Jerônimo a irmã Maria Joana. Minas Gerais, 16.11.1931.)
Diante da preferência do missivista Jerônimo pelo Tu, os três
dados de Você merecem ser qualitativamente analisados. Em (25) e (26),
as ocorrências de Você que, por sua vez, se dão logo no primeiro
parágrafo da carta, seguindo, respectivamente, os vocativos “Minha
desolada Isa” e “Carissimo Fernando, dulcissimo irmão” parecem
individualizar o interlocutor: “(...) deixo você adivinhar tudo (....)”, não
outra pessoa; “(...) você pode pedir licença (...) ”, não outra pessoa. Em
190
(27), Jerônimo também parece particularizar a referência à irmã Maria
Joana com um Você, ao compará-la às demais Dorós (irmãs Dorotéias)
que, por sua vez, não são tão ágeis como ela. Assim sendo, constata-se
que os raros casos de Você, nas cartas em que o informante privilegiou
o emprego de Tu, parecem buscar estabelecer contraste, constituindo,
pois, uma motivação funcional.
100%
92%
80%
60%
40%
33%
20%
12%
0%
1905 (24 anos)
1919 (38 anos)
6%
1920 - 23 (39 a 42 anos)
0%
1925 (44 anos)
1930 - 31 (49 a 50 anos)
-20%
Você
Gráfico 7: Comportamento lingüístico do missivista Pe. Jerônimo em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1905 e 1931.
A análise do gráfico 7 permite visualizar a estável performance
lingüística de Jerônimo. Na sua juventude, prefere o inovador Você, em
92% dos dados (22 ocorrências), ainda que tal comportamento tenha se
deixado evidenciar somente através da análise de uma única carta, a de
1905. Nela, só há a expressão nula do Tu pronominal em 08 % dos
dados, representados por dois dados já examinados em (23) e (24).
Nas cartas produzidas por Jerônimo entre os anos de 1919 e 1931,
período que contempla a sua produção textual na fase adulta da sua
vida, observa-se a alta produtividade do Tu pronominal (de 88% → 96%
→ 100% → 80%) na função de sujeito. Com uma inexpressiva
freqüência de uso de Você (12% → 04% → 0% → 20%), observaram-se,
191
de (25) a (27), as cinco ocorrências de tal forma pronominal, em cartas
direcionadas a Maria Elisa, a Fernando e a Maria Joana.
Em (28), é interessante observar a combinação da forma Você com
a forma pronominal Tu em sua expressão nula – “voce, meu irmão, has
de apreciar”, evidenciando a convivência do conservador Tu com o
inovador Você no interior do mesmo período. Nesse caso, o uso de Você
parece ser contrastivo e enfático: o missivista Jerônimo quer se referir ao
irmão e não a outra pessoa, tanto que emprega o vocativo “meu irmão”.
(28) “Dizes que não saberias empregar dez exemplares; eu e Bebê podemos te dizer que
2 mil não chegam para as pessoas, que com fundamento sabemos, que querem o nosso
thesouro. Posso te assegurar que está muito acima do que eu esperava: você, meu
irmão, hás de apreciar.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Bahia, 08.07.1920.)
Em carta produzida no Ceará, em oito de fevereiro de 1919, como
se observa em (29) e (30), têm-se quatro dados de Tu formalmente não
preenchidos, o que era esperado no registro escrito de uma língua ainda
positivamente marcada em relação ao parâmetro de sujeito nulo. Em
(31), tem-se uma única ocorrência de Você expresso numa referência
explícita ao interlocutor. As quatro ocorrências de Tu nulo foram
expostas separadamente, pois se dão em diferentes páginas da carta
analisada. Em (29), têm-se as duas ocorrências de Tu nulo produzidas
na segunda página da carta e, em (30), têm-se as duas outras
ocorrências de Tu formalmente não expresso distribuídas na terceira
página.
(29) “(...) Apreciou muito que Ø tenhas ido ao Rio; e M.e Barreto egualmente. (...) Não Ø
temas cousa alguma por ella. (...)
(Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919. (página 2))
(30) “Prometto, minha Isa, te escrever frequentemente. Será meu dever sagrado, pois
como mais velha Ø tens direito a isto. [espaço] Fiquei um pouco triste de não te ter dito
meu segredo na horta da partida. Mas não Ø ligues importancia, era uma brincadeira.”
(Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919. (página 3))
(31) “Mamãe, você, nossos irmãos, e parentes como tudo nos encanta.”
(Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919.)
192
Observe-se, em (32), uma evidência de hipercorreção de Jerônimo
que, numa carta de uso categórico do pronome Tu não expresso (06
ocorrências), emprega o imperativo do verbo ser na terceira pessoa do
singular (Seja você), mas corrige tal forma verbal, riscando-a e
substituindo-a pela forma imperativa do verbo ser correspondente a
segunda pessoa do discurso (‘Sê (tu) bem grato (...)’), conforme já
discutido nos resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você
(seção 5.3) desta tese e exposto na imagem 17. Essa tentativa de
correção do autor o evidencia confuso diante da rigidez da norma
gramatical que, por sua vez, somente licencia o Tu como legítimo
pronome de referência à segunda pessoa do discurso e a liberdade de
inovar tratando, logo no início do período em análise, o seu interlocutor
por Você – “(...) fez por você”.
(32) “Escrevo á mui querida M.elle Aschmann agradecendo tudo que fez por você.
Escreve-me bellissimos postaes de Lisienx et Paris. Como tem sido nossa amiga esta
bella alma ! Sêja bem grato a este dom, que o Céo nos deu.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Minas Gerais, 21.09.1925.)
É relevante observar as ocorrências de Você em funções sintáticas
distintas da função de sujeito, mesmo que tais dados não tenham
entrado no cálculo dos dados de sujeito de segunda pessoa do discurso.
Verifique-se que, de (33) a (38), as ocorrências de Você apresentam-se
rodeadas pelo oblíquo sem preposição te e pelo possessivo teu/tua, o
que reforça os resultados gerais deste trabalho (item 5.2) em relação a
tais categorias morfossintáticos mostrarem-se como contextos de
resistência do Tu.
(33) “Eu vou te dizer o preço 1[0]0 cartões custam 2000 reis 50 custam 1$000 reis
portanto cada um custa um vintém, o que não é caro. – por isso eu mando ainda um
pacote para você e para Bebê,”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
193
(34) “Quando você era pequenino, meu Fernandinho, a 1a reliquia que você ganhou foi
um pedacinho da carne de São Vicente. Quando eu vou rezar deante do corpo deste
grande santo eu me lembro sempre de você. Elle deve te abençoar muito.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(35) “No dia 4 de septembro, dia de teus annos eu me lembrei muito de você.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(36) “Hoje eu recebi uma carta d’aquelle Padre francez que levou meus terços e meus
cartões postaes para Mamãe e para você. [espaço] Elle ainda não sabe fallar portuguez
e por isso só diz – (não intende) – como o tico-tico annuncia.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(37) “Eu rezo todos os dias por você e agradeço mais tuas queridas florsinhas.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
(38) Você leu n’ O Amigo uma historia muito interessante sobre um menino que queria
um Missal ? Eu puz teu retrato na frente e dediquei a historia a você.”
(Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.)
Por fim, o esboço da performance lingüística do missivista Pe.
Jerônimo parece evidenciá-lo com um comportamento estável ao longo
da sua vida adulta (entre 1919 e 1930), optando preferencialmente pelo
conservador Tu para fazer referência aos seus irmãos, nas missivas em
análise.
194
6.2 A instabilidade das missivistas Maria Elisa e Maria Joana: a
preferência pelo Tu pronominal.
♦
Maria Elisa: uma mulher adulta em inícios do século
XX.
A amostra composta por quatorze correspondências redigidas, no
Brasil em sua maior parte40, pela missivista Maria Elisa, em um lapso
temporal de 23 anos (entre 1915 e 1938), dá conta da passagem de sua
vida adulta para a velhice. A remetente tinha 38 anos quando escreveu
sua primeira carta e, 61 anos, a última, como se verifica na tabela 15.
Há três cartas confeccionadas por Maria Elisa sem menção ao seu local de escritura. Só há
referências às datas de escritura das epístolas produzidas no ano de 1919. São elas: carta no02 em
16.09.1919; carta no03, em 18.10.1919 e carta no04, em 14.12.1919.
40
195
CARTAS DA MISSIVISTA MARIA ELISA
(INTERVALO DE 23 ANOS – DE 1915 A 1938)
(14 CARTAS)
NO
MARIA ELISA ADULTA (1915 – 1924)
PRONOMES
(INTERVALO DE 09 ANOS – ENTRE 38 E 47 ANOS)
(12 CARTAS)
TU
VOCÊ
Local e data
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
Nulo
Pleno
Nulo
38
-
-
-
26
-
18.10.1919
42
26
02/02
(100%)
-
-
3
-
-
4
14.12.1919
42
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
22
2
Pará,
28.07.1915.
16.09.1919
26
-
-
02/02
(50%)
02/02
(100%)
02/02
(50%)
5
Pouso
Alegre,
01.01.1920.
Pouso
Alegre,
04.04.1920.
Pouso
Alegre,
06.06.1920.
Pouso
Alegre,
29.06.1922.
Pouso
Alegre,
07.08.1922.
Pouso
Alegre,
29.10.1922.
Pouso
Alegre,
08.12.1922.
Pouso
Alegre,
19.03.1924.
43
27
12/12
(100%)
-
-
-
-
-
01/01
(50%)
01/01
(50%)
-
-
01/01
(50%)
01/01
(50%)
11/11
(100%)
-
-
-
03/03
(100%)
-
-
-
02/02
(100%)
-
-
-
19/19
(100%)
-
-
-
02/02
(100%)
-
-
-
1
6
7
8
9
10
11
12
42
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
43
43
45
45
45
45
Maria Leonor
(*RJ, 28.09.1880.)
40
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
27
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
41
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
41
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
41
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
41
João Maria
-
47
,
TOTAL
MARIA ELISA IDOSA (1933 – 1938)
(INTERVALO DE 05 ANOS - ENTRE 56 E 61 ANOS)
(02 CARTAS)
13
14
RJ, Friburgo,
07.02.1933.
RJ, Friburgo,
20.10.1938.
56
61
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(*RJ, 19.12.1881.)
TOTAL
52
57
Pleno
01/01
(100%)
-
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
51/51
04/11
07/11
(100%)
(36%)
(64%)
51/62
11/62
(82%)
(18%)
62/72 (86%)
TU
VOCÊ
Nulo
Pleno
-
-
Nulo
Pleno
01/02
01/02
(50%)
(50%)
02/08
06/08
(25%)
(75%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
03/10
07/10
(30%)
(70%)
10/10 (100%)
10/72 (14%)
TU
VOCÊ
51/72
21/72
(71%)
(29%)
72/72
(100%)
Tabela 15: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela
informante Maria Elisa aos irmãos entre os anos de 1915 e 1938.
196
Maria Elisa, ao se corresponder com o jovem Fernando com o
adulto e já idoso Pe. Jerônimo e com o irmão João Maria41, apresenta-se,
de 1915 a 1938, propensa ao emprego do Tu, em 71% dos dados (51
ocorrências). Há, nas cartas de Maria Elisa, uma uniformidade no
tratamento aos irmãos traduzida da seguinte forma: a missivista
emprega predominantemente o Tu, em sua idade adulta, e o Você, em
sua velhice. Não se verifica a mistura entre as formas de fazer referência
ao interlocutor (Tu e Você) no interior de uma mesma epístola.
Com relação ao preenchimento do Você como sujeito de segunda
pessoa do discurso, observa-se a sua representação plena, em 64 % dos
dados (07 ocorrências) e a sua representação nula, em 36% dos dados
(04 ocorrências), como se verifica de (39) a (41). Os casos do Você como
sujeitos não preenchidos se dão em uma seqüência de interrogativas
diretas em que Maria Elisa se dirige ao jovem Fernando, em (39) e (41), e
à adulta Maria Leonor, em (40). Já os casos de Você pleno se
evidenciam, em (39), na construção interrogativa direta como primeira
menção ao interlocutor Fernando – “E você como éstá? meu caro
Fernandinho?” – e nas construções encabeçadas pelo elemento qu-,
expostas em (40) e (41), respectivamente –“(...) peço a Deus que Você
esteja bem” e “Espero porem que Você esteja bom (...)”. Esses dois
últimos dados de Você como pronome sujeito pleno se dão em contextos
típicos de preenchimento do sujeito. São eles: a estrutura oracional com
o elemento qu- (cf. Duarte 2003) e o fato de o sujeito da principal e o da
oração subordinada (eu e você, respectivamente) serem distintos,
corroborando a hipótese de que quanto menor o grau de predizibilidade
do referente, nos termos de Paredes Silva (2003), maior é a exigência
por expressá-lo formalmente.
(39) “E você como está? meu Caro Fernandinho ? Já Ø descançou um pouco (...) Como Ø
achou Jeronymo ?”
(Carta de Maria Elisa a Fernando. 14.12.1919.)
Não foram levantadas cartas pessoais de João Maria, assim como não se conseguiu
maiores informações sobre a sua história de vida.
41
197
(40) “Com fervor peço a Deus que Você esteja bem. Porque Ø não me escreve ?
(Carta de Maria Elisa a Maria Leonor. Pouso Alegre, 04.04.1920.)
(41) “Espero porem que Você esteja bom e que Nossa Senhora lhetenha concedido
muitas graças durante o mez findo. Graças a Deus eu continuo muito bem. Ø Teve
noticias de nossos irmãos ?
(Carta de Maria Elisa a Fernando. Pouso Alegre, 06.06.1920.)
Na velhice de Maria Elisa, ainda que se tenha uma amostra
composta por apenas duas cartas, foi possível averiguar a preferência
da autora por referir-se ao também idoso Pe. Jerônimo categoricamente
com o inovador Você42 (10 ocorrências), optando pela expressão plena de
tal pronome em 70 % dos dados (07 ocorrências). Há de se observar,
contudo, que as três únicas ocorrências do Você nulo, como se examina
em (42) e (43), se dão em interrogativas diretas cujo referente é
sintaticamente acessível. Em (43), não há outros referentes que se
candidatem a sujeito, confirmando, pois, a hipótese de que quanto mais
acessível estiver o referente, maior será a chance da sua representação
nula (cf. Duarte 2003; Paredes Silva 2003; Silva 2006).
(42) “[espaço] Adeus, meu Jeronymo; [espaço] A Superiora da Santa Casa não é
Almeida Magalhães como lhe disse em minha ultima carta; é Magalhães Barbalho,
conhecida em Barbacena por [Irmã] Helena. Quando me Ø escrever diga-me si Você a
conhece, sim? e mande-lhe um pequeno conforto na cruz que carrega;”
(Carta de Maria Elisa a Jerônimo. RJ, Friburgo, 07.02.1933.)
(43) “Meu Jeronymo eu contando com sua bondade nunca desmentida prometi uma
Missa por intenção de quem desse uma esmola maior para as Missões, e lhe peço que Ø
celebre, sim ? no dia em que Você não tiver outra intenção. - Era um avião de papelão
que ia para as Missões e quem subisse nele mais alto, isto é quem pagasse um bilhete
de maior numero de metros ou kilometros receberia um premio, mas que era ainda um
segredo fechado uma caixinha. Abrindo-as encontrou um cartãosinho com o seguinte
escrito: "É tão excelso o trabalhar "Pró-Missões" que forçoso é confessa-lo; Na terra
nada se encontra que póssa devidamente premia-lo. Reconhecendo tal verdade, recorre
a gratidão dos beneficiado a fonte inexgotavel de um Bem Supremo. Em favor da
Vencedora será celebrada a Santa Missa por um gratissimo Missionario." Ø Póde
celebra-la ? Desde ja muito lhe agradeço.”
(Carta de Maria Elisa a Jerônimo. RJ, Friburgo, 20.10.1938.)
42
Na fase anterior, tratava seu irmão Jerônimo apenas por Tu.
198
120%
100%
80%
100%
100%
100%
75%
60%
40%
20%
0%
25%
0%
0%
1915 (38 anos) 1919 (42 anos) 1920 (43 anos) 1922 (45 anos) 1924 (47 anos) 1933 (56 anos) 1938 (61 anos)
-20%
Você
Gráfico 8: Comportamento lingüístico da missivista Maria Elisa em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1915 e 1938.
No gráfico 8, observa-se o comportamento instável de Maria Elisa
ao longo de sua vida. A missivista que, no início da sua fase adulta (aos
38 anos, em 1915), assume o emprego categórico de Você, com apenas
01 ocorrência, (exemplo 44) passa a empregar, no final da sua idade
adulta (entre os seus 43 até os 47 anos), o Tu para fazer referência aos
irmãos Fernando (jovem) e Jerônimo (adulto e idoso) e volta, na sua
velhice (entre 56 e 61 anos), a empregar categoricamente o Você.
(44) “Sei que Você tem gozado saude, não é?”
(Carta de Maria Elisa a Fernando. Pará, 28.07.1915.)
Em 1922, tem-se o uso categórico de Tu (35 ocorrências – 100%
dos dados) que assim se mantém até 1924 (02 ocorrências – 100% dos
dados). Na velhice de Maria Elisa, a autora opta categoricamente pelo
inovador Você (10 ocorrências – 100% dos dados) em duas cartas com
56 anos (1933) e com 61 anos (1938).
O curioso é observar que o uso ora de Tu, ora de Você somente se
dá para com o irmão mais novo Fernando. Parece que Maria Elisa
mudou o tratamento empregado ao irmão Jerônimo: na fase adulta, o
199
tratava por Tu, ao passo que, na velhice, optou categoricamente por
Você.
Ainda que as ocorrências de Vocês e de Vós não tenham entrado no
cômputo dos dados de sujeito de segunda pessoa do discurso, expõemse os contextos de suas duas aparições nas cartas de Maria Elisa. Em
(45), verifica-se que o fato de Vocês combinar-se com o possessivo (tua)
– “tua cartinha” – evidencia a mescla de tratamento na produção escrita
de Maria Elisa.
Em (46), tem-se a única ocorrência de Vós lançada pela adulta
Maria Elisa, ao se dirigir ao também adulto Pe. Jerônimo, em uma
missiva inflacionada por dados de Tu (11 ocorrências). Em relação a
esse dado de Vós, há que se colocar a seguinte questão: surge uma
dúvida, em (46), sobre o emprego da forma verbal ‘desseis’ como
evidência de Tu (désseis) ou de Vós (désseis). Não se sabe se é
realmente um caso de Vós ou de Tu a partir da ditongação por confusão
com a grafia da flexão verbal correspondente ao pronome Vós (‘se tu
desses’ versus ‘se vós désseis’), conforme se observa na imagem 18.
Imagem 18: Trecho de carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo em Pouso Alegre, 29.06.1922.
Em suma, tanto o dado de Vocês, quanto o possível dado de Vós se
apresentam circundados por formas relacionadas a P2 (Tu): o pronome
possessivo de segunda pessoa (‘tua cartinha’ e ‘teus sacrificios’,
respectivamente). Corroboram-se, pois, os resultados da análise geral
200
dos dados desta tese (item 5.2), assim como os de outras investigações –
Lopes (2008 e 2007) e Marcotulio et alii (2007) – acerca do pronome
possessivo como contexto de resistência do Tu na constituição do novo
quadro pronominal supletivo do PB.
(45) “Recebi tua cartinha que muito agradeço. Aqui tão longe me é tão grato umas
noticias de vez e quando de Vocês !”
(Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. Pouso Alegre, 01.01.1920.)
(46) “(...) Acho muito bom que leves os óssos de Papae para Petropolis, mas si assim
fizeres, então não deixes lá a Imagem de Nossa Senhora, sim ? [espaço] Eu queria que
m’a desseis para fazermos aqui uma Gruta e assim vêl-a venerada sempre.”
(Carta de Maria Elisa ao irmão Jerônimo. Pouso Alegre, 29.06.1922.)
Observe-se, em
(47), ainda que tal dado não tenha sido
contabilizado, a ocorrência da forma Você como termo de sujeito
composto – ‘Você, Jeronymo e Bêbê’ – estabelecendo, pois, concordância
com a forma verbal ‘acharem’ flexionada na terceira pessoa do plural.
(47) “Não acho que titio Jânio tenha razão; comtudo me sujeito ao que Você, Jeronymo e
Bêbê acharem.”
(Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. 18.10.1919.)
Por fim, a análise da performance lingüística de Maria Elisa
sugere a sua instabilidade. Na amostra de cartas distribuídas entre os
anos de 1915 e 1924, em um intervalo temporal de apenas nove anos,
observou-se, durante a fase adulta, uma mudança de comportamento
da informante em relação à juventude e à fase idosa: 1) uso variável de
Você e Tu para destinatário mais jovem (Fernando); 2) emprego de Tu
exclusivo para destinatário de mesma idade. Já entre os anos de 1933 e
1938, a idosa Maria Elisa volta a usar categoricamente o inovador Você.
201
♦
Maria Joana: o percurso lingüístico de uma mulher
jovem desde a sua juventude até a sua velhice na
primeira metade do século XX.
O painel da informante Maria Joana se constituiu com base na
análise de trinta e três cartas por ela produzidas, no Brasil43, entre os
anos de 1912 e 1947. Trata-se de um material inédito por recobrir o
perfil lingüístico de três fases da vida do indivíduo como missivista
jovem (1912), adulta (1917 – 1933) e idosa (1943 – 1947). Nessa
amostra de cartas confeccionadas por Maria Joana44, a informante
encaminha suas missivas ao jovem Fernando, à adulta Maria Elisa, ao
adulto e idoso Pe. Jerônimo e a um irmão não identificado.
À exceção das cartas produzidas por Maria Joana em 16.01.1912 e em 23.01.1918 nas
quais não há menção ao local de confecção das missivas.
44
A informante Maria Joana tornou-se uma Religiosa Dorotéia. No convento, era tratada
como Madre Magalhães e, como Jane, no seio da família.
43
CARTAS DA MISSIVISTA MARIA JOANA
(INTERVALO DE 35 ANOS – DE 1912 A 1947)
(33 CARTAS)
MARIA JOANA JOVEM
(EM 1912, COM 26 ANOS.)
NO
202
PRONOMES
(01 CARTA)
TU
Local e data
1
16.01.1912
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
Nulo
26
Irmão
-
-
VOCÊ
Pleno
Nulo
-
03/07
(43%)
TU
VOCÊ
TU
VOCÊ
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
-
-
-
-
-
-
-
-
-
01/06
(17%)
01/14
(07%)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
01/18
(06%)
-
-
-
-
-
-
01/01
(100%)
-
-
-
-
01/08
(12%)
-
-
-
52
11/11
(100%)
02/02
(100%)
06/06
(100%)
05/06
(83%)
13/14
(93%)
04/04
(100%)
03/03
(100%)
09/09
(100%)
07/07
(100%)
06/06
(100%)
08/08
(100%)
10/10
(100%)
03/03
(100%)
05/05
(100%)
17/18
(94%)
05/05
(100%)
03/03
(100%)
08/08
(100%)
07/08
(88%)
-
-
52
-
-
52
-
-
52
-
-
01/02
(50%)
03/06
(50%)
03/09
01/01
(100%)
01/02
(50%)
03/06
(50%)
06/09
52
-
-
52
-
-
01/02
(50%)
-
52
-
-
-
52
-
-
52
-
-
01/03
(33%)
02/04
(50%)
-
MARIA JOANA ADULTA (1917 – 1933)
(INTERVALO DE 16 ANOS - ENTRE 31 E 47 ANOS)
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
Olinda,
08.11.1917.
23.01.1918
Fortaleza, 08
e 10.09.1919.
Fortaleza,
20.09.1919.
CE, Baturité,
15.11.1919.
CE, Baturité,
22.11.1919.
Fortaleza,
22.01.1920.
Manaus,
27.04.1920.
Manaus,
12.08.1920.
Manaus,
06.09.1920.
São Luiz,
29.03.1921.
São Luiz,
26.12.1922.
São Luiz,
22.06.1923.
São Luiz,
26.01.1924.
Turú,
17.12.1924.
São Luiz,
15.04.1925.
PE, Olinda,
17.12.1927.
Recife, 20.06
e 08.08.1928.
Gravatá,
19.12.1929.
RJ, Friburgo,
07.02.1933.
RJ,
21.02.1933.
RJ,
27.04.1933.
RJ,
25.06.1933.
RJ,
05.09.1933.
RJ,
17.09.1933.
RJ,
01.11.1933.
RJ,
02.11.1933.
RJ,
02.11.1933.
RJ,
16.12.1933.
(29 CARTAS)
31
Irmão
-
32
Irmão
-
33
42
33
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.)
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Irmão
33
Irmão
-
34
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.)
43
33
34
34
34
35
36
37
38
38
39
41
42
43
47
47
47
47
47
47
47
47
47
47
26
-
39
43
39
40
41
42
43
43
44
46
47
48
52
TOTAL
MARIA JOANA IDOSA (1943 – 1947)
(INTERVALO DE 04 ANOS - ENTRE 57 E 61 ANOS)
(03 CARTAS)
04/07
(57%)
07/07
(100%)
07/195
(03%)
TOTAL
2.
Pleno
03/03
(100%)
135/139
04/139
11/35
(97%)
(03%)
(31%)
139/174
33/174
(80%)
(20%)
174/194
(90%)
TU
VOCÊ
Nulo
Pleno
Nulo
01/02
(50%)
02/02
(100%)
04/04
(100%)
02/03
(67%)
02/04
(50%)
01/01
(100%)
24/35
(69%)
Pleno
203
Tabela 16: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Joana aos
irmãos entre os anos de 1912 e 1947.
204
Com base nos resultados gerais da tabela 16, verifica-se a
preferência pelo emprego do Tu pronominal, em 72% dos dados (139
ocorrências), como sujeito de segunda pessoa do discurso ao fazer
referência, no contexto epistolar, aos irmãos Maria Elisa (adulta),
Fernando (adulto), Jerônimo (adulto e idoso) e a um irmão não
identificado.
Em sua juventude, através da análise de uma única missiva
produzida em 1912, foi possível detectar que a informante opta
categoricamente pelo Você pronominal como sujeito (07 ocorrências –
100% dos dados), preferindo a realização plena de tal pronome, em 57%
dos dados (04 ocorrências). Em (48) e (49), são apresentadas três
ocorrências do Você não expresso, isto é, nulo, respectivamente, em
orações absolutas, contexto sintático favorecedor da representação nula
do sujeito pronominal, cf. Duarte (2003).
(48) “Então, como se decidiu logo a sua partida ! Ø irá até ao Pará ? Eu escrevo a Isa,
pelas Irmãs nossas que vão no mesmo vapor que Você e das quaes uma vae até ao
Pará. Peço a Nosso Senhor que Você faça muito boa viajem ... Ø poderá celebrar a
bordo?”
(Carta de Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.)
(49) “Porém, desejava muito que até Maio Você tivesse ao menos uma intençãozinha
pequena nas suas preciosas missas para uma graça especialissima, que preciso obter,
sem remissão este anno. [espaço] É uma graça espiritual. – Como Ø deixou a nossa
Leonor ? E Mamãe ? Todas nós o accompanharemos com o pensamento até o fim de
sua viagem; e eu lhe dou todos os dias, uma parte em minhas pobre communhões.”
(Carta de Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.)
Ao tornar-se adulta, observa-se, a partir do exame de vinte e nove
cartas, a preferência de Maria Joana pelo Tu pronominal, em 80% dos
dados (139 ocorrências), privilegiando a sua realização nula em 97%
dos
casos
(135
ocorrências).
Convém
expor
as
quatro
únicas
ocorrências (03% dos dados) do pronome Tu expresso como se verifica
de (50) a (53) pelo fato de ser raro, no período em questão, o
preenchimento do sujeito com pronomes que apresentam marca
flexional no verbo como é o caso de Tu. O Tu íntimo apresentou-se como
205
sujeito preenchido nas sentenças interrogativas diretas de (50) a (52) e,
em (53), como um comentário em contexto sintático de uma oração
absoluta. Os três primeiros exemplos, como se vê, constituem
ambientes sintáticos que se firmarão mais tarde como favorecedores ao
preenchimento (cf. Duarte 1993).
(50) “Meu Fernando, escreve-me longamente... dize-me quantas missas por ahi os bons
padres celebraram por ella, e tu como te achas ... ah! avalio o teu pobre coração como
estará ainda!..”
(Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1920.)
(51) “Si vierem acharão bom acolhimento na família Arruda... Tu, porém, não digas
cousa alguma a ellas a este respeito, sim?”
(Carta de Maria Joana ao irmão. Baturité, Ceará, 15.11.1919.)
(52) “E tu, meu Padre Jeronymo, quando vaes a Argentina? Não penses que me esqueci
dos presentinhos para Madre Auxiliadora, já tenho uma caixa com alguns e não mandei
por falta de portador.”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. Turú, 17.12.1924.)
(53) “Isto, porém, é o menos, pois se refere a mim... e tu bem me conheces: vou
passando por cima de tudo.”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. Gravatá, 19.12.1929.)
Até os quarenta e três anos de idade, observa-se que Maria Joana
emprega preferencialmente o Tu, passando depois a optar pelo Você.
Ainda que o Você tenha assumido uma baixa produtividade – 20% dos
dados (33 ocorrências) –, nas cartas da Maria Joana adulta, convém
observar, em (54) e (55), manifestações nulas de tal pronome. O
emprego de Você parece ser sistemático no fim da sua fase adulta.
Maria Joana o utiliza especificamente para o irmão já idoso Jerônimo
nas cartas escritas quando tinha 47 anos de idade. Em (54), o sujeito
nulo se justifica pelo fato de o sujeito/referente da oração relativa (Você)
ser o mesmo da principal (Você me envie), mostrando-se, pois,
sintaticamente acessível, cf. Duarte 2003. Em (55), ao Você pronominal
não expresso, em oração interrogativa direta, pode ser atribuída uma
motivação funcional.
206
(54) “Elle deseja saber as condições desse estabelecimento, por isso Você me envie os
estatutos e o mais que Ø julgar necessário ...”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. RJ, 21.02.1933.)
(55) “Envio-lhe esta do nosso Bêbê para Você constatar o resultado do nosso trabalho
junto a Santíssima Eminência – Parece que foi satisfatorio, apezar do cuidado que lhe
empregou para não deixar transparecer que ella já póde ser considerada “serva de
Deus” Mas elle tem toda a razão, Ø não acha ?”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 05.09.1933.)
Atente-se para o valor funcional dessa construção interrogativa ao
final dos enunciado – ‘sim?’, em (51) e ‘não acha?’, em (55).
Aparentemente ter-se-ia um prenúncio de um marcador conversacional
utilizado para manter a interatividade comum a cartas pessoais que se
aproximam de uma conversa cara a cara. Interessante observar que,
segundo Holmes (1984), as mulheres tendem, mais que os homens, a
estimular a participação do outro, requerendo uma confirmação ou uma
demonstração de que o ouvinte/interlocutor pode ou não concordar
com aquilo o que está sendo exposto, como se vê nesse caso.
Como uma informante idosa, verifica-se que, com base na análise
de três cartas, Maria Joana mantém o emprego categórico do Você para
se referir ao irmão Jerônimo (14 ocorrências – 100% dos dados),
evidenciando-os como sujeitos plenos de segunda pessoa do discurso
em 79% dos dados (11 ocorrências). Esporadicamente, a missivista, em
três ocorrências (21% dos dados), não preenche o Você pronominal,
conforme se observa de (56) a (58).
(56) “Penso em não ser, como Você diz e Ø sente, abalos nervosos pelos disparates de
minhas superiora – oh! não – com a maior calma eu sei mas de tantos estratagemas
para me livrar de suas ordens disparatadas...”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 20.02.1943.)
(57) “Não quero que Você vá embora pensando que eu vou me apurar na tal “Obediencia
cega” (...) No resto continuarei a procurar os alívios proprios a me fazer vencer a
situação ... Ø não acha que faço bem ?”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 20.02.1943.)
(58) “Bem, meu irmão, gostaria que Você me escrevesse 1 vez por mês, agora que o
podemos fazer confidencialmente, Ø aceita ?” – Qualquer coisa a Provincial resolva
sobre mim, Você saberá logo.”
(Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 18.08.1946.)
207
Em (56), o dado de Você nulo se evidencia em uma oração
coordenada à outra oração em que o sujeito Você está formalmente
preenchido e acessível sem intercalação de outros elementos: contexto
que favorece o não preenchimento, segundo Duarte (2003, 1995, 1996).
Já em (57) e (58), têm-se ocorrências de Você como sujeitos de segunda
pessoa não preenchidos em contextos de interrogativas diretas em fim
de enunciados, funcionando, como se viu em (55) como um marcador
conversacional que tende a facilitar a interação comunicativa com o
destinatário, sugerindo um “diálogo escrito”.
120%
100%
100%
100%
86%
80%
60%
40%
20%
0%
17%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
(1912 - 26 (1917 - 19 (1920 - 34 (1921- 35 (1922 - 36 (1923 - 37 (1924 - 38 (1925 - 39 (1927 - 41 (1928 - 42 (1929 - 43 (1933 - 47 (1943 - 47
anos)
entre 31e
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
anos)
entre 57 e
-20%
33 anos)
61anos)
Você
Gráfico 9: Comportamento lingüístico da missivista Maria Joana em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1912 e 1947.
A análise do gráfico 9 permite visualizar o comportamento instável
da missivista Maria Joana que, quando jovem emprega Você, ao longo
de sua idade adulta (entre os seus 31 e 47 anos) elege o Tu e, em sua
velhice, mais precisamente depois dos 47 anos, passa a retomar o Você
da juventude. A jovem missivista opta, na carta de 1912, pelo uso
categórico de Você (06 ocorrências), ao se dirigir a um irmão não
identificado no texto. No decorrer de sua fase adulta, entre os anos de
1917 e 1929, a informante passa a eleger o Tu pronominal. Observe-se,
208
contudo, que a missivista, em uma única carta produzida em 1925,
com 39 anos, evidencia uma mistura de tratamento: tem-se ora o
emprego do Tu como sujeito nulo, em 83% dos dados (05 ocorrências),
ora o uso do Você como sujeito pleno, com 17% dos dados (01 única
ocorrência), conforme se observa em (59) e (60).
(59) “ Imagino como Ø estás zangadinho com tua Jane... que, nem signal deu do
recebimento de tua carta depois da viagem á Argentina e do bello livro que ella me
enviou!.. Faço-o agora ... e peço te de uma vez para sempre que não Ø exijas mais
frequencia em minhas cartas... pois attendo a mil pequenas cousas aqui alem das
aulas.”
(Carta de Maria Joana a Jerônimo. São Luiz, 12.04.1925.)
(60) “Assim meu irmão querido, acho uma tolice enviar agora em dinheiro... Você
arranje seu negocio com Tio Janio.”
(Carta de Maria Joana a Jerônimo. São Luiz, 12.04.1925.)
Já em fins da sua fase adulta, com 47 anos, Maria Joana mostrase, em 1933, propensa ao emprego do Você, em 86% dos dados (34
ocorrências), para fazer referência ao idoso irmão Pe. Jerônimo nas
missivas em análise. Entretanto, em uma única carta confeccionada em
16 de dezembro de 1933, a informante evidenciou a mistura entre as
formas Tu como sujeito nulo, em 75% dos dados (03 ocorrências), e
Você como sujeito pleno, em 25% dos dados (01 única ocorrência), como
se verifica de (61) a (63), respectivamente. O único dado de Você
produzido por Maria Joana, nessa correspondência redigida em 1933, e
destinada ao irmão Jerônimo, deu-se em uma oração absoluta,
assumindo um tom de comentário elaborado pela missivista, conforme
se verifica em (63). Nesse caso, parece haver uma motivação funcional
para tal emprego, uma vez que ela inicia a oração com um “só”, ou seja,
Maria Joana afirma que apenas o irmão e mais ninguém “(..) pode
penetrar (..)” a sua intimidade, individualizando a representatividade do
irmão na sua vida.
(61) “(...) Sim, meu Jeronimo todos nós ... (seus irmãos) te apreciamos como Ø mereces e
te queremos cada dia mais...”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.)
209
(62) “Como se sente reconhecida pelo que Ø fizeste e Ø continuas a fazer pela nossa
pobre Leonor.”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.)
(63) “Ofereço-lhe todas as minhas orações e os meritos dos meus sacrificios deste mês
de Dezembro ... em que, realmente, eles me amargam mais .... Só Você póde bem
penetrar o meu intimo neste sentido.”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.)
Nas correspondências confeccionadas em 1943 e 1947, a idosa
Maria Joana, com 57 e 61 anos de idade, respectivamente, opta
categoricamente pelo Você (em 14 ocorrências – 100% dos dados) para
referir-se ao irmão Jerônimo que, por sua vez, se conserva também
idoso entre os 62 e 66 anos de idade.
Não obstante as ocorrências de Vocês não tenham participado do
cômputo dos dados, observam-se, de (64) a (67), as suas únicas seis
ocorrências na amostra de cartas em análise. Os dados de Vocês na
função de sujeito sustentam a hipótese do desuso de Vós conjecturada
por Cintra (1972), em relação ao português europeu do século XVIII.
Todas as ocorrências de Vocês se deixam evidenciar em cartas em que o
Tu prevalece e estão rodeadas pelo oblíquo sem preposição te, pelo
oblíquo com preposição a ti, e pelo possessivo teu/tua, o que permite
confirmar as constatações de Lopes (2007); Lopes (2008); Marcotulio et
alii (2007) e os resultados da análise geral dos dados desta investigação
(item 5.2) em relação às categorias gramaticais (pronome oblíquo sem
preposição (te) e pronome possessivo) figurarem como contextos de
resistência do conservador Tu.
(64) “(...) Desejamos saber minuciosamente o excesso de soffrimentos a que foi reduzido
aquelle corpo para nós sagrado ! e si Vocês podiam comprehender quaes eram as
penas de espirito que a torturavam, ou as angustias daquelle coração immenso... Ah!
Minha Isa, manda-nos tudo contar – a nossa correspondência também nos servira de
conforto neste transe cruel ... Padre Jeronymo talvez te diga alguma cousa do que
soffria !.. oh! que irmão admirável ... Basta dizer-te que as penas minhas já estavam a
tal ponto nos dias 7 – 8 – 9 que já desejava o ultimo telegrama que só veiu ás 4 horas
deste ultimo dia.”
(Carta de Maria Joana a irmã Maria Elisa. 08.09.1919 e Fortaleza, 10.09.1919.)
(65) “[espaço] Como ainda não me dirigi a ti sozinho após a amaríssima dôr que o nosso
bom Deus nos enviou, escrevo-te para pedir-te uma relação muito minuciosa do que se
210
passou com o nosso precioso thesouro desde o fatal dia 27 de Agosto em que adoeceu
gravemente ... E qual a lembrança que Vocês guardaram para nós auzentes?”
(Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1919.)
(66) “[espaço] Lourdes ou Irmã Maria Tereza já escreveu a Tia Mimi sobre tua
passagem por Juiz de Fora e falou sobre a trasnferencia de nossa Leonor por estes dias
... É real que Vocês já resolveram tudo ?”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.)
(67) “[espaço] Como ainda não me dirigi a ti sozinho após a amaríssima dôr que o nosso
bom Deus nos enviou, escrevo-te para pedir-te uma relação muito minuciosa do que se
passou com o nosso precioso thesouro desde o fatal dia 27 de Agosto em que adoeceu
gravemente ... Talvez já venha em caminho alguma noticia mais intima escripta pelos
nossos ... mas, me tenho admirado muito e ate me sentido bastante, que nem Isa nem
nenhum de Vocês quatro, que presenciaram as scenas dolorosas dos últimos dias; não
tenham querido participal-as aos irmãos ausentes, que ainda estão mergulhados maior
angustia...”
(Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1919.)
Os dados de Você, em (68) e (69), se dão em cartas voltadas para
o emprego majoritário do Tu, o que evidencia a mescla de tratamentos
nas suas missivas.
(68) “Por certo já saberás da noticia que teve aqui o Reverendo Padre Gomes sobre a
morte de seu extremoso Pae. (...) Pareceu-me ver Você naquella noite terrivel após o
recebimento do factal telegramma do dia 8 de Setembro.
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. São Luiz, 22.06.1923.)
(69) “Hoje teu anniversario natalício offereci minhas orações por tuas intenções, a boa
Madre Bancto tambem rezou por Você”
(Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. Gravatá, 19.12.1929.)
Enfim, constatou-se que Maria Joana evidenciou-se suscetível ao
emprego do inovador Você para fazer referência aos irmãos na
juventude e na velhice. Por outro lado, a missivista apresentou
comportamento distinto em sua fase adulta, direcionando-se aos irmãos
através do conservador Tu. Tal mudança de comportamento, ao mudar
de faixa etária, evidencia a instabilidade da informante.
211
6.3 A instabilidade das missivistas Maria Bárbara e Maria Rosa: a
preferência pelo Você pronominal.
♦
Maria Bárbara: uma mulher jovem em inícios do
século XX.
Em oito cartas confeccionadas por Maria Bárbara, o levantamento
e a análise das formas Tu e Você se efetivou entre os anos de 1911 e
1928, período em que a autora passava da juventude (28 anos) a idade
adulta (36-45 anos). A informante Maria Bárbara escreve, de São Paulo,
aos irmãos adultos Maria Elisa e Fernando, ao irmão Jerônimo ainda
jovem e já adulto e a um irmão não especificado. Nessas missivas, a
informante opta, em termos gerais, pelo Você, em 81% dos dados (17
ocorrências), como se observa na tabela 17.
212
CARTAS DA MISSIVISTA MARIA BÁRBARA
(INTERVALO DE 17 ANOS – DE 1911 A 1928)
(08 CARTAS)
MARIA BÁRBARA JOVEM
(EM 1911, COM 28 ANOS.)
NO
PRONOMES
(01 CARTA)
TU
1
Local e data
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
Nulo
SP, 25.06..1911.
28
Jerônimo
(*RJ,
19.12.1881.)
30
-
VOCÊ
Pleno
-
TOTAL
Pleno
07/08
(88%)
01/08
(12%)
08/22
(36%)
MARIA BÁRBARA ADULTA (1919 – 1928)
(INTERVALO DE 09 ANOS - ENTRE 36 E 45 ANOS)
2
SP, 16.02.1919.
3
SP, 30.03.1921.
4
SP, 05.07.1922.
5
SP, 22.10.1925.
6
SP, 19.04.1926.
(07 CARTAS)
36
Maria Elisa
(*RJ,
27.04.1877.)
38
Jerônimo
(*RJ,
19.12.1881.)
39
Maria Elisa
(*RJ,
27.04.1877.)
42
Fernando
(*RJ,
04.09.1893.)
43
irmão
7
SP, 28.12.1926.
43
irmão
8
SP, 18.01.1928.
45
irmão
TOTAL
Nulo
TU
VOCÊ
Nulo
Pleno
Nulo
42
01/01
(100%)
-
-
-
40
01/01
(100%)
-
-
-
45
01/01
(100%)
-
-
-
32
01/01
(100%)
-
-
01/01
(100%)
-
-
-
05/07
(71%)
-
-
Pleno
02/07
(29%)
01/01
(100%)
01/01
(100%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
04/04
05/10
05/10
(100%)
(50%)
(50%)
04/14
10/14
(29%)
(71%)
14/22
(64%)
TU
VOCÊ
04/22
(18%)
18/22
(82%)
22/22
(100%)
Tabela 17: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela
informante Maria Bárbara aos irmãos entre os anos de 1911 e 1928.
213
Ainda que com base em única missiva produzida por Maria
Bárbara, em sua juventude, foi possível averiguar a preferência
categórica da autora pelo Você. Em 88 % desses dados (07 ocorrências
de Você), a representação nula do Você foi a opção da missivista.
Observe-se que, em 70, a única ocorrência do Você pleno (12% dos
dados) é contrastiva, sendo seguida por seis ocorrências do Você nulo.
Nessa seqüência de orações, as seis ocorrências de Você nulo se
justificam, de acordo com Duarte (2003) e Paredes Silva (2003), por
inexistir, elementos intervenientes que prejudiquem a acessibilidade
sintática à primeira menção ao sujeito Você.
(70) “Temos a mesma missão querido Irmão a de salvar almas eu aqui dentro de meu
amado claustro e você pelo mundo enteiro aonde a obediencea lhe mandar, que missão
tão soblime !!! não é ? (...) Soube que Ø (1) tem tenção Ø (2) de pedir (3) para Ø mudar
de casa [pelo] (4) por Ø te achar peor dos ouvidos; se Ø (5) quer meu parecer, não pessa
isto pois o melhor é nada (6) Ø pedir e nada Ø (7) recusar;”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão Jerônimo. SP, 25.06.1911.)
Ao migrar para a fase adulta, observa-se, a partir da análise de
sete cartas produzidas pela missivista Maria Bárbara, que esta continua
a assumir a preferência pelo Você, em 71% dos dados (10 ocorrências),
sendo que 50 % dos dados são de Você nulo (05 ocorrências) e 50%
pleno (05 ocorrências). Observem-se, em 71, as cinco ocorrências da
forma Você nula e as cinco ocorrências do Você pleno, de (72) a (75),
respectivamente.
(71) “Não vale a pena eu escrever ao Senhor Padre Yábar, pois elle disse-me que está
prompto para escrever o que voce quizer, voce é que deve escrever-lhe dizendo o que Ø
(1) quer (ou sobre o que Ø (2) quer que elle escreva, sua direção é Egreja do Bom Jesus Itú. Ainda Ø (3) terá algum beographia de Mamãe ? se Ø (4) tiver me mande que aqui
tem muitas pessoas que desejam ler e não encontram na livrarias d'aqui. Ø (5) Tem
muito trabalho ahi? as missões eram melhor não ?”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 19.04.1926.)
(72) “Gostei muito dos pensamentos de Papae e Mamãe na estampa, como você teve
boa ideia! Deus lhe pague por tudo.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.)
214
(73) “Não vale a pena eu escrever ao Senhor Padre Yábar, pois elle disse-me que está
prompto para escrever o que voce quizer, voce é que deve escrever-lhe dizendo o que
quer (ou sobre o que quer que elle escreva, sua direção é Egreja do Bom Jesus - Itú.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 19.04.1926.)
(74) “Mano, se voce pudesse me arranjar um desse aparelho de ouvir melhor como
Mamãe deu a Amáalia eu ficaria muito contente e nossa Madre pagaria a importancia.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 28.12.1926.)
(75) “Nossa bondosa Madre permitte com prazer que voce e seu companheiro se
hospedem aqui na casa do capellão, de minha parte também tenho immenso gosto.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 18.01.1928.)
Observe-se que, em 71, as ocorrências de Você como sujeito nulo
são motivadas pelo fato de estarem quase todas coordenadas entre si,
cf. Duarte (2003), e por terem o referente sintaticamente acessível, cf.
Duarte (2003); Paredes e Silva (2003).
A análise de (72) revela que o Você preenchido se dá em uma
oração absoluta. As realizações plenas do Você têm como motivações as
orações introduzidas por elemento qu-, em 73, e a conjunção
subordinativa ‘se’, em (74), contextos sintáticos estes já comprovados
por Duarte (2003) como favorecedoras ao preenchimento do sujeito. Já
em (75), o Você plenamente realizado se deixa evidenciar em uma
oração introduzida por elemento qu-, mas diferentemente dos outros
exemplos, nesse caso, o sujeito da subordinada (Você) não é o mesmo
da principal (minha bondosa madre).
Constata-se, pois, que a adulta Maria Bárbara assume um
comportamento lingüístico regular em função do destinatário. A autora
somente trata a irmã adulta Maria Elisa pelo conservador Tu, ao passo
que se dirige a um irmão não identificado somente pelo inovador Você.
A missivista, por outro lado, evidencia um comportamento variável em
relação ao irmão Fernando: ora o trata irmão por Tu, ora o trata pelo
inovador Você. O gráfico 10 ilustra o comportamento dela na passagem
de sua juventude para sua vida adulta.
215
120%
100%
100%
100%
80%
60%
50%
40%
20%
0%
1911 (28 anos)
0%
1919 - 22 (36 - 39 anos)
1925 (42 anos)
1926 - 28 (43 - 45 anos)
-20%
Você
Gráfico 10: Comportamento lingüístico da missivista Maria Bárbara em relação ao emprego de Você como
sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1911 e 1928.
A apreciação do comportamento lingüístico de Maria Bárbara, em
fins de sua juventude e na sua fase adulta, através do gráfico 10,
evidencia a sua instabilidade em relação ao emprego dos pronomessujeito Tu e Você. Mesmo que a análise do comportamento lingüístico
da informante, em sua juventude, esteja representada por uma única
missiva (a de 1911), o que pode debilitar este estudo, constata-se que a
missivista assume categoricamente a preferência pelo Você pronominal.
No início da sua vida adulta, nota-se uma mudança de comportamento,
pois só emprega o Tu. Ao longo dessa segunda fase, verifica-se, com
base na análise de sete cartas, produzidas entre 1919 e 1928, o
decréscimo das freqüências de uso do Tu pronominal (1919 – 22, com
100%, → 1925, com 50%, → 1926 – 28, com 0%), em contraposição ao
uso inovador do Você, que se firma como categórico entre 1926 e 1928
(100% dos dados).
É conveniente resgatar as ocorrências de Você e Tu, conforme se
verifica em (76) e (77), produzidas por Maria Bárbara no contexto de
216
uma única carta, a de 1925. Nessa carta, a autora assume um
comportamento variável entre as duas estratégias de referência ao seu
irmão adulto Fernando, selecionando ora o conservador Tu (01
ocorrência), ora o inovador Você (01 ocorrência). Acrescente-se que o
emprego dessas duas formas de referência ao interlocutor (Tu nulo e
Você pleno) se dão na mesma página (2ª página) da carta em análise.
(76) “Gostei muito dos pensamentos de Papae e Mamãe na estampa, como você teve
boa ideia ! Deus lhe pague por tudo.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.)
(77) “Leonor está bem melhor graças a Deus se ella fizesse os votos creio que ficaria boa
não Ø achas ?”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.)
Em (76), tem-se o Você na expressão de um comentário de teor
avaliativo proferido pela missivista Maria Bárbara. Por outro lado, em
(77), a informante Maria Bárbara muda para o Tu, ao interrogar
diretamente o seu interlocutor (Fernando), no fim do enunciado,
invocando-o mais intimamente, cf. Holmes (1984), a envolver-se
naquela reflexão sobre a saúde da irmã Maria Leonor como se fosse um
“diálogo escrito”.
Observe-se, em (78), a única ocorrência do pronome Você em sua
forma pluralizada – Vocês –, como um sujeito de segunda pessoa do
discurso que, obviamente, não entrou na contagem dos dados. Nessa
carta, observa-se uma uniformidade de tratamentos com o uso de Vocês
vinculado a formas de P3 (Você) – lhe (no trecho em análise) e sua (ao
longo da carta).
(78) “O Fernando ocupadissimo ainda não veio até aqui, mas me escreveu agradecendo
uns doces que mandamos pela ocasião da tomada do governo da casa a nossa nova
Madre Superiora; está bom e promete vir breve, dos outros Irmãos tenho tido boas
noticias. Como sei que voces tem enteresse de saber como vou com a nossa nova Madre
e Já tenho satisfazido a alguns e hoje venho lhe dizer quanto nossa Madre é boa,
carinhosa e maternal, basta dizer a você que compriehede tão bem estes pontos, que
ella sofre e não faz sofrer e sofre quando vê suas filhas sofrer, por ahi pode avaliar
quanto e boa.”
(Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 02.08.1933.)
217
Por fim, a apreciação da conduta lingüística da missivista Maria
Bárbara, analisada com base em oito cartas produzidas em um período
de dezessete anos, a evidenciou instável no que se refere a sua
preferência pelo uso da forma Você para aludir aos irmãos. Em um
período de apenas nove anos de sua idade adulta (entre 1919, com 36
anos, e 1928, com 45 anos), observa-se que apesar de mostrar-se
propensa ao emprego do inovador Você, também usa o conservador Tu,
para fazer referência aos irmãos Maria Elisa, Jerônimo e Fernando.
218
♦
Maria Rosa: o percurso lingüístico de uma mulher
desde a sua juventude até a sua velhice na primeira
metade do século XX.
Com base em dezesseis cartas produzidas pela informante Maria
Rosa45, no exterior46, para os irmãos Fernando (jovem), Jerônimo (jovem,
adulto e idoso), Maria Elisa (adulta), Maria Joana (adulta) buscou-se
entender, conforme exposto na tabela 18, o seu comportamento
lingüístico nas três fases da sua vida.
Maria Rosa tornou-se a Sóror Maria Auxiliadora do Convento Bom Pastor.
As cartas produzidas por Maria Rosa foram redigidas nos seguintes países: Espanha
(Córdoba), Argentina (La Plata, Buenos Aires) e Uruguai (Montevidéu).
45
46
CARTAS DA MISSIVISTA MARIA ROSA
(INTERVALO DE 40 ANOS – DE 1908 A 1948)
219
(16 CARTAS)
MARIA ROSA JOVEM
(EM 1908, COM 30 ANOS.)
NO
PRONOMES
(01 CARTA)
TU
1.
Local e data
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
Córdoba,
25.02.1908.
30
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
27
Nulo
VOCÊ
Pleno
06/06
(100%)
-
MARIA ROSA ADULTA
(INTERVALO DE 17 ANOS – ENTRE 1911 – 1928)
(09 CARTAS)
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
La Plata,
04.11.1911.
Buenos Aires,
10.11.1917.
Buenos Aires,
25.11.1917.
Montevidéu,
04.03.1919.
Montevidéu,
11.09.1919.
Buenos Aires,
28.09.1919.
Buenos Aires,
18.01.1920.
Montevidéu,
16.02.1926.
Montevidéu,
21.07.1928.
33
39
39
41
41
41
42
48
50
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.).
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
30
36
36
26
38
42
43
45
42
TOTAL
MARIA ROSA IDOSA
(INTERVALO DE 17 ANOS - ENTRE 1931 – 1948)
(06 CARTAS)
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Montevidéu,
15.02.1931.
Buenos Aires,
13.02.1933.
La Plata,
28.11.1933.
Buenos Aires,
15.04.1934.
Buenos Aires,
20.10.1946.
La Plata,
01.02.1948.
53
55
55
56
68
70
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Fernando
(*RJ, 04.09.1893.)
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
TOTAL
Pleno
-
-
06/88
(07%)
TOTAL
2.
Nulo
45
52
52
41
65
67
TU
Nulo
VOCÊ
Pleno
Nulo
Pleno
04/04
01/01
(100%)
(100%)
04/04
01/02
01/02
(100%)
(50%)
(50%)
04/04
(100%)
01/02
01/02
02/02
(50%)
(50%)
(1005)
02/03
01/03
(67%)
(33%)
02/02
(100%)
03/03
02/02
(100%)
(100%)
01/01
02/04
02/04
(100%)
(50%)
(50%)
01/01
05/05
(100%)
(100%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
22/24
02/24
03/16
16/16
(92%)
(08%)
(19%)
(81%)
24/40
16/40
(53%)
(47%)
40/88 (45%)
TU
VOCÊ
Nulo
01/01
(100%)
02/02
(100%)
01/01
(100%)
-
Pleno
-
Nulo
Pleno
-
03/03
(100%)
03/06
03/06
(50%)
(50%)
06/06
(100%)
01/02
01/02
(50%)
(50%)
05/07
02/07
(71%)
(29%)
02/02
05/12
07/12
(100%)
(42%)
(58%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
06/06
14/36
22/36
(100%)
(39%)
(61%)
06/42 (14%)
36/42 (86%)
42/88 (48%)
TU
VOCÊ
36/88
52/88
(41%)
(59%)
88/88 (100%)
Tabela 18: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela
informante Maria Rosa aos irmãos entre os anos de 1908 e 1948.
220
A informante Maria Rosa, ao passar da juventude para a fase
adulta e, em seguida, para a velhice, seleciona o Você, em 59% dos
dados (52 ocorrências) como estratégia para fazer referência aos irmãos,
conforme se nota no cômputo geral dos dados de Tu e Você,
apresentado na tabela 16. Observa-se que há, na produção escrita de
Maria Rosa, o predomínio da mescla das formas Tu e Você no decorrer
de uma mesma carta, prevalecendo o Você, no período que recobre o
final da sua idade adulta, mais precisamente desde os seus 48 anos, até
a sua velhice, representada por cartas produzidas aos seus 70 anos.
Destaque-se ainda que o fato de a informante Maria Rosa ter passado
grande parte de sua vida em países hispano-americanos (Buenos Aires,
Córdoba, Montevidéu, La Plata) pode ter motivado a produtividade
variável das formas Tu e Você.
Observe-se que Maria Rosa evidencia, no nível do vocabulário
empregado nas suas cartas, interferência do espanhol: em (81), tem-se
“su santo manto” por “seu santo manto”, em (82), “hace” por “há”, em
(83), “olvides” por “esqueças”, “mucho” por “muito” e, em (102), “organo”
por “órgão”. As visíveis transferências do vocabulário espanhol para o
português
permitem
conjecturar
a
hipótese
de
uma
possível
interferência lingüística do espanhol nos empregos tratamentais da
informante.
A análise das formas Tu e Você em relação às fases de vida da
missivista
revelou
que
a
informante,
aos
seus
30 anos,
opta
categoricamente pelo Tu nulo, em 100% dos dados (06 ocorrências) da
carta em análise. Os dados de Tu produzidos pela jovem missivista
Maria Rosa se deixaram evidenciar com base na análise de uma única
carta direcionada ao seu irmão Jerônimo (em 1908), como se observa de
(79) a (83).
(79) “Certamente nosso bom Jesús te pagará tudo ! Já me imagino o gozo que Ø terás
tido, de passar alguns dias com nossos caros Paes, em Santa Fé, alegrando-os com sua
companhia; e mais que todo convertendo tantas pobres almas que vivem ahi.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
221
(80) “Creio que Ø terás celebrado com grande fervor a festa de Nossa Senhora de
Lourdes quero dizer da 1a Aparição.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
(81) “Neste dia aqui celebramos com muita solemnidade, e na noite fomos todas em
peregrinação a gruta de Lourdes, (que temos aqui), n'estes preciosos momentos que
mais parecia o Céo que a terra, não me esqueci de ti querido irmão, e muito pedi a esta
Mae celeste que te ampare com su santo manto, e que Ø sejas um ministro segundo o
coração de Jesus.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
(82) “Mande-me dizer que trabalho fazeis no Caraça, e se já Ø Pregas muito nas
Igrejas, pois desejo saber. [espaço] Do Reverendo Padre Monteiro que noticias me Ø
dás ? hace muito que nada sei, nem adonde está.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
(83) “Peço-te tambem que Ø não te olvides de rogar por nossa digna Madre, e por esta
casa de Córdoba.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
Na fase adulta da sua vida, constata-se que a informante Maria
Rosa continua a optar pelo Tu, em 53% dos dados (vinte e quatro
ocorrências), preferindo o seu não preenchimento (Tu nulo), em 92%
dos dados (vinte e duas ocorrências), o que condiz com o parâmetro de
língua de sujeito nulo no PB que ainda vigora na escrita de inícios do
século XX. A realização plena do conservador Tu somente foi observada
em 08% dos dados, o que corresponde às duas únicas ocorrências a
serem apresentadas em (84) e (85), em construções mais diretivas em
que a missivista convoca o interlocutor a se envolver mais, cf. Holmes
(1984), na situação comunicativa. Atente-se para o fato de que, em (85),
a autora, ao invitar o irmão a constituir-se como o laço de união entre
os demais irmãos, o faz através da combinação de uma forma de (P2) –
Tu pleno – com uma forma verbal imperativa de terceira pessoa (P3) –
seja: “seja tu” no lugar de “sê tu” ou de “seja você, como se verifica na
imagem 19.
(84) “O coração do Jesuita comprehenderá todas ás torturas intimas das almas, assim
tu comprehenderás algumas das minhas !”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.)
222
(85) “(...) Meu consolo é resar por ella, e chorar. Espero que me escrevas contando tudo
que lhe diz respeito, pôde fazer os Votos. Que doença foi ? Já te imaginarás todo meu
soffrimento ! Agora seja tu o laso de união entre todos, porem com prudencia, sobretudo
com ás Dorothéas.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 11.09.1919.)
Imagem 19: Trecho da carta de Maria Rosa, com 41 anos, ao irmão Pe. Jerônimo, confeccionada em
Montevidéu, 11.09.1919.
Ainda em sua fase adulta, observa-se que a missivista realiza o
pronome Você em 47% dos dados (16 ocorrências), sendo que em 81%
desses dados (13 ocorrências) o Você é expresso e, em somente 19% dos
dados (03 ocorrências), o Você não é expresso, como se tem
exemplificado de (86) a (88), respectivamente.
(86) “Você meu irmãosinho anime a todos e veja se Ø pode ir vel-a no Convento, que é
este seu maior desejo; oxalá possa ir minhas irmãs e Fernandinho com Bebesinho.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 10.11.1917.)
(87) “Graças à Deus que aqui achei à N. Madre Assumpção que Você conhece seu
coração, porem quando Ø possa offereça uma Missa por mim preciso mucho.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.)
(88) “Não te imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso ! A Você devo
este gozo, te agradeço de mais. O Padre Luiz foi encantado da bondade de Nossas
Madre e pensa voltar. Será quando Deus queira. Os annos passam. N. Madre Você
está muito velhinha, quem sabe o que será depois. Como estão nossas irmãs ? A todas
muitas lembranças. Quando Ø escreva a Leonor diga que recebi sua carta (duas) para
Paschôa lhe escrevo, hoje não está meu espírito para escrever a ninguem.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.)
223
Nas
sentenças
(86),
(87)
e
(88),
o
referente
(Você)
está
sintaticamente acessível, constituindo, conforme já atestado por Duarte
(2003); Paredes Silva (2003), um contexto favorecedor ao sujeito nulo no
PB.
Ao se tornar uma informante idosa, Maria Rosa mostra-se mais
propensa ao emprego do Você pronominal, em 86% dos dados (36
ocorrências), em detrimento do Tu. Acrescente-se ainda que privilegie a
expressão plena do Você, em 61% dos dados (22 ocorrências).
Observem-se, de (89) a (93), as seis únicas ocorrências do Tu
pronominal, categoricamente nulo, em 100% dos dados, produzidas
pela idosa Maria Rosa para fazer referência aos irmãos Maria Joana e
Fernando nas cartas utilizadas neste estudo de painel.
(89) “Me Ø perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e
toco organo para que cantem as meninas (...)”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 15.02.1931.)
(90) “(...) esperava já estar destinada para alguma casa, e assim mandar-te minha nova
direcção, porem como Nossa digna Madre Provincial me permittiou ficar aqui alguns
dias, te escrevo porque penso que Ø estarás desejoso de saber como chegamos.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.)
(91) “De novo te abraço com todo nosso amor fraterno e me Ø darás a benção, rogando
sempre por esta tua irmã que te estima com extremo.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.)
(92) “(...) Não te Ø imaginas os preparativos que se faz em Buenos Aires para o
Congresso Eucharstico estão todos contentes com o Cardeal que vão ter.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 28.11.1933.)
(93) “Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você Nossa Madre te manda lembranças
o mesmo Irmã Maria Rosa - e Irmã Maria Agustinha, (a do gallinheiro) acabaram as
hostias que Você consagrou, não pude deixar de chorar - por ahi Você vê minha
amizade por meu irmão. Recebe lembranças de Don Oreste Doria Agusta e do pobre
quintero Don Juan. Quando visite o tumulo de nossa santa mãe não te Ø esqueças de
pedir pelas minhas intenções.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
O conservador Tu nulo mostra-se em oração raiz, em (89), (92) e
(93), contexto sintático deflagrador da representação nula do pronome,
cf. Duarte (2003). Em (90), observa-se, por sua vez, a marca desinencial
como a responsável por resgatar a acessibilidade sintática do referente
224
de P2 (Tu), o que poderia justificar, cf. Duarte (2003) e Paredes Silva
(2003), o não preenchimento do sujeito de segunda pessoa. Já em (91),
o Tu se evidencia nulo em construção coordenada, contexto sintático
favorecedor da representação nula do sujeito, conforme Duarte (2003).
120%
100%
100%
80%
80%
90%
83%
75%
80%
60%
40%
40%
20%
20%
0%
0%
1908 (30 1911 (33
anos)
anos)
20%
22%
1917 (39
1919
anos)
(41anos)
1920 (42
anos)
1926 (48 1928 (50
anos)
anos)
1931 (53
anos)
1933 (55
anos)
1934 (56 1946 - 48
anos)
(68 a 70
anos)
Você
Gráfico 11: Comportamento lingüístico da missivista Maria Rosa em relação ao emprego de Você como sujeito
pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1908 e 1948.
A partir da análise do gráfico 11, é possível visualizar o
comportamento instável de Maria Rosa no que se refere à produtividade
das formas Tu e Você como sujeitos pronominais de segunda pessoa do
discurso. O seu perfil instável é delineado principalmente na sua idade
adulta, período em que emprega as formas Tu e Você para fazer
referência aos seus irmãos, optando pelo Você desde os 48 até os seus
70 anos. Interessante observar que o traçado da curva, diferentemente
dos gráficos referentes às suas irmãs, se delineia com um aumento
gradativo e constante da implementação de Você.
Entre os seus 30 e 42 anos de idade, vivenciados entre os anos
1908 e 1920, Maria Rosa mostra-se mais propensa ao uso do Tu
pronominal com freqüências de uso de 100% (1908) → 80% (1911) →
80% (1917) → 78% (1919) → 60% (1920). À proporção que começa a
envelhecer,
observa-se
um
aumento
na
produtividade
do
Você
225
pronominal (80% (1926) → 83% (1928) → 75% (1931) → 80% (1933) →
100% (1933) → 90% (1946-48)) como estratégia de referência aos
irmãos nas cartas deste estudo de painel. A análise das epístolas
pessoais
de
Maria
Rosa
aos
seus
irmãos
evidenciou
o
seu
comportamento instável que parece ir implementando o Você ao longo de
sua vida.
Convém comentar o comportamento variável assumido por Maria
Rosa em algumas cartas de sua fase adulta. Embora se tenha
observado que, em tais missivas, a autora tenha preferido o emprego do
Tu, nota-se um aumento progressivo das freqüências de uso do Você
que passa de 20% (em 1911/1917 – carta n o 2-4), para 22% (em 1919 –
cartas nos 5, 6 e 7), para 40%, (em 1920 – carta no 8), para 80% (em
1926 – carta no 9) e para 83% (em 1928 – carta no 10). Dessa forma,
parece interessante voltar à análise para os contextos sintáticos que
licenciam as ocorrências de Você, como se observa de (94) e (95), em
orações absolutas, e, em (96), em construção relativa, corroborando os
resultados de Duarte (1993). Em quase todos os casos o emprego de
Você se justifica pela individualização do destinatário, quando o
referente não está tão acessível.
(94) “Como desejaria estar comtigo, oh! quantas cousas tenho para te dizer ! mas, este
momento não chega nunca, e Você como Padre e com religioso bem póde comprender ás
misérias do coração humano.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 04.11.1911.)
(95) “Bebê se ordenou ? Já faz muito tempo que não me escreve a mesma cousa Amália.
Nunca Você me respondeu sobre a casa de Petrópolis, que resolveram ?”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Buenos Aires, 18.01.1920.)
(96) “Mui de coração te agradeço todo o interesse que tem Você por mim.”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Buenos Aires, 18.01.1920.)
Em (94), Maria Rosa particulariza por ênfase que somente o seu
“irmão padre e religioso (Jerônimo) pode compreendê-la”, mais ninguém.
Em (95), além da presença de elementos adjuntos ao sujeito (nunca), o
preenchimento
se
justifica
pelo
fato
de
o
referente
não
ser
226
sintaticamente recuperável. Nesse período, a informante se refere a
Bebê e à Amália nas orações anteriores que, por sua vez, se
candidatariam a sujeito da forma verbal ‘respondeu’, caso não se
identificasse o sujeito Você expresso.
Em duas missivas produzidas pela adulta Maria Rosa, observa-se
a sua preferência pelo Você, ainda que mesclado por duas ocorrências
do Tu nulo, em (97) e (98). Interessante observar que esses dados de Tu
nulo aliados a outras formas de P2 – o pronome oblíquo átono sem
preposição te e o pronome possessivo teu/tua – convivem com o
inovador Você. Na produção escrita de Maria Rosa que, por sua vez,
mostrou-se mais voltada para a implementação de Você detectam-se,
pois, os contextos de resistência do Tu em conformidade com os
resultados gerais desta investigação (item 5.2 desta tese).
(97) “Não te Ø imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso! A Você
devo este gozo, te agradeço demais.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.)
(98) “Tua carta foi recebida como todas com carinho e gratidão, pois conhecendo bem
de perto o extremo de teu coração por todos nós, bem sei avaliar como me Ø
acompanhas em todas minhas alegrais e penas. (...) A Jeronymo digo todas as razoe,
que elle te diga em reserva, porem que ao fallem com ninguem. Creio que Você me
comprehende, amo com extremo a meus irmãos, mas sou religiosa, e não vou morar com
elles – o demais Você me intende não é? ”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 21.07.1928.)
A informante adulta Maria Rosa, em uma carta redigida em
Montevidéu, em 1919, mostra-se igualmente dividida entre as formas
Tu (02 ocorrências – 50% dos dados) e Você (02 ocorrências – 50% dos
dados) como estratégias de referência ao irmão Fernando, optando pelo
Você pleno, em (99) e (100), e pelo Tu nulo, em (100) e pleno, em (101).
Observa-se, nessa carta de 1919, o Você em concorrência com formas
de P2 (Tu): o oblíquo sem preposição te e o Tu pronominal (nulo e
pleno).
227
(99) “Sua carta veio encher minh’alma de alegria, de saber que você está bem, feliz e
contente, e também saber noticias de nossa Mãe querida, que gosa davida intima com
Deus nosso Senhor!”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.)
(100) “Ø Não te imaginas como me deu gosto praser saber, que você o filhinho querido
recebeu a Santa Communhão com Mamãe n’um dia tão grande como o 22 de janeiro.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.)
(101) “O coração do Jesuíta comprehenderá todas ás torturas intimas das almas, assim
tu comprehenderás algumas das minhas !”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.)
O comportamento variável de Maria Rosa entre as formas Tu e
Você também pôde ser identificado durante a sua velhice. Apesar de a
autora ter evidenciado a sua preferência pelo Você, observam-se seis
ocorrências do Tu categoricamente nulo, conforme se avalia de (102) a
(107). Os contextos sintáticos que licenciam o Tu são as orações raízes,
em (102), (105) e (106), e as estruturas de coordenação, em (104). Todos
legitimamente
identificados,
por
Duarte
(2003),
como
contextos
sintáticos deflagradores da representação pronominal nula no PB. Em
(103), a presença do Tu nulo se justifica, de acordo com Duarte (2003) e
Paredes Silva (2003), pela ausência de elementos intervenientes entre
sujeito formal de P2 (Tu) e o referente de segunda pessoa (Jerônimo),
marcado também pelas formas de P2 (Tu) comtigo e te. Em (107),
observa-se a mescla de tratamentos. O Você se constitui como o
referente de segunda pessoa que, por sua vez, é retomado com o Tu
nulo.
(102) “Me Ø perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e
toco o organo para que cantem as meninas; temos 370 ou mais, devididas em 3
secciones – bastante não é ?”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 15.02.1931.)
(103) “Desde que cheguei meu primeiro pensamento foi converçar um pouco comtigo pelo
pensamento e em espírito, porem esperava já estar destinada para alguma casa, e
assim mandar-te minha nova direcção, porem como Nossa digna Madre Provincial me
permittiou ficar aqui alguns dias, te escrevo porque penso que Ø estarás desejoso de
saber com chegamos.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.)
(104) “De novo te abraço com todo nosso amor fraterno e me Ø darás a benção, rogando
sempre por esta tua irmã que te estima com extremo.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.)
228
(105) “Ø Não te imaginas os preparativos que se faz em Buenos Aires para o
Congresso Eucharistico estão todos contentes com o Cardeal que vão ter.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 28.11.1933.)
(106) “Quando visite o tumulo de nossa santa mãe Ø não te esqueças de pedir pelas
minhas intenções.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
(107) “Pasei a manhã muito agradavel escrevendo a Você parece que Ø estavas aqui.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
Observe-se, em (107), o depoimento de Maria Rosa em relação à
escritura de cartas como uma estratégia de aproximação entre as
pessoas já apontada, na Antiguidade, por Cícero (106 – 43 a.c). Na
primeira metade do século XX, ainda sobrevive, na carta pessoal, esse
caráter de diálogo escrito.
Independentemente do fato de não terem sido computados os
dados de Vós e de Vocês como estratégias de referência ao interlocutor,
é conveniente expor em análise – de (108) a (113) – tais ocorrências.
Apesar de o Vós ser considerado um traço arcaizante no português
desde o séc. XVIII (cf. Cintra 1972), observa-se que a informante
também faz uso de tal pronome, de 108 e 110, ao dirigir-se
exclusivamente ao irmão Jerônimo. Nesses casos, parece possível
atribuir tal fato a uma possível interferência do castelhano, já que as
cartas são escritas na Argentina e no Uruguai em que o Voseo se faz
presente.
A forma Vocês se deixa evidenciar, em (111) e (112), como
complemento regido por preposição, à exceção de (113) em que Vocês
assume a função de sujeito. Observe-se, nesses casos, que o Vocês se
apresenta envolto por formas de P2 (Tu), principalmente por formas de
oblíquo sem preposição te e por pronomes possessivos – teu/tua. Esse
sincretismo evidencia o emprego não uniforme de formas de P2 (Tu) e
P3 (Você) como um traço da produção escrita de Maria Rosa.
229
(108) “Recebi ha dias sua amavel cartinha, que muito agradeço tantas provas de
carinho, e mais que tudo apreciei as supplicas que todos os dias fazeis por esta sua
pobre irmã.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
(109) “Mande-me dizer que trabalho fazeis no Caraça, e se já Pregas muito nas Igrejas,
pois desejo saber.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.)
(110) “Muito te apreciamos, respectamos teu estado sacerdotal, porem como maior te
digo sê prudente meu querido irmãosinho; sei que não apreciais ás Dorothéas, eu
tambem pouco, porem não é motivo para nenhum disparate.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 25.11.1917.)
(111) “[espaço] [espaço] Desde que cheguei meu primeiro pensamento foi converçar um
pouco comtigo pelo pensamento e em espirito, porem esperava já estar destinada para
alguma casa, e assim mandar-te minha nova direcção, porem como Nossa digna Madre
Provincial me permittiou ficar aqui alguns dias, te escrevo porque penso que estarás
desejoso de saber como chegamos. (...) Graças a Deus fizemos uma viagem expeldida,
Irmã Maria de Jesus cheia de bondades para commigo, queria suavizar a pena que eu
tinha de separar-me de novo de meus irmãos queridissimos; porem longe ou perto pouco
importa, porque estamos sempre perto pelo coração, e essa nossa reunião nos uniou
ainda com mais força e para meu espirito nunca acabarei de agradezer a Nosso Senhor
o que aprendi de santidade perto de meus irmãos verdadeiramente nada mais desejo
que trabalhar unida com Vocês para chegar ao Céo.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.)
(112) “Meu querido irmão Fernando. [espaço] [espaço] Foi tanta a alegria quando recebi
tua carta, que pensei responder logo; porem impossivel achar tempo. Apreciei muito e te
agradeço foi uma sorpresa tua carta meu irmão, chegou justamente n'um dia que eu
precisava uma palavra sincera, e na tua carta achei o que precisava. (...) Ditosa as
irmãs d’essa casa que ouvem os sermões de Vocês sobretudo irmã Maria Theresa que
contente estará.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Buenos Aires, 15.04.1934.)
(113) “Padre Jeronymo meu irmão querido Acabo de receber tua carta - muito te
agradeço - ahi está todo teu coração de irmão, cheio de carinho. Muito te agradeço o
convite que me faz de ir a Rio - é certo que as saudades são enormes. porem agora não
posso ir - de todo me é imposivel. (...) Não fique sentido o amor que tenho a meus
irmãos, nunca Vocês se imaginarão é tanto que não tenho coragem de ver a nenhum
mais n’este mundo.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 20.10.1946.)
Verificam-se, de (114) a (119), as ocorrências de Você no exercício
de funções sintáticas distintas da função de sujeito de segunda pessoa
do discurso. Em todos os casos, o complemento é regido por preposição
que, como se viu no capítulo 5, foi um ambiente favorável à
implementação de Você: com você, por você, a você seriam mais
propícios de ocorrer que contigo, por ti, para ti etc.
230
(114) “Não te imaginas como me deu gosto praser saber, que você o filhinho querido
recebeu a Santa Communhão com Mamãe n’um dia tão grande como o 22 de Janeiro.
Muito sinto a saida de Isa de Friburgo, agora que podia estar com você todos os mezes.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.)
(115) “Não te imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso ! A Você
devo este gozo, te agradeço demais.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.)
(116) “Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você. Nossa Madre te manda
lembranças (...)”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
(117) “Pasei a manhã muito agradável escrevendo a Você ! parece que estavas aqui.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
(118) “Muito te agradeço teu pensamento no Memento da Santa Misa d’esta tua irmã
que verdadeiramente te estima. Disse Irmã Maria Rosa que sempre reza por Você é
muito bôa comigo.”
(Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.)
(119) “ella ja foi com a intenção de ficar lá para estar talvez mais perto de tia Mimi, e
agora vai para São Paulo, coitadinha como sentirá, foi para mim d’um extremo grande
muito bondadosa, muitíssimo sinto que tenha ficado (isto para você.) (...) Um Padre de
Buenos Aires foi à Rio, e tirou o retracto da sepultura de nossa Mamãe está bonita, se
Você queire, te mandarei um, muita gente tem devoção a ella, resam e pedem graças.”
(Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 21.07.1928.)
Enfim, o estudo da performance lingüística da missivista Maria
Rosa, em um lapso temporal de 40 anos, a evidencia como uma
informante com um comportamento lingüístico instável em relação ao
emprego das formas Tu e Você. A missivista mostra-se, de 1908 a 1920,
isto é, entre os seus 30 e 42 anos, propensa ao emprego do Tu. Ao
passar de sua idade adulta para a velhice, ou seja, mais precisamente
entre os seus 48 e 70 anos, constata-se que a missivista tende a
introduzir o Você com uma maior constância para fazer referência aos
irmãos nas cartas em análise.
231
6.4 A estabilidade da missivista Maria Leonor: a preferência pelo Você
pronominal.
♦
Maria Leonor: uma mulher adulta em inícios do
século XX.
A investigação sobre o comportamento lingüístico de Maria Leonor47
se concretizou com base em quinze missivas, produzidas no Rio de
Janeiro e em Pernambuco48, entre os anos de 1913 e 1933, conforme é
possível apurar com as informações expostas na tabela 19.
A missivista Maria Leonor tornou-se uma Religiosa Dorotéia. Em casa, era tratada por
Nonô.
48
À exceção da carta no14 na qual a missivista Maria Leonor não faz menção ao local de
escritura da epístola. A autora somente expõe a data de confecção de confecção da epístola:
21.07.1926.
47
232
CARTAS DA MISSIVISTA MARIA LEONOR
(INTERVALO DE 20 ANOS – DE 1913 A 1933)
(15 CARTAS)
NO
MARIA LEONOR ADULTA (1913 – 1928)
PRONOMES
(INTERVALO DE 15 ANOS - ENTRE 33 E 46 ANOS)
(13 CARTAS)
TU
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Local e data
Idade do
Remetente
Destinatário
(Irmãos)
Idade do
Destinatário
RJ, Niterói,
05.04.1913.
PE, Olinda,
29.02.1920.
PE, Olinda,
11.07.1920.
PE, Olinda,
22.08.1920.
PE, Olinda,
10.10.1920.
PE, Olinda,
17.10.1920.
PE, Olinda,
02.03.1921.
PE,
Tamarineira,
06.10.1924.
Recife,
19.01.1925.
PE,
Tamarineira,
02.04.1925.
PE,
Tamarineira,
05.12.1925.
PE,
Tamarineira,
03.06.1926.
33
Maria Elisa
(RJ, 27.04.1877.).
irmão
36
21.07.1926
Pleno
-
-
-
-
-
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
irmão
34
-
-
-
-
Jerônimo
(* RJ, 19.12.1881.).
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
39
01/01
(100%)
01/01
(100%)
-
35
01/01
(100%)
-
02/06
(67%)
06/07
(86%)
04/05
(80%)
01/03
(67%)
03/05
(60%)
44
Maria Elisa
(RJ, 27.04.1877.).
47
-
-
-
01/01
(100%)
04/06
(33%)
01/07
(14%)
01/05
(20%)
02/03
(33%)
02/05
(40%)
01/01
(100%)
45
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
39
01/02
(50%)
01/02
(50%)
-
-
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
-
39
01/01
(100%)
-
45
-
45
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
39
-
-
01/02
(50%)
01/02
(50%)
46
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
40
02/02
(100%)
03/05
(60%)
02/05
(40%)
46
Maria Joana
(*RJ, 29.07.1886.)
40
-
40
40
40
40
40
41
34
53
53
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.)
56
Maria Elisa
(*RJ, 27.04.1877.)
56
TOTAL
-
-
01/01
(100%)
Tu
Tu
Você
Você
Nulo
Pleno
Nulo
Pleno
09/10
01/10
20/36
16/36
(90%)
(10%)
(56%)
(44%)
10/46
36/46
(22%)
(78%)
46/50 (92%)
TU
VOCÊ
Nulo
(02 CARTAS)
15
Nulo
-
MARIA LEONOR IDOSA
(EM 1933, COM 53 ANOS)
PE,
Tamarineira,
28.01.1933.
PE,
Tamarineira,
07.03.1933.
Pleno
02/02
(100%)
-
TOTAL
14
Nulo
VOCÊ
Pleno
-
Nulo
Pleno
-
-
02/03
(67%)
01/03
(33%)
-
-
-
01/01
(100%)
Tu
Nulo
-
Tu
Pleno
-
Você
Você
Nulo
Pleno
02/04
02/04
(50%)
(50%)
04/04
(100%)
04/50 (08%)
TU
VOCÊ
10/50
40/50
(20%)
(80%)
50/50 (100%)
Tabela 19: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela
informante Maria Leonor aos irmãos entre os anos de 1913 e 1933.
233
Em uma amostra de dezesseis missivas confeccionadas por Maria
Leonor e dirigidas aos irmãos adultos e idosos Maria Elisa, Jerônimo e
Maria Rosa, a irmã adulta Maria Joana e a um irmão não especificado,
constatou-se, em termos de resultados gerais, a sua preferência pelo
inovador Você, em 80% dos dados (40 ocorrências).
Nas quatorze cartas produzidas ao longo de sua idade adulta (entre
37 e 46 anos), observou-se maior uso de Você (78% - 36 ocorrências).
Em 56% dos dados (vinte e duas ocorrências), opta-se pelo sujeito nulo,
conforme se observa em (120) e (121), e, em somente 44%, dezesseis
ocorrências, o Você apresenta-se pleno. Em (120), tem-se um dado de
Você nulo em uma construção de subordinação favorecido pela
ausência de elementos intervenientes entre a expressão nula do sujeito
e a sua primeira menção (‘Você fez...’), conforme constatado por Duarte
(2003); por Paredes Silva (2003). Já em (121), há três dados de Você
nulo em orações absolutas coordenadas entre si por pontuação,
contexto sintático condicionador do não preenchimento do sujeito,
conforme averiguado por Duarte (2003).
(120) “Amália me mandou dizer as optimas practicas que Você fez as orphas no retiro;
oh! quem me dera tel-as ouvido. Se Ø poder escreve para Manaos; eu vou escrever
muito breve.”
(Carta de Maria Leonor ao irmão Jerônimo. Olinda, PE, 10.10.1920.)
(121) “Você foi ao vapor, Ø vio umas mangueirinhas que eu cultivei e ella quiz levar ?
(...) Ø Sabe que um limoeiro deu optimos limões o anno passado ? (...) Ø Conte-me se
nossa Reverenda Madre Provincial passa bem ahi e Reverenda Madre I. e Você se tem
dado bem nessa terra.”
(Carta de Maria Leonor a irmão Maria Joana. Olinda, PE, 02.03.1921.)
Mesmo preferindo o Você, a missivista adulta Maria Leonor também
empregou, em 22% dos dados (dez ocorrências), o pronome Tu, ao
referir-se às irmãs adulta e idosa Maria Elisa e a adulta Maria Joana.
Em 90% dos dados de Tu (nove ocorrências), a autora optou por não
preencher a posição de sujeito de segunda pessoa, em conformidade,
pois, com o parâmetro de língua de sujeito nulo (cf. Duarte 1995), como
se verifica em (122), e, em somente uma única ocorrência (100% dos
234
dados), o Tu mostrou-se preenchido em contexto sintático de oração
raiz, assim como se observa em (123).
(122) “Amália me escreveu, vae a carta para você ler e depois pode romper. Agradeço
esse postal; vae segundo Ø pedes;”
(Carta de Maria Leonor a Maria Joana. Tamarineira, PE, 03.06.1926.)
(123) “Se lhe for possivel me escreva a Madre Superiora daqui se chama: Anna Maria
Ricca: Hospícios dos Alienados: Tamarineira: Recife: Pernambuco. Tu sabes que preciso
fallar com algum dos meus irmãosinhos; entreguei isto a nossa Madre Cassina.”
(Carta de Maria Leonor a Maria Joana. Recife, 19.01.1925.)
Em apenas duas cartas de Maria Leonor idosa, observou-se a
preferência categórica pelo Você pronominal (04 ocorrências). Nesses
casos de Você produzidas pela remetente, em sua velhice, se constata
que autora ora o expressa plenamente, em 50 % dos dados (02
ocorrências), ora apresenta-o como sujeito nulo, em 50% dos dados (02
ocorrências), como se examina em (124) e (125). As ocorrências de Você
como sujeito nulo, em (124), se dão com o referente sintaticamente
recuperável (Você) nas orações em que o sujeito nulo da oração
subordinada é o mesmo da oração principal (‘Quando Ø poder me
mande /(...)’, ‘sempre que Ø poder me escreva (...)’) que, por sua vez,
retoma a primeira ocorrência do Você (‘Que contente fique de Você estar
(...)’) na carta.
(124) “Que contente fiquei de Você estar em Friburgo e Jane ahi no Rio: escrevi a
Amália a pouco tempo. Maria está em Petropolis ? e Fernandinho ? Pelo 27 de Abril
meos parabens, quanto rezo no meu canto. Á Rev.da Madre Provincial vem me vêr; fico
bem contente. Quando Ø poder me mande um terço, que seja forte. Sempre que Ø poder
me escreva. Recebi um santo escripto de nossa Jane.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. Tamarineira, PE, 28.01.1933.)
(125) “Eu vou indo, bastante constipada, é coisa passageira. Á Reverenda Madre
Provincial tem vindo me ver. Que contente em Você estar em Nova Friburgo e Nenê
estará em São Paulo ?”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. Tamarineira, PE, 07.03.1933.)
Verifica-se que o Você se mostra preenchido em situações
discursivas em que predominam discurso reportado, em (120), e
235
comentários/relatos, em (124) e (125). Em atos mais diretivos, observase que Maria Leonor prefere o Tu, como se nota em (123).
O gráfico 8, a seguir apresentado, delineia o comportamento de
Maria Leonor ao longo de sua vida.
120%
100%
100%
94%
100%
83%
80%
75%
60%
40%
40%
20%
0%
0%
1913 (33 anos)
1920 (40 anos)
1921 (41 anos)
1924 (44 anos)
1925 (45 anos)
1926 (46 anos)
1933 (53 anos)
Você
Gráfico 12: Comportamento lingüístico da missivista Maria Leonor em relação ao emprego de Você como
sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1913 e 1933.
O gráfico 12 evidencia a relativa estabilidade da missivista Maria
Leonor em relação ao emprego de Você para fazer referência aos seus
irmãos nas missivas em análise. Em 1913, entretanto, Maria Leonor
seleciona prioritariamente o Tu nulo, em apenas duas ocorrências, para
invocar a irmã Maria Elisa, conforme é possível observar em (126) e em
(127). Coube à desinência verbal (soffras e soubesses) assinalar o
sujeito de (P2) sintaticamente acessível através do vocativo ‘minha Iza’
que, por sua vez, figura como a primeira menção ao referente de
segunda pessoa do discurso nas sentenças em análise.
(126) “Sim, minha Iza, eu não admito que Ø soffras mais por causa da minha escolhida
sorte pelo nosso Jesus !”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. RJ, 05.04.1913.)
(127) “Ah ! minha Iza se Ø soubesses por caridade e enorme carinho que tenho recebido
de nossa Santa Madre Provincial e da Madre Carina.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. RJ, 05.04.1913.)
236
Entre os anos de 1920 e 1924, observa-se a preferência de Maria
Leonor por fazer referência aos irmãos Maria Joana, Jerônimo e Maria
Elisa através do Você pronominal (94% → 83% →100%), não obstante
tenha sido verificado o comportamento oscilante da informante em
relação ao emprego de Tu e Você nas cartas em estudo.
Nas cartas direcionadas as irmãs Maria Joana e Maria Elisa, entre
1925 e 1933, verifica-se o decréscimo das freqüências de uso do Tu
(60% → 25% → 0%) e o conseqüente aumento do emprego do Você (40%
→ 75% → 100%).
É interessante levar em consideração as ocorrências de Tu e Você
detectadas em um mesmo documento. Ao escrever a um irmão não
identificado (Pernambuco, Olinda, 22.08.1920), ao irmão Jerônimo
(Pernambuco, Olinda, 10.10.1920) e à irmã Maria Joana (Pernambuco,
Olinda, 02.03.1921 e Pernambuco, Olinda, 03.06.1926), a informante
Maria Leonor apesar de optar pelo inovador Você recorre também, nas
cartas em análise, ao conservador Tu nulo, como é possível observar de
(128) a (131).
(128) “A vida de nosso thesouro me encanta; que sublime Ø estas e eu estive no tempo
emque estive agora junto a ella; meu Deos que sublimidade!”
(Carta de Maria Leonor a um irmão não identificado. PE, Olinda, 22.08.1920.)
(129) “Se deseja me mandar umacoisa que muito desejo, só se for possível; é um
retratinho de nosso Papae: tenho devoção em conservar. Ø És tão extremoso meu Padre
Jeronymo !”
(Carta de Maria Leonor ao irmão Jerônimo. PE, Olinda, 10.10.1920.)
(130) “Se Ø achares bem me mande os nomes de sua allumnas para Nossa Senhora
das Victorias: Titia Zezinha e Maria são Sócias Propagadoras;”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. PE, Olinda, 02.03.1921.)
(131) “Já mandei dizer a ella; peço-lhe de me Ø fazeres um emblema, sim, o mais
simples possível. Amalia me escreveu, vae a carta para você lêr e depois pode romper.
Agradeço esse postal; vae segundo Ø pedes.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. PE, Olinda, 03.06.1926.)
237
Conquanto não tenha ingressado na contagem dos dados de
estratégias de referência ao interlocutor (Tu e Você), observe-se que a
única ocorrência da forma Vocês convive, na mesma página, com dado
de Tu nulo, evidenciando, portanto, o uso não uniforme de formas de P2
(Tu) e P3 (Você) na produção escrita de Maria Leonor – (132).
(132) “(...) Bem podes fazer uma ideia qual a minha vida neste estabelecimento ...
procuro vier bem retraida, encontro nas Irmães de Santa Anna muita bondade. (...)
Offereço a bem de Vocês; os soffrimentos deste viver: mas bem sabe que sou fácil a me
abituar com qualquer necessidade.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Recife, 19.01.1925. (2ª página))
Na missiva de Pernambuco, escrita aos três de junho de 1926,
prevalece o emprego do Você, mas é possível detectar algumas
ocorrências do Tu como sujeito pronominal, o que evidencia a mescla de
tratamentos já detectada em outros trabalhos (Lopes e Machado (2005);
Marcotuliu et alii (2007); Soto (2001)), na análise geral dos dados desta
tese (item 5.2) e também na produção escrita de Maria Leonor.
(134) “(...) peço-lhe de me fazeres um emblema, sim, o mais simples possível. [espaço]
Amália me escreveu, vae a carta para você ler e depois pode romper. Agradeço esse
postal; vae segundo pedes. (...) Sempre digo á Nosso Senhor que esse clima ahi é tão
quente para Você <aqui tem feito> muito calor.”
(Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Pernambuco, 03.06.1926.)
Por fim, o estudo do desempenho lingüístico da informante Maria
Leonor a expôs como uma informante que apresenta certa estabilidade,
em sua idade adulta e em sua velhice, utilizando preferencialmente o
inovador Você nas missivas em análise. Na juventude, entretanto,
apesar de contarmos com a análise de apenas uma única carta, Maria
Leonor empregou apenas Tu.
238
6.5 Breves considerações com base no estudo de painel dos homens e
das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
Considerando que este estudo visa à depreensão da variação entre
Tu e Você como estratégias de referência ao interlocutor e à
compreensão do processo de inserção do Você no quadro pronominal do
PB, entende-se que se faça necessário focar o comportamento
lingüístico do indivíduo em distintos momentos da sua trajetória de
vida, visando detectar progressão da mudança lingüística.
O estudo de painel dos missivistas do gênero masculino Dr.
Pedreira, Fernando e Jerônimo os evidenciou como informantes que
selecionaram o Tu pronominal para a referência ao sujeito de segunda
pessoa do discurso.
O Dr. Pedreira mostrou, em um intervalo temporal de dezenove
anos, um comportamento lingüístico estável voltado para a preferência
pelo Tu pronominal, ao fazer referência aos filhos. Seguindo esse
comportamento
lingüístico,
vêm
os
seus
netos,
os
informantes
Fernando e Pe. Jerônimo que, em lapsos temporais de quatorze e vinte e
seis anos, respectivamente, demonstrando estabilidade lingüística no
que se refere ao uso das formas Tu e Você para tratar os irmãos. Ao
preferirem o Tu, na fase adulta, homens da família Pedreira Ferraz Magalhães sugerem um movimento voltado para a retenção da direção
histórica da mudança lingüística com o menor emprego do inovador
Você nas missivas em análise.
239
Emprego de "Você" na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos homens da
família Pedreira Ferraz - Magalhães ao longo de suas vidas.
100%
90%
80%
Freqüência
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1870
1880
1890
1900
1910
1920
1930
1940
Anos das cartas
Dr. Pedreira (51-70 anos)
Jerônimo (24-50 anos)
Fernando (26-40 anos)
Linear (Dr. Pedreira (51-70 anos))
Linear (Jerônimo (24-50 anos))
Linear (Fernando (26-40 anos))
Gráfico 13: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos homens da família
Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas.
Com base na dispersão do comportamento dos homens da família
Pedreira Ferraz – Magalhães (gráfico 13), observa-se uma maior
produtividade de Você entre os anos de 1900 e 1920 nas cartas dos dois
mais jovens. Nesse período, Fernando e Pe. Jerônimo, que na maior
parte das vezes preferiram, o Tu em suas missivas, mostraram-se mais
propensos a empregar o Você na intimidade de suas cartas aos irmãos
em contextos com motivação discursivo-pragmática.
O idoso Dr.
Pedreira, com um baixíssimo nível de aplicação do Você nas suas
cartas, mostrou-se, em fins do XIX, propenso a deter a direção histórica
da mudança lingüística que, por sua vez, sugere a inserção do Você
como um pronome de segunda pessoa do discurso. A linha descendente
delineada no gráfico de dispersão aponta para a diminuição do uso de
Você nos anos 20-30 entre os homens da família Pedreira-Magalhães.
240
Emprego de "você" na posição de sujeito em cartas pessoais:
painel das mulheres da família Pedreira Ferraz - Magalhães ao longo de suas vidas.
100%
90%
80%
Freqüência
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1905
1910
1915
1920
1925
Anos das cartas
1930
1935
1940
1945
1950
M.Rosa (30-70 anos)
M.Joana (26-61 anos)
M.Leonor (33-53 anos)
M.Elisa (38-61 anos)
M.Bárbara (28-45 anos)
Linear (M.Rosa (30-70 anos))
Linear (M.Joana (26-61 anos))
Linear (M.Leonor (33-53 anos))
Linear (M.Elisa (38-61 anos))
Linear (M.Bárbara (28-45 anos))
Gráfico 14: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel das mulheres da família
Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas.
O gráfico de dispersão relativo às mulheres da mesma família
Pedreira
Ferraz
–
Magalhães
projeta
comportamento
oposto:
ascendência contínua do traçado relativo a Você entre 1925-1945.
Observa-se que a produtividade variável do Você como sujeito de
segunda pessoa do discurso parece sinalizar que a sua implementação
se deu, de modo mais transparente, a partir do segundo quartel do
século XX (entre os anos 20 e 30), nas cartas pessoais femininas dos
Pedreira Ferraz – Magalhães. Com relação ao encaixamento dessa
mudança lingüística em progresso na matriz social (embedding
problem), entende-se que o inovadorismo das mulheres parece ter
impulsionado o processo de mudança em progresso na língua, ao
elegerem o Você como estratégia de referência ao interlocutor no PB.
Há de se considerar, contudo, um comportamento diferenciado
entre as mulheres da família. Verificou-se que quatro delas mostraramse instáveis (Maria Bárbara, Maria Elisa, Maria Joana e Maria Rosa) e
somente uma mulher mostrou-se estável (Maria Leonor) no que se refere
ao emprego das formas Tu e Você. Em relação ao grupo de mulheres
241
instáveis, constatou-se que duas delas preferiram o inovador Você
(Maria Bárbara e Maria Rosa) e as outras duas adotaram o conservador
Tu (Maria Joana e Maria Elisa) nas cartas em análise. A informante
Maria Leonor, por sua vez, delineou uma curva de estabilidade em
relação a sua preferência pelo inovador Você. As mulheres Maria
Bárbara, Maria Rosa e Maria Leonor ao elegerem o Você para se
referirem aos irmãos, parecem se conduzir a favor da direção histórica
da
mudança
lingüística:
a
implementação
do
Você
no
quadro
pronominal do PB.
Uma visão panorâmica do comportamento das mulheres no
decorrer de suas vidas, conforme gráfico de dispersão, aponta o período
dos anos 30 do século XX como o momento em que as informantes
idosas Maria Elisa, Maria Joana, Maria Leonor e Maria Rosa alavancam
o emprego do Você nas cartas em análise. A adulta Maria Bárbara, entre
os anos 25 e 30 do século XX, prefere o Você para tratar os irmãos na
intimidade das cartas em análise. Na verdade, observa-se que as jovens
Bárbara, Elisa e Joana utilizam categoricamente o Você ao se referirem
aos irmãos. Na fase adulta, observa-se que tais informantes oscilam
entre o Tu e o Você, ao passo que, na velhice, Maria Bárbara, Maria
Elisa, Maria Joana, Maria Leonor e Maria Rosa voltam-se ao uso do
Você. Confirma-se a hipótese de Labov (1990) de que, nos processos de
mudança, as mulheres impulsionam a produtividade das variantes ‘não
padrão’, o que permite entendê-las como inovadoras. Embora a forma
Você represente a forma ‘invasora’, ‘inovadora’ que passa a concorrer
com o Tu no quadro pronominal do PB, é uma forma de prestígio,
deixando de figurar, no Novecentos, como uma forma exclusiva da elite
tratar a própria elite, conforme Soto (2001), espraiando o seu campo
funcional
por
toda
a
comunidade
lingüística,
desvinculada
de
estigmatização social.
A análise do painel das mulheres da família Pedreira Ferraz –
Magalhães sugere-as mais dinâmicas que os homens na condução da
mudança lingüística em direção à inserção do Você no quadro
242
pronominal, assim como constatou Lopes (2003, 1993); Zilles (2005) em
relação ao papel das mulheres na implementação do inovador a gente
no sistema pronominal do PB. Raumolin-Brunberg (2005), ao estudar a
difusão do uso do pronome objeto de segunda pessoa You na função de
sujeito pela população da Inglaterra, entre os séculos XIV e XVIII (1350
– 1710), constatou que as mulheres conduziram a mudança lingüística
vinda de baixo (change from bellow). Tal resultado se evidenciou em
consonância com a constatação laboviana (1990) de que, em processos
de mudança lingüística de baixo (change from bellow), as mulheres
estão mais propensas a empregar as formas inovadoras que os homens.
Em estudo de painel aplicado para o Finlandês, em um lapso temporal
superior a dez anos, Nahkola & Saanilahti (2004) também observaram
que as mulheres foram as responsáveis pela condução da maior parte
das mudanças em curso na língua.
Tendo em vista tais resultados, falta-nos responder a seguinte
questão:
qual(is)
foi(ram)
a(s)
motivação(ões)
social(is)
para
a
implementação do inovador Você no discurso feminino escrito informal
das mulheres dessa família brasileira ?
Labov
(2008[1972]:347/348),
ao
pensar
os
padrões
sociolingüísticos, admite que, na verdade, a distinção sexual está
correlacionada com o tipo de interação social estabelecida entre os
falantes no cotidiano lingüístico.
“Seria um grave erro formular o princípio geral de
que as mulheres sempre lideram o curso da
mudança lingüística. A centralização de /ay/ e
/aw/ em Martha’s Vineyard foi encontrada
principalmente em falantes masculinos; as
mulheres aqui mostraram uma tendência muito
mais fraca. (...) A generalização correta, então, não
é a de que as mulheres lideram a mudança
lingüística, mas sim que a diferenciação sexual da
fala freqüentemente desempenha um papel
importante no mecanismo da evolução lingüística.
(...) A diferenciação sexual com que estamos
lidando depende claramente de padrões de
interação social na vida diária.”
Labov (2008[1972]:347/348)
243
Em consonância com o pensamento Laboviano apresenta-se a
perspectiva de Fernandéz (1998:38), segundo a qual a análise da
motivação para as mulheres se mostrarem mais sensíveis à norma
padrão requer que se separe a noção de sexo da concepção de gênero
sociocultural. O autor questiona:
“Mas de onde nasce essa tendência feminina de
seguir os modelos de prestígio? Por que em muitas
culturas se espera que a mulher ajuste sua
conduta sociolingüística a um cânone ou às
referências de prestígio ? Por que os usos
lingüísticos que se consideram característicos das
mulheres ou dos homens têm que ver diretamente
com o seguimento ou o abandono de uma norma ?
A maior parte das respostas que tem dado a estas
questões tem a ver com uma interpretação
sociocultural do sexo, é resolver, se estão
relacionadas com o que na bibliografia anglo-saxão
se chama ‘gênero’, que por sua vez em nada
coincide com o conceito de “gênero” como gênero
gramatical. O gênero sociocultural se opõe ao sexo
tanto quanto o sexo é uma característica biológica
que vem sendo dada praticamente desde o
momento da concepção do novo ser, enquanto o
gênero assume uma dimensão sociocultural que o
indivíduo adquire ao ser socializado. Tais
conceitos, todavia, têm limites confusíssimos e
contaminados de problemas, dado que o sexo
mesmo é parte indissociável do gênero.” 49
(Fernandéz 1998:38)
Assim sendo, a resposta à indagação acerca da motivação social
para as mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães terem
implementado o Você passa pela diferenciação entre sexo e gênero
“Pero, ¿ de donde nace esa tendencia femenina a seguir los modelos de prestigio? ¿ Por qué en muchas
culturas se espera que la mujer ajuste su conducta sociolingüística a un canon o unos referentes de prestigio ?
¿ Por qué los usos lingüísticos que se consideran característicos de las mujeres o de los ombres tienen que ver
directamente con o seguimiento o el abandono de una norma ? La mayor parte de las respuestas que se han
dado a estas cuestiones tienen que ver con una interpretación sociocultural del sexo, es decir, están
relacionadas con lo que en la bibliografía anglo-sajona se llama gener ‘genero’, que a su vez en nada
coincide con el concepto de “genero” como categoría gramatical. El género sociocultural se opone al sexo en
tanto en cuanto el sexo es una característica biológica que viene dada prácticamente desde el momento de la
concepción del nuevo ser, mientras el género es una dimensión sociocultural que el individuo adquiere al ser
socializado. Tales conceptos, sin embargo, tienen unos limites borrosíssimo y plagados de problemas, dado
que el sexo mismo es parte insoslayable del género.” (Fernandéz 1998:38)
49
244
sociocultural, isto é, passa pela compreensão do perfil sócio-histórico da
mulher no Brasil oitocentista e novecentista.
Nesse sentido, observou-se que, em fins do século XIX e na
primeira metade do século XX, apesar de a mulher resguardar uma
incondicional subserviência à estrutura de família patriarcal, cabe a ela
instaurar a harmonia de um lar cristão, principalmente no grupo em
questão. Considerando, em termos lingüísticos, a responsabilidade de a
mulher-mãe da elite brasileira ensinar aos filhos as primeiras letras,
impõe-se a ela um comportamento educativo voltado para o recato.
Assim sendo, a preferência pelo emprego do Você nas cartas trocadas
entre os irmãos da família Pedreira Ferraz – Magalhães se dá como uma
estratégia mais neutra, ou seja, como uma forma menos invasiva de
fazer referência ao interlocutor. Uma vez que a história da mulher – ao
menos nesse período analisado – é marcada pela sua subserviência ao
homem, sendo a ela negado o direito de expressão de suas próprias
idéias, a opção pelo Você é condizente com esse perfil social de
submissão, isto é, “com uma conduta específica”, nos termos de
Chambers e Trudgill (1980 apud Fernandéz 1998), voltada para o recato
da subordinação a uma estrutura familiar patriarcal mais acentuada
até o século XIX, conforme Samara (2004).
“Chambers y Trudgill (1980 apud Fernandéz,
1998:38), com um critério que parte do conceito
sociocultural de gênero, explicam a tendência das
mulheres seguirem os modelos de pretígio
mediante aos seguintes argumentos: a falta de um
lugar destacado na sociedade leva as mulheres a
necessitarem marcar seu status social mediante
uma conduta específica; por outro lado, a falta de
coesão das mulheres nas redes sociais as obriga a
deparar-se mais freqüentemente com situações de
formalidade, isto é, o lugar do homem nos
intercâmbios sociais permite que considerem como
de escassa formalidade muitas situações que as
mulheres
interpretam
como
mais
formais;
finalmente, a educação pode levar as mulheres a
desempenhar o que se considera <<sua>> função
245
social seguindo umas normas de conduta
socialmente aceitas.”50
(Chambers e Trudgill (1980) apud Fernandéz
1998:38/39.)
Ainda há outros aspectos a considerar no que se refere ao valor
social que uma forma de tratamento pode assumir em determinado
contexto discursivo, cultural e histórico. Koch (2008:59/60) discute que
há procedimentos lingüísticos de tratamento indireto que se opõem ao
direto e invasivo Tu pronominal. Trata-se da pluralização pronominal
que, na língua portuguesa, se constituiu com o indireto Vós (plural
majestático, nos termos de Cintra 1972) e com o tratamento nominal
abstrato que, com base em um pronome possessivo aliado a um
substantivo, se refere indiretamente ao interlocutor, invocando-o como
uma entidade abstrata. Nesse sentido, é possível entender que a mulher
da família Pedreira Ferraz – Magalhães tende a optar, nas cartas
íntimas em estudo, pelo Você cujo grau de indiretividade é maior que o
do íntimo Tu. Considerando o fato de o Você ser resultado do processo
lento e gradual de pronominalização de Vossa Mercê, é possível admitir
que tenha herdado de tal ‘forma nominal abstrata’ um grau de
indiretividade. Ainda que, nas cartas pessoais trocadas entre irmãos,
prevaleça o tom de intimidade com o direto Tu, as mulheres mostram-se
mais propensas que os homens a empregar o inovador Você, movidas
(supõe-se!!!) por uma espécie de “recato” lingüístico que não as
licenciava tratar o interlocutor com um Tu íntimo, muito mais invasivo,
portanto, que o Você. Carboni e Maestri (2003), ao pensarem a
50
Chambers y Trudgill (1980 apud Fernandéz, 1998:38), con un critério que parte del concepto
sociocultural de género, explican la tendencia de las mujeres a seguir los modelos de prestigio mediante los
razonamientos siguientes: la falta de um lugar destacado en la sociedad hace que las mujeres necesiten
marcar su estatus social mediante uma conducta específica; por otra parte, la falta de cohesión de las
mujeres em las redes sociales las obliga a enfrentarse más a menudo a situaciones de formalidad, esto es, el
lugar del hombre en los intercambios sociales permite que consideren como de escasa formalidad muchas
situaciones que las mujeres interpretan como más formales; finalmente, la educación suelle llevar a las
mujeres a desempenar lo que se considera <<su>> función social siguiendo unas normas de conducta
socialmente aceptadas.” (Chambers e Trudgill (1980) apud Fernandéz, 1998:38/39.)
246
expressão do gênero feminino nas línguas humanas, entendem-no com
base no contexto sócio-histórico que o determina.
“Na maioria das línguas, o gênero feminino
dissolve-se
por
detrás
do
masculino,
expressando
ideologicamente
a
ocultação
patriarcal objetiva da mulher pelo homem. Assim,
naturalizado no uso costumeiro, o conceito
lingüístico, por meio do caráter aparentemente
abrangente, sintético e neutro do gênero masculino,
impõe sua essência social, reforçando as relações
de dominação patriarcal do mundo real.”
(Carboni e Maestri, 2003:61.)
Em termos lingüísticos, o fato de a figura feminina estar encoberta
pela masculina é traduzido no Paradoxo do Gênero pensado por
Wolfram and Schilling-Estes (1998) apud Labov (2001:367): se, por um
lado, as mulheres mostram-se mais conservadoras que os homens, por
preferirem a variante padrão, por outro lado, mostram-se mais
avançadas, por adotarem, mais rapidamente, a variante inovadora, que
pode ou não corresponder à variante “não-padrão”. Ao propor a
resolução do Paradoxo do Gênero, Labov (2001:367) o restabelece como
o
Paradoxo
da
Conformidade:
as
mulheres
evidenciam
um
comportamento lingüístico menos desviante que os homens em relação
ao cumprimento da “norma padrão”, caso o desvio seja seriamente
condenado. Entretanto, as mulheres mostram-se mais desviantes do
que os homens no que se refere ao exercício da norma padrão, quando a
irregularidade não é gramaticalmente rechaçada (estigmatizada) pela
comunidade lingüística.
Por um lado, a mulher da família Pedreira Ferraz - Magalhães
marcou a sua conduta lingüística de submissão, ao empregar mais o
Você que os homens como uma estratégia de tratar o interlocutor de
modo mais monitorado e menos expressivo, em conformidade com os
traços de [+ monitoramento], [- expressividade] atribuídos à forma Você
por Modesto (2007) na análise sincrônica da fala santista. Por outro
lado, ao eleger uma forma nova (Você), advinda de uma estratégia de
247
prestígio (Vossa Mercê), conforme Cintra (1972), a mulher assumiu uma
postura inovadora. O empreendedorismo lingüístico das mulheres está
no fato de selecionarem uma forma que se inseriu a posteriori no quadro
pronominal do PB como resultado de um processo gradual e paulatino
de uma mudança lingüística de cima para baixo (change from above, cf.
Labov 1994). Labov, ao se questionar sobre o porquê as mulheres serem
mais sensíveis às formas de prestígio, chega à seguinte conclusão sobre
o papel da mulher nos processos de mudança lingüística.
“Por que as mulheres fazem isso? Não pode ser
apenas a sua sensibilidade às formas de prestígio,
já que isso explica somente metade do padrão.
Podemos dizer que elas são mais sensíveis aos
padrões de prestígio, mas por que, desde o início,
elas avançam mais rápido em primeiro lugar?
Nossas respostas no momento não passam de
especulações, mas é óbvio que tal comportamento
das mulheres deve desempenhar um importante
papel no mecanismo da mudança lingüística. Na
medida em que os pais influenciam a língua inicial
das crianças, as mulheres influenciam mais ainda;
as mulheres certamente conversam mais do que os
homens com as criancinhas e têm uma influência
mais direta durante os anos em que as crianças
estão formando regras lingüísticas com maior
rapidez e eficácia. Parece provável que o ritmo do
progresso e a direção da mudança lingüística
devem muito à especial sensibilidade das
mulheres a todo o processo.”
(Labov, 2008[1972]:347.)
Deste modo, é interessante constatar que, em diálogo com Callou e
Serra (2007:462), a mulher brasileira, cuja história de formação é
permeada pela exclusão ao conhecimento (ao saber veiculado através do
ensino formal), assume, no seio da família Pedreira Ferraz - Magalhães,
uma postura inovadora, ao implementar o Você no quadro pronominal
do PB por volta dos anos 30 do século XX.
“(...) não se pode deixar de relacionar a história
lingüística à história social. Três fatores devem ser
observados, de início, mais de perto: (...) O terceiro
é o de o primeiro contato do indivíduo com a língua
se dar no âmbito familiar e o de as mulheres
248
serem, de um lado, em geral, segundo Labov
(2001),
as
transmissoras
das
mudanças
lingüísticas e, por outro lado, terem ficado durante
muito tempo afastadas do sistema educacional
regular.”
Callou e Serra (2007:461/462).
249
CAPÍTULO 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
“As histórias das línguas, como objetos
disponíveis ou criados pelos lingüistas são,
segundo Lass (1997:5), como todas as
histórias, mitos. Mito no sentido de, por um
lado, haver registros de fatos em
documentos das várias fases da nossa
história e, conseqüentemente, da língua que
supostamente refletem, mas, por outro, de
não haver condições de saber exatamente o
que significam a não ser indiretamente, por
meio de uma interpretação”.
(Callou, 2002:282.)
As cartas íntimas trocadas entre os entes da família Pedreira
Ferraz – Magalhães constituem, indubitavelmente, uma preciosa
amostra da produção escrita de brasileiros cultos, em fins do século XIX
e na primeira metade do século XX. Com base neste conjunto de cartas
bem controlado em relação ao quando, ao onde, ao quem e ao para
quem foram redigidas as missivas em análise (cf. Lobo 2001a),
investigou-se, neste estudo, o processo de inserção do Você no quadro
pronominal do PB, buscando desvendar um pouco mais sobre a sua
história de pronominalização e o seu nível de coexistência com o Tu.
Com esses propósitos, ainda que consciente de que a projeção da
história de pronominalização do Você no PB aponta para uma
possibilidade interpretativa como a contemplação de um mito nos
termos de Lass (cf. Lass 1997:05 apud Callou 2002:282), passa-se à
exposição dos principais resultados em função da retomada dos
questionamentos iniciais que nortearam esta tese.
1)
Considerando que Rumeu (2004) detecta, em cartas setecentistas e
oitocentistas, um Você híbrido, busca-se responder a seguinte questão:
em que estágio do processo de pronominalização se encontra o inovador
Você no PB de fins do século XIX e da primeira metade do século XX,
transition problem, segundo Weinreich et alii (1968)?
250
O estudo da variação entre as formas relacionadas à P2 (Tu) e P3
(Você) apresentado no capítulo 5, evidenciou a presença de formas de
Tu, em 67% dos dados, como emprego predominante, em coexistência
com formas relacionadas a Você (33%), nas cartas trocadas entre os
entes da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
Os resultados confirmaram o que foi observado em outros
trabalhos sobre o tema. A entrada de Você no quadro de pronomes
acabou configurando a formação de um paradigma pronominal
supletivo (ou fusão de paradigmas) que se faz perceber desde o século
XIX (ou um pouco antes como mostra Marcotulio, 2008). Você se
instalou mais rapidamente na posição de sujeito, preferencialmente
preenchido, e como pronome complemento preposicionado. Entretanto,
identificaram-se alguns contextos de resistência da antiga forma Tu,
que
se
mantém
produtiva
como
pronome
complemento
não-
preposicionado (te) e pronome possessivo (teu). Se o emprego do objeto
te com Você que se faz presente desde o século XVIII, mostra-se
vigoroso na escrita culta familiar dos séculos XIX-XX e se generaliza nos
dados de fala e escrita atuais, parece que não faz sentido as gramáticas
normativas continuarem a considerar um desvio a dita “mistura de
tratamento”.
No que se refere à representação formal dos sujeitos pronominais,
observou-se uma diferença de comportamento entre Tu e Você. O
legítimo pronome Tu mostrou-se categoricamente nulo (99% na análise
geral dos dados e 100% na análise em tempo aparente), ao passo que o
inovador Você parece anunciar um estágio de transição para a mudança
do parâmetro do sujeito nulo (cf. Duarte 1993). Constatou-se um
equilíbrio nos percentuais relativos à representação do sujeito: 53% de
Você não-preenchido contra 47% de preenchimento (item 5.2). Por um
lado, a forma inovadora apresentaria comportamento típico de uma
língua de sujeito nulo, por outro já revelaria, na amostra, indícios do
que se firmará mais tarde: maior preenchimento na posição de sujeito
no PB.
251
A
análise
pormenorizada
do comportamento lingüístico
dos
informantes quanto à representação pronominal do sujeito no estudo de
painel ilustrou os contextos em que predominaram o Você pleno.
Confirmou-se que os casos de preenchimento teriam uma motivação
discursivo-pragmática típica de língua de sujeito nulo. Você é utilizado
para destinatários específicos e o preenchimento pode marcar, na maior
parte das vezes, a ênfase, o contraste ou a individualização. Além disso,
em termos estruturais, o Você pleno ocorreria preferencialmente nos
contextos em que o sujeito da oração subordinada é diferente em
relação à oração matriz ou quando há elementos intervenientes, ou seja,
o preenchimento do sujeito facilitaria a acessibilidade referencial
(Barbosa; Duarte & Kato 2001; 2005, apud Silva 2007; Duarte 2003).
Entretanto, foi possível perceber que timidamente o pronome Você
ocupa
os
espaços
funcionais
de
Tu,
como
formas
variantes,
principalmente nas cartas femininas. O processo de pronominalização
de Você parece evidenciá-lo, em fins do século XIX e na primeira metade
do século XX, como um legítimo pronome de referência determinada à
segunda pessoa do discurso, chegando a atuar também, na atual
sincronia do PB, como uma estratégia de referência indeterminada,
conforme já averiguado por Duarte (1995)51 e por Avelar (2003).
Mercê
Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você
no PB (transition problem, cf. Weinreich et alii 1968.)
Vossa Mercê
Você
Você
Você
Item Lexical > Forma Nominal de Tratamento > Forma Pronominal de tratamento > Forma Pronominal de 2a Pessoa > Estratégia de indeterminação do sujeito
Quadro 8: Proposta de Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você no PB adaptado de Rumeu
(2004).
A análise do painel dos missivistas da família Pedreira Ferraz –
Magalhães em relação à variação entre as formas Tu e Você como
Duarte (1995:89) aponta a seguinte ocorrência do Você com referência [+ arbitrária] em
contextos não encaixados na fala culta do PB: “Você tem uma visão mais ampla, mais longínqua
das coisas. Você tem uma visão mais... do espaço físico. Você não fica tão contido quanto aqui. Aqui
você sai, você vê muito concreto na tua frente, você esbarra com isso. Lá não! Você tem uma visão de
um litoral, você tem uma visão de um verde, de uma coisa mais distante. E isso é como se você pudesse
até respirar melhor né? (H3d, 459, 462).”
51
252
pronome-sujeito, evidenciou o segundo quartel do século XX (entre os
anos 25 e 45) como o período em que o Você se mostrou mais produtivo
cf. Duarte (1993); Lopes e Duarte (2007). Corrobora-se também a
hipótese de Soto (2001) e de Machado (2006) em relação ao século XX
como o momento em que Tu e Você passam a competir deliberadamente
no campo da informalidade. Reiteram-se também as observações de
Chaves (2001) e Marcotulio et alii (2007), no que se refere ao
inovadorismo das mulheres que preferiram o Você na intimidade das
cartas pessoais trocadas entre os irmãos da abastada família Pedreira
Ferraz – Magalhães.
2)
Por que ocorreu a inserção de Você no quadro pronominal do PB
(actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968)? Qual é o contexto sóciohistórico de implementação da forma Você nas matrizes lingüística e
social do PB (embbeding problem), conforme Weinreich et alii (1968)?
A inserção da forma Você no quadro pronominal do português tem
como pano de fundo um processo de reorganização da sociedade
portuguesa. A substituição do respeitoso Vós, tal como o Vous do
francês, por formas nominais de tratamento (a forma Vossa Mercê é
estabelecida para a realeza portuguesa por determinação de Felipe I
através das leis de cortesia, em 1597) foi conduzida pela nobreza
somente para o tratamento real, porém alcançou a burguesia e, por fim,
caiu
no
gosto
da
fala
popular
que
a
desgastou
fonética
e
semanticamente a ponto de originar um outro produtivo pronome em
português (Você). Sob a perspectiva do encaixamento social (embbeding
problem, cf. Weinreich et alii 1968), tem-se um processo de mudança
lingüística que se espraia de cima para baixo (change from above, cf.
Labov1994.).
A implementação do Você e do A gente que, por sua vez, passam a
competir, no sistema pronominal do PB, com o Tu e com o Nós,
respectivamente, aliada a perda do Vós constituem movimentos que
conduzirão a uma reestruturação do sistema pronominal. O quadro
253
pronominal passa a contar com duas formas pronominais (o Você e o A
gente) que impulsionam o verbo para a terceira pessoa do singular, o
que leva o PB a assumir um parâmetro de língua de sujeito pleno com a
perda da ‘propriedade de licenciar e identificar sujeitos nulos’, segundo
Duarte (1995). Enfim, tem-se a inserção das novas formas pronominais
Você e A gente e a perda do Vós como mudanças que conduziram à
neutralização da riqueza flexional e a uma conseqüente mudança na
marcação do parâmetro52 de sujeito nulo: o PB que era positivamente
marcado em relação ao parâmetro de sujeito nulo [+ sujeito nulo],
figurando como uma língua pro-drop até 1937, cf. Duarte (1993:123),
passa posteriormente a ser negativamente marcado [- sujeito nulo] como
uma língua não pro-drop.
O Você, nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira
Ferraz Magalhães, já sugere indícios da sua pronominalização, ao
mostrar-se mais produtivo no mesmo domínio funcional que o Tu, isto
é, como sujeito pronominal. Além disso, acrescente-se o fato de o Você
ter assumido, no estudo em tempo aparente, uma maior freqüência de
uso nas cartas de homens e mulheres jovens da família Pedreira Ferraz
– Magalhães, o que parece apontar para um processo de mudança
lingüística ainda em progresso no PB.
Nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, observou-se
que as mulheres mostraram-se mais propensas ao emprego do Você do
que os homens. Confirma-se, pois, o Paradoxo da Conformidade (cf.
Labov 2001) segundo o qual as mulheres tenderiam a preferir a “norma
padrão”. No nosso caso específico, foi preciso relativizar a noção de nãopadrão, já que a forma inovadora no PB não apresentava conteúdo
semântico negativo, além de não ser uma estratégia estigmatizada. Você
talvez carregasse, nas cartas das pessoas ilustres do século XIX, uma
relativa formalidade advinda da forma nominal de tratamento que a
originou Vossa Mercê. Acrescente-se a isso o fato de que o Você seria
A marcação de parâmetro toma como base o quadro teórico de Princípios e Parâmetros
(Chomsky, 1981.).
52
254
uma forma menos diretiva de tratar o interlocutor, escolha mais
condizente, portanto, com o perfil social da mulher religiosa, educada à
luz dos rígidos parâmetros de uma sociedade patriarcal que ainda ecoa
nos Novecentos.
3)
No decorrer da primeira metade do século XX, os informantes da
família Pedreira Ferraz – Magalhães, ao mudarem de faixa etária, se
mostram estáveis ou instáveis em relação à variação entre os
pronomes-sujeito Tu e Você?
Considere-se que não é tarefa fácil identificar se o comportamento
do indivíduo é estável ou instável, principalmente, nos casos em que a
análise se estrutura no decorrer de sua vida (juventude, adultez e
velhice) como ocorre com a análise de painel de Maria Joana e Maria
Rosa. Nesses dois painéis, o fato de as idosas Maria Joana e Maria Rosa
assumirem, na velhice, o comportamento que tinham na juventude não
poderia ser considerado uma gradação estável? Essa é uma questão
ainda não resolvida.
Mesmo que não tenha sido possível vislumbrar, em virtude das
limitações impostas pelo trabalho com textos escritos em sincronias
passadas, o comportamento lingüístico da comunidade com base no
estudo de tendências (trendy study, cf. Labov 1994), tenta-se dialogar
com a proposta de adaptação dos padrões de mudança labovianos em
função da variável idade pensada por Sankoff. A autora, ao promover
uma releitura dos padrões de mudança labovianos, admite que, no
padrão de gradação etária, o fato de os informantes mais velhos
mudarem o comportamento em direção à implementação da forma
inovadora representa o progresso da mudança na língua. Nesse sentido,
seria possível interpretar que as missivistas Maria Joana e Maria Rosa
caminharam na direção histórica da implementação do Você, visto que,
na velhice, assumem a preferência por tal forma inovadora.
Com relação à expressão do comportamento de estabilidade
lingüística, Sankoff sugere que os adultos já inseridos no mercado de
255
trabalho possam apontar para uma maior produtividade da variante
padrão. Nesse sentido, observa-se que o comportamento estável dos
missivistas Fernando e Pe. Jerônimo que, no auge de suas atividades
religiosas no interior dos conventos, se voltaram para o emprego do
conservador Tu, pode ser justificada pelo exercício do magistério.
Acrescente-se ainda o fato de que, ao púlpito dos altares, é reservada a
expressão da norma padrão (caracterizada pela produtividade do
pronome-sujeito Tu) e não à divulgação da norma de uso da língua
através do inovador Você.
O estudo de painel com informantes de uma única família (a
Pedreira Ferraz – Magalhães) exige que se limite a contundência das
conclusões sugeridas pela análise. Entretanto, é possível tecer algumas
considerações mais gerais com base no fato de o Você ter se mostrado
mais produtivo na produção escrita das mulheres e, principalmente, no
contexto sócio-histórico do Brasil dos anos 30. Nesse sentido, há de se
pensar numa distinção entre, o que se designa tempo-idade e tempohistórico. Por um lado, há a questão da idade das mulheres sugerindo
uma maior produtividade de Você quando mais idosas. Por outro lado, é
curioso pensar que tal fato se deu nos anos 30, período histórico de
transformações sociais importantes no Brasil e no mundo tais como: a
crise econômica de 1929, o fervilhar das idéias socialistas em oposição
ao capitalismo, os desdobramentos dos movimentos nazifacistas (o
nazismo alemão e o facismo italiano), o movimento anarquista, a
Revolução de 1930 com a deposição de Washington Luís e a
conseqüente ascensão de Getúlio Vargas ao poder no Brasil. Como não
se delineou, neste trabalho, o perfil da comunidade lingüística, através
do estudo de tendências, seria mesmo possível afirmar, com base nas
análises de painel e de tempo aparente, que a instabilidade das
mulheres denotaria um padrão de gradação etária? Caso se pense no
caráter conservador dessa família extremamente voltada para o rigor
dos valores religiosos, acredita-se que o perfil de gradação etária atenda
às condições expostas. No entanto, caso se considere que os religiosos
256
missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães também estão
inseridos nesse contexto de mudanças históricas e aliado a isso se tem
o fato de que viajavam muito pelo Brasil e pelo exterior, atuando, na
idade adulta, mais incisivamente no ensino, não seria admissível
conjecturar o padrão de mudança comunitária? Essas mulheres não
poderiam ter adotado o comportamento da comunidade lingüística em
transformação?
Seria
lícito
supor
que
a
sociedade
mudou,
determinando a mudança lingüística? Trata-se de questões por resolver.
O afortunado achado de um conjunto de cartas familiares
pertencentes à coleção “Irmã Zélia”, no acervo do AN - RJ, permitiu ao
lingüista-pesquisador entrever a possibilidade de um trabalho cujo viés
sociolingüístico pôde ser ratificado com a confecção de um estudo de
painel
na
perspectiva
laboviana
(panel
study).
E
mais
ainda:
comprovou-se que, de acordo com a intuição de Monteiro Lobato (cf.
epígrafe desta tese), a “(...) Língua de cartas é língua em mangas de
camisa e pé-no-chão – como a falada” e que, assim como nos séculos
XIX e XX, ainda persiste, no século XXI, a famigerada “mistura de
pronomes” (ou um novo quadro pronominal?) tão fortemente rechaçada
pela gramática normativa e tão sabiamente defendida pelo autor que
insistia, no alvorecer do século XX, em continuar se expressando em
bom PB e, portanto, misturando os pronomes”:
“Não fiscalizo gramaticalmente minhas frases
em cartas (...) E, portanto, continuarei a misturar
o “tu” com “você” como sempre fiz (...)”.
(Carta de Monteiro Lobato ao amigo
Godofredo Rangel. São Paulo, 07.11.1904.)
257
258
259
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