Dissertação - Dori Alves Júnior

Transcript

Dissertação - Dori Alves Júnior
UNIVERSIDADE DE BRASILIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A Relação Mídia–Esporte: um estudo das mensagens esportivas
na televisão e seus efeitos na prática da Educação Física
escolar, na percepção do professor.
Dori Alves Júnior
BRASÍLIA
2008
A Relação Mídia–Esporte: um estudo das mensagens esportivas na
televisão e seus efeitos na prática da Educação Física escolar, na
percepção do professor
DORI ALVES JÚNIOR
Dissertação apresentada à Faculdade de
Educação Física da Universidade de Brasília,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Educação Física.
ORIENTADOR: Dr. ALDO ANTONIO DE AZEVEDO
ii
Dori Alves Júnior
A Relação Mídia–Esporte: um estudo das mensagens esportivas na televisão e
seus efeitos na prática da Educação Física escolar, na percepção do professor
Presidente:
Membro Externo:
Professor Doutor Aldo Antonio de Azevedo
Universidade de Brasília
Professor Doutor Paulo Roberto Corbucci
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
Membro:
Professor Doutor Alfredo Feres Neto
Universidade de Brasília
Membro Suplente:
Professora Doutora Ingrid Dietrich Wiggers
Universidade de Brasília
iii
Agradecimentos
A Deus, pela dádiva da vida e da aprendizagem.
A minha esposa, Telma Valquíria, aos meus filhos, Gabriela e João Rafael, a minha
mãe, Maria Vanildes, com amor, carinho, pelo apoio, tolerância e compreensão neste
período de estudos.
Ao professor Dr. Aldo Antonio de Azevedo, meu orientador, pela paciência e dedicação
com que sempre me auxiliou.
Aos membros da Comissão Examinadora, pelo empenho, leitura e crítica deste
trabalho.
A todos que contribuíram para a implantação do Mestrado em Educação Física da
Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília, em especial aos
professores Drª Ana Cristina, Drª Dulce Suassuna e Dr. Martim Botaro, pela grande
melhoria do ensino e pesquisa na área que certamente virá.
Aos professores da Pós-Graduação em Educação Física, pela qualidade e excelência
na condução das disciplinas.
Aos professores de Educação Física, sujeitos desta pesquisa nos Grupos Focais, pelo
tempo dedicado e pela grande contribuição dada à pesquisa.
Aos autores das diversas áreas, que com seus escritos contribuíram para o
desenvolvimento deste estudo.
A todos os servidores da Faculdade de Educação Física, pela solicitude nos
atendimentos, em especial a Alba Célia, pela excepcional ajuda nas questões
burocráticas e pela gentileza com que sempre nos atendeu.
A todos os parentes, amigos e colegas de trabalho que de alguma forma contribuíram
para a realização desta pesquisa.
iv
Sumário
Página
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1
Capítulo I........................................................................................................................ 5
Televisão, Esporte e Educação Física......................................................................... 5
1.1
A contribuição da televisão para o desenvolvimento do esporte moderno.... 8
1.2
A televisão na educação e na educação física como ferramenta
de i ntervenção crítica ...................................................................................... 12
1.3 O fenômeno esportivo e a mídia: história e relações .................................. 15
CAPÍTULO II................................................................................................................. 18
A globalização, a indústria cultural e os meios de comunicação de massa e o
fenômeno esportivo ................................................................................................... 18
2.1
O Processo de globalização e a mercantilização no esporte ...................... 18
2.2
Globalização, cultura, esporte e mídia ........................................................ 23
2.3
Indústria cultural .......................................................................................... 26
2.4
Os meios de comunicação de massa.......................................................... 28
Capítulo III ................................................................................................................ 34
Campo Metodológico................................................................................................. 34
3.1
Descrição dos procedimentos de pesquisa e coleta de informações .......... 34
Capítulo IV ................................................................................................................ 39
Contexto da pesquisa: análise qualitativa das informações obtidas a
partir dos grupos focais ...................................................................................... 39
4.1
Resumo das reportagens exibidas .............................................................. 39
4.2
Análise qualitativa das informações obtidas a partir dos grupos focais....... 43
Conclusão ................................................................................................................. 72
Referências.................................................................................................................. 75
v
LISTA DE SIGLAS
ATP – Association of Tennis Professionals
BBC – British Broadcast Corporation
ESEFEGO – Escola Superior de Educação Física de Goiás
EU A – Estados Unidos da Am érica
NB A – National Basketball Association
RC TV – Rádio Caracas Televisión
SESI – Serviço Social da Indústri a
UCB – Universi dade Católica de Brasília
UFBa – Universidade Federal da Bahia
UFG – Universidade Federal de Goiás
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFV – Universidade Federal de Viçosa
UnB – Universidade de Brasília
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
vi
Resumo
A Relação Mídia–Esporte: um estudo das mensagens esportivas na televisão e
seus efeitos na prática da Educação Física escolar, na percepção do professor
Autor: Dori Alves Júnior
Orientador: Dr. Aldo Antoni o de Azevedo
O presente estudo tem por objetivo analisar no discurso de
professores de Educação Física que atuam em escolas públicas do DF,
referências e comentários acerca de m ensagens esportivas veiculadas
pela televisão, que possibilitem sua inserção em aulas de Educação
Física. O referencial teórico de base envolve estudos sobre a mídia, o
esporte e a Educação Física na escola, com o objetivo de focalizar e
relacionar
esses
fenôm enos
no campo científico. A
partir
de um a
investigação com a utilização da técnica de pesquisa dos Grupos Focais,
foram coletadas informações de professores de Educação Física de
escolas públicas do Distrito Federal, que também são alunos do Curso de
Especialização em Educação Física Escolar da Faculdade de Educação
Física da Universidade de Brasília – UnB. Os resultados da pesquisa
demonstram que alguns professores já inseriram o estudo reflexivo da
mídia em sua prática cotidiana na escola, mas de forma ainda pontual e
não sistem ati zada. Apontam, também, a existência de contradições e
possibilidades pedagógicas nas mensagens esportivas da televisão.
Palavras-chaves: Educação Física, Esporte, Televisão
vii
Abstract
The Link Media-Sport: a study of the messages in television sports and their
effects in practice Physical Education school, in the perception of teacher
The present stud y has for objective to analyze in the discourse
of Physical Education teachers who work in public schools of the DF,
references and commentary on sports broadcast messages on TV, which
enable
their
integration
into
classes
of
Physical
Education.
The
theoretical referential of base involves studies about the media, the sport
and physical education on the school, for objective to focalize and to
relate
those
phenomenon
in
the
scientific
field.
Starting
from
an
investigation with the use of the research technique of the Focal Groups,
physical education teachers of the public schools from Distrito Federal
information were collected, that are also students of the Course of
Specialization
in
Physical
Education
School,
in
Physical
Education
University, of the University of Brasília–UnB. The results of the research
demonstrate that som e teachers already inserted the reflexive study of
the m edia in your daily practice in the school; but, still, in way punctual
and not system atized. They point, too, the existence of contradictions and
pedagogic possibilities in the sporting messages of television
Keywords: Physical Educati on, Sports, Television,.
1
INTRODUÇÃO
Atualmente é possível perceber o grande apel o do esporte de
rendim ento na mídia, com grande ênfase na técnica e na competição, o
que de certo m odo contraria aos ideais de cooperação e participação
necessári os à prática da Educação Física escolar.
Dado
que
há
uma
clara
dicotom ia
entre
o
esporte
de
rendim ento (aquele visto na mídia) e o esporte educaci onal (conteúdo da
Educação Física escolar), faz-se necessário que no ambiente escolar o
esporte sej a inserido de forma l údica e pedagógica, e não essencialmente
competitiva. Além disso, é imprescindível entender a relação entre
Educação Física escolar e mídia, de forma a permitir que os prof essores
reflitam se estão agindo com o educadores ou treinadores e, portanto,
possam adequar sua prática aos ideais de uma educação cidadã, em que
em ancipação,
superação,
cooperação
e
participação
(valores
imprescindíveis ao desenvolvimento pleno do ser hum ano) estejam em
primeiro plano.
O interesse pelo tema surgiu já na época do curso de
graduação em Educação Física, na Faculdade de Educação Física da
UnB, em decorrência de não ter havido nenhum a abordagem sistemática
do tema mídi a esportiva, mas apenas alguns estudos isol ados sem
perspectivas
reais
de
aprofundamento.
Essa ausência
do tema na
graduação causa um certo vazio na formação profissional e acadêmica
dos graduandos em Educação Física.
Tal interesse tam bém se justifica pelo fato de gostar de
tel evisão, tanto como telespectador quanto como crítico das mensagens,
e, além disso, por acreditar que, a partir de um entendimento crítico, é
possível extrair mensagens relevantes da program ação televisiva. Para
isso é necessário compreendê-la na sua essencialidade. Esse desejo de
fazer uma leitura crítica da mídia esportiva, associado à ref erida ausência
2
de análise da mídia no curso de graduação explicam nossa intenção de
estabelecer relações entre a mídia esportiva e a Educação Física na
escola.
À época do curso de Especialização em Aspectos TeóricoMetodológicos da Pesquisa em Educação Física, pela Faculdade de
Educação Física da Universidade de Brasília, entre os anos de 2004 e
2005, optamos por pesquisar o tema Os efeitos da mídia esportiva, com
destaque para a televisão, na Educação Física escolar.
Por meio de uma pesquisa bibliográfica e de uma pesquisa de
campo, com a aplicação de questionários a professores e alunos de
Educação Física dos ensinos fundam ental e m édio de algumas escolas da
rede pública de educação na Região Administrativa de Taguatinga-DF,
desenvolvem os uma i nvestigação preliminar sobre o tem a. A parti r dessa
investigação, produzimos o texto Implicações da veiculação de jogos e
programas esportivos pela televisão, na prática da Educação Física, a
partir da percepção de professores e alunos de escolas públicas de
Taguati nga-DF, que foi, posteriormente, apresentado no IV Telecongresso
Internacional de Educação de Jovens e Adultos, em outubro de 2005 no
SESI, e no V Congresso Centro-Oeste de Ciências do Esporte em junho
de 2006.
Para o novo projeto de pesquisa apresentado no Mestrado do
Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação Física da
Universi dade de Brasília, seguimos pesquisando acerca do mesmo tema e
propusemos então o seguinte problema de pesquisa para este estudo:
“Em
que
medida
o
professor
de
Educação
Física
do
DF
t em-se
apropriado, de forma crítica, das mensagens esportivas veiculadas pela
tel evisão?” A partir desse problema, apontam os com o objetivo geral:
analisar, no discurso de professores de Educação Física que atuam em
escolas públicas do DF, referências e comentários acerca de mensagens
3
esportivas veiculadas pela televisão, que possibilitem sua inserção em
aulas de Educação Física. E, com o objetivos específicos, verificar a
possibilidade de inserção do tema mídia, em especial da televisão, nas
aulas de Educação Física, numa perspectiva crítica, e apontar valores e
possíveis contradições presentes no conteúdo do discurso.
Assim o presente estudo está estruturado em cinco capítulos,
descritos a seguir:
•
O Primeiro Capítulo, denominado Televisão, Esporte e Educaçã o
Física, apresenta um breve histórico das primeiras transmissões
esportivas pela TV e do desenvolvimento econômico da relação entre
TV e esporte. Citam-se alguns autores da Educação Física que a
partir da década de 90 iniciaram seus estudos no campo da mídia,
assim como a necessidade de aprofundamento neste cam po de
pesquisa e a inclusão do tema mídia na grade de disci plinas da
escola, em especi al na disciplina Educação Física. Traz ainda um
breve histórico do f enômeno esportivo.
•
O Segundo Capítulo, intitulado A Globalização, a Indústria Cultural,
os Mei os de Comunicação de Massa e o Fenômeno Esportivo, traça
um a breve gênese da globalização e da sua relação com o fenômeno
esportivo, discute a mercantilização do esporte e as implicações
econômicas e sociais desta relação entre esporte e globalização.
Aborda ainda a questão da Indústria Cultural e suas implicações no
esporte e na cultura nacional, além de uma discussão dos Meios de
Comunicação de Massa, baseada no livro Simulacro e Poder: uma
análise da mídia (2006), de Marilena Chauí.
•
O
Terceiro
Capítulo,
Campo
Metodológico,
descreve
os
procedimentos de coleta e análise dos dados,
•
No Quarto Capítulo, Contexto de Pesquisa: análise dos discursos
obtidos a partir dos grupos focais, apresenta-se uma análise de
4
alguns trechos dos depoimentos que possam responder ao nosso
problem a e validar nossa hipótese de pesquisa.
•
Por fim, apresentamos nossas conclusões e considerações gerais do
estudo, assim com o novas perspectivas e possi bilidades de pesquisa
no cam po da Mídia e da Educação Física.
5
Capítulo I
Televisão, Esporte e Educação Física
O esporte com o forma de movimento e manifestação cultural
tem um indiscutível alcance soci al, econômico e político. Todos, de algum
modo, interagimos com o esporte, seja praticando-o ou assistindo-o.
O esporte moderno tem hoje a mídia — em especi al a
tel evisão — com o uma de suas grandes divulgadoras, financiadoras e
incentivadoras. A televisão é um a fonte inesgotável de form ação e
informação, está presente na m aioria das casas no Brasil e no mundo.
Contudo, considerando seu extrem o poder de alcance, devemos estar
atentos a suas mensagens e imagens.
Acerca dessa questão, é elucidativa a posição de Penteado
(1991), ao afirmar que:
De v i do
às
c o nt r a d içõ e s
que
e nc e r r a,
a
t e le v is ã o
tem
imp r es s io n a do m ais p e lo la d o d e r e f or ç o d o st a t u s q u o , a se r v iç o
d o q u a l e x is t e, do q u e pe lo la d o t r an s f or m a d o r ( p . 3 3 ) .
A grande exposição do esporte de rendimento na mídia,
principalmente
na
televisão,
tem
um
papel
decisivo
para
a
sua
massificação e, com o conseqüência, para a sua prática, por algumas
crianças, com objetivos não apenas de entretenimento. Com o lem bra Betti
(1998),
[ .. . ] às c r ia n ç as q u e s e in ic i a m n o es p or t e , o s r e p ó r t e r es s e mpr e
in d a ga m c o m b a s e n a s r es p os t a s q ue es p e r a m: E u q u e r o s e r u m
Ro m ár io, u m a H o r t ê nc ia , g an h a r m uit o d in he ir o , ch e g a r à s e l eç ã o
b r as ile ir a . N un c a s ã o c r ia n ç as qu e br i nc a m, m a s a g e r a ç ã o d o
f u t ur o , o s cr a q u e s d e am a nh ã, os a t le t as d o a n o 2 0 0 0. ( p. 9 1)
6
Uma questão importante a ser discutida na escola e nos
cursos de f orm ação de professores de Educação Física é a perda do
caráter educativo e lúdico do esporte para uma lógica mercadológica.
Nesta perspectiva, o esporte deixa de ser uma ferramenta interessante de
educação coletiva e passa a ser prática de poucos, acarretando a
exclusão de muitos no am biente escolar.
Em relação a tal discussão, concordamos com Kunz (2001),
quando ela considera que, por meio da importância dada ao esporte de
rendim ento na escola, evidenciaremos diversas histórias de insucesso
escolar, pois nesse universo percebe-se que a m aioria dos alunos não
possui talento especial para o esporte de rendimento. Esse não deve ser
motivo para que os alunos sejam excluídos da participação das aulas de
Educação Física, pois neste ambiente o esporte deve ter uma lógica
educacional.
Eventos esportivos como a Copa do Mundo de Futebol, os
Jogos Olímpicos e outros diversos m obilizam um verdadeiro exército de
profissionais da mídi a televisiva, dentre os quais técnicos, jornalistas,
locutores, com entaristas e outros.
Diante desse quadro, é necessário compreender e analisar de
forma crítica, o que está por trás do discurso midiático 1 via TV e do
interesse econômico pelo esporte. De acordo com Eco (2004, p. 325), a
tel evisão é um dos fenômenos básicos da nossa civilização; é preciso,
portanto, não só encorajá-la nas suas tendências mais válidas, com o
tam bém estudá-la nas suas manifestações.
1
S e gu n do P ir es ( 2 0 0 1 , p . 3 6 ) d is c u r s o m id iát ico é a e x pr e ss ã o ca r a ct e r í s t ic a d a
lin g ua g e m – im a gé t ic a, s o no r a e s im b ó l ic a – d os me i o s d e c o mu n ic aç ão d e m a s sa ,
a t r av é s d a q u a l c o n se g u em sil e n c iar , pu b lic iz ar o u r ec r ia r e vid ê nc ia s, f at os o u
e xp ec t a t iv as q u e c o n s t it u e m a c o t id ia n id a d e d a c u lt ur a c o n t em p or â n e a , a pa r t ir d os
in t e r es s e s id e o ló g ic o s d a so c ied a d e .
7
Onde se insere, então, a Educação Física com o prática
pedagógica, tendo o esporte como um de seus principais conteúdos?
Como se apropriar de forma crítica das mensagens oferecidas pela
tel evisão e pelo esporte espetacularizado? Os cursos de licenci atura em
Educação Física estão formando prof essores habilitados a intervir e atuar
nesse contexto? Essas são algumas das questões que discutirem os nesta
dissertação.
No campo da pesquisa em Educação Física, diversos estudos
— dentre os quais Pires (2002), Betti (1998, 2003), Batista (2000),
Oliveira (2004) e Feres Neto (2001) — apontam para a necessidade de a
Educação Física incorporar o tema mídias como ferramenta de ensino.
Porém, deve-se destacar a necessi dade de não se adotar um a visão
“apocalíptica”
nem
tampouco
um a
visão
“integrada”
do
problem a,
conform e terminologia já clássica de Eco (2004), que apontava, nos
primeiros, uma posição de extrem o ceticismo em relação aos m eios de
comunicação de m assa, considerando-os elem entos de propagação das
idéias da classe dominante; e, nos últimos, identificava um a posição de
total ingenuidade, já que consideravam a televisão com o um elemento
democrático de divulgação da cultura às massas. É necessário, portanto,
adotar uma postura crítica frente às mensagens audiovisuais.
De acordo com Pires (2002, p. 129), a restrição do processo
educacional à dimensão da competência técnica implica a hi pertrofia do
pólo adaptativo de formação cultural, negando o desenvolvimento do seu
potencial crítico-transformador. Então, é necessário ao professor de
Educação Física adaptar seu espaço de aula e sua aula propriamente dita
a uma transformação didático-pedagógica do esporte, rumo a uma prática
que i ncorpore valores soci ais, afetivos, culturais, cognitivos e, ainda, o
desenvolvimento de habilidades motoras, respeitando a individualidade
do aluno.
8
Estudos com o os de Férres (1996) e Penteado (1991), dentre
outros, indicam possíveis caminhos a serem seguidos ao adotar a
tem ática televisão na escola. Esses autores não tratam especificamente
da Educação Física, mas da educação para mídi a em um contexto geral,
o
que
não
nos
impede,
porém,
de
i nserir
nossa
disciplina
nesta
discussão.
Segundo Bourdieu (1997, p. 23), “a Televisão tem um a
espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de um a
parcela m uit o importante da população”. A educação, por sua vez, tanto
pode ser uma f erramenta de superação desse monopólio de formação,
como, ao contrário, pode ser tam bém um meio de manutenção desse
monopólio.
A discussão sobre a mídia, o esporte e a Educação Física é
algo recente, porém autores como Betti (1997), Pires (2001), Durães
(2002), Trindade (2003), Oliveira (2004), Leiro (2004) e Feres Neto
(2001), dentre outros, têm desenvolvido suas teses de doutoramento e
dissertações de mestrado sobre esse tema, e utilizaram diversos autores
da sociologia, da filosofia, da comunicação e da educação, dentre outras
áreas das Ciências Sociais, para fundamentar suas proposições. Este
trabalho pretende contribuir para a discussão nesse cam po de pesquisa.
1.1
A contribuição da televisão para o desenvolvimento do esporte moderno
O esporte moderno surge à luz da Revolução Industrial e do
surgimento do Capitalismo no final do século XVIII, na Inglaterra,
conform e propõem al guns autores, baseados principalmente nas teorias
marxistas, e se desenvolve a partir de um a lógica de mercado e da
mundialização da cultura, o que se acentua ao longo do século XX, com a
globalização e a indústria cultural.
9
É a partir do surgimento da televisão, em 1936, que a
espetacularização do esporte começa a t er espaço em diversos países.
Segundo Betti (1998, p. 32), as Olimpíadas de Berlim em 1936 foram
tel evisionadas para os presentes no local. Em 1937, a BBC inglesa
tel evisionou pela primeira vez o torneio de tênis de W imbledon, e em
1940 uma partida de beisebol foi transmitida nos EUA. Porém, todas
essas transmissões ainda contavam com públicos isolados na Europa e
nos EUA. Só em 1950 os eventos esportivos são incluídos nas grades de
program ação das emissoras de TV.
Ao mesmo tem po em que a televisão passa a estar presente
de forma crescente nos lares em todo o mundo, o esporte assum e, cada
vez m ais, a feição de m ercadoria. Aliado a tal fato, Collem an (1989, p.32)
afirmou que as décadas de 1920 e 1930 representaram um divisor de
águas para os esportes modernos, já que nessa época se observou tant o
um
dram ático
aumento
das
massas
populares
e
do
núm ero
de
espectadores em eventos esportivos, quanto o progresso dos m eios de
comunicação em relação ao esporte (primeiro o cinem a, depois o rádio e,
em seguida, a televisão).
As transmissões das Copas do Mundo de Futebol e dos Jogos
Olímpicos Internacionais, primeiro vi a emissora de rádio e posteriormente
via emissoras de televisão, tornaram-se filões com investimentos cada
vez maiores por parte da indústria m idiática a partir da década de 50, o
que, é claro, fez crescer consideravelmente o lucro de tais em presas. À
medida que investem na transmissão de jogos, campeonatos e programas
esportivos,
diversas
m odalidades
esportivas
passam
a
ter
maior
visibilidade na sociedade.
Segundo Moraes (1998):
O s no v o s p a d r õ es id e n t it ár io s p a ss a m a t e r í nt im a r e la ç ã o c o m a
a st ú c ia da s mí di as a o mo d er a r e m p s ic olo g ias [ . . . ] A I d ola t r ia
10
e xp a n d e - s e n a ex a t a p r o p or ç ão em q u e o es p o r t e e m e r ge c o m o
p ar t e
da
in d ús t r ia
cu lt u r a l
e,
por
c o n se q ü ên c ia,
em
n ic h o
e co n ô m ic o n o m er c a d o mu n d ia l. E m m e t r óp o l es c h in e s a s, os
g ar o t os jo g a m ba s q u e t e d iar i a me nt e , t r o c a m ca m is a d o Ma o T s e Tu n g p e las c a mise t a s do C h ic a g o B u lls e n ão s e ca ns a m d e
a ss is t ir a v í d eo s e sp o r t iv os d e M ic h a e l J o r d a n , o s u p er a s t r o d a
NB A ( p . 19 - 2 0 ) .
A
televisão
influenciou,
inclusive,
a
propagação
de
determinados esportes, como é o caso do voleibol no Brasil, que na
década de 80 contou com um a significativa ampliação no núm ero de
torcedores, telespectadores e praticantes, segundo Marchi Júnior (2005):
A c a p a c i da d e d es s e m e io d e c o m u n ic a ç ã o d e d e s p er t ar i nt e r e ss es
e a g lu t in a r u m e lev a do n úm e r o d e p es s o a s d a s ma is d iv er s as
r e g iõ e s e c la s se s s o c i ais e m t or n o d a t r a ns m is s ã o d e um e v e nt o
e sp or t iv o , f o i um f a t o r d ec is iv o n o r e d ir e c ion a me n t o e a s c e ns ã o
d os in v e st im en t o s d a in ic ia t iv a p r iv ad a n o v o le ib o l br a s i le ir o n os
a n o s 8 0 . ( p. 15 0)
Em contraparti da, a televisão int erfere na alteração das regras
dos jogos, objetivando sua compatibilidade com a grade da programação
tel evisiva, como é o caso do “tem po da TV” e do fim da “vantagem”,
regras inseridas a fim de adequar essa m odalidade esportiva ao conteúdo
distribuído pela mídia (TV).
Casos com o o do voleibol na década de 80 e do tênis no
Brasil no final da década de 90, com Gustavo Kuerten, são exem plos
clássicos de como o esporte pode se popularizar através de sua maior
inserção na mídia. À época do auge da exposição desses esportes na
mídia
pode-se
modalidades.
perceber
um a
maior
procura
pela
prática
dessas
11
Hoje, já no início do século XXI, notamos que grande parte da
program ação televisiva é dedicada ao esporte, as emissoras abertas têm
program as específ icos e noticiários exclusivos de esportes, e nas TVs
pagas esse fenôm eno vai além, com os canais exclusivos de esporte.
O casamento entre a televisão e o esporte tem se mostrado
bastante rentável, notadamente para o desenvolvimento do esporte teleespetáculo 2 e, conseqüentem ente, para as emissoras de televisão e
em presas a elas associadas.
Segundo Penteado (1991), a televisão veicula, ao longo do
tem po de transmissão, valores e princípios da ética capitalista, com o o
indivi dualismo, a competição, o materialismo. Então, prof essores de
maneira geral e de Educação Física em particular precisam se posicionar
diante desse fenômeno com ações pedagógicas críticas, autônomas e
reflexivas.
Nas transmissões de jogos esporti vos, é bastante comum
locutores
esportivos,
principalmente
de
futebol,
f alarem
sobre
a
“malandragem brasileira” como uma qualidade nata do povo brasileiro,
ajudando assim a disseminar e reforçar um a imagem estereotipada do
povo brasileiro.
Não se pode negar ou subestimar a força e a importância da
tel evisão na form ação das m assas. É necessário, portanto, estudá-la a
fundo,
para
que
suas
mensagens
—
em
geral
fragmentadas,
descontextualizadas e ideologizadas pela cultura dominant e — possam
ser devidamente utilizadas no am biente escolar, de form a contextualizada
e crítica, a fim de com preender e superar suas contradições.
2
Ex pr e ss ã o u s a d a p or B et t i ( 1 9 98 ) p ar a r ef e r ir - s e ao es p o r t e a p ar t ir d a s ua e x ib iç ã o
n a t e l ev is ã o . O ut r os a ut or e s p r ef e r e m e xp r es s õ e s c om o e s p o r t e d e r e n di m e n t o o u
s imp l es me n t e es p or t e e sp et á c u lo.
12
1.2
A televisão na educação e na educação física como ferramenta
de inter venção crítica
Algo que se percebe em diversas famílias é o fato de os pais
exporem seus filhos logo cedo aos apelos da televisão, pois tem ela um
certo poder de paralisia que faz com que as crianças se aquietem
passivam ente a sua frente. De certa f orma há uma transferência de parte
do processo educacional, nas m ais tenras idades, para a televisão.
Assistir a um desenho animado faz com que as crianças mantenham um
certo “com portamento” e não “incom odem”, conferindo um certo aspecto
de calma e tranqüilidade em casa. Tal prática cotidiana evidencia a
necessidade de que sejam discutidas e tomadas novas atitudes em
relação a programas de televisão.
Os recursos audiovisuais têm a vantagem de serem atrativos
por várias razões, dentre elas pel a utilização de uma linguagem de fácil
compreensão.
Utilizar
na
escola
programas
televisivos,
filmes,
docum entários e comerciais publicitários, que fazem parte do cotidiano
dos alunos, pode ser uma estratégia interessante de ensino. Penteado
(2000) lembra que:
a lin g u a g e m p r at ic a me n t e o n ip r es en t e n o u n iv e r s o c u lt u r a l d e
t o d o s nó s n a a t u a l ida de , n ão é m a is p os sí v e l ig n o r á - la n a es c o la ,
e sp ec ia lm e nt e n u m a e s co la q u e at e nd a a u m pr o je t o d e mo c r át ico ,
q u e a l m e ja m o s c o ns t r u ir . Co mo t a m b é m nã o é ma is p os sí ve l
a d m it ir - s e q u e a pr e n d er a e s cr e v ê- la r es u me - s e n o a p r en d i za d o
do
m a ne jo
p ur o
e
si mp l es
d os
a pa r e lh o s
gr a v a do r e s
e
r e p r o d u t o r es de im a g e n s. ( p. 1 1 6 )
Para
caracterizar
a
complexidade,
ambigüidade
e
as
contradições constitutivas dos discursos da televisão, lembram os aqui de
Bourdieu (1997, p.54), quando diz: “A televisão é um uni verso em que se
13
tem a impressão de que os agentes sociais, tendo as aparências da
importância, da liberdade, da autonomia, e m esmo por vezes uma aura
extraordinária, são marionetes
de
uma
necessidade
que é
preciso
descrever, de um a estrutura que é preciso tornar manifesta e trazer à
luz”. Entendemos aqui “trazer à luz” no sentido de com preender, de
desvendar a ideologia implícita no discurso das m ensagens televisivas,
sendo a educação um a importante ferramenta para tal fim.
Porém, é necessário certa cautela ao utilizar essa ferramenta
para as crianças menores, pois el as ainda aprendem pela visualização,
pela repetição e pela imitação. Programas com mensagens educativas,
normalmente
fora
das
emissoras
comerciais
e
presentes
nas
TVs
educativas e públicas, devem ser priorizados, evitando-se programas
meram ente com erciais que têm como objetivo principal, mesmo que
implícito, o incentivo ao consumo.
Considerando
as
crianças
mais
velhas,
acredita-se
ser
possível utilizar programas educativos, m as com cuidado de não se
adotar uma visão romântica, com o se fossem esses os únicos programas
a que el as assistissem. Para essas idades, em torno dos 12 anos em
diante, não podemos fechar os olhos para a realidade: o que se assiste
normalmente são program as com fins comerciais, marcados pela lógica
de mercado, ou seja, programas que por vezes estigmatizam o corpo,
suscitam a violência, a discriminação, o consumo e o individualismo.
A escola não deve negar essa realidade, mas pode se utilizar
desses
programas
despertando
nos
estim ulando-os
a
para
jovens
um a
um
perceber
reflexão
olhar
e
mais
acerca
do
crítico
compreender
o
seu
para
a
conteúdo,
televisão,
“mascaram ento”
das
mensagens televisivas a fim de que deixem de ser meros sujeitosreceptores passivos de inform ações e passem a entender m elhor o
alcance desses programas e os valores por eles disseminados, tornando-
14
se capazes de adotar um a postura de contraposição à lógica que subjaz
as mensagens televisivas.
Trata-se da discussão não de um a disciplina específica que
estude o conteúdo midiático, m as de um tema transversal que deve
transitar por todas as disciplinas e, ainda mais, uni-las nas suas
discussões. Defende-se, portanto, o estudo da “mídia” como um tem a
transdisci plinar. De acordo com Morin (2006), trata-se de estimular pela
educação
a inteligência
geral,
através
do contexto, do
global,
do
multidimensi onal.
Um programa que trate, por exemplo, de moda e beleza pode
ser utilizado pelo professor de Educação Física e de Biologia para
discutir temas relacionados ao corpo; pelo professor de Sociologia para
discutir conceitos de moda e beleza na sociedade, e por outros conform e
sua relação com determinada disciplina.
O conteúdo da TV é bastante contraditório. Quem não se
lembra, há alguns anos atrás, da veiculação de comerciais de cigarro com
pessoas praticando esportes de aventura? Sabe-se muito bem, e os
dados estatísticos de saúde pública comprovam esta afirmação, que o
hábito de fum ar causa diversos males à saúde e de form a algum a
combina com uma prática esportiva saudável. Segundo Nagamini (2000,
p.43), a linguagem da propaganda é essencialmente persuasiva, pois sua
finalidade é vender serviços, i déias, imagens, etc. Neste caso fica claro
que a idéi a difundida ali é de passar uma falsa imagem de que um
fumante também pode estar ligado à prática “saudável” que é o esporte.
Outra questão importante é que o Brasil está entrando na era
da tecnologia da TV Digital. Na cidade de São Paulo as transmissões se
iniciaram em dezem bro de 2007, e o Ministério das Comunicações
promete para até o fim de 2008 o início das transmissões para 14
principais capitais no país, estendendo-se nos anos seguintes às demais
15
cidades brasileiras, com previsão de em sete anos ter o sistem a
totalmente operante no país.
Esse sistema promete mais qualidade de imagem e som e, o
que é melhor, segundo seus defensores, uma maior interativi dade e
controle por parte do telespectador, além de m aiores possibilidades de
transmissão
de
TVs
abertas,
facilitando
a
criação
de
canais
universitários, com unitários, educativos e outros diversos de interesse
público. Provavelmente, essa nova tecnologia dará mais autonomia ao
tel espectador, em função dessa possibilidade de ampliação do número de
canais abertos, diferentemente do quadro atual, em que predominam as
TVs Comerciais.
Tal discussão ainda está muito incipiente e imatura. É preciso
que a sociedade se posicione e tenha voz diante dessa questão, para que
a TV Digital não se torne, mais um a vez, instrumento de alienação das
massas, de dominação pelos poderosos conglomerados de comunicação
existentes no país.
Então, tem a escola o papel essencial de levantar a questão
junto a seus alunos, fom entando o debate e mobilizando a sociedade
civil, juntamente com outros grupos organizados, como Universidades,
associações,
sindicatos
e
entidades
diversas
que
queiram
uma
program ação televisiva de m elhor qualidade.
1.3
O fenômeno esportivo e a mídia: história e relações
O fenômeno esportivo é algo que se faz presente nas quadras
das escolas, nos cam peonat os dos clubes e associações, no barro do
campo da favela, nas conversas em mesas de bares, nas propagandas e
nas
program ações
televisivas.
Para
o
esporte
não
há
fronteiras,
16
principalmente
quando
ele
se
alia
ao
processo
de
globalização
tecnol ógica e informacional.
É difícil dissociar o esporte contemporâneo dos meios de
comunicação em massa. A relação esporte-espetáculo vem alterando
rapidam ente a maneira como praticamos e percebemos o esporte. E o
elemento-chave dessa transformação é o espectador, disposto a pagar
para
assistir
a
um a
com petição
esportiva,
assumindo
assim
uma
característica de consumidor do espetáculo esportivo.
De acordo com Betti (1998, p.33), a partir da década de 60,
com o aum ento da transmissão ao vivo de eventos esportivos, torna-se
proemi nente uma nova figura na história do esporte: o telespectador. O
esporte transformou-se num espetáculo modelado de acordo com a forma
a ser consumido, disseminando a indústria do lazer e entretenimento,
sendo
a
televisão
uma
das
princi pais
responsáveis
por
essa
disseminação.
Betti (1998) classifica da seguinte forma a programação
esportiva: a “falação” (informa e atualiza: quem ganhou, quem se
contundiu, qual foi o prêmio), “Cotidiano” (o esporte está em toda parte,
em nosso dia-a-dia), “Ao vivo ” (que amplificam o drama dos eventos e
criam uma cumplicidade com o telespectador), "Nostalgia" (recordar
nostal gicamente do passado, dos “velhos tem pos”), “Adrenalina! ” (a
aventura, o risco, os esportes radicais), “Esporte global ” (com ênfase nas
transmissões
de
eventos
internacionais,
do
esporte
no
m undo),
“Espetacular” (com ênfase no close, no replay, predileção pelo inusitado,
pelo acidental), e o “Anúncio Publicitário ” (que sintetiza todas as formas
da linguagem televisiva).
Segundo Pires (2002, p.77), “com a aplicação de novas
tecnol ogias de comunicação no campo da transmissão eletrônica do
esporte, o espectador, presente no local da disputa, e o telespectador,
17
que
assiste
pela
televisão,
consomem
espetáculos
diferentes”.
A
tel evisão, apoiada nos seus diversos recursos técnicos, pode fazer existir
um processo de mediação entre a realidade e a imagem, que envolve a
seleção
e
edição
dos
fatos
e
cenas,
buscando
uma
maior
espetacularização, em geral motivada pelo lucro.
O close, a câm era lenta, o replay, as mini-câmeras acopladas
aos capacetes e outros recursos são utilizados para acentuar o realismo
das im agens.
Entre a intenção de quem veicula a imagem e o efeito que ela
produz, existe o telespectador, dotado de diferentes níveis e capaz de
gerar diversas interpretações das m ensagens. É ele o principal alvo da
mídia. El e pode ser um mero telespectador passivo, consumidor de
informações e produtos, m as tam bém pode ser um agente crítico capaz
de filtrar e interpretar criticamente o que lhe é transmitido. A escola
certam ente pode desem penhar um important e papel na formação de tais
tel espectadores críticos.
18
CAPÍTULO II
A globalização, a indústria cultural e os meios de comunicação de massa e o
fenômeno esportivo
O presente capítulo tem por finalidade discutir a relação entre
a globalização e o fenômeno esportivo, partindo de sua gênese e
entendendo
como
essa
relação
se
produziu
num
contexto
social,
econômico e histórico. Apresenta tam bém um a breve discussão das
implicações da indústri a cultural na cultura nacional e no esporte e ainda
um a discussão conceitual e ideológica dos mei os de com unicação de
massa, com destaque especial para a propaganda, o rádio e a televisão,
a partir da visão de Marilena Chauí (2006).
Nesta perspectiva de análise, é necessário se discutir tam bém
o papel da mídia: Como ela contribui para o avanço da globalização e
qual o seu ef etivo papel social? Teria a mídia o papel de simples divul gar
os
ideais
da
globalização
ou
deveria
ter
o
papel
de
discutir
imparcialmente a questão? E, ainda, com o a Indústria Cultural influencia
nesse processo?
Essas são questões a serem discutidas no presente capítulo,
que aqui não se esgot am, pois esse é um tem a pol êmico, que ainda gera
muita controvérsia.
2.1
O Processo de globalização e a mercantilização no esporte
O início do processo de globalização é fonte de diversas
discussões entre historiadores e outros estudiosos: alguns defendem que
começou ainda no período das grandes navegações, durante os séculos
19
XV e XVI; outros acreditam que se trata de fenôm eno moderno, que se
desenvolveu a partir do colapso da URSS e da queda do muro de Berlim.
Alguns dos autores que defendem a globalização como sendo
um fenôm eno com raízes antigas consideram a existência de diferentes
fases
da
globalização:
a)
primeira
fase,
dominada
pela
expansão
mercantilista (de 1450 a 1850) da economia européia; b) segunda fase,
de 1850 a 1950, caracterizada pelo expansionismo industrial-imperi alista
e colonialista; c) terceira f ase, corresponde à gl obalização recente,
acelerada a partir do col apso da URSS e da queda do muro de Berlim, de
1989 até o presente.
Independentemente
de
sua
gênese,
a
globalização
se
caracteriza pela acentuação da circulação do capital mundial, pelo
aumento do consum o global e pela aproximação das culturas, num
movimento tendente à hom ogeneização da cultura em detrimento das
diversidades culturais regionais.
Nos estudos sobre a globalização, destacam-se as pesquisas
e discussões propostas por Octávio Ianni (1996), para quem:
A g lo b a liz a ç ã o d o mu n d o ex p r e s s a um n ov o c icl o d e e x p a ns ã o d o
c ap it a lis m o, c o m o m o d o d e p r o d uç ã o e p r o c es s o c iv iliz a t ór i o d e
a lc a n c e m un d ia l. U m p r o c e s s o d e a mp las p r op or ç õ e s e n vo lv en d o
n aç õ e s e n a ci o n a l id a d es , r e g im e s p o lí t ic os e p r o jet o s n ac io na is ,
g r u p os e c la ss e s s o c iais, ec o no m ia s e s o c ie d ad es , cu lt u r as e
c iv ili za ç õ es . As s i na la a e mer g ên c ia d a s o ci ed a d e g l ob a l, c o mo
uma
t ot a lid a de
a br a ng e nt e ,
c o m p le x a
e
co n t r a d it ó r ia .
U ma
r e a li d a d e a in da p o uc o c o n he c i d a , d e sa f ia nd o pr á t ic a s e id e a is ,
s it u aç õ e s c o ns o lid a d a s e int er p r et a ç õ e s s e d ime nt a d as , f o r m as de
p e n s a m e n t o e v ô os d a ima g in a ç ã o . ( p . 11 )
Vários pesquisadores, dentre os quais Santos (2000, p.65),
discutem os aspectos negativos da globalização: “a globalização mata a
20
noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada
um por si, é com o se voltássemos a ser animais da selva, reduz as
noções de moralidade pública e particular a um quase nada”.
E alguns autores também consideram que a economia global
favorece ainda o processo de oligopolização das mídias. Moraes, em seu
Planeta Mídia (1998), traça um interessante relato das megafusões de
em presas de informática, comunicação e tel ecomunicação no m undo todo,
quando afirma que:
A
ol ig op o li za ç ã o
das
mí d ias
i ns er e - s e
no
p a in e l
de
f or t e
c on c e n t r aç ão de c om a n d o s es t r a t é g ic os e de m u n d ia liza ç ã o d e
c on t eú d os ,
m e r c ad or ias
e
s er v iç o s,
f a ci lit a d a
p e las
d es r e g ul a me nt a ç õ e s, p e l as su p r es s õ e s d e ba r r e ir as f is c a is, p e la
a cu m u laç ã o
de
d es lo c a liz a ç ã o
c a p it a l
ge o g r áf ic a
nos
pa is es
d as
in d u st r ia l iz ad os ,
b a se s
de
p r o d uç ã o
p e la
e,
e v id e nt e me n t e , po r r e de s t ec n o ló gic a s d e m ú lt ip lo s u s os .
Isto
se
reflete
num a
expansão
do
processo
de
desenvolvimento da comunicação, criando nos indivíduos uma sensação
de necessidade de informação e comunicação para a sua existência. Esse
avanço tecnológico e i nform aci onal, conseqüencia dessas megafusões,
tem nos tornado de certa forma consumidores-reféns dos produtos e
serviços postos em circulação por essas megaempresas.
O esporte está entre os diversos bens e produtos culturais
que, com a globalização, teve seu alcance mundialmente ampliado.
Provavelmente o esporte seja um dos produtos ou bens culturais que
tenha obtido a maior visibilidade m idiática com a globalização; basta
observar a transmissão de eventos como a Copa do Mundo de Futebol e
os Jogos Olímpicos, que atingem praticam ente todos os países de mundo.
Possivelmente não haja outro evento que m obilize tão grandes equipes de
21
trabalho em sua organização e transmissão. Emissoras de televisão de
todo o mundo reúnem verdadeiros “exércitos” na transmissão desses
jogos, montam-se grandes estruturas, movimentam-se grandes quantias
financeiras, grandes empresas compram cotas publicitárias durante a
transmissão dos jogos. Evidencia-se, assim, um a relação direta entre o
esporte e o m ercado.
O esporte de rendimento é, portanto, dotado de grande poder
econômico e tem a televisão com o uma de suas principais parceiras de
divulgação e de acum ulação de capi tal. Hoje é possível acom panhar o
Campeonato Italiano de Futebol ou a Eurocopa, por exemplo, inclusive na
TV aberta no Brasil. Vêem -se hoje, no Brasil, pessoas que torcem e
consomem produtos de diversos times do futebol europeu, do basquetebol
norte-am ericano e de outras diversas modalidades. Estes são alguns dos
exem plos de com o o esporte também se apropria do “encurtamento” de
distância, de espaço, de tempo — ou da “com pressão espaço-temporal”,
nos term os de David Harvey (Chauí, 2006 p.32).
O motivo para essa quebra de fronteiras ocorre em virtude de
o esporte possuir uma linguagem simples e uma cena pronta, o que
facilita o seu entendimento. É possível compreender uma partida futebol,
de voleibol, de basquetebol ou ainda uma com petição de atletism o ou de
natação mesmo sem locução na língua local, seja no Brasil, na África ou
no Oriente Médio. Daí, um dos motivos pel os quais os eventos esportivos
incorporam-se com certa facilidade à lógica do m ercado, visto que tanto o
esporte
quanto
as
empresas
que
transmitem
seus
eventos
saem
ganhando em termos econômicos com esta parceria.
Hoje o mercado do futebol movimenta mundialmente vultosas
cifras nas suas diversas transações comerciais. Jogadores de futebol
brasileiros são comercializados por diversos times no mundo afora. O
comércio de j ogadores, com o se fossem m ercadoria, tornou-se “normal”.
22
Transações milionárias de grandes jogadores de futebol comumente
veiculadas pel a mídia, falseiam uma realidade nada “glam ourosa”: a de
outros jogadores que saem do país com a falsa promessa de j ogar e
ganhar m uito dinheiro; porém, ao chegar a alguns países, percebem que
a realidade é outra, e inclui condições subumanas de trabalho, excesso
de treinam ento, salários baixos. Ou tros ainda são abandonados, tendo
que viver em condições de miséria em um local estranho a sua cultura e a
sua origem, obrigados a conviver com a discriminação, o preconceito, a
miséri a. Neste caso, não deveria a TV denunciar com maior freqüência
esta situação, prestando um verdadeiro serviço social ?
A máscara de globalização faz com que tudo pareça belo,
disseminando a idéia de que a sociedade só teria a ganhar com a
expansão do mercado e da economia mundial. O esporte se insere como
um excelente “garoto propaganda” dessa lógica de mercado. Como é um
fenômeno visto e praticado por multidões em todo o mundo, as empresas
tiram proveito de sua popularidade e o transform am em mercadoria,
utilizando-o para a venda de produtos, pois sua imagem é associada a
saúde, beleza, competência, divertimento e outras qualidades diversas.
Na lógica da expansão do mercado esportivo, criaram-se
diversos
heróis
ou
mitos
no
esporte,
tidos
como
modelos
de
comportamento, símbolos de ascensão social, corporificados na figura do
“garoto pobre que saiu da favela e tornou-se í dolo no esporte, ganhou
muito dinheiro, ficou rico”. Tal tipo de imagem é explorada pela mídia
como uma das grandes características do esporte; porém, a históri a do
garoto pobre que, após diversas frustrações e decepções em busca do
sonho de ser um grande jogador, abandona o esporte e torna-se vítima do
tráfico de drogas, fica restrita a report agens isoladas, parecendo ser a
exceção.
23
Submetido à lógica capitalista da qual faz parte, o esporte
tam bém precisa de uma massa de “proletári os” para sustentar e permitir a
existência
de
algum as
estrelas.
Poucos
são
os
escolhidos;
definitivam ente, não há espaço para todos.
É a imagem glam ourizada e mercantilizada do esporte que
exerce influência sobre as crianças e jovens, sobretudo de periferia, que
ignoram outras realidades. Não se pode, porém, julgá-los e condená-los,
pois esse é o m odelo ao qual eles têm acesso diariam ente por mei o da
tel evisão.
2.2
Globalização, cultura, esporte e mídia
Como é possível perceber, a globalização tem ramificações
nas esferas política, econômica, social e cultural. No cam po econômico,
países m ais ricos ditam como deve ser a economia dos países mais
pobres; na política, as nações mais ricas e poderosas interferem nas
disputas democráticas das nações mais pobres; na cultura, impõem
comportamentos, atitudes; e na sociedade aumenta sensivelm ente o
abismo existente entre os m ais ricos e os m ais pobres.
Sobre
as
conseqüências
da
globalização
para
além
da
economia, Betti (1997) considera que:
P o t e nc ia liza d as
p r o d uç õe s
r e p r o d u çã o
pe la
ma t e r ia is
do
v e loc id ad e
e
c ap it a l
es p ir it u a is
as si m
do s
m e ios
e le t r ôn ic o s,
m u n d i al iz a m- s e.
como
o
A
as
g r an d e
de s e n vo lv im en t o
d as
p r o d uç õe s ef e t u am- s e e m â mb it o g lob a l. A g lo b a liz a ç ã o n ã o é um
f e n ô m e n o a p e n as ec o n ô mic o , t r a z c o ns ig o a m p l as c o ns e qü ê n c ias
s oc ia is , p o lí t ica s e c u lt ur a is , af e t a as f or m a s d e t r ab a lh o e v id a ,
mo d o s d e s e r e p e ns a r , pr o d u ç õ e s c u lt u r a is e f o r m as d e ima g i na r .
( p . 22 6 )
24
Alguns assuntos com o saúde, educação e mei o-am biente
passam a ser percebidos como internacionais, relacionados à harm onia
da sociedade global. A globalização é um novo ciclo mundial, que carreg a
consigo
valores
de
racionalidade,
desenvolvimento,
civilização,
modernização. A Indústria Cultural, sob o efeito multiplicador dos meios
de com unicação de massa, “reeduca” os povos e nações.
Os interesses das classes dominantes, em escala nacional e
global, têm sido cada vez m ais garantidos pela expansão da Indústria
Cultural e, sobretudo, pelo desenvolvimento dos meios de comunicação
de m assa que reúne todos os recursos da mídia impressa e eletrônica.
Segundo Moraes (1998, p.50), “a informação tornou-se fonte alimentadora
das engrenagens indispensáveis à hegem onia do capital”.
Segundo Charaudeau (2006),
a s mí d ia s s ão u m s u p or t e o r g a ni za c ion a l q ue s e a p os s a d as
n oç õ e s d e “ in f or ma ç ã o ” e “ c o m un ic aç ão ” p a r a in t e g r á- l as e m s u as
d iv er s as ló g ic a s, e c o n ô m ic a [ . .. ], t e c no ló g ic a [ . .. ] e s imb ó l ic a n o
s en t id o d e s e r vi r a d e mo c r a c ia . É ju st a m e nt e ne s s e po nt o q u e se
t o r n a o b je t o de t o d a s a s at e n ç õ es , d o m u nd o p o lí t ico , q ue pr e c is a
d e la pa r a a su a p r ó p r ia vis i b ilid ad e e a ut iliz a c o m d e s e nv o lt ur a
[ .. . ] ; do m u n d o f in an c e ir o q u e v ê as mí d ias co mo f o n t e d e lu c r o
e m r a z ão d a s s u a s liga ç õ e s c o m a t ec n o lo g ia e o ma r k et in g em
e sc a l a m u n d ia l [ . .. ]; d o mu n do da s c iê nc ia s h u m a n a s e s oc ia is ,
d e n t r e a s q ua is a S o c iol o g ia , qu e s e in t e r es s a p e lo im p ac t o d a s
mí d ia s s o b r e a o p i n iã o p ú b l ic a , a S e m io lo g ia q u e e s t ud a a
e nc e n aç ã o d a inf o r m a ç ã o, a Fi los o f ia e a A n t r o p o lo g ia S o ci a l q u e
q u e st i o n a m a co ns t it u iç ã o d os ví n c u l os so c i ais n as co mu n id a d es
mo d e r na s s o br e a inf l uê nc ia d a s mí d ia s ; d o m un d o ed u c a t iv o q u e
s e p e r gu nt a
s ob r e o lu ga r q u e a s mí d i as d ev e m o c u p a r n a s
in s t it u iç õe s es c ola r es e d e f or ma ç ã o p r o f is s io n a l, d e m od o a
f o r m ar c id a d ã o c r í t ic o em r e la ç ão às m e ns a g en s q u e os r o d e ia m e
25
d o p r ó p r io m u n d o q u e , pr es o a u m jo g o d e e s p e lh os [ . .. ], é le va d o
a o b se r v ar - s e , es t u d a r - s e e a ut o ju st if ic ar - s e ( p. 1 5 - 1 6 ) .
Outra questão importante a ser considerada é a supressão da
cultura regional, com um a significativa perda de espaço de prática e
divulgação, correndo o risco de ser aniquilada em algumas localidades,
abrindo espaço a manifestações culturais impostas pela nova ordem
mundial.
Exemplo
disso
é
a
crescente
diminuição
das
tradicionais
apresentações de “quadrilhas” nas festas juninas e o crescente aumento
e
valorização
das
festas
de
Halloween
“importadas”
dos
EUA,
principalmente no ambiente escolar, seja ele público ou privado, com
apoio dos mei os de comunicação de m assa.
O processo de mundialização é um fenômeno social, de
acordo com Ortiz (1994), que premia um conjunto de manifestações
culturais. O esporte se manifesta com o uma parte importante desse
processo. Ao ser assumido e veiculado com o um espetáculo, o esporte
adquire características de um produto do processo de globalização.
Segundo Pires (2002, p.59), “os fenômenos da globali zação da
economia
e
a
mundialização
da
cultura
têm
com o
pressuposto
a
transformação dos bens culturais em mercadorias ou bens simbólicos, e a
sua disponibilização aos mercados consumidores mundiais através das
novas tecnologias a serviço dos aparatos da mídia”. Percebe-se como o
esporte está inserido nesse contexto: sob as normas da Indústria
Cultural, os eventos esportivos tornam-se m ercadorias veiculadas pela
mídia.
Cada vez mais integrada ao cotidiano, por interm édio do seu
discurso apoiado numa linguagem audiovisual, a mídia, em especial a
tel evisão, nos transmite inform ações, direciona opini ões, alimenta nosso
imagi nário e constrói interpretações do mundo que nem sem pre condizem
com a realidade.
26
Também no campo da cultura corporal e do movimento,
observa-se a atuação crescente da mídia na construção de novos
significados de prática, entretenimento e consumo. De acordo com Betti
(1998, p. 17) o esporte, as ginásticas, a dança e as artes marciais
tornam-se cada vez m ais produtos de consumo. Os jornais, as revistas, o
videogame, o rádio e a televisão difundem idéias sobre a cultura corporal
e do movimento, e o público infantil e adolescente torna-se precocemente
consumidor desses produtos. O esporte-espetáculo seduz os torcedores
não só nos estádios e quadras, mas, principalmente, pela televisão e
pelos mei os de informação e tecnologia.
O esporte então, Segundo Betti (1998, p. 11) é o centro das
atenções da mídia enquanto notícia, transmissão de eventos ao vivo ou
simplesm ente como tema nos anúnci os publicitários, nos quais a mídia
vende a si mesm a e uma infinidade de produtos, ligados ou não a o
esporte. O esporte está nas novel as, nos desenhos animados, nos
seriados e nos program as de auditório. Nas propagandas, é invocado
para vender jornal, remédio, automóvel, refrigerante e outros produtos
diversos. Para o marketing esportivo, o importante é estimular o consumo
para vender mais e para continuar vendendo sem pre.
2.3
Indústria cultural
O termo Indústria Cultural surgiu na escol a de Frankfurt, na
década de 40, através dos estudos de Theodor Adorno e Max Horkheimer,
mais especificamente na Dial ética do Esclarecimento (1985), onde se
observou o processo de banalização da produção e difusão cultural, por
meio de sua redução a sim ples mercadoria de consumo. De acordo com
Chauí (2006, p.28), além do controle do trabalho, a classe dominante
27
passou
a
dominar
também
o
descanso,
transformando
tudo
em
mercadoria.
Para Chauí (2006), a Indústria Cultural:
E m p r ime ir o lu g a r , se p ar a os b e n s c u lt u r a is p or s e u s u p o st o v a lo r
de
mer c a d o:
há
o b r as
“ c a r as ”
e
“ r a r as ” ,
d e s t in a d as
a os
p r iv ile g ia d os q ue po de m p a g ar p o r e l as , f o r ma n do u ma e lit e
c u lt ur a l; e h á o b r a s “ ba r a t as ” e “ c o mu ns ” , de st in a da s à ma s sa .
As s im, e m v e z d e g ar a nt ir o m e s mo d ir e it o d e t o do s à t o t a l ida d e
d a p r od uç ã o c u lt ur a l, a in dú s t r ia c u lt u r a l int r od u z a d iv is ã o s oc ia l
e nt r e e lit e “ c u lt a” e m a ss a “ in c u lt a ” .
E m s e g un d o, c r ia a il us ã o d e q u e t o d os t ê m ac es s o a os m es mo s
b e n s cu lt u r a is, c a d a u m e s c o lh e n d o livr e m e n t e o q u e de s e ja ,
c om o o c o n s u m id o r e m u m s u p e r m er ca d o . No e nt a nt o, b a st a
d ar m o s a t e n ç ã o a o s h or á r io s d o s p r o g r a ma s d e r á d io e t e l ev is ã o
o u a o q u e é v e n d id o n a s b a n c a s d e jo r na l p a r a v e r m os q u e as
e m pr e s a s d e d ivu lg aç ão cu lt u r a l já se le c io n ar a m d e a nt e m ão o
q u e ca d a g r up o d e ve o uv ir , v e r o u le r [ . . . ].
E m t e r c eir o lu g a r , in v e nt a f ig ur a s c h a m a d a s “ e s p e ct a d or m é d io ” ,
“ o uv in t e m é d io ” e “ l e it or m é d io ” , ao s q u a is s ã o at r i bu í d a s c e r t as
c ap ac id a d es me n t a is “ m é d i as ” , ce r t o s c o n h e c im e n t o s “ mé d io s ” e
c er t o s
g o s t os
“ m é d i os ” ,
o f e r ec en d o- lh es
p r o d u t os
c u lt u r a is
“ m é d io s ” . O q u e s ig n if ic a ist o ? A I n d ús t r ia C u lt ur a l v e n d e c u lt ur a .
P a r a v e nd ê- l a, de v e s ed u z ir e a gr a d a r o c o n s u m id o r . P ar a s e d u z ilo e a gr a d á- lo , nã o po d e c h o c á- l o, pr o v o c á- lo, f a zê - lo p e n sa r ,
t r a ze r - lh e inf o r m aç õ es no v a s q u e p er t u r b e m , mas d ev e d ev olv e r lh e, co m n ov a a p ar ê nc ia , o qu e e le já s ab e, já vi u, já f a z.
E m q u a r t o lu g a r , d e f in e a c u lt ur a co mo la ze r e e n t r e t e n ime nt o ,
d iv er s ã o e dis t r a ç ã o , de m o d o q u e t ud o o q u e n a s o b r as d e a r t e e
de
p e ns a m e n t o
s i gn if ic a
t r a b a lh o
c r ia do r
e
e x p r e ss iv o
da
s en s i b i lid a d e, d a im a g in aç ã o, da i nt e lig ê n c ia , d a r e f le xã o e da
c r it ic a n ã o t e m in t e r es s e, n ão “ v en d e ” . M a ss if ic a r é , as s im ,
28
b a n a li za r e d iv u lg ar a c u lt ur a, de s p e r t a n d o in t er e s s e p o r e la , a
I n d ú st r ia
Cu lt u r a l
r e a liz a
a
v u lg ar i za ç ã o
d as
ar t e s
e
d os
c on h e c im e n t o s. ( p. 2 9 - 3 0)
Segundo Pires (2002, p.65-66), há na I ndústria Cultural o que
os autores chamaram de “incorreções calculadas”, que seriam alguns
outsiders, surgidos de tem pos em tem pos, porém controlados pela
Indústria Cultural, que, quando não são cooptados pelo sistema, são
excluídos; tomados com o bizarros ou utópicos, não conseguem os m eios
técnicos
e
financeiros
para,
perseverando
na
sua
contracultura,
manterem-se em evidência na mídia.
Acreditamos que a cena cultural da cidade de Recife-PE sirva
como exemplo de manifestações culturais que não se venderam à mídia e
continuam expondo sua arte de forma livre e independente. Podemos citar
alguns casos como a Literatura de Cordel, o Samba do Matuto, o
Maracatu e ainda alguns artistas como Jorge Mautner, Selma do Coco,
Antônio da Nóbrega, o poeta e escritor Ariano Suassuna, eterno defensor
da cultura regional, em especial a nordestina, dentre outros. Há tam bém
um a série de j ogos e brincadeiras de rua que não aparecem na mídia,
mas que são parte constitutiva da cultura e do imaginário brasileiros,
como por exem plo, a queimada, o “golzinho”, o jogo de “beti” entre
outros. Sua inserção em aulas de Educação Fí sica pode ser encarada
como uma divertida e criativa forma de resistência à hom ogeneização
operada pela indústria cultural e pela mídia.
2.4
Os meios de comunicação de massa
Segundo Chauí (2006, p.35) a expressão “com unicação de
massa” foi criada para se referir a objetos tecnológicos capazes de
29
transmitir um a mesma informação para um vasto público ou para a
massa. Ainda segundo Chauí, inicialmente se refere ao rádio e ao
cinema,
pois
a
imprensa
pressupunha
a
existência
de
pessoas
alfabetizadas, o que não era necessário para o rádio e o cinema. Pouco a
pouco, estendeu-se para a imprensa, a publicidade, a fotografia e a
tel evisão.
Chauí, em seu livro, Si mulacro e poder: uma análise da mídia
(2006), faz uma interessante análise sobre os meios de comunicação de
massa, destacando a propaganda, o rádio e a televisão.
Em relação à propaganda, explica que a pal avra deriva do
verbo propagar, que quer dizer multiplicar uma espécie por m eio de
reprodução, espalhar-se por um território, aumentar num ericamente por
contágio, irradiar-se, difundir-se e, por extensão, divulgar.
Na era da sociedade industrial, os produtos eram valorizados
por sua durabilidade, portant o a propaganda com ercial deveria enf atizar
esta característica do produto, inventando uma imagem duradoura que se
tornava uma marca facilmente reconhecida por todos. Como exem plos,
Chauí cita slogans de produtos na década de 40, como: “Melhoral é
melhor e não faz mal”, “Cashmere Bouquet, a fragrância para você”.
Já com o acirramento da concorrênci a entre empresas e
produtos e com o advento da sociedade pós-industrial, a ênfase passa a
ser no consumismo imediato, pois os produtos já não têm a mesm a
durabilidade, o que prevalece é o consum o rápido, o produto da moda de
hoje já não é o mesmo de ontem. Portanto, a propaganda comercial pass a
a operar no despertar do desejo que ela realiza: sucesso, prosperidade,
segurança, j uventude eterna, beleza, atração sexual, felicidade. Ou seja,
a propaganda passou a vender imagens e signos, e não as próprias
mercadorias.
30
Os outros m eios de comunicação de massa analisados por
Chauí são o Rádio e a Televisão. Segundo Chauí, o rádio logo despertou
o interesse de sociólogos, psicólogos e filósofos, pois com ele se iniciou
efetivamente a informação e a comunicação de massa à distânci a. Para
exem plificar o poder de persuasão e o alcance do rádio, Chauí cita um
fato curioso, ocorrido em m eados de 1930: o escritor Orson W elles
transmitiu pelo rádio seu romance A Guerra dos Mundos, que narra a
invasão do pl aneta Terra por marcianos; porém, el e não avisou durante
as transmissões que se tratava de uma ficção, e isso causou grande
pânico na cidade de Nova York e em todo o país.
Este
politicamente
poder
pelo
de
nazism o
persuasão
para
do
convencer
rádio
a
logo
foi
sociedade
utilizado
alem ã
da
grandeza, justeza e poderio do Terceiro Reich.
Como o rádio, a televisão é outro meio de com unicação à
distância com possibilidades jornalísticas e folhetinescas, porém com a
vantagem de inserção da imagem.
Ainda segundo Chauí, a Indústria Cultural, a televisão e o
rádio operam segundo a lógica do mercado de entretenimento e da
propaganda com ercial. A program ação, por exigências comerciais, se
divide em program as destinados a segmentos sociais e a faixas estárias
distintas — crianças, adultos, donas de casa, adolescentes, hom ens,
mulheres etc. Em outras palavras, o patroci nador não i nterfere apenas no
intervalo comercial, a forma e o conteúdo do programa também exprimem
a exigência do patrocinador.
Observa-se também, na programação televisiva, a ausência de
referência no espaço e no tempo. Distâncias e proximidades geográficas
são ignoradas, fazendo com que o distante pareça próximo e vice-versa.
Os acontecimentos são relatados com o se não tivessem causas passadas
31
nem efeitos futuros, existem enquanto objetos de transmissão e deixam
de existir quando param de ser transmitidos.
Fatos como o seqüestro da filha de um famoso apresentador
de televisão são explorados intensamente pela televisão, sem sequer
discutir qualquer relação com as causas possíveis da cri minalidade, com o
desem prego, desigualdade social, exclusão, fome, miséria. Nenhuma
informação real é transmitida à sociedade, a não ser a idéia de que
criaturas más ameaçam a vida de pessoas de bem e desprotegidas.
Outro
fato
discutido
superficialmente
pelos
m eios
de
comunicação de massa foram os atentados de 11 de setem bro. Mostrouse repeti das vezes a imagem da colisão dos aviões nas torres, passando
a idéia de que o ataque teria sido um ato repentino e insano, sem
precedentes. Não se discutiu o que levou a tais acontecimentos, como as
relações econômicas e políticas dos EUA com os países do Orient e
Médio, não houve nenhum a referência aos interesses econômicos e
políticos dos Estados Unidos na região.
De nossa parte, discutimos outro fato de imensa expl oração
pela mídia, que foi a não renovação da concessão da RCTV, pelo
Presidente venezuelano, Hugo Chávez. A televisão tratou aquele fato
como ato de ataque à liberdade de imprensa, atitude extremamente
antidem ocrática; não citou sequer o fato de que aquela emissora já havia
sido punida em governos anteriores por exibir conteúdos e programas qu e
desrespeitam as leis venezuel anas, além de promover uma campanha
aberta pela derrubada do Presidente Chávez. Tam bém não foi feita
referência a um a possível aliança da RCTV com o governo norteam ericano contra o Presidente venezuelano.
Para Chauí, há uma situação paradoxal em curso: apesar da
aparente saturação da inform ação, nada sabem os, tem os apenas a ilusão
de
que
estam os
sendo
i nform ados
sobre
tudo.
As
imagens
são
32
escolhidas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das
notícias, num procedimento deliberado de controle social, político e
cultural.
Chauí discute ai nda a questão da telenovela que aparece
como um relato real, enquanto o noticiário com o uma narrativa irreal. A
tel enovela opera reforçando o senso com um social, mantendo um a cl ara
distinção entre o bem e o mal, a naturalização da hi erarquia social e da
pobreza, o desej o de “subir na vida”, a recom pensa dos bons e a punição
dos m aus.
De acordo com Chauí, há ainda outros dois efeitos que os
meios de com unicação de massa produzem em nossas mentes: a
dispersão da atenção e a infantilização. Segundo ela, os meios d e
comunicação
de
massa
dest roem
a
capacidade
de
atenção,
de
concentração, a capaci dade de abstração intelectual e de exercício do
pensamento. E, ao mesm o tem po, satisfazem im ediatam ente os desejos,
não exigindo atenção, pensam ento, reflexão, crítica, provocando uma
certa perturbação da sensi bilidade e da fantasia. A isso se associa a
consideração de Freud, segundo a qual ser infantil é não conseguir
suportar a distância temporal entre o desejo e a satisfação dele.
A destruição da capacidade de concentração (dispersão) e a
infantilização
conduzem
ainda
a
um
outro
efeito,
o
estímulo
ao
narcisismo, pois as imagens e mensagens são produzidas e transmitidas
para repeti r sem pre a mesm a m ensagem: “eu sou você”. De maneira que
a TV não é só o mundo, é também o sujeito, oferecendo um imenso
espel ho, no qual devemos ver nossa própria imagem que parece estar ali
refletida, mas na verdade foi propositalmente produzida para causar tal
efeito de identificação narcisista.
Por fim, Chauí tece alguns comentários sobre a obra Quatro
Argumentos para eliminar a televisão, de Jerry Mander, que foi, durante
33
15 anos, executivo e relações públicas de emissoras de TV norteam ericanas. Para nossa pesquisa, vale destacar uma das regras de
transmissão apontadas por ele: sentimentos de conflito televisionam
melhor
do
que
sentim entos
de
concórdia,
por
isso
a
competição
tel evisiona m elhor do que a cooperação. Eis um dos prováveis motivos do
imenso sucesso das transmissões esportivas pela televisão.
34
Capítulo III
Campo Metodológico
Neste capítulo apresentamos a metodologia, com a descrição
dos procediment os de coleta e análise de inform ações. Acrescentamos,
ainda, uma discussão teoria-em piria, buscando um a melhor interpretação
do fenômeno a partir dos dados inf orm ados e analisados.
3.1
Descrição dos procedimentos de pesquisa e coleta de informações
Para se com preender o objeto de estudo a partir da percepção
dos atores sociais envolvidos, da análise das mensagens televisivas
acerca do esporte e da Educação Física e ai nda da revisão bi bliográfica
do tema, buscaram-se procedimentos de pesquisa de cunho qualitativo,
mais
adequados
ao
método
de
investigação
escolhido
e
às
especificidades do nosso objeto de estudo.
Como técnica de coleta de inf ormações optou-se pelo Grupo
Focal, que, segundo Powell e Single (apud Gatti 2005, p.7), é composto
por um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores
para discutir e comentar um tema (objeto da pesquisa) a partir de sua
experiência pessoal. Kitzinger (apud Gatti 2005, p.7), diz que o grupo é
focalizado no sentido de que envolve algum tipo de atividade coletiva,
como por exem plo o ato de assistir a um filme e conversar sobre ele.
Lembra ainda que a utilização dessa técnica de pesquisa foi comum nas
décadas de 1970 e 1980, em áreas muito particulares com o a pesquisa
em com unicação, na avaliação de m ateriais diversos ou de serviços, em
estudos sobre recepção de programas de tel evisão ou de filmes, em
processo de pesquisa-ação ou pesquisa intervenção (2005, p.8). Aqui, a
35
atividade coletiva foi a exibição, análise e discussão do vídeo nomeado
na col eta de informações e descrito a seguir.
Entrevistas em grupo podem ser focais e/ou de discussão.
Segundo Gaskell (2002, p. 75) “o objetivo do grupo focal é estimular os
participantes a falar e a reagi r àquilo que outras pessoas no grupo dizem.
É
uma
interação
social
m ais
autêntica
do
que
a
entrevista
em
profundidade”. W eller (2006, p. 243) alerta que nos grupos focais as
diferenças
de
status
entre
os
participantes
não
são
levadas
em
consideração, e o debate se fundamenta em um a discussão racional. Di z
ainda que os grupos focais se assemelham aos talk shows apresentados
nas emissoras de televisão, pois um certo número de convidados é
cham ado a debater um certo tema com a ajuda de um m oderador.
Podemos destacar algum as vantagens no grupo focal, como a
economia de tempo, pois permite coletar um maior número de opiniões
em
um
menor
participantes,
tem po;
permite
também
criando condições
propícias
uma
interação
para um
entre
debate.
os
Porém,
tam bém há algumas dificuldades quanto à identif icação da voz do ator: no
momento da transcrição, pode haver uma certa confusão na identificação
das vozes dos entrevistados. Portanto, o entrevistador deve tomar
algum as m edidas para evitar falhas na transcrição, audição e mesmo na
análise.
Para análise dos grupos focais, fundadas em entrevistas com
pequenos grupos de sujeitos, e das próprias m ensagens esportivas
tel evisivas, optou-se pela análise qualitativa das informações obtidas.
Molina (2004, p.112) afirma que o termo “qualitativo” é em pregado para
sustentar
um
leque
de
técnicas
de
investi gação
centradas
em
procedimentos hermenêuticos, que tratam de descrever e interpretar as
representações
e
os
significados
que
um
grupo
social
dá
à
sua
experiência cotidiana. Segundo Campos (2001, p. 183) “se o método
36
quantitativo caracteriza-se pela busca de precisão e obj etividade, o
qualitativo, ao contrário, está mais preocupado em aprofundar os temas
de estudo, em conhecer de perto a natureza de um fenômeno, os próprios
sujeitos
enquanto
agentes
nas
coletividades
soci ais”.
Então,
um a
pesquisa com enfoque qualitativo abre caminho para conhecimento do
movimento humano de forma holística, ampl a, contextualizada e sem pre
envolvida com aspectos históricos, sociais e culturais.
A coleta de informaçoes se deu a partir da exibição, para o
grupo, dos vídeos “Especialistas mostram as características que cada
esporte desenvolve na criança” (12 min) e “Pista de atletismo de asf alto
em colégio de bairro pobre faz sucesso entre alunos e professores” (3
min), exibidos no programa Esporte Espetacular da Rede Globo em
08/04/2007. Formaram-se três Grupos Focais, sendo dois com seis
indivíduos e um com oito indivíduos, para que se discutissem, através de
um roteiro pré-estabelecido pelo pesquisador, tem as com o: discurso
jornalístico sobre o esporte, modelos e padrões esportivos veiculados
pela televisão, formação humana ou técnica pelo esporte, acesso às
diversas modalidades esportivas na escola, respeito às características
indivi duais e à diversidade, al ém de outros tem as relevantes. Para tanto,
foram feitas as seguintes perguntas:
Alguém de vocês já havia visto esta reportagem antes?
Você discorda da forma ou opinião como f oi colocado na
reportagem? Por quê?
Você concorda com a tese do livro de José Delia, no
qual se apresenta um quadro com as características de
cada esporte?
Na sua opini ão, reportagens e jogos exibidos na TV
podem ser utilizados na sala de aula de Educação
Física? Com o?
37
Alguém já utilizou algum jogo ou reportagem em sua
sala de aula? Qual foi o resultado?
Você acha que a TV tende a um certo direcionam ento de
opiniões, atitudes e comportam entos? Na sua opinião
isso é positivo ou negativo?
Há algo mais que alguém gostaria de falar a respeito
desse tema?
Para os grupos 01 e 02 foi solicitado que se fizesse um a
comparação entre a primeira e a segunda reportagem.
A partir dos alunos do curso de Especialização em Educação
Física Escolar na Faculdade de Educação Física da UnB, constituiu-se
um a amostra i ntencional de indivíduos. A maioria desses alunos está
atuando em diversas escolas públicas da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal.
Segundo Gatti:
Pr iv i le g ia - s e a s e l eç ã o d e p a r t ic ip an t e s s e g u n do a l gu ns cr it é r ios
— c o nf o r me o p r o b le ma d o es t u d o — , d e s de qu e el es po ss u am
a lg u mas c a r ac t er í st ic a s e m c o m u m q u e o s q u al if ic a m pa r a a
d is cu ss ã o d a q u es t ã o q u e s e r á f o c o d o t r a b a lh o in t e r at iv o e da
c o let a do ma t er ia l d is c ur s iv o / ex p r es s iv o . O s p ar t ici p a nt e s d e v e m
t e r a l gu m a v iv ên c i a c om o t e ma a s e r dis c ut i do , d e t a l m od o q u e
s ua p a r t ic ip a ç ã o p os sa t r a zer e le m e nt o s de s u as e x p e r iê n c ias
c ot i d ia n as . ( 2 0 0 5. p. 7 )
As entrevistas em grupo foram todas gravadas com gravador
de tecnologia digital e transcritas integralmente.
Os trabalhos foram reali zados nos dias 28 e 30 de agosto de
2007, na sala 44 da Faculdade de Educação Física da Universi dade de
Brasília, com o parte da disciplina Sociologi a da Educação Física do
38
Curso
de Especialização
em
Educação
Física Escolar,
no
período
vespertino.
Todos os grupos tiveram a duração de cerca de 90 minutos,
sendo
os
primeiros
30
minutos
para
apresentação
da
pesquisa,
preenchimento de questionário contendo questões sobre dados pessoais
e profissionais, e exibição do vídeo, com as duas reportagens, com um
total de 15 minutos de duração.
Pôde-se perceber um grupo bastante hom ogêneo em termos
de formação acadêmica, sendo todos licenciados em Educação Física por
universidades como: UCB (a m ais citada), Faculdade Dom Bosco de
Educação Física, UFBa, ESEFEGO, UFG, UnB, UFRJ e UFV. Seis deles
informaram possuir curso de pós-graduação em nível de Especialização.
O tempo form ação, porém, variou de 2 a 23 anos, e o tempo de
magistério de 2 a 20 anos — dados bastante heterogêneos, portanto.
A maioria dos professores atua em escolas públicas em
diversas Regiões Administrativas do Distrito Federal, que, segundo eles,
apresentam condições e estrutura bem precárias.
39
Capítulo IV
Contexto da pesquisa: análise qualitati va das informações obtidas a
partir dos grupos focais
O presente capítulo tem por objetivo apresentar, anal isar e
discutir os dados obtidos a partir das referidas reportagens e também os
dados obtidos a partir da análise dos grupos focais, levando-se em conta
a análise qualitativa das informações. Na análise dos grupos focais,
alguns
depoimentos
foram
preservados
na
íntegra,
para
fins
metodológicos, a fim de apresentar de forma literal e detalhada o seu
conteúdo.
4.1
Resumo das reportagens exibidas
Apresentamos aqui um breve resumo das duas reportagens
exibidas aos professores, as quais nortearam os debates nos grupos
focais. Ao resumir as reportagens, procuramos não emitir juízo de valor,
mantendo-nos fiéis ao texto. As opiniões apresentadas são das pessoas
entrevistadas e dos repórteres responsáveis pela m atéria.
A primeira reportagem do Esporte Espetacular teve o objetivo
de mostrar a importância da atividade física na vida de m eninos e
meninas. Foram entrevistados alguns especialistas, que consi deraram a
atividade física um a aliada na educação de crianças.
A
reportagem
m ostra
o
exemplo
de
José
Adriano
—
adolescente de 16 anos, saudável, empregado com o catador de bolinhas,
ele pratica esporte três vezes por semana num projeto social no bairro
onde m ora, em Paraisopólis, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Na
40
sua infância, foi um garoto obeso que, segundo sua mãe, ti nha altas
taxas de colesterol e pressão alta, além de gordura no coração. Por ser
obeso, tinha vergonha de freqüentar a escola, pois se sentia discriminad o
pelos colegas. Depois de entrar para o projeto financiado pelo Hospital
Albert Einstein e com a ajuda do professor Arnaldo, sua vida foi mudando,
melhorou sua auto-estim a e ele voltou a freqüentar a escola.
Em seguida, mostra-se um a entrevista com um a pessoa não
identificada , que diz que o esporte pode trazer para a criança um a série
de benefícios desde que sej a praticado de maneira correta e não seja
um a imposição. À pergunta “Em qual esporte vou colocar o m eu filho?”,
tom ada com o pergunta que todos os pais se fazem, responde-se: “todos
os esportes”.
Bernardinho,
técnico
da
seleção
brasileira
de
Voleibol,
confirma em entrevista que todos os esportes são bem-vindos, e com pleta
dizendo que é importante que a criança experimente todos eles. O técnico
compara as modalidades esportivas com as disciplinas escolares, dizendo
que a criança deve conviver com diferentes esportes, assim como convive
com o Português, a Matemática, a Geografia, a História etc., para que no
futuro ela se identifique com algum esporte.
Outra situação apresentada na reportagem é a do projeto
“Centro de Aprendizado do Esporte”, do Clube Pinheiros de São Paulo,
que existe há 30 anos, com crianças de 3 a 10 anos, que aprendem a
praticar
vári as
modalidades,
criança,
segundo
uma
visando
professora
o
desenvolvimento
entrevistada.
De
global
acordo
com
da
a
reportagem, o esporte é apenas um “pano de fundo” para as crianças se
exercitarem brincando. A m ãe de Sandra, uma aluna do projeto, considera
que é importante ser uma mãe orientadora, e não uma m ãe cobradora,
dando liberdade ao filho para que ele escolha o esporte que gostaria de
praticar.
41
A reportagem segue m ost rando alguns pais que exageram na
torcida. Cita o exemplo do técnico e pai ucraniano que agrediu a filha
nadadora, na frente das câmeras, após um mau resultado em um a
competição mundial, na qual ela não conseguiu se classificar para as
semifinais. Segundo a reportagem, a pressão da fam ília é inimiga de
crianças e adolescentes. Mostram -se ainda dois outros exemplos: o do
ex-tenista Marcel o Saviola, que com eçou a trei nar aos cinco anos e aos
14 foi o tenista mais j ovem a m arcar pontos no ranking da ATP, mas
esbarrou na pressão psicológica que com eçava em casa. E por último
mostra-se o caso de André, jogador de futsal, que pediu ao pai (o
consultor Fernando Rodrigues) que não o acompanhasse mais nas
competições para não senti r pressionado.
José Rubens Delia considera que o esporte é a melhor f órmula
para preparar a criança para o alto grau de competitividade do mundo de
hoje. Segundo ele, a competição não é pecado, e a criança tem muito a
aprender com el a: num jogo, a criança vivenci a determ inadas situações
que só poderi am ser vivenciadas depois que terminasse seu ciclo jovem,
quando começasse a ter certos problemas prof issionais na fase adulta.
O jornalista responsável pela reportagem inform a que José
Rubens Delia é um especialista em Esporte e Psicologia, autor de dois
livros, e que defende a tese de que a partir dos 10 anos a criança está
apta a escolher uma modalidade esportiva. Uma das exceções, segundo
ele, é a Ginástica Olímpica, pois nela a cri ança tem que se inserir muito
nova, para que aos 10 anos ela já esteja competindo.
O autor apresentou um quadro mostrando a característica de
cada esporte. O judô seria recom endado para crianças com problem as de
disci plina; a natação, para um a criança mais agitada; o vôlei é ótimo para
aquele que é tímido e tem dificuldade de relacionam ento; o basquete,
para a criança que precisa de vel ocidade de raciocínio; o futebol traz
42
controle de agressividade e estimula a criatividade e a agilidade; já o
tênis desenvolve poder de concentração; e até os esportes radicais
ajudam a criança a ter maior autocontrole. José Delia afirma ser qua a
aliança entre a quadra e a sala de aula ajudaria a desenvolver múltiplas
inteligências — física, emocional e psíquica.
O técnico Bernardinho consi dera que o professor de Educação
Física pode também ajudar os professores de outras matérias m enos
sedutoras que a Educação Física, já que o esporte, por provocar a paixão
dos estudantes, traz o jovem para a escola e, portanto, para o processo
de educação.
E o último caso mostrado nessa primeira reportagem é o do
colégio EJA, da Zona Sul do Rio de Janeiro, que prom ove uma integração
do esporte com as outras disciplinas, tendo a Educação Física um papel
tão importante quanto as outras disciplinas. Os professores trocam
informações sobre o com portamento dos alunos e, nas aulas de Educação
Física, os alunos se autoavaliam, avaliam situações ocorridas durante as
aulas que precisam de uma reflexão, com o a rel ação com os colegas e a
percepção dos seus atos. A reportagem traz depoimentos de alguns
alunos mostrando a importância desse processo.
E essa reportagem (de aproximadam ente 12 minutos) termina
voltando ao garoto José Adriano, que não quer ser atleta, mas viu no
esporte a chance de se transformar e de conquistar saúde. De acordo
com a reportagem , por m eio do esporte mais e mais crianças poderão
viver a sua história.
A
segunda
reportagem
(de
aproximadamente
3
minutos)
mostra a história de uma escola do Paraná que construiu uma pista de
atl etismo num a área abandonada, atrás da escola, em parceria com a
prefeitura. Os professores e servidores da escola utilizam -na para se
exercitarem, o que auxilia na perda de peso, diminuição do estresse, do
43
cansaço e ajuda no relaxamento. A pista construída é bem menor que a
oficial, mas trouxe mais ânimo para quem quer saúde, e mais sonhos e
esperanças para quem quer vencer as dificuldades do dia-a-dia.
4.2
Análise qualitativa das informações obtidas a partir dos grupos focais
Citaremos e analisaremos ao longo deste capítulo trechos de
depoimentos coletados nas dinâmicas dos Grupos Focais, para, em
segui da,
responder
à
questão
em
estudo.
A
literatura
pesquisada
(referida nos capítulos anteriores e tam bém neste) embasa e legitima
nossas proposições e hipóteses.
Partindo de nosso problem a inicial de pesquisa — É possível
ao professor apropriar-se de forma crítica e superadora das mensagens
esportivas
veiculadas
pela televisão sobre o
esporte
espetáculo
e
conscienti zar os alunos acerca da realidade da prática da Educação
Física na escola? — perguntam os aos pesquisados se eles acham que
reportagens e jogos esportivos exibidos na TV podem ser utilizados na
escola. Todos os indivíduos dos grupos 1 e 3 acham possível e, no grupo
2, dois indivíduos consideram não ser possível.
Questionados sobre como poderia ser a utilização de tal
recurso, alguns ent revistados que já haviam utilizado esse recurso
relataram suas experiências, e outros, que nunca o haviam utilizado,
tam bém opinaram quanto às possibilidades de utilização. Logo em
segui da,
perguntou-se
se
alguém
já
havia
utilizado
programas
ou
reportagens de TV em suas aulas. Alguns relat os a esse respeito
surgiram
m esm o
antes
da
inserção
da
pergunta,
em
função
do
desenvolvimento do debate. Citam os abaixo alguns trechos dos relatos,
para análise e discussão:
44
“ . . . Um ex e mp lo f o i n a s e g u nd a- f e ir a à no it e , p as s o u u m f ilm e , e u a ch o qu e e r a " C o m a
b o la t o d a" , e n o f i lm e e le s en s ina m o D O TB O L, e e u v o u t er q u e p e g a r o f ilm e e
o bs er v a r d ir e it o p a r a ve r a s r e gr a s do f ilme p or q u e e l es qu er e m jo g a r , n u m f i lme q u e
p as s a s e g u n d a - f e ir a à n o it e, t a r d e pr a c a r a m b a , e o me n in o t e m q u e a c o r da r c e d o
p ar a o o ut r o d ia es t ar n a es c o la , e ng a n o m e u, n o o u t r o d ia m ais d a me t a d e d a t u r ma
t in h a v is t o o f i lm e e a c h o u q u e a g e n t e p o d ia jo ga r o DO T B O L, q u e é p a r ec id o c o m a
Q u eim a d a , m a s c o m o ut r as r eg r a s, m e co m pr o m et i c om e l es q u e ir ia pe g a r o f ilm e e
v ou as s is t ir , vo u a n ot a r , v ou p es q u is ar p r a g e n t e p o d e r jo ga r ”
Esse trecho dem onstra como a televisão está presente na vida
dos alunos, inclusive num horário em que eles deveri am estar dormindo,
segundo a professora, portanto confirmando que eles não assistem
apenas a programas matinais ou vespertinos, devendo o professor estar
atento e preparado para discutir tais programas. No caso citado no
depoimento, trata-se de um filme que tudo tem a ver com a Educação
Física; trata-se de um esport e desconhecido no Brasil, mas que os alunos
viram
na televisão e agora querem conhecê-lo e cobram
isso da
professora. Ela se comprometeu a pesquisar sobre o tema e informar os
alunos sobre o jogo. A parti r dessa situação, ela tam bém poderia discutir
outras questões, com o esportes criados e praticados nas ruas, nas
comunidades, inclusive propondo aos alunos que inventassem um novo
esporte ou m esmo adaptassem as regras de esportes de rendimento já
conhecidos para algo novo, com a finalidade de aumentar a participação
de todos. Isto é o que o professor Eleonor Kunz propôs em seu livro
Transformação didático-pedagógica do esporte (2001).
Segundo
Kunz
(2001,
p.125-126)
um
dos
pontos
controvertidos do esporte como prática educacional na formação da
cidadania
emancipada
é
justam ente
a
form a
que
é
praticado
hegemonicam ente, nas com petições esportivas e transmitida pel os m eios
de com unicação (televisão, sobretudo). De acordo com Kunz, esse tipo de
prática esportiva não apresenta elem entos para se constituir num a
45
formação geral. Ela propõe, então, a transformação di dático-pedagógica
do esporte, não no sentido de alterar seu significado, mas de facilitar e
democratizar o acesso a tal prática.
Além da televisão, o jornal também é citado por alguns
professores entrevistados, como m aterial a ser utilizado em aulas de
Educação Física. Vejamos esse tipo de referência no depoimento a
seguir:
“ V a i t e r u m a r e p o r t a g e m t a l n o d o m in g o e v a m os as s is t ir , p o r q u e n ós v am o s f a z er u m
d e b at e , t r a g a m o jo r na l q u e t e n h a a lg u m a r e p o r t a g e m d e a lg u m e s p or t e , a lg u ma
c r í t ic a e s p o r t iv a, a lg u ma co is a d e e s p o r t e e a g e n t e p r o mo v a e s t e d e b at e d e nt r o da
s a la d e a u la . De p o is a g en t e vi a o t a n t o q u e o s a lu no s c r e sc ia m e a v isã o d e l es er a
t ã o in t e r es s a n t e e m t er mo s d e c r í t ic a me s mo. P o r q u e o go v e r n o nã o f a z is s o ? Po r
q u e o g ov e r no nã o f a z a q ui lo ? P o r q u e t e m g e n t e q ue t e m co nd iç ão e t em g e n t e q u e
n ã o t e m c o n d iç ã o ? E nt ã o , c a b e a nó s a pr o v e it ar m o s a t e le v is ã o , já q u e n ó s t e m os
e ss a p os s i b ilid a d e de g r av a r e mo st r ar p a r a os a lu n os , d e les i r e m at r ás d is s o e
p r o m o v e r e ss e ca m in h o n a e sc o l a. ”
Aqui al ém da questão da televisão, o professor traz outro tem a
interessante para o debate, que é o jornal impresso, outra mídia de
grande alcance, porém ainda pouco disseminada entre os estudantes nas
aulas de Educação Física, mas que deve ser incentivada na escola, por
exercitar a leitura, a busca de informação, o entendimento crítico de
determinadas situações. (Esse trabalho não tem a finalidade de estudar a
mídia
impressa,
mas
acredito
que
ela
mereça
investigações
mais
aprof undadas, por se tratar de algo tão importante, mas ainda pouco
estudado e incentivado no âmbito escolar).
Vejam os
outro
depoimento
sobre
o
uso
dos
esportes
transmitidos pela televisão com o tema para debate numa aula:
“Eu
u t ili ze i
a g or a ,
ju s t a me nt e
agora,
com
r e la ç ã o
ao
P a n a m e r ic a n o
e
o
P a r a p a n a m er ic a n o . Co inc id e n t e m en t e o P a na m er ica n o f oi ag or a no no s s o r ec e ss o, e
46
f ic o u b o m p ar a t o d o m un d o , t o d o m u n d o v iu . M es m o n a t e lev is ã o a b e r t a, na B a n d , n a
G lo b o e n a Re c or d , b o a p a r t e d as c o mp e t iç õ e s e n a gr a n d e ma i or ia os e s p o r t es
p o p u la r e s, o s ma is c o n h e c ido s er a m pa s s a d o s na í nt e g r a. O B r as il es t a v a r es p ir a n d o
e sp or t e e a c o mp e t iç ão n o P a n am e r ic an o, e e u f i z u m a r ef lex ã o co m ele s s o b r e a
c on c l us ão , o r e su lt a d o d o P an a me r ic a n o, e p eg u e i u ma cr í t ic a d e u m jo r n al qu e f a la v a
o q u e t in ha s i d o inv e st id o e q u e t a lv e z d e v es s e, s e a q u e la v er b a f o s se us a d a p ar a
in f r a - es t r u t ur a , em s a úd e, o q ue da r ia p ar a f a z er . A g e nt e sa b e q u e o es p or t e é
imp or t a n t e, m a s a ge nt e s ab e t a m bé m q u e f o r a m g as t o m u it o d i nh e ir o, s e n d o q u e o
Br a s il t e m d im e ns õ es c on t in e n t a is , t a lv e z p r e c is a ss e m ais d a qu e l e d in h e ir o p ar a
o ut r a s c o is as , c o m o s a ú d e, s e gu r a n ç a e e d uc aç ã o , d o q u e p a r a u m a c o mp et iç ã o em
s i. E u f ic o pe ns an d o e m u m a C op a d o M u n d o, s e h o uv e r u ma C o p a d o M u nd o aq u i o
p ov o
e n lo u q u ec e,
c om p et iç õ es
do
e
c o loq u e i
pa r a
Pa r ap a na m er ic a n o
e le s
não
ag o r a
e st ã o
o
sendo
P a r a p a n a m er ic a n o ,
t r a ns m it id a s
c o mo
que
as
as
do
P a n a mer ic a n o f o r am. S e r á q u e v e r pe ss o as co m dif ic u ld ad e s, p e s s oa s s e m p er n as ,
p es s o a s s em b r aç o s, p es s o a s c e g a s n a t e le v isã o c o mp e t in do va i o f e n d e r a l gu é m ? E
n is so e n t r a a q u e s t ã o d a d is cr i m ina ç ã o , e e u t r o u x e p ar a d e n t r o d e s a la a q u e s t ã o d o
g or d in h o , a d o q u e n ão d á co n t a d e p eg ar a b o la d ir e it o , lá a t e lev is ão disc r im in o u
e n q ua nt o p as s o u os d it os p er f e it o s , e os at l et a s d o pa r a pa n a m er i ca n o nã o t iv er a m os
me s m o s
d ir e it os .
E
se
eu
f os se
um
a t le t a
q ue
e st iv e s se
c o m p et in d o
no
p ar a p a n a mer ic a no , e u me s e nt ir ia d is c r im in ad a ? E u c o lo q ue i p a r a e l es : se eu n ão
c on s e g u is s e p eg ar a b o la , s e e u n ã o c o n se g u is s e c or r er c om o os o ut r o s c o r r em e s e
e u n ã o c o n s e g u is s e dr ib la r c o mo os o ut r os d r ib la m, e u m e s en t ir ia d is c r im in a d a ?
V o c ê v al e p e lo
q ue
vo c ê t e m o u
p e lo
o que
v oc ê é ?
E nt ã o
f oi
mu it o
bom
p r inc ip al m en t e d os a lu n o s , p o r ex e m p lo , d a 5 ª D , q u e sã o os ma io r e s, c om m a is
id a d e, ele s t iv er a m u ma c o mp r e en s ã o a t é ma io r , po r q u e o s p e q u e n os e e u já n o t e i,
e les já t in h a m u m p o u co d es s a m e n t a lid ad e d e n ã o d is c r im i na r . O s pe q u e n os t in h a m
e ss a me n t a l ida d e, e o s g r a nd es n ã o . ”
Essa professora aproveitou o m omento do Panamericano no
Rio de Janeiro, quando a mídia, principalmente a televisão, se voltou
para esse evento. Diversas televisões abertas, segundo a professora
observou, transmitiram os jogos na íntegra. Ela inseriu dois aspectos
importantes na discussão com seus alunos: primeiro, um a crítica do jornal
ao alto investimento em infra-estrutura para os jogos, o questionando
47
quanto à falta de aplicação desse investimento em outras áreas, com o
por exempl o, a da saúde, que é tão precária; e segundo, a pouca
visibilidade e divulgação na TV de outro evento esportivo que ocorreu
logo depois, que foram os Jogos Parapanamericanos, disputados por
atl etas portadores de deficiência física.
Interessante é constatar que ao mesmo tempo em que toda a
sociedade, inclusive a televisão, discute a questão da inclusão soci al das
pessoas portadoras de deficiência, percebe-se uma enorme discrepância
de visibilidade pela TV dos dois eventos. Bourdieu (1997, p.52) observa
que a televisão leva ao extremo essa contradição na m edida em que sofre
mais que todos os outros universos de produção cultural a pressão d o
comércio, por intermédio do índice de audiência.
Os Jogos Panam ericanos tam bém foram tema da discussão d e
outro professor entrevistado:
“ E u f iz u m t r a b a lh o n a e s co la ba s e ad o n o P a n a me r ic a no . E u t iv e um a id é ia d e f a z er o
s eg u i nt e : e u n ã o q u e r ia q u e os a l un os f iz es s e m u m t r a ba lh o s ob r e a s mo d a lid a d es
o lí mp ic a s c o m ma is n ot or ie d a d e. H av ia m m u it as mo d a lid a d es q u e e le s n u nc a o u v ir a m
f a la r e e u f iq ue i m u it o sa t is f e it o po r q u e eu f iz a nt e s d o P a n a m er ic a n o e n a s e ma n a d o
P a n a mer ic a n o e u v ia a lu n o s d is c ut i nd o s o b r e m o da lid a d e s q u e n u nc a f or a m vist a s e
q u e nu nc a f o i f a la do . Mas f ic a u m a c r í t ic a : ele s t iv er a m q u e c or r e r , g a s t ar s a p a t os ,
p or q u e n e m a int er n et c on s e g u ia d ot a r d e in f o r ma ç õ e s. E é o q u e nó s e st a m os
f a la n d o,
o
vô le i,
o
futebol
e
o
b a s q u et e ,
t in h a m
todas
as
in f o r m aç õ e s ,
em
c on t r a p a r t id a o ut r o s e s po r t e s q u e t a m b é m c o m eç a r am e ss e a n o c o m o P a n a mer ic a n o
c on s e g u in do r e s u lt a do s e x pr e ss iv o s, e le s já s a b ia m e já c o n he c i a m p or c a u s a d es s a
p es q u is a. E e u d ir e c i on e i m e sm o : n ã o q u er o q u e v o c ê s f a le m s o b r e v ô le i, so b r e
b as q u et e e u q ue r o q ue v oc ê s v ã o p es q u is ar a t iv id a d es q u e v o cê s n u n c a o u v ir am
f a la r , es p o r t e s q u e v o c ês nã o c o nh ec em, e f o i o q ue ac o nt e c e u . No f in a l e u v ou s e r
a t é u m p o u co o t im is t a , pe lo me n o s n a es c o la q u e e u t r a ba lh o o a ss u nt o er a
P a n a mer ic a n o d ir e t o, er a a m as sif ic aç ã o d o ev e n t o at r a v és d a t e le vis ã o . ”
48
O professor acima, também aproveitando o evento dos jogos
Panamericanos no Brasil, propôs aos alunos que não enf ocassem os
esportes já conhecidos e de grande divulgação na mídia, solicitou que
procurassem esportes desconhecidos do grande público. A dificuldade
dos alunos em encontrar inf orm ações sobre esses esportes, conform e
relata o professor, confirma que a indústri a midiática se interessa apenas
pelos esportes de grande apelo popular, que possam trazer um retorno
financeiro e que apresentem um maior número de vencedores. Bourdieu
(1997, p.123) também relaciona essa seleção a questões políticas,
afirmando que cada tel evisão dá tanto mais espaço a um atleta ou a um a
prática esportiva quanto mais forem capazes de satisfazer o orgulho
nacional ou nacionalista.
“ No P a n a me r ic a n o e u p e g ue i a q u e s t ã o d a va ia n a a b e r t u r a e d e t o d o o e ve n t o f o i
t r a b a lh a d o c o mo u m J ú r i P o p ula r . O q u e e le s a ch ar a m e m r e la ç ã o à v a ia ? e a a t it u d e
da
t o r c id a ?
c om p et iç õ es .
A q u e la
Se
va ia
is s o
tem
não
s om e nt e
be n e f í c io s ?
ao
Se
Pr e si d e nt e ,
t em
mas
ma lef í cios ?
durante
Qual
o
t od as
v a lor
as
e st á
e m pr e ga d o n a a t it u d e da v a ia ? Es se é u m do s p r inc ip a is r e c u r s os , pr in c ip a lm e nt e
q u a nd o v o c ê t e m q u e f ica r d e n t r o d e s a la d e a u la , q u a nd o n ã o p o d e d iv id ir q ua dr a o u
q u a nd o c h o v e. E u ac r e d it o, a pe s a r d a m in h a c o m u n id a d e, e u t r a b a lh o c o m b as t a nt e
a lu n o de as s e n t a me nt o, e os a lu n o s h o je s ã o c r í t ic o s, n ó s t e m o s ma is a l u n os c r í t ic o s
d e q u e a cr í t ic os . ”
Nessa fala, o interessante foi que não havia um a relação
direta com o esporte na discussão, mas o professor chamou a atenção
para a atitude do público na abertura dos Jogos Panam ericanos Esse tipo
de discussão poderia inclusive envolver outras disciplinas, com o a
Sociologia, por exem plo, pois envolvem questões de com portamento,
questões políticas, de sociedade e outras que poderiam ser facilment e
aproveitadas por professores de outras áreas.
49
Outros professores acrescentaram:
“ E u ac h o u m r e cu r s o mu it o in t er e s sa nt e, d es d e q u e o p r of es so r co n s ig a f a zer u ma
le it u r a c r í t ica d as r e p or t a g e n s e le v ar o a l u n o a s e p os ic io na r e a s e c o loc ar t a mb é m
a s s u as o p in iõ es e nã o co mo u m a ve r d a d e . ”
“ e u a c h o qu e é v á l ido s im, d es d e q ue es s a r e p or t a g e m n ã o t en h a u m f un d o
t e n d e n c ios o e q u e iss o s e ja d ia lo g a d o t a mb ém c o m a cr ia n ç a , n ã o p o d e de ix ar u ma
c r ia nç a s o f r er u m a o p in iã o imp os t a p e la mí d ia d iz e n d o a lg u m a c o i sa e se m v o c ê u sa r
d es s e r e c u r s o e d e ix a r qu e e la s e ja v í t im a. ”
“ O pr o f es s or d e E d u ca çã o Fí sic a , e le é o m e dia d o r , o or ie n t ad or , e l e va i sa b e r
s e lec io n a r a q u ilo q ue é b o m, q u e é in t e r es sa n t e, qu e é pr o d ut iv o , o q u e n ã o é
t e n d e n c ios o e v a i a p li ca r n a s u a d is ci p l in a . ”
Aqui se percebe a importância da instituição escolar, tomada
como um contraponto dos efeitos negativos da mídia. Como vimos, os
depoimentos chamam a atenção para a importância da intervenção do
professor: ele deve estar preparado para intervir positiva e ativamente
nessa questão, para que a educação não se torne uma mera reprodutora
dos efeitos negativos da mídia. Para Betti (1998, p.50), “não se pode
penetrar
na
cultura
audiovisual
pela
análise
lógica,
nem
rejeitá-la
preconceituosamente, sob pena de aumentar a distância e a falta de
comunicação
com
os
j ovens.
Os
adultos
e
os
professores
devem
compreendê-la pela experiência da imersão e da exposição a novas
linguagens
audiovisuais”.
Os
relatos
dos
professores
abaixo
complem entam essa afirmação:
“ E xa t a m e nt e n is s o , d ev e se r u s a do t o d o o ma t e r ia l, r e p o r t a g e ns e et c ? S im, d ev e s e r
u sa d o . M a s d e pe n d e d a p o st u r a d o p r of i ss io n a l. Q u e t i p o d e t r ab a lh o e u es t o u
f a ze nd o ? O q u e r e a l me n t e e u q u e r o c o m a s t u r m a s q u e e u t r a b a l h o ? M a is u m a v e z
r e p r o d u zi r o q u e a t e le v isã o f a z ? Ex c lu ir ? E s s a é a p o st ur a qu e a t e le v isã o t e m, e n ós
s ab e mo s q u e d e ac or d o co m as t u r m a s q u e n ós t r a b a lh a m o s, a i d a d e , o f oc o d o n os s o
50
t r a b a lh o, n ó s v a mo s co n st r u ir mu it a co is a b o a n e s s a c r ia nç a , e s e nó s jo g a m os
ima g e ns d e s s a f or ma , co mo a c o leg a f a lo u q ue s ã o ima g e ns d e p e ss o a s p e r f e it as ,
ima g e ns d e p e ss o a s b r a n c as c o m o p a dr ã o p ar a t ud o, p a d r ã o p a r a o v ô l e i, p ad r ã o
p ar a iss o e p ar a a q u i lo, p ar a o f ut e b o l s ã o p e ss o a s n e g r a s, p a r a o at let is mo s ão
p es s o a s n e gr a s e q u e n ã o t ê m c on d iç õ e s , nó s v a m o s c o n st r u ir e m a is u m a v e z
r e p r o d u zi r de nt r o d o e sp o r t e o q u e a mí d ia f a z co n o s c o n o n o s s o d ia- a - d ia. E nt ã o, é
imp or t a n t e s e le c io n ar . É v áli d o ? É v á lid o . M a s é im p or t an t e s e le c i on ar . ”
“ E u qu er i a di ze r q u e c ab e a í a f o r ma d e d isc u ss ã o , d a g e nt e jo ga r p a r a o a lu n o a
f o r m a d e d is c us s ã o . V o cê s nã o p er c e b e r am n a d a n e ss a r ep or t a g e m q ue a g e n t e p o de
d is cu t ir ? E ss a r e p o r t ag e m r e a lme nt e e s t á co m p let a ? E n t ã o , ca b e a í a f u n ç ã o d o
p r of e s so r c om o m e d ia do r . ”
“ Tr a z er o s e n so c r í t i co p ar a a s a la de a u la, v oc ê us a r t o d a s es s as s it u a çõ es e
d es p e r t a r n o s e u a lu n o e s se se ns o cr í t ic o de v oc ê a c h a r q u e n e m t u d o é pe r f e it o e
q u e e x ist e m s it u aç õ e s s oc ia is , e x ist e m c o ns t r uç õ es s oc ia is , o nd e ex is t e m es s as
d if e r e n ç a s , v o cê pr e c is a m os t r a r p a r a e le q u e e xist e m co is as q u e t e m d if er e n ça s, e
o n d e e x ist e e x c lu s ão vo c ê t e m q u e t r a b a lh a r c om o a lu n o es s a q u e st ã o d a ex c lu s ã o e
d a i nc lu s ã o, f a ze r o a lu no c r ia r es s e s e ns o cr í t ic o n e l es . S e a r e p o r t a g e m é
t e n d e n c ios a , v oc ê t e m q u e d iz er p ar a o al u n o q u e e s sa r e p o r t ag e m t r a z u ma
me ns ag e m e m b ut id a , u m a me n s a g e m s u b l im in ar , v oc ê va i t en t a r t r a b a lh ar c o m o
a lu n o, p a r a e le , v a i av a lia r s e a q u e la r e p o r t ag e m r ea lm en t e é d e int er e ss e d e le o u s e
é d e in t er e ss e da pr ó pr ia t e le v is ã o q u e e st á c o l oc an d o n a r e p o r t a g e m. V o c ê t em q u e
c o loc ar e m d is c u ss ã o, u s ar a r e p o r t a ge m co mo es p a ç o d is cu r s iv o n a s a la d e a u la . ”
Os trechos acima confirmam a afirmação de Bourdieu (1997,
p.23): “A Televisão tem uma espécie de m onopólio de fato sobre a
formação das cabeças de um a parcela muito importante da popul ação”, e
nós com pletamos dizendo que cabe ao professor a responsabilidade d e
tentar junt o aos seus alunos superar esse monopólio de form ação,
desconstruindo o discurso por vezes excludente da mídia televisiva,
através do debate, da discussão.
51
O tem a tam bém é abordado no depoimento abaixo:
“ E u a c ho q u e v o u d a r u ma op in iã o b e m pa r t icu la r , m a s é u m a c o is a qu e va m os
o bs er v a r b em lá na f r e n t e. A t el ev is ão é m u it o e xc l u d e n t e, q u a n d o eu f a le i d os
p or t a d o r e s e de E d uc a çã o Fí s ic a, m e s mo t e n d o p as s ad o a c r ia n ç a q ue f o i o b e s a m a s
a pr e s e nt ou e la ma g r a , a g e n t e p er c e b e q u e o p er f il é t o d o i g u a l, t od os o m e n in os
b r a n q u in ho s, a p a r e n t e m e n t e p e r f e it o s e a c r ia nç a a g e n t e a c h a q u e n ã o, m as e la
p er c e b e
e ss a s
c o is a s,
t r a b a lh an d o
no
ma g ist ér io
há
14
anos
eu
já
recebi
q u e st i o n a m e nt os d e c r i an ç a s f a la n d o , eu t in h a um a lu n o q u e er a go r d o , e o s o u t r os
f a la va m qu e s o m e n t e ma g r o é q ue jo g a v a b as q u et e. E u a c h o q u e a t e le v is ã o, nã o t e m
c om o a g e n t e f a la r q u e a p es s oa t e m q ue t e r u m s e n so c r í t ic o, n ã o é , mas e l a é t ã o
v is ua l q u e n ã o t e m c o mo v oc ê f a l ar q u e t e m qu e o lh ar p e l o o u t r o l ad o, q u e o ut r o la do
s e a p r im e ir a c o is a q u e v oc ê vê é a i m ag e m, de po is v o c ê o uv e , d e p o is v oc ê ob s er v a e
c om e ç a a . . . ”
Já este professor tem uma visão bem “apocalíptica” da
tel evisão, conforme a terminologia usada por Umberto Eco (2004).
Embora tenha razão quando disse que o visual é o primeiro que chega,
que a imagem é muito forte, ressaltam os que é possível através de
debate contrapor a im agem e até propor ou mesmo inventar um a nova
imagem, a partir do que foi visto na TV.
“ E u p e d i a os me u s a lu n o s q u e as s is t is s e m ao s jo g o s p a r a ob s e r v ar e m a d in â m ic as
d os jo g o s, o q ue r e a lme nt e é u m es p or t e d e a lt o ní v e l, m as a li e le s t in h a m q u e o u v ir
c om e nt á r io s e p o st ur a s d e p es s oa s q u e o u er a m o u n ão d a ár e a e q u e e st a v a m a l i
d ef e n d en d o o ut r os in t er e s s e s e c a pt a r a m t u d o iss o ne s s a s t r an s m iss õ es . ”
Pôde-se aqui perceber que foi solicitado pelo professor que os
alunos prestassem atenção especialmente no discurso dos profissionais
envolvidos na transmissão, quando assistissem aos jogos — discurso que
às vezes pode discriminar, estigmatizar, incentivar situações desonestas
do jogo. Charaudeau (2006, p. 158) aponta que o narrador, para m anter a
audiência, deve demonstrar suas emoções, fingidas ou sinceras, que se
52
destinam a dramatizar a narrativa e incitar o telespectador a compartilhar
o entusiasmo, a indignação ou o sonho.
E por fim os entrevistados também apresentaram dificuldades
no uso das reportagens em sala de aula. Vejamos trechos de alguns
depoimentos:
“ E u já de s e n vo lv o u m t r ab a l h o sist em á t ic o e m ní v e l de le it u r a d e mí d ia imp r e s s a , e u
v o lt o n a q u e la qu es t ã o d o t em p o q u e n ó s t e mos c o m o s n o s s o s a l un os . E n t ã o , é
in t e r es s a n t í s simo d e s e nv o lv e r u m t r ab a lh o c r í t ic o , s ó qu e u m t r a b a lh o cr í t ic o e le
r e q u er t e m po e s e v o cê t e m p o u c o t e m p o c o m es s es al u n os , v oc ê r e a lme n t e l ev a r à
f r e nt e e ss a cr it ic id a d e é c o m p lic a d o . E n t ã o , v o cê t e r ia q u e t e r u m t e m p o pa r a as s ist ir ,
d e p o is d e b at e r pa r a c h e g ar à s c o nc lu sõ es . V o c ê p r ec is a g as t a r t r ê s o u q ua t r o a u las
p ar a p o d e r c he g ar n i ss o, e vo c ê nã o t e m, a t é p or q u e ex is t e a e x ig ê n ci a de le s d e
f a ze r u ma p ar t e pr á t ic a e t a l. O c o r r e q u e e u já t iv e a r e s ist ê n ci a d e p a is e d e a l un os
e m f a z er u m t r ab a lh o d e ss a n at u r e za p o r q u e " g as t o u- s e mu it o t em p o d a a u la " , mas
me s m o as s im eu f iz e já c h eg u e i n u m m o de lo qu e n ão s e g as t a m u it o t e m po da a u la ,
q u e é f a z er o t r a ba lho e m c a sa , qu e é um a o u t r a cr í t ic a q u e f a ze m p or f a ze r o
t r a b a lh o em c a s a . A m in h a ma io r d if icu ld ad e f o i n a es c o l a p a r t ic u l ar , p o r q u e n a
e sc o l a p ú b lica os a lu n o s t r a z ia m a r e p o r t a g e m s o b r e a qu ilo q u e e r a p e d id o p ar a el es ,
e n a es c o l a p ar t ic u la r o s p ais a r r u m av am u m je it o d e b ur la r a s r e g r as d o q u e e u t in h a
p e d ido . E nt ã o , é int e r es s a n t e , q ua n d o v oc ê c h e g a c o m u ma p r op os t a d es s a t e m
r e s ist ê n c ia a t é d a di r eç ã o . E u já t iv e na d ir e ç ã o d e e s c o la o p a i c o n v er s a n do a
r e sp e it o d e ss a m e t o d o lo g ia e s e m a m in h a p r e s e nç a. E n t ã o , e x ist e r e s ist ê nc ia a es s e
t ip o de t r a b a lho p or p ar t e d e d ir e ç ã o d a es c o la , d e p a is e d e a lu n os . V oc ê t e m p o u c o
t e m po p a r a de s e n vo lv er e ss e t ip o d e t r a b a lh o c o m ba st a n t e p r of u nd id a d e, m a s e u
a ch o d e ex t r e m a r e le v â nc ia . ”
“ Ta mb é m t r a b a l h e i p o r u m b o m p er í o d o c o m e ss a s r e p o r t a g e n s , a g e nt e t e m t r ês
a u la s se m an a is, n o q ue d e s sa s t r ês eu s e mp r e us e i um a pa r a f a zer m o s e s s a le it ur a
c r í t ic a
dos
e sp or t es ,
in c lu s iv e
e nc on t r e i
es s a
d if ic u ld a d e
t a mb é m
d os
al u n os
c on s e g u ir e m a s r e p or t a g e ns s o m e nt e n a ár e a d e E d u c aç ã o Fí sic a . En t ã o, e u a b r i p ar a
q u e t r o u x es se m q u a l q u er r e p o r t a ge m s o br e a E d u c a ç ão , p a r a q u e p u d és s e m o s f a ze r
u m a le it u r a, p or q u e s e m a n a l me n t e e r a t r a b a lh a d o u ma au la , e r a m t r ê s a u l as , du as
53
p r át ica s e u ma t e ó r ic a, n ão n e ss a s e qü ê n c i a e x a t a m e nt e, e u m a e le s f ica r ia m p ar a
f a ze r as a pr e se nt aç õ e s e e u d e ix a v a ju st a m en t e p a r a c as a , r e u ni am - s e e m gr u po s e
p e g av a m a s r e p o r t ag en s pa r a c o lo c a r e m a lg um a c o is a a r e s pe it o de la s e n ós
f a ze r mos u m c o m e n t á r io n a s a la a a br ia m p a r a as d isc u ss õ e s . . . A p r in c ip i o e u in ic ie i
c om a E d uc a ç ã o Fí s ic a. C o m o o c o le g a c o lo c o u a nt er io r m e n t e , e u a ch av a m u it a c o is a
s ob r e Fu t eb o l, s o b r e a v id a p e ss o a l d o a t le t a A ou B o u d a mo d a l ida d e e n ã o
a cr e s c e nt a v a m u it o . D e p o is e u f u i t r a ze n d o r ep or t a g en s d e e d uc a ç ã o e m g e r a l pa r a a
g e n t e d is c ut ir o pr o c e s so e m ge r a l. ”
“ E u e n c o nt r ei e ss a m e sm a d if ic u ld a d e p or q u e a m in h a p r op os t a i n ic ia lm e nt e er a a
s eg u i nt e : s e e u t iv es s e t r a b a lh a n do v ô le i, e le s ir ia m at r á s d e r e p o r t ag em d e v ô l e i, se
e st iv e s se t r a b a lh a n d o xa dr e z, r e po r t a g e m d e x a d r e z, e as s i m p or d i an t e. Eu t iv e
r e a lm e nt e q u e ch e g a r n u m p o nt o e p ed ir pa r a e les q u e d u r a n t e o b i m es t r e e les
t r a ze r e m u ma d e x a dr e z e as o u t r a s d e E d u ca ç ã o Fí s ic a e m g e r a l, e g er a lm e nt e er a
d e Fu t e b o l. E n t ã o, e u c r ie i u m m u r a l n a es c o la e e s s a s r e p or t a g e ns e r a m c ol oc ad as
s em a na lm e nt e . At é ou t r a s p es s o a s e o s p a is q u e es t a va m v is it an do t in h a m ac e ss o a
is s o. Es sa s r e p or t a g en s e r a m a b er t as p a r a a I nt e r n e t , nã o e r a s o me n t e jo r n a l
imp r es s o, p o di a m pr o cu r a r n a I nt e r n et , m es m o a ss im e le s t iv e r a m d if ic u ld ad e d e
a ch ar e m o ut r as c o is a s q u e nã o f os s e Fu t e b o l, d o V ô le i t a mb é m, p or q u e d o V ô le i
e x ist e m u it a co is a. ”
Os professores acima relatam algumas das dificuldades de se
usar essa metodologia, dificuldades com o: o pouco tempo para as aulas
de Educação Física, a resistência dos pais e inclusive da direção da
escola,
a
dificuldade
dos
alunos
em
encontrar
reportagens
sobre
determinados esportes. Ainda assim, pelos relatos, podem-se verificar
soluções criativas, como realizar algum as atividades fora do horário de
aula, tais como a pesquisa a reportagens, assistir programas e filmes em
casa para debater em sal a, pesquisar não apenas sobre o esporte e a
Educação Física, mas também sobre a educação de maneira geral. Isso
demonstra
que,
apesar
das
dificuldades,
é
possível
ao
professor
desenvolver esse trabalho, com boa vontade, persistência e cri atividade.
54
Outras questões que orientaram o debate e serão destacadas
abaixo para a discussão foram: Você discorda da forma ou da opinião
colocada na reportagem? Por quê? Você concorda com a tese do livro de
José Delia, que elabora um quadro com as características de cada
esporte? Você acha que a TV tende a um certo direcionam ento de
opiniões, atitudes e comportamentos? Na sua opinião isso é positivo ou
negativo?
Em relação à questão “Você discorda da forma ou da opinião
colocada na reportagem? Por quê?”, embora o foco da questão tenha sido
desviado ao longo do debate, foi possível perceber que a maioria dos
professores discorda da form a como foram apresentadas as reportagens.
Com relação à primeira reportagem, discordam por acharem que ela
apresenta uma realidade diferente da maioria das escolas brasileiras, por
fragmentar a realidade do esporte e por enfocar pouco o papel do
professor. Em relação à segunda reportagem, eles questionaram o fato de
as pessoas assumirem o papel que teoricamente seria do Estado; não
houve um a crítica quanto à reportagem em si.
Destacamos abaixo alguns trechos das respostas dadas a
essa pergunta.
“ E u d is c o r d o d o f oc o d a r e p o r t ag e m, qu e e la f o c a a E d uc a çã o Fí s ic a c o m o a
s a lva d o r a do pr o b le m a em si. . . ”
“ O v í d e o c o lo c a o e sp or t e c o mo um a s o lu çã o p a r a e d u ca r o a lu n o , au m e nt a r a a ut o e st i ma, m o st r a a ss im t u d o ma r av ilh os o , t u d o pe r f eit o, t od os o s r e c ur s os , t o d o mu n do
f e liz, t od o mu n d o s a u d á v e l, be m a li me n t a d o, c a lç a do , e a no s sa r e a lid a d e é b e m
d if e r e n t e, a g e nt e s a be co m o a m a io r ia d os br a s ile ir os , p r inc ip a lm e n t e t r a b a lh a n d o
c om n os s os a lu n os , e u t a m b é m n ão t e n ho e xp er i ê n c ia d if e r e n t e d a s c o le g a s e a l un os
q u e n ã o t ê m s eq u e r u m t ê n is p a r a p ar t ic i pa r d a s au las . A co m pa n h a n d o a r e p or t a g e m
e u f iq u e i pe ns a nd o, o c on s e lh o d e les e r a q ue a c r i a n ç a at é o s 1 0 a n o s t e r ia q ue
p r at ica r t o d os os es p or t e s, c o m o s e as cr i an ç as h o je e m d ia t iv es se m t od a s es s as
55
p os s i b i lid a d es , co m o se e le s t iv es s e m a c es s o a t ud o is s o, a t od os os e s p or t es ,
t iv e ss e m t o d a a co nd iç ã o, o s p a is e s s e t em p o e e ss a o r ie nt a ç ã o pa r a e nc a m in h á - los
p ar a es c o l in h as d e es po r t e s. ”
Os dois comentários acima cham am a atenção para um
importante aspecto presente no discurso da mídia, do governo, da
sociedade em geral, que é a idéia de que praticar esporte seria a solução
para diversos problemas sociais. Diz-se: “praticar esporte livra das
drogas”, “a prática esportiva regular ajuda no com bate à violência”, com o
se isso fosse uma verdade absoluta, mas se esquece que no esporte há a
questão do dopi ng, da violência, ambos incentivados pela excessiva
competitividade comum ao esporte de rendimento. O esport e pode sim
ajudar no com bate às drogas, à violência, mas para isso precisa ser
melhor com preendido e praticado. A prática, por si só, vazia de valores
agregados não é capaz de transf ormar o esportista no “herói” da
sociedade moderna. A esse respeito, Assis (2005) afirma que:
“ . . . co mo a e s c o la , o es po r t e n ão s er v e de f o r m a a b s o lu t a à
r e p r o d u çã o d a s o c ie d ad e c a p it a list a . C a be , n o e n t a nt o , p a r a n ão
f ic a r ap e n a s n o p la n o d as p os s i b i lid a d es r e a is d o es p o r t e se r u ma
o u ou t r a c o isa . A q u es t ã o é sa b er , p o t e n c ia lm e n t e , p e las su as
c ar a c t er í s t ica s i nt r í ns ec a s e p e lo se u p a p e l ec o n ô m ic o e p o lí t ico ,
p ar a q u e la d o o es p o r t e p en d e m a is , a q u e p r o jet o s e a ju st a
me lh o r ? [ . . . ] N ão le v a r em c o nt a o ex a m e d a s po s s i b ilid a d es p o d e
c on d u z ir
a
um
r e la t iv is mo
c ap it a lis m o
p od e
s er
p er s p e c t iv a
d ia lé t ic a ,
e x t r e ma d o ,
t r a t a do
ou
s e ja,
em
que
r o m an t ic a m e n t e
tanto
po d e
o
pr ó p r io
s ob
a u me nt a r
es s a
s ua
c ap ac id a d e d e f a ze r ma l, c om a c ap ac id a d e d e f az e r b e m” .
( p . 1 1 3- 1 1 4 )
Os entrevistados tam bém cham am a atenção, como vimos,
para as diferenças entre as condições das escol as em que trabalham e
das escolas mostradas na televisão:
56
“ Q u al é o in t er e s s e ? E x ist e in t er es s e n o p o d er , ex is t e m int e r es s e s d e a lg um a pa r t e e
n a r e po r t ag e m m o st r a mu it o a r e a lid a d e d a Z on a S u l d o Ri o d e J an e ir o, e sc o las d a
Zo n a S u l d o R io d e Ja n e ir o n ão s ã o as E sc o l as P ú b lic a s do Dist r it o Fe d e r a l, a
d if e r e n ç a é im e ns a, d e es t r u t ur a e d e t u d o . ”
“ f o i e n f o c a da a a t iv id a d e f í s ic a, e a Ed uc a ç ã o Fí s ic a e s co la r f oi ma is a b o r d a d a no
a m b ie nt e t o t a lm e n t e a d e q u a d o e m t e r mos d e m a t er i ais, f o i a b or d a d a pr a t ic am e nt e n as
e sc o l as p ar t ic u la r es , c om alu n o s v is ive lm e nt e b em t r a t a d o s. ”
“ é m u it o bo n it o, o int er e ss a nt e f oi q u e n o ví d e o mos t r o u o C lu b e P inh e ir os de Sã o
P a u l o, co mp l et a m en t e e st r u t u r ad o, c o m t od o o e q u ip a me n t o, co m v ár i as o pç õ es ,
b a n c o s u ec o, b o las , ma t e r ia l p a r a se t r ab a lh a r o r ec r e a t iv o d e n t r o d a m o d a l ida d e
e sp or t iv a , m as a r e a l id a d e d o p r of e s s o r , p r in c ip a lm e nt e d e es c o la pú b lic a , lo n g e
d is so ou de c o m u n id a d es de S ã o P a u l o, d o Ri o d e J a n e ir o o u d a s gr a nd e s c id a d es ,
is s o n ã o f o i mos t r a d o , f o i mo st r ad o c o m o o es p o r t e é imp o r t a n t e , in clu s iv e, o e s p or t e
d o i ní c io da r e po r t a g e m, q u e f o i d o m e n in o qu e e m a g r ec e u e m f u nç ã o d e t e r p r at ic a d o
e sp or t e, e l e f a z p ar t e de u m pr o gr a ma q u e t e m o a p o io d e um h os p it a l, d o A lb e r t
E ins t e in, q u e in ve s t iu c o m e q u ip a m e nt o e t u d o, a g o r a s er á q u e n ós c o n s e g u ir í a m os
r e a lm e nt e le v ar o e s p o r t e d o je it o q ue a g e n t e q ue r nu m a c o mu n i da d e ma is s im p les
o u c om f a lt a d e r ec ur s o s, qu e é o q u e ac o n t e ce c on os c o n a S ec r e t ar ia d e Ed u c aç ã o ? ”
Aqui se percebe um destaque para um a tendência da TV de
generalizar, tratar situações específicas como se fossem únicas. Exibe-se
um a
reportagem
de
situações
bem
sucedidas,
particulares,
desconsiderando o universo de situações diversas. A realidade de um
colégio de um bairro de classe média-alta é totalmente diferente da
realidade de um colégio de um bairro pobre. Percebemos aqui um a
característica da globalização que expõe o que é belo, o que dá certo, e
“empurra para debaixo do tapete” a pobreza, a miséria, a fome. Não
querem os
desconsiderar
as
situações
bem sucedidas
apresentadas,
querem os apenas que se reflita: será que é possível, nas condições
existentes, realizar um trabalho com o aquele que foi apresentado? A TV
não deveria ter também o papel de mostrar outras situações mais
57
condi zentes com a realidade social mais comumente encontrada no
Brasil?
Além das críticas quanto ao fosso existente entre as situações
tel evisionadas e aquelas vivenciadas pelos entrevistados, eles também
cham am a atenção, em suas falas, para outras questões de ordem
política e soci al:
“ n o f in a l p e g ou a q u e la q u e st ã o d a E d uc aç ã o Fí s ica c o m a p ist a, m a s vo c ês v ir am q ue
o p r of es s o r t ev e q ue sa ir de d e nt r o d a es co la e f a ze r u m es pa ço co m a a ju d a d e
o ut r a s in st it u iç õ es , q u e já t in h a q u e t e r d ad o o r e sp a ld o d e n t r o d a es c o la . ”
Uma questão im portante a ser discutida: o ci dadão cansado de
esperar passa a fazer o papel do Estado, o que é típico do Estado
neoliberal. Idéias do tipo “faça você mesmo, não espere”, e o Estado vai
ficando cada vez mais desobrigado de cumprir o seu papel, e ist o com o
incentivo da mídia.
Os entrevistados também se referem à utilização, pela TV, dos
ícones dos esportes, com o se pode observar nos trechos selecionados
abaixo:
“ O u t r a c o is a , p e g ar a m u m a p es s o a v e nc e do r a, q u e es t á n a mí d ia , o Be r n a r d in h o , e
q u e es t á c o lo c a nd o p e ss o a s p a r a v e n c er , t en t ar a m f a ze r u ma bo a p r o p a ga n d a c o m o
B e r n a r d in h o da im po r t â nc ia do s e u es p o r t e co m o u ma p e ss oa v e n ce d or a qu e e le é, e
e st á c o l oc a n do o ut r a s pe s s o as p ar a v en c e r e m e v e n c e n d o ju nt os . ”
“ n o â m b it o d o e s po r t e, n o â m b it o ed uc a ci on a l, q u a n d o v o c ê m e n c io n a u ma p e ss oa
q u e é í d o l o c o mo r ef e r ê nc ia , v o cê e st im u la de a l g u m a f o r ma q u e o a lu n o bu s q u e de
a lg u ma f or ma s e es p e lh ar n a qu e la f ig u r a d e e x p r es s ã o na c io n a l p a r a t a mb é m b us c a r
v en c e r , e e u a c r ed it o n iss o. ”
“ S o br e a q u e st ã o d a p r o p a g a n da . A pr o p a g a n da é a p r óp r ia m a n u t e nç ão da mí d ia .
A p os t o q u e v o c ê p r es t o u ma is a t e n ç ã o n o q u e o B er n ar d in ho f a lo u, ma s a o s le i g o s , os
p a is , p r e st a r am ma is a t e n ç ã o n o B e r na r d inh o , t e or ic a m en t e, d o q u e n o au t o r d o livr o . ”
58
O que foi dito acima é de fato uma característica muito
presente na TV, apresentar vencedores, como forma de espelho, de
exem plo a ser seguido. Bracht (2005, p. 118) diz que a vida dos heróisatl etas se constitui de grandes aparições, entrevistas pessoais, etc. Eles
jogam um interessante jogo que transform a o estado coti diano mais ou
menos racional num turbilhão de emoções, e nisso consiste seu poder.
“ A g o r a v oc ê f a lo u d a t ele v is ã o e e u f iq u ei ob s e r v a n d o as ima g e ns q u e e le s jo g ar a m,
t in h a u m a m ã e c h o r a n do e e m oc io n a da , q ue o e s p o r t e m u do u a v i da do f ilh o d e la, e
is s o m ex e c o m a g e n t e . Ra r as v e ze s a g e nt e vê cr i an ç a s m a r a v ilh o s a s , um a c o is a
lin d a, p a r t ic ip an d o e jog a nd o c o m t od o a q ue le mat e r ia l, m o s t r a o e sp or t e m a r av il ho s o ,
d e p o is v oc ê vê v á r i os go r d i nh os p ar t ici p a n d o, um n e g r o a b r aç a n d o u m br a nc o, e t o d a
a q u e la h ar m o n ia , c o m o s e t o d a a s o c i ed a d e f o s se p e r f e it a e m a r a v ilh o s a e o e sp or t e
t a m bé m v i es s e, a ú n ic a c ois a q u e f alt a p ar a o s e u f ilh o é o e s p or t e , a q u i é d es s e je it o
e t al. E u ac h o q ue e s s e v í d e o é u m a r e a l id ad e d e u m a d e t er m in a da c las s e q u e n ã o é
a m a io r ia d os br a s ilie n se s, e u a ch o q u e dá at é u m a a n g ú st i a u m p a i v e r u m ví d e o
d es s e e d iz e r as s im: — Pox a , a o n d e e u v o u c o lo c a r o m e u f ilh o s e m a l t e n h o d in h eir o
p ar a le v á- lo à e sc o la, m a l t e n h o di n h e ir o p a r a c o m pr a r u m t ê n is, p a r a c o mpr a r
c om id a ? At é nó s , pr o f es s or e s , e u t en h o m e u f ilh o p e q ue n o e f ic o pe ns a n d o e m q u e
c on d iç õ es eu t e n h o p ar a m an d a r o me u f i lh o ? N o lu g a r o n d e e u mo r o n ã o t e m t a nt a
e st r u t u r a, e a o n de e u v ou m an d a r ? E nt ã o , e u a c h o q u e é an g u s t ia nt e , v oc ê vê as s im,
d e u m m o d o g er a l, a ma i or i a d os v í d e os c r ia m u m c e n ár io m a r av il ho s o e q u e n ão é a
n os s a r e al id a d e , a g e n t e f ic a q u e r e n d o b us c ar , q u er e n d o p e ns ar da q u e l a f o r m a, q u e é
s om e nt e vo c ê t e r v o n t a d e , qu e é so m en t e v o cê qu er e r , so m e n t e v o cê b u sc a r , e n a
r e a li d a d e n ão é be m a s s im, e xist e m o ut r a s q u es t õ es e nv o lvi d a s. ”
Esse relato retrata e resume bem a discussão em torno da
questão proposta, isto é, a reportagem expôs tudo como perfeito, sem
conflitos, sem contradições. Mas na f rente da TV há um público que nem
sempre é alienado, que consegue perceber as coisas com um a certa
clareza, conforme dissemos anteriormente (p.17): “Entre a intenção de
quem veicula a imagem e o efeito que ela produ z, existe o telespectador,
dotado de diferentes níveis e capa z de gerar diversas interpretações das
59
mensagens. É ele o principal alvo da mídia. Ele pode ser um mero
tel espectador passivo, consumidor de informações e produtos, ma s
também pode ser um agente crítico capaz de filtrar e interpretar
criticamente
o
que
lhe
é
transmitido.
A
escola
certamente
pode
desempenhar um importante papel na formação de tais telespectadores
críticos ”. A visão deste e dos outros professores confirma o que
afirmamos anteriormente.
Quanto à questão “Você concorda com a tese do livro de José
Delia, que elabora um quadro com as características de cada esporte?”,
pode-se perceber que em geral os professores pesquisados discordam da
tese elaborada pelo autor, principalmente por não esclarecer quais os
parâmetros que ele utilizou para chegar a determinadas conclusões. Mas
houve
questionamentos
também
quant o
a
afirmações
categóricas,
generalizações e simplificações.
Entendemos
serem
relevantes
para
análise
os
seguintes
trechos:
“ E u p o s s o at é n ã o c o n co r d a r c om o q u e e le f a lo u , os it en s q ue e le c o loc o u, m a s q u e
e ss e t r a b al h o a l ia d o à e d u c aç ã o n o e nf o q u e de e ns in o e a p r e n d iz ag e m c o m E d uc aç ã o
Fí s ica , s im” .
“ E u ac h o q ue alg u ma s co lo c a çõ e s d e le m u i t o f in it as , is s o r e s o lv e, iss o r es olv e is so ,
c o loc a q u e e ss a mo d a lid a de va i f a zer a d if e r e nç a e v a i c o r r ig ir , o Fu t s a l, el e c o loc o u
q u e t ir a a g r es s iv i d a d e e d e p en d e n d o d o a lu no ge r a a gr e s s iv id a d e . Ex is t e m a lgu m as
c o loc aç õe s q u e e le c o l oc a q u e s ã o m u it o f in it a s”
“ E u d is c o r d o e m p a r t e d e a lg u ma s co is as . P r im e ir o d as d iv er s as m o da lid ad es
e sp or t iv a s , a pr i m e ir a cr í t ic a f o i e s s a . O ut r a p o r qu e d e p e n de d a f or m a c o m o es s e
e sp or t e é t r a b a lh a d o , pa r a a in d is c i pl in a e l e c o lo c a q u e o m el h o r ali é o J u d ô p ar a
t r a b a lh ar a d is c ip lin a , mas e u p os s a t r ab a lh a r a d is c ip l in a e m q u a lq u er o ut r a
mo d a lid a d e t ão b e m ou a t é m e lho r q u e n o J ud ô. A q u es t ã o d o a ut oc o n t r o le, d a
v io lê n c ia t a m b é m, e o s e s p o r t e s c o l et iv o s e os es p or t e s d it o s d e c o nt a t o f av or e c e m
60
is s o. Eu n ão c on c or d o c o m e ss a c la ss if i ca çã o g e n er a liz a d a , a ss im, p a r t ic u lar d o
e sp or t e, n ão c o n c o r do co m es s a q ue s t ão q u e s o me n t e a q u e l e e s p or t e é me lh or p ar a
a q u ilo , m a s a f o r ma c o m o e s p o r t e é t r ab a lh a d o . ”
Esses
depoimentos
sugerem
que,
sem
estar
aliada
à
educação, a prática desportiva fica esvaziada quanto à aprendizagem de
conteúdos sociais, cognitivos, afetivos e m otores. O esporte por si só não
é capaz de agregar todo o conteúdo. O professor como mediador da
aprendi zagem é essencial nesse processo.
“ E l e c o lo c a c o mo f ixo e n a Ed uc aç ã o Fí s ic a e s c o la r vo c ê nã o t e m c o mo s e p a r a r o
a lu n o. V oc ê t e m q u e e xp e r im e n t a r a s d iv e r s as o p in iõ e s ? E u n ã o c on c or d o c o m a
c la ss if ica ç ã o d o livr o de le n ão . ”
“ E u d is c or d o d a f o r m a c o m o f o i c o l oc a d a, e s sa e s p e c if ic aç ã o d e ca d a m o d a li da d e ,
d as h a b i lid a d es d es e n v o lvid a s, a t é p o r q u e e x is t e m a lg um a s q u e s ão m ei o in t r í n s ec as
n a f o r m aç ã o d a cr i a n ça e n ã o t e m co m o u ma o u du as a u la s o a lu n o v a i f ica r ma is
c a lmo . V oc ê t e m a c o m pa n h a r o d es e nv o lvi m en t o d e ss a c r ia n ç a d o in í c io d o a n o let iv o
a t é o f i n a l p a r a v oc ê n ot a r s e h o uv e o u n ã o u ma a lt e r aç ã o n e s s e c o m p or t am e nt o .
Niss o e nt r a a qu e st ã o d os pa r â m e t r o s, q u a is o s p ar â m e t r os q u e e le u t ili zo u e n ã o
d e ix a cl ar o is s o. ”
Aqui é interessante perceber a questão da fragmentação, que
é uma característi ca da televisão a ser discutida na questão a seguir.
Mas
já
se
pode
perceber,
nas
falas
dos
professores,
que
essa
fragmentação gera generali zações das quais os professores discordam,
como se pode ver nos trechos citados acima. O aluno é um todo
complexo, influenciado por diversos condicionantes sociais — família,
amigos, televisão, escola — ou seja, não se pode simplesmente di zer que
tal esporte resolve um a questão como agressividade, por exemplo, sem
saber o que levou aquele aluno a ter um comportam ento agressivo. E
61
ainda, como ponderou o professor, o desenvolvimento da criança deve
ser acompanhado ao longo do ano letivo.
“ E u p os s o e st a r s en d o p r ec ip it a da e m q u es t io n a r , p or q ue e u n ã o s e i q u a is o s p a dr õ es
q u e e le u t ili zo u p r a c h e g ar n a q u e le r es u lt a d o . O q u e e le ut i liz ou pa r a a n a lis a r qu e a
n at a çã o sã o a q u e le s t r ês p on t os q u e e l e u t il iz ou , e n o b as q u et e. . . ”
“ E u pr e s t e i a t e nç ão e a t é a c h e i gr a ç a, f i q u e i p e ns a n do co m o s e r ia o m e u , o u e n t ã o
p e n s e i n o a lu n o , o q u e se r á q u e o me u a lu no d a r ia ? E o m e u a l un o d ar i a p ar a is s o .
V e r a r e p or t a g e m e u ac h o q u e é p o u c o, s e r ia l e g a l a g e n t e le r o t ex t o p a r a s a be r s e
e le s e b as e ia e m alg u ma pe s q u is a, s e e le o b s e r v o u o c o mp o r t a me n t o d as c r ia n ç as ,
ma s e u ac h e i i nt e r es s an t e , qu er ia sa b e r c o mo el e c h e g o u a es t a co nc lu s ão . ”
Aqui
fica
claro
que
a
reportagem
não
esclareceu
que
parâmetros o ref erido autor utilizou para chegar àquelas conclusões. Um
problem a da TV é a apreentação de um fato ou idéia como se fosse
verdade, sem discutir ou mesmo escl arecer as variáveis e condicionantes
para que se tenha chegado a determ inadas conclusões. Bourdi eu (1997,
p.19) diz que o “acesso à televisão tem como contrapartida uma
formidável censura, um a perda de autonomia ligada, entre outras coisas,
ao fato de que o assunto é imposto, de que as condições da comunicaçã o
são im postas e, sobretudo, de que a limitação de tempo impõe ao
discurso restrições tais que é pouco provável que algum a coisa possa ser
dita”. Observou-se nos discursos dos professores, porém, que eles não
se calaram diante das restrições do discurso televisivo, mas estiveram
atentos às suas contradições.
Houve um único professor que concordou com os argum entos
do autor:
“ E u c o n c o r d o c om o e nf o qu e qu e e le dá d e a lia r a s d is c ip lin as c o m a E d uc aç ã o Fí s ic a
p ar a v e r a pr in c í p i o n o d ia - a- d ia d a c r ia n ç a . N ão es t o u f a la n d o n e m de a d o l es ce n t es ,
ma s e u já co m ec ei pe n sa n d o na e d uc a çã o inf a n t il e n o e n sin o f un da m e nt a l. ”
62
Mas m esmo este professor concorda que tudo isso deve estar
aliado com a Educação Física, ou seja, que o esporte como prática
isolada talvez não alcançasse os resultados apresentados pelo autor.
A próxima questão debatida foi “Você acha que a TV tende a
certo direcionamento de opiniões, atitudes e comportamentos? Em sua
opinião isto é posit ivo ou negativo?”
Quanto ao direcionamento de opiniões, comportamentos e
atitudes, a resposta foi unânime, todos acham que sim, embora não tenha
ficado
claro
se
a
maioria
acha
isso
positivo
ou
negativo.
Não
consideramos isso um problema, mesmo porque não temos interesse em
quantificar as opiniões, pois nossa pesquisa é puramente qualitativa.
Destacamos abaixo trechos de depoimentos que nos ajudaram
a entender suas opiniões e que em basaram nossas análises. Como se
poderá observar, as opiniões emitidas extrapolaram os limites da questão
inicialmente apresentada.
“ E u a ch o t am b é m u m po nt o n e g a t iv o, q ue m u it a s v e ze s o e x - at let a n ã o es t á ha b i lit a d o
p ar a f a lar d e c e r t as c o isa s c o m inf or m a ç ã o e t u do . M as e m a lg u ma s r ep or t a g en s q u e
e u as s is t i at é u m v i p o n t os p o s it iv os d e a lg u n s a t le t as q u e s a í r a m d a p e r if er ia e
c o loc ar a m es s a q u e st ão , q u e o e s p or t e d e a lt o r e n d i m e n t o n ã o é p ar a t o do s, e e u v i
mu it a s r e p o r t ag e ns n e ss e se nt i d o q u e e u a c h e i in t er e s sa nt e , o a t le t a co lo c a n d o q u e
n e m t o d o s o s c o l eg as qu e c om e ç a r am a f a z er v o l e ib o l c o m e le es t ã o lá ho je, q ue r
d izer um a m in o r ia, e le p er d e u e s s e s c o le g as p e lo c a m in h o e ho je e le e st á lá n o
e sp or t e d e a lt o r en d i me n t o. E u ac h o qu e e s sa s r ep or t a g en s q u e f o r a m c ol oc a d a s s ã o
p os it iva s, m a s se m pr e t em e ss e s a s p e ct o s n e g a t iv os q u e à s ve ze s n a h o r a d e f a ze r
u m co m en t á r io o u um a c o lo c aç ão , t e c n ic a m e n t e f a la n d o , e l es n ã o es t ã o h a b il it a d o s. A
g e n t e q ue a ss is t e d e um a f o r m a m ais c r í t ic a es sa s r e p o r t ag e n s, pe r c e b e m os q u e e le
n ã o es t á ha b i lit a d o p ar a e st a r a li. I nc lu siv e , v oc ê v ê o ex - a t le t a c o r r ig i n d o o
c om e nt a r is t a e v ic e- v e r sa , e le co r r ig ind o o a t le t a, q u er d izer , u m c or r ig in do o o u t r o e
a g e nt e c an s a d e ve r is s o. ”
63
É interessante observar aqui que o professor achou positivo
alertar os jovens que o esporte de alto rendimento não é para todos. Ao
mesm o tem po, porém, não se pode negar a valori zação social do esporte
e do esportista, o glamour que envolve o esporte, as reportagens sobre o
“carrão” que aquele jogador de futebol com prou, a mansão onde m ora
aquele outro, as mulheres que fulano conquista — tudo isso traz no
imagi nário das crianças e dos j ovens a ilusão de que aquilo é facilmente
conquistável e que é o caminho para a felicidade. Segundo Motagner &
Rodri gues (2003, p.58) “crianças e adolescentes sofrem um a maior
influência do esporte-espetáculo e conseqüentemente de seus ídolos,
pois estes são vistos muitas vezes como heróis”.
“ E u a c ho q u e a t e lev is ão jo g a in f or ma ç õ e s f r a g m e nt a d a s , e ss a é a le it u r a q u e a
p r ó p r ia mí d ia ut i liz a pa r a a t r air a at e n çã o d e q u e m e st á as s i st in d o de t e r m ina d o
p r o g r a ma , e c o nc o r d o em p ar t e c o m o q u e o a ut o r De l ia co lo c a n o d ir e c io n a me nt o da
mo d a lid a d e e m r e la ç ã o à ár e a q u e o g ar o t o v a i at in g ir e d is c or d o e m p a r t e, p or q u e
t o d a s as m o d a lid a d e s e s p or t iva s , n ã o d i st in g u i n d o n e m u m a e n e m o ut r a, va i
p r o m o v e r a o a lu n o a s e ns a ç ã o d e v e nc e r , n a p r át ica , c om o o s c o le g a s f a la r a m a q u i. A
s en s a ç ão d e f ic ar p ar a d o, d e v o cê t e r q u e es t a gn ar a lg o q u e v oc ê a pr e n d e u d ur a nt e
d et e r m in ad o t e m po e vo c ê f ic a r pa r a do , pa r a r ec o m e ç a r n u m a o u t r a leit ur a, é at r av és
d o e sp o r t e q u e v oc ê c o n s e gu e d e s e nv o lv e r is s o n a pr á t ic a, v o c ê c o ns e g u e r e s p e it ar o
e sp aç o , a v e z do ou t r o , sã o a s r e g r as q u e d e l im it a m is s o , m as v o c ê n a c o n v iv ê n c ia
d ur a nt e a r e a lizaç ã o d e u ma a t iv id ad e e s p o r t iv a, vo c ê e st á d e n t r o d e u m es p aç o q ue
v oc ê a pr e n d e a r e s p e it ar es s as r e g r as , e n o c o nt e xt o g e r a l e m r e la ç ã o a v e n c e r
d et e r m in ad a mo d a lid a d e s er b e n éf ic a p a r a v oc ê a t in gi r u m o b je t iv o, t o d a s e la s s ã o
p or q u e t o d as e las le v a m vo c ê a v e nc e r , o f in a l do jo g o t e r m in a c om u m v e nc e d o r e
u m pe r d e do r , e is so é u m f a t or s o c i a l h o je, a lg u n s ve n ce m, os m e lho r e s v e n c em e os
ma is f r a c o s p er d e m. Co nc o r d o t a m b é m e m r ela ç ão à mí d ia de t e r es sa inf lu ê n cia
d ir et a d e jo g ar a s i nf o r m a çõ es f r a g m e nt a d a s co m a l e it ur a pr ó p r ia d a t e l ev is ã o e n ão
s e i qu a l é a s u a in t e nç ão n es s e a s p ec t o . ”
Esse professor refere-se à fragmentação das reportagens
como forma de chamar a atenção do telespectador, e ele tem razão, pois
64
a TV, por questão de tempo, conforme Bourdieu (1997, p.19), por uma
questão
de
objetividade,
fragmenta
a
inform ação,
desconsidera
as
nuances que a envolvem e justifica isso pelo fato de informar mais —
para a mídia, o mais importante é a quantidade de informação e não a
qualidade.
“ Q u an d o s e mos t r a e se m pr e t r a z u m f un d o t e n d e nc io s o , is s o é ne g a t iv o, c o m
c er t e z a. P or q u e a mí d ia es t á q u er e n d o mos t r a r o q ue e l a q ue r v e n d e r , o p r o d u t o q u e
e la es t á t e o f e r ec e nd o , a ima g e m q u e e l a q u er p as s ar , e iss o n ã o é a r e a lid a de ”
“ A mí d ia v e n d e u m p r od ut o , o s p r of iss io n a is qu e e s t ão a li t ê m u ma ide o l og ia . E n t ã o ,
a li é o u t r a e s co la a t é , e le s v ã o t r a n s m it ir os s e us v a lo r es q u e e les q u e r e m, p ar a
e st a r e m pa ss a nd o a id eo lo gi a q u e e le s t ê m. ”
“ A l ém d a r e a lid a d e q ue a t e le v is ã o m o s t r a s er m uit o d if er en t e d a r e a lid ad e q ue a
g e n t e v iv e . O qu e s e mos t r a n a t el ev is ã o n e m s em p r e, e is s o a g e nt e p o d e d iz er q ue
é u m p er c e n t u al m u it o a lt o q u e n em s e mp r e c o n d iz co m a r e a lid a d e. E nt ã o , a i dé ia e
a im a ge m, iss o em t od os o s as p ec t o s s o c ia is, p o lí t ico s e ec o n ô m ic os , mo st r a m
e xa t am e n t e o p e n s a m en t o d e q u e m e s t á v e nd e n d o a im a g e m, d e qu e m e s t á p a ss an d o
o co nt eú d o q ue es t á se n d o ve ic u la d o. ”
“Vender” parece ser a palavra-chave da indústria midiática,
tudo é comercializável, inclusive a informação. De acordo com Moraes
(1998,
p.50),
“a
inform ação
tornou-se
fonte
alimentadora
das
engrenagens indispensáveis à hegemonia do capital”. Como se viu acima,
os entrevistados também chamam a atenção insistentemente para os
interesses comerciais da mídia.
“ e u a c h o qu e a mí d ia t r ab a lh a m uit o c o m a p ar t e do q ue e l es qu er e m. O q ue a mí d i a
mo st r a p a r a a ge n t e n a t e le vis ã o a c a b o e e m t ud o m a is , s o m e n t e f u t e b o l, é d eb at e
e m m e sa r e d o n da e v a i f al a n d o d e f u t e b o l, e la p o d e r ia f a z er u m p a p e l be m ma is
p r o d ut iv o p ar a a E d uc a ç ã o Fí s ic a, de m o n st r ar a r e a lid ad e d a es c o la , q u al é a
r e a li d a d e do p r of es so r , qu e m u it a s v e zes o p r of e ss o r t e m qu e s er u m m al a b a r ist a
p ar a da r u ma au la , e o q u e e le s m o s t r ar a m aí é m uit o b o n it o , n u m lu ga r a o n d e vo c ê
65
t e m u m a c on d iç ã o e u ma e s t r ut u r a . ”
Apesar
do
apelo
desse
professor,
infelizmente,
para
a
tel evisão comercial, reportagens com t eor educacional não vendem, não
dão audiência. Essas reportagens existem, sim, mas nas TVs públicas,
universitárias e comunitárias, que infelizmente não têm o mesm o alcance
da TV comercial, atingem apenas a públicos localizados, sem contar a
falta de divulgação dessas emissoras e desses program as.
“ Ex e m p lo at é g r o ss e ir o, t in h a um a n o ve la q u e a m en in a us a v a a r ou p a mo s t r an d o
p ar t e d o s ut iã de p o is t od o mu n do na r u a u s a n d o p a r t e do s ut i ã, c o is as q u e a p r in cí p io
a g e nt e ac ha q u e o f im, é br e g a , é h o r r í ve l e é a t é v ul g a r . E u a c ho q u e a t e lev is ão
in f lu e n c ia s im, t a n t o p a r a o q u e é bo m q u a n t o p a r a o q ue é r u im, ma s à s v e ze s m a is
p ar a o q u e é r u im. ”
Esse professor faz uma crítica bastante comum à influência
exerci da pelos programas de televisão. Imitar o comportamento de um
personagem de novela é, no caso específico da Educação Física, imitar o
comportamento de um determinado atl eta, tanto no aspecto físico quanto
no aspecto comportam ental. Quem não se lembra do corte de cabelo do
Ronaldo, na Copa de 2002? Vários garotos logo cortaram o cabelo
imitando-o, e mais recentem ente as pedaladas de Robinho, e os meninos
tentando fazer o mesmo. Estes são apenas al guns exem plos; mas, se
observarmos nossos alunos, l ogo perceberemos outros tantos.
“ a t e le v isã o p as s a e s s a id é i a d e q u e é l in d o , e s ó v o c ê qu er e r , t e r v o n t a de , e na
r e a li d a d e a g e nt e n ã o t in ha n e nh u ma
p o s s ib il id a d e. E las m e pe r g u nt av a m: —
Pr o f e ss or a, a on d e t e m a q u i g in ás t ic a o lí m p ic a ? E u n e m se i a q u i e m B r as í li a, p or q u e
e u s o u n ov a e m Br a sí lia . Ma s e nf i m, e u se i qu e a li p o r p er t o n ã o t e m e m lu ga r
n e n hu m. Eu a c h o q u e a t e lev is ã o t e m e ss e p o d e r d e c r ia r um a im a ge m, u ma r e al id a d e
q u e v o cê q u e é , v oc ê a cr e d it a, e t e p as s a m a q u ilo de t an t o r e p et ir q u e v oc ê a c a b a
a cr e d it a n do q u e é e v a i b us c a r , d e r ep e n t e vo cê s e de p a r a c o m u ma ou t r a r ea li d a d e . ”
66
“Eu
t a mb é m
ac r e d it o
que
a
t e lev is ã o
in f lu e n c ia
t an t o
p os it iv a m e n t e
q u a nt o
n e g at iv a me n t e , po r q u e e la t r a z p ar a q u e m a ss is t e , s e ja o al u n o o u pr of e ss o r , es s a
ilus ã o me s m o de q u e e la p o de s e t o r n a r u m a g ina s t a, u ma n a da d o r a, u m g r a n de
jo g a do r d e f ut e b o l, m a s a í é o p o n t o d o q u e o p r of es s o r p o d e us ar d es se t ip o d e
c r í t ic a pa r a cr iar u m a l un o m a is c r í t ic o . ”
Estas colocações reiteram o que dissem os anteriormente,
quanto ao glamour que envolve o esporte e o atleta, e complementam
com algo muit o importante, que é o fato de o professor através do debate,
do ensino e da prática desportiva tornar o aluno um ser mais crítico e
mais consciente. Para isso, conforme viemos afirmando, não se pode
negar a realidade: a televisão está aí, todos têm acesso a ela, o que se
deve fazer é a partir de suas contradições fomentar o debate em torno do
seu conteúdo. Segundo Penteado (2000, p.113) “admitindo a concorrência
como colaboração, algo que corre com, ou junto, ou no mesmo sentido,
torna-se importante observá-lo naqui lo que constitui especificamente (ou
poderia constituir) a sua contribuição ao trabalho”.
E para fechar a análise em torno dessa quest ão, vejam os um
último relato:
“ P e g a n d o o g a nc h o d e s sa p ar t e d o F ut e b o l e t e nt a n do r es p o n d e r a o u t r a p e r g u nt a . D e
o n d e v e m p r in c ip a lme nt e e ss e g o st o p or f u t e b o l? É a mí d i a q ue c o lo c a o qu e a n os s a
c o le g a f a lo u. A q u e st ã o d a p e s so a c a r e n t e q u e m e lh or o u a v id a, q u e é m ili o n ár i o, q u e
a n d a d e c a r r o im p o r t a do , s ó q u e e le s n ão mos t r a m q u e s o me nt e t r e ze p o r c e nt o d e
jo g a do r e s p r of is sio n ais d e f u t e b o l g a n h a ac ima do s a lá r io mí n im o , e xist e m jo ga d o r es
q u e ga n h a m c i nq ü e nt a , c em, d u ze n t os m il, m as a m a ior ia e sm a ga d o r a t em o s a lár io lá
e m b a ix o. E u ac h o q u e e m c im a d is so a g e n t e p o de t r a b a l h a r a n os s a a u la p o r m e io
d es s a s r e p o r t a g e ns , p e g ar u m g a nc h o d e ss e aí e c olo c ar p a r a e le s f a ze r e m as
c r í t ic a s. — Es t á aí e vo c ês ac h a m q u e é t o do m un d o q u e c o ns e g u e ? P o d e pr a t ic a r o
e sp or t e e, s e de r , v o c ê p o d e se r jo g a d o r , ma s n ã o q u er di ze r qu e v oc ê v a i jo g a r
s om e nt e e m c im a d a qu il o, v oc ê v a i u sa r aq u ilo p ar a o s e u b e m- e st a r , p a r a o s e u
la zer , p a r a o s eu c or p o e t o d a s as q u a lid ad e s q u e o s e s po r t e t r az. ”
67
Talvez este seja um dos grandes desafios dos professores,
desmistificar essa falsa impressão de que o esporte de alto rendimento é
para todos, que todos os atletas ficam muito ricos. Há nessa questão algo
que j á discutim os e retom amos agora, que é o fato de alguns garotos
investirem todas as suas forças numa carreira de atleta profissional,
desconsiderando outras possibilidades. Em caso de fracasso, porém, têm
que lidar com frustrações, decepções, além do risco de serem iludidos
por falsos empresários e levados para o exterior a troco de falsas
promessas.
Por fim vamos comentar a solicitação feita aos professores
entrevistados
para
que
com parassem
a
primeira
com
a
segunda
reportagem. Cabe ressaltar que esta questão foi apresentada apenas
para os grupos 1 e 2; para o grupo 3 não foi possível, por falta de tem po.
Destacamos para análise os trechos abaixo t ranscritos:
“ Na pr im e ir a r e p o r t ag e m o c e n ár io já e st á mo n t a d o , a s m o d a lid a d e s d es e n v olv id a s já
e st ã o e m lo c a is a d e q ua d os , c om m at er ia is ad e q u a d os . N a se g u n d a r e p or t a g e m, e les
t e nt a m s e ns ib iliza r p ar a a p ar t ic i pa ç ã o d a c o mu n ida d e e s c o la r n a co ns t r u ç ã o d a
q u a dr a e f az e nd o b a s ic am e nt e u ma in v er s ã o de va lo r es , qu e s er ia su bs t it u içã o d e
ju s t iç a s o c ia l p o r ca r id ad e. ”
Esse professor consegue fazer um a distinção bem técnica
sobre as duas reportagens. O esporte tem a característica importantede
ter um cenário montado, de fácil entendimento o que facilita sua leitura
pela TV. Sobre o cenário pronto do esporte, Pires (2002) acrescenta que:
At u a lm e n t e
o e s p or t e p ar e c e s er
e sp et a c u la r iz a ç ã o
na
mí d ia
o p ar c e ir o p r ef e r e nc ia l d a
t e lev is iv a
po r q u e
o f er e c e,
em
c on t r a p a r t id a, o s ho w já p r o n t o . O c e n ár io, o r o t e ir o, os a t or e s, os
e sp ec t a d o r es
e
at é
os
( t e le ) co mu n ic a d or e s
es t ão
a nt e ci p a d a m en t e g ar a n t id os , o qu e f a c i lit a a su a t r a ns f o r m aç ão
em
p r od ut o
f ac ilm e nt e
co m er c ia liz a d o / c on s u m id o
em
es c a la
68
g lo b al.
O
es p et á c u lo
es p o r t iv o ,
em
c o m p ar a ç ã o
co m
ou t r os
e ve nt o s c u lt u r a is c o m o o c in e m a e o t e at r o , c er t a me nt e ap r e s e nt a
a lg u mas
ca r a ct e r í s t ic as
d if er e nc ia do r as ,
mas
é
in t er e s s a nt e
o bs er v a r co m o b o a p a r t e d es s as d if e r e n ç a s ag e m a s eu f a v o r , ist o
é , co n t r ib u e m p a r a a s ua bo a a c e it aç ã o e a b so r ç ã o m u n d ia li za d a .
Um a d e la s é a u n iv e r sa liz a ç ã o d e su a lin g u ag e m, is t o é, o
r e co n h ec im e nt o d a s u a o p e r ac io n a li d a d e , n o r mas e c ó d ig o s , e m
v ir t u de d a u n if o r mid a de d e se u f u n ci o n a me nt o, im p o st o p e la s
e nt id a de s qu e o c o m a nd a m. ( p. 9 0)
Ainda
comparando
as
duas
reportagens,
outro
professor
comenta:
“ O lh a s ó q u e i nt e r e ss an t e . V oc ê v iu u m a r e p o r t a g e m d e q ua s e de z m in ut o s , o n ze ,
f a la n d o d e e st r u t u r a e u m a d e q u a t r o f a la n d o d e c o m o s e f a ze r es t r u t ur a d a es c o la
p ú b lic a. Q u er d i ze r , e le s c o l oc am de z o u o n ze m in u t os pr a g en t e d ize n do q u e o
e sp or t e é lin d o , é m ar a v ilh os o , a e s t r ut ur a é e s sa e d e p o is e les f a ze m u m r e p or t a g e m
me n o r d ize n d o q u e n ã o t e m de s c u lp a d e e s p a ç o e v oc ê s t ê m q u e c o r r er a t r á s. É u m
a bs ur d o. ”
É este o paradoxo que se vive: de um lado projetos de
sucesso, financiados por entidades ou empresas privadas e com um
grande espaço na TV, e de outro a com unidade tendo que conseguir com
seu esf orço própri o uma infra-estrutura mínima para a prática de esportes
no ambiente escolar.
“ E u v e jo o s e g u int e . N a p r ime ir a r e p o r t a g e m há u m a ê nf as e m u it o g r a n d e n o r e s u lt a d o
ime d i at o e q u e o e s p o r t e é a s o luç ã o , e n a se g u n d a r e p o r t ag e m, q u e d ev er i a t a m b é m
d ar u m f oc o ma io r , p o r q u e f o i u m a co n q u is t a d e a lg u m s eg m en t o a li qu e me s m o s e m
c on d iç õ es e s e m e s t r ut ur a , mos t r a r a m q u e ha v i a n ec es s id a d e d a q u e le es pa ç o e q u e
a t in g is s e n ão só o c o r p o d oc e nt e , m as t a m b é m o s f u n c io n ár io s e os s er v id or e s. O u
s e ja, a q u ilo q u e e les f iz e r a m p as so u a s er u ma ut i lid a d e p ar a a c o mu n id a d e. N ão er a
u m a c o is a pr o nt a , c o m o ex is t ia n a pr i me ir a r e p o r t a g e m, o nd e s o m e nt e ia m p ar a
r e so lv er t od as a s ma z e la s s oc ia is.
69
“ P e r c e b i n a r e p o r t a g e m um a d if er e nç a d e e n f o q u e . P r im e ir o o es p or t e c o m o u m t o do ,
q u e lev a o jo v e m a d e se nv o lv er c a p ac id a d es d e a p r en d i za g e ns , de me l h o r ar a s u a
c on d u t a , as s u a s a t it u d es e a in t er e s s a r - s e ma is p e lo s e st u d o s . O o u t r o e n f oq u e é o
e nf o q u e d o es p o r t e e d u ca c io n a l, o nd e a in s t it u iç ão bu s ca d es e n v o lv e r as mo d a lid ad es
e sp or t iv a s , t ê m d if ic u l da d e s d e f a t o p or q u e é es s a r e a lid a de q ue viv e m os na r e d e
p ú b lic a, is so é s u m á r io , e a ge n t e p r ec is a g r it a r p or q u e n ó s n ã o t e m os a e s t r ut u r a e
n e m co n d iç õ e s . A p r óp r ia r e p o r t a g e m m o s t r a q u e a e s c o la t e ve q u e sa ir do s e u
e sp aç o , d o s m u r os in t er n os da es c o la , p a r a o c u p ar u m á r e a f or a da es c o la , b us ca r
p ar c er i as c o m ins t it u iç õe s pa r a r ea liz a r no q ue er a u m es p a ç o c o mu m c om a
c om u n id a de . . . v o cê s p e r ce b e r am q u e o s pr ó pr ios f u nc io n á r io s d a es co la c om e ç a r a m a
u t ili za r a q u e la pist a co m o u m e l e me nt o d e b u s c a d e s a ú d e c om a c a m in h a d a . E
c er t a me n t e a p r ó p r ia c o mu n id a de , co m o a ár e a é e xt e r n a e f a z p a r t e da pr ó pr ia
c om u n id a de , e la t a m b é m ut iliza r ia e s s e es p aç o. E ss a é a r e a lid a d e q u e a g e nt e v iv e
h o je
na
e sc o la,
n ós
não
t em o s
co nd iç õ e s
h o je
de
e s t a b e le c e r ,
po r
ex e m plo ,
mo d a lid a d es es p or t iv a s de nt r o d a a u la d e E d uc aç ã o Fí s ica , pr i m e ir o o e s p a ço qu e a
g e n t e t e m n ão é a p r o p r ia d o , o t em p o q u e a ge nt e d is p õ e p ar a a au la é p o u co , n ã o d á
p ar a v oc ê r e a l iza r u m t r a b al h o d es s a n a t ur e z a, e x is t e m e ss a s sit u a ç õe s e es s as
c on ju nt u r as . A r e p o r t a g e m m os t r a es s es d o is e n f o q u e s , u m a r e a l id ad e o n d e os
c lu b e s, o s es p aç os q u e po d e m s e r o f e r e c id os p ar a os jov e n s q u e t ê m u ma c er t a
d if ic u ld a d e d e s o c ia li za çã o , e le e nc o nt r a is s o, e o o u t r o é o e s p aç o d a e sc o l a, es p a ç o
e d u c a c io n al,
de
e d u ca çã o
so c i a l
e
educação
f or ma l
d es e n v o lv id a
p e la p r ó pr ia
e sc o l a. ”
“ A r e p o r t a g em c o me ç a d a nd o u m en f o q u e na E du c aç ão Fí s ic a co m o p r o m o çã o d e
s aú d e , c o m o p r o mo ç ão c o mo a q u e la c r ia n ça q u e v en c e , aq u e la c r ia n ç a q u e v a i
s up er a r ob s t ác u l os , e l og o d e p ois v e m o e n f o q u e d e q u e n ã o s e p o d e o f er e c er u ma
mo d a lid a d e p a r a a c r ian ç a, q ue t e m qu e s er o f e r ec id o m u it as c o is a s, a c r ia n ç a v a i
c am in h ar , v a i c a mi nh ar e ela v a i e sc o l h e r a lg o q u e d e p o is e la v a i c o n t in ua r . J á na
p er if e r ia v oc ê ob s e r v a q u e o e n f o q u e n ã o é es s e, n ó s t iv em o s co n d iç õ e s d e f a ze r u ma
p is t a c o m iss o, e c o m is s o, e n t ão , e les v ã o f a zer a t le t is mo . O en f oq u e é o u t r o, q u e r
d izer , s e v o c ê t e m ba s t an t e din h e ir o e p o d e of er e c e r é ót imo , o e n f o qu e é e ss e, vo c ê
o f er e c e e d e ix a o s e u f i lh o es c o l h e r , e n a p e r if e r ia n ã o é a ss im, e u p u d e o f e r e c e r
is s o, e n t ã o v oc ês v ão f a z er iss o. ”
Todos esses depoi mentos conseguiram com clareza distinguir
70
diferenças entre as duas reportagens. Essa percepção é muito importante
para o professor, princi palmente quando se pensa na perspectiva de um
estudo sistem ático da mídia, pois um professor que não tenha ess a
percepção, que estej a despreparado para conhecer a mídia em sua
essência, ou mesmo que tenha um a visão simplificada ou acrítica da
mídia terá grande dificuldade de desenvolver esse trabalho em sua sala
de aula.
Penteado
(2000,
p.155)
postula
que
o
desafio
de
se
desenvolver uma Pedagogia da Comunicação passa necessariamente:
•
pela adoção de um a determinada pedagogia, pelo profissional
professor, que não se dá a partir de norma ou decreto, mas de uma
comunhão de valores sobre o ser humano, dotado de capacidade de
significar-se e produzir conhecimento;
•
pela intelecção e aprendizagem
do processo de comunicação
humana (no qual se l ocaliza o processo didático), o qual supõe
estudos que podem ser definidos num currículo, mas não se
esgotam neles;
•
por vivências e experiências que intensifiquem a relação teoriaprática-teoria,
no
aprendi zagem,
e
processo
que
de
configuram
conhecimento
um a
dada
e
de
ensi no-
compreensão
do
processo.
Portanto foi possível perceber nos depoimentos um a certa
capacidade decom prensao das mensagens televisivas no sentido de
produzir conhecimento, isto conforme citado acima por é essenci al na
Pedagogia da comunicação.
Destacamos, por fim, o trecho abaixo, que, em bora não
respondesse
diretamente
a
mediador, merece destaque:
nenhuma
das
questões
colocadas
pelo
71
“ E u v ou a lé m. Q u a n d o h á a lg u ma q u e s t ã o d e r e p o r t a g e m ma is t é c n ic a, o pr of iss io n a l
d e E d uc a ç ã o Fí s ica n ã o é p r o cu r a d o, p r o c u r a - s e u m f is io lo g is t a , pr o cu r a- s e u m ex a t le t a, m as n ã o p r o c u r a - s e o p r of iss io n a l de Ed uc a ç ã o Fí s ic a . En t ã o, pr o c ur a - s e
q u a lqu e r u m, at é o m o m e n t o d a e s c o la e le s p r oc u r a m, ma s n ós r ar a m e n t e d am o s a
n os s a o p in iã o t éc n ic a e m t el ev is ão o u e m jo r n a is . Q u em a s sin a es s e t i p o d e
r e p o r t a g e m é o Ps ic ó log o , ele s c h a ma m o Ps ic ó l o g o p or q u e es c r ev e u u m livr o , e les
c ha m a m u m f is io lo g is t a qu e es c r ev e u u m o u t r o liv r o, um m é d ic o d e s p o r t is t a, m as e les
r a r am e nt e c h a m a m u m p r of iss io na l d e E d u c a ç ão Fí sic a . ”
Esse relato demonstra a pouca visibilidade que o professor d e
Educação Física tem na mídia; normalmente ele é visto apenas como um
executor de aulas, pouca voz lhe é dada para fal ar sobre sua criatividade,
para emitir suas opiniões. Isso porque o esporte (que conta com atletas
conhecidos) dá mais audiência do que um professor que desenvolve um
excelente trabalho ou um pesquisador da área que fez um a pesquisa
interessante, mas que são desconhecidos do grande público.
72
Conclusão
A partir dos depoimentos obtidos nos grupos f ocais e do
material bibliográfico pesquisado, foi possível perceber que há, por parte
dos professores de Educação Física pesquisados, atuantes em escolas
públicas do DF, uma apropriação crítica das m ensagens esportivas
veiculadas pela televisão. Tal postura crítica possibilita a inserção no
espaço escolar do tem a mídia, e mais especificamente da televisão.
As teori as apresentadas ao longo do texto, sobretudo nos
capítul os 1 e 2, como base de sustentação da relação entre televisão e
esporte, nos permitiram mapear possibilidades de análise da referida
relação no espaço da escol a. Desse modo, as contribuições de alguns
autores e os depoimentos dos professores permitiram dar visibilidade à
ideologia embuti da no interior do discurso midiático para as mensagens
tel evisivas a cerca do esporte.
No que se refere aos relatos dos professores, percebeu-se
que alguns já vêm desenvolvendo a discussão de programas televisivos
acerca do esporte em suas aulas de forma crítica, porém de um a maneira
ainda isolada e pontual. Desse modo, sugere-se a necessidade de um a
metodologia
sistemati zada
do
estudo
da
mídia,
incl usive
com
o
desenvolvimento de projetos políticos-pedagógicos que incluam outras
disci plinas, que promovam a interdisciplinaridade.
Diante da ideologia imbutida nas mensagens da televisão
acerca do esporte e das contradiçoes encontradas no tem a, percebe-se
que é possível algum a form a de superação do discurso dominante, na
prática da Educação Física escolar, mesmo considerando os discursos
em torno do esporte da alta-competição e sua grande difusão midiática. O
que não se pode é maquiar ou falsear a realidade: é preciso, isso sim,
manter um olhar atento e crítico ao fenôm eno esportivo conforme
73
veiculado pela mídia — que, com o sabemos, é regida pela lógica do
capital. Por meio de uma perspectiva crítica, pode-se desconstruir essa
lógica de dominação e buscar a superação da ideologi a do esporte de
rendim ento no ambiente escolar.
O esporte de segue a lógica da mídia — e, portanto, a lógica
do capital —, sendo um fenôm eno excludente quando praticado como
esporte de rendimento ou esporte-espetáculo. Não podemos, no ambiente
escolar, reproduzir o discurso de que o esporte de rendimento em si seria
meio de interação social, em ancipação, construção de valores, conforme
diversas vezes vemos nos programas televisivos sobre esporte.
Os
diversos
relatos
dos
professores
nos
grupos
focais
mostraram que el es possuem um pensamento crítico em relação à TV,
em bora às vezes cont raditório, ou mesmo reprodutor. Mas não podemos
desconsiderar que todos nós estamos suscetíveis às influências do
capitalismo, da indústria cultural, dos meios de comunicação de massa,
da globalização, pois estamos inseridos no meio social.
Do conteúdo televisivo, mesmo o comercial, é possível extrair
algo positivo, como por exem plo, as reportagens de cunho denunciativo,
program as de divulgação cultural, musical e outros. Nossa crítica vai,
principalmente
no
campo
da
mídia
esportiva,
à
exacerbada
comercialização em torno do esporte, em detrimento do esporte de
participação; à exagerada valorização dada a determinados esportes e
atl etas, enquanto outros ficam à margem da divul gação; à intensiva
atribuição de importância a valores típicos da sociedade capitalista, com o
a com petição, o rendimento, a técnica, a busca excessiva pelo sucesso.
Conforme citamos no inicio do texto, pesquisa no tem a mídia é
algo recente no campo da Educação Física, tendo se iniciado a partir da
década de 1990. A partir deste estudo foi possível observar inclusive que
o tem a ai nda tem um am plo campo a ser explorado, podendo ser
74
pesquisado por outros ângulos, como, por exemplo, pelo olhar dos
alunos. Também podem ser realizadas pesquisas sobre o m esmo tem a
com outras metodologias, como a observação participante, estudos de
caso, dentre outros. Há ai nda outras possibilidades, como o estudo da
mídia esportiva impressa, de filmes que têm o esporte como tema central,
o estudo da programação dos canais excl usivos de esporte nas TVs
pagas; a predominância de um determinado esporte na TV, como é o caso
do futebol no Brasil, etc.
Cabe aqui também ressaltar que no ano de 2007 foi incluído
no curso de Mestrado em Educação Física da Universidade de Brasília o
tem a Mídia, Educação e Educação Física, i nserido na linha de pesquisa
Esporte e Educação Física Escolar, com um a vaga, aumentando na
seleção de 2008 para três vagas. Isso certam ente ampliará o leque de
possibilidades
e
oportunidades
de
pesquisa
nessa
área
dando
oportunidade ao surgimento de novas idéias e diferentes visões dos
diversos
pesquisa.
pesquisadores
que pretendem
se inserir
nesse campo de
75
Referências
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dial ética do Escalrecimento.
Rio de Janei ro: Zahar, 1985.
ASSIS, Sávio. Reinventando o Esporte: possibilidades
pedagógica. Cam pinas: Autores Associados, 2005.
da
prática
BATISTA, Sidnei Rodrigues & BETTI, Mauro: A Televisão e a Educação
Física na Escola: Uma Proposta de Intervenção. Revista Brasileira de
Ciências do Esporte. Cam pinas: Autores Associados, v. 26, n. 2, p. 135148, 2005.
BETTI, Mauro. A Janela de Vidro: Esporte, Televisão e Educação Física.
1997. Teses (Doutorado em Educação Física). Universidade Estadual de
Campinas. Campinas.
_____, Mauro. A Janela de Vidro: Esporte, Televisão e Educação Física.
Campinas: Papirus, 1998.
_____, Mauro. Imagem e Ação: A Televisão e a Educação Física Escolar.
In: BETTI, Mauro (org): Educação Física e Mídia: Novos Olhares, Outras
Práticas. São Paulo: Hucitec, p. 91-137, 2003.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Tel evisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
BRACHT, Valter. Soci ologia Crítica do Esporte: uma introdução. Ijuí:
Unijuí, 2005.
CHAUI, Marilena. Simulacro e Poder: uma análise da mídia. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2006.
CHARAUDEAU, Patrick. O Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto,
2006.
DURÃES,
Geral do
Magela.
Programas
Esportivos
Televisivos:
Contri buições para a Educação Física Escol ar. 2002. Dissertação
(Mestrado em Educação Física). Universi dade Católica de Brasília.
Brasília.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. 6. ed. São Paulo: Perspectiva,
2004.
76
FERES NETO, Alfredo. A Virtuali zação do Esporte e Suas Novas
Vivências
Eletrônicas.
2001.
Tese
(Doutorado
em
Educação).
Universi dade de Campinas. Campinas.
GASKELL, George. Entrevistas Individuais e Grupais. In: BAUER, Martin
& GASKELL, George: Pesquisa Qualitativa Com Texto, Imagem e Som:
Um Manual Prático. Petrópolis-RJ: Vozes, 2002.
GATTI, Bernadete Angelina. Grupo Focal na Pesquisa em Ciências
Sociais e Humanas. Brasília: Líber Livro, 2005.
IANNI, Octávi o. A era do gl obalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
KUNZ, Eleonor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. Ijuí:
Unijuí, 2001. 4. ed.
LEIRO,
Augusto
César
Rios.
Educação
e
Mídia
Esportiva:
Representações Sociais das Juventudes. 2004. Tese (Doutorado em
Educação). Universidade Federal da Bahia. Salvador.
MARCHI JR., W anderley. O Processo de Ressignificação do Voleibol a
Partir da Inserção da Televisão no Campo Esportivo. Revista Brasileira de
Ciências do Esporte. Cam pinas: Autores Associados, v. 26, n. 2, p. 149162, 2005.
MARX, Karl & ENGELS, Friederich. A Ideologia Alemã: Feuebach – a
contraposição entre as cosmovisões materialista e idealista. São Paulo:
Martin Claret, 2007.
MONTAGNER, Paulo César & RODRIGUES, Eduardo Fantato. EsporteEspetáculo e Sociedade: estudos preliminares sobre sua influência no
âmbito escolar. Conexões – Revista da Faculdade de Educação Física –
UNICAMP. Cam pinas, v.1, n.1, 2003.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 11.
ed. – São Paulo: Cortez, 2006.
MORAES, Denis de. O Planeta Mídia: Tendências da Comunicação na Era
Global. Campo Grande: Letra Livre, 1998.
77
NAGAMINI,
Construção
Linguagens
Informática.
Eliana. O Discurso da Publicidade no Contexto Escolar: A
de Pequenos Enredos. In: CITELLI, Adilson. Outras
na Escola: Publicidade, Cinema e TV, Rádio, Jogos e
São Paulo: Cortez, 2000.
OLIVEIRA, Márcio Rom eu Ribas. O Primeiro Olhar: experiências com
imagens da educação física escolar. 2004. Dissertação (Mestrado em
Educação Física). Universi dade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.
OLIVEIRA, Márci o R. Ribas & PIRES, Giovani de Lorenzi. O Primeiro
Olhar: experiência com imagens na educação física escolar. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas-SP: Autores Associados, v.
26, n. 2, p. 117-134, 2005.
PENTEADO, Heloisa D. Televisão e escola: conflito ou cooperação? São
Paulo: Cortez, 1991.
PIRES, Giovani de Lorenzi. Educação Física e o Discurso Midiático:
abordagemcCrítico-emacipatório. 2001. Tese (Doutorado em Educação
Física. Universidade Estadual de Campinas. Cam pinas.
_____, Giovani de Lorenzi. Educação Física e o Discurso Midiático:
Abordagem Crítico-Emancipatório. Ijuí-RS: Unijuí, 2002.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2000.
TRINDADE, Paulo César. Análise de Programas Especiais de Televisão
Produ zidos por Emissoras Brasileiras na Cobertura dos Jogos Olímpicos
de Sidney-2000. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Física).
Universi dade Católica de Brasília. Brasília.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências
Sócias: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
TRIVIÑOS, Augusto N. Silva & MOLINA, Vicente Neto (org). A Pesquisa
Qualitativa na Educação Física. Porto Alegre: UFRGS/Sulina, 2004.
W ELLER, W ivian. Grupos de Discussão na Pesquisa com Adolescentes e
Jovens: Aportes Teórico-Metodológicos e Análise de uma Experiência cm
o Método. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 32, n. 22, p. 241-260,
maio/agosto 2006.

Documenti analoghi

Vol. 29 - PUC-SP

Vol. 29 - PUC-SP transformados em “banalizações do mal”. No plano da cultura, importantes temas se apresentam, com destaque para resistência cultural, no plano artístico. Questão complexa e de difícil tratamento, m...

Dettagli

Patricia-Riccelli - Sistema de Bibliotecas FGV

Patricia-Riccelli - Sistema de Bibliotecas FGV justificando-se sua escolha para a análise deste estudo de caso. Além da descrição do modelo utilizado, aqui se começa a questionar a sua atualidade e a necessidade de ampliação de suas variáveis p...

Dettagli