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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA
CARPE DIEM:
RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI
São Paulo
2009
Livros Grátis
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NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA
CARPE DIEM:
RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, Arte e História
da Cultura da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Educação, Arte e
História da Cultura.
Orientador: Profº Dr. Martin Cezar Feijó
São Paulo
2009
S586c Silva, Neemias Oliveira da.
Carpe Diem: Rituais Cotidianos no Satyricon – Petrônio e Fellini
/ Neemias Oliveira da Silva – 2009.
271 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009.
Orientadora: Profº Dr. Martin Cezar Feijó
Bibliografia: f. 138 - 150.
1. Satyricon. 2. Frederico Fellini. 3. Cinema. 4. História.
5. Literatura. I. Título.
CDD 791.4
NEEMIAS OLIVEIRA DA SILVA
CARPE DIEM:
RITUAIS COTIDIANOS NO SATYRICON – PETRÔNIO E FELLINI
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Profº Dr. Martin Cezar Feijó- Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª Drª. Márcia Angelita Tiburi
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profº. Dr. Ronaldo Entler
Universidade Estadual de Campinas
Aos meus pais, Nadir Alves da Silva e Valdomiro
Oliveira da Silva.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó.
AGRADECIMENTOS
A primeira palavra de gratidão vai para aqueles que se mantiveram firmes e
presentes em momentos que ora sucumbi. Aos meus pais Valdomiro Oliveira da
Silva e Nadir Alves da Silva pelo apoio e amor incondicional.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó, sempre presente e atuante
ao me conduzir pelo caminho da pesquisa. Sem seu olhar, por vezes crítico, seria
difícil o caminhar. Sou grato pelo seu cuidado, apoio, atenção e respeito pela minha
forma de pensar.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação, Arte e História da Cultura pela formação Interdisciplinar singular. São
eles: Prof. Drª Jane de Almeida, Prof. Dr. Martin Cezar Feijó, Prof. Dr. Marcos
Masetto, Prof. Dr. Paulo Monteiro, Prof. Drª Petra Sanchez Sanchez, Prof. Dr. Wilton
Luiz Azevedo, Prof. Dr. Sérgio Bairon, Prof. Dr. Norberto Stori, Prof. Dr. Marcos
Rizolli e o Prof. Dr. Arnaldo Daraya Contier.
Aos membros da banca de qualificação e defesa pública pelas considerações
no presente estudo. As observações e os apontamentos foram essenciais para o
desenvolvimento deste estudo. Sou grato a Prof. Drª Sandra de Cássia Araújo
Pelegrini (Universidade Estadual de Maringá – UEM) pelo carinho e apoio, a Prof.
Drª Maria Aparecida de Aquino e o meu orientador, o Prof. Dr. Martin Cezar Feijó e
ao Prof. Dr. Ronaldo Entler e a Prof. Drª Márcia Tiburi.
Ao Prof. Dr. Michel Marie (Universidade de Paris III – Sorbonne) e ao Prof. Dr.
Fernão Ramos (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP) por terem me
aceitado como aluno especial no Programa de Pós-Graduação em Multimeios.
Ao Prof. Dr. Ronaldo Marin e ao Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara pelo
apoio e participação no Programa de Pós-Graduação em Multimeios – UNICAMP.
À Prof. Drª Renata Senna Garrafoni da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) pelo envio de artigos e periódicos inéditos, que muito contribuíram para o
enriquecimento desta pesquisa. Seus estudos acadêmicos serviram de inspiração
para o desenvolvimento desta pesquisa.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e a CENP (Coordenadoria
de Estudos e Normas Pedagógicas), que possibilitou o financiamento desta
pesquisa. Em especial a comissão responsável pelo Programa de Bolsa Mestrado
da Diretoria de Ensino Campinas Oeste, representada pela Corinta, Neusa Fassani e
Silvana (in memorian), que acompanharam e auxiliaram no desenvolvimento desta
pesquisa.
Ao MACKPESQUISA que financiou os estudos na Fundação Federico Fellini
em Rimini – Itália.
Ao Guiseppe Ricci, arquivista da Fundação Federico Fellini pela recepção
calorosa em Rimini.
Aos amigos de Portugal, Espanha, Bolívia, Peru, República Dominicana e
Argentina que compartilharam comigo momentos inesquecíveis em Roma – Itália.
À “República Chinatown”, minha família em Campinas, agradeço aos amigos
e físicos, o Prof. Ms. Pedro Alves da Silva Autreto (UNICAMP), pelas sugestões e
incentivos nesta pesquisa, o Prof. Ms. Éder Arnedo Perassa (UNICAMP), pela
leitura, o incentivo e a revisão, ao amigo e economista, Bráulio Amais Bracero
(UNICAMP), pelo apoio, leitura e revisão, e ao jornalista Júnior Milério (PUC Campinas), pela leitura e crítica. A todos vocês sou muito grato pela paciência e
consideração nestes três anos de convivência.
Aos Profissionais de Educação que fizeram e fazem parte da minha vida na
Escola Estadual Padre Antônio Móbile (Campinas), são eles: Hélio Rocha, Ignês
Capellari, Leandro, Maria do Carmo, Nair, Marilza, Sônia, Telma Regina, Valéria,
Maria Tomázia, Valdir Paranhos, Antônia (Toninha), Alexandra, Flôr, Lucas Lemos,
Lara Molina Pampulini, Silvana Ferreira, Lúcia Rodrigues Faria, Lúcia Helena, Marta
Maria, Marta, Jane, Sofia, Andréia, Carlos Henrique, Gilmar (Gil), Érica Ap.
Tamburus, Bernadete, Felipe, Deuzani, Vitor, Silvia, Fátima, Paulo, Adriano, Márcia,
Dailva, Rosely, Mônica, Luciano Carlo Pereira Neto, Sandra Regina Braga, Vânia
Rocha, Aparecida (Cidinha), Leonice Silva, Carlito F. da Silva, Sandra e a amiga
Aldemara Pagani. A todos estes sou muito grato pelo apoio, bem como aqueles da
qual não citei, provável injustiça de minha parte, a estes peço desculpas. Assim, os
nomes citados representam colegas, companheiros e funcionários que tive o
privilégio de conviver nestes quatro anos de funcionalismo público na carreira como
docente.
A todos os meus alunos, bem como as Professoras Maria Isabel Baptistão e
Renata Basso, pelo carinho, atenção e o constante apoio na jornada acadêmica.
Aos amigos eternos que me acompanharam desde a graduação, o Prof. Ms.
Leandro Brunelo (Universidade Estadual de Maringá – UEM) e a Prof. Ms. Cláudia
Maria Gusson (Universidade de São Paulo – USP), bem como a Prof. e amiga
Josineide Alves da Silva e ao amigo Gilberto Robson Santana. A vocês sou muito
grato por tudo o que fizeram por mim, sem vocês a vida acadêmica seria bem mais
difícil de ser trilhada.
A todos os amigos do curso de mestrado, turma do primeiro semestre de
2007, em especial a Design Júlia Stateri e ao Pedagogo Thiago Carvalho Barbosa,
que sempre estiveram presentes e atuantes nesta etapa de minha vida.
Aos membros do grupo de pesquisa Moderno/Contemporâneo: Culturas e
Educação da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM.
Às amigas, Carol Boari, Carolina Franco e Zane pelas dicas e orientações no
decorrer do curso.
A todos os amigos do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo
(APEOESP), em especial, Suely Fátima (diretora Estadual), Nely (Nelinha), Luciana
(Lú), Daniela Caetano e a historiadora Kátia.
Aos professores do Departamento de História da Universidade Estadual de
Maringá – UEM, que contribuíram para minha formação acadêmica.
À amiga e advogada Drª Damaris Moura Kuo.
Aos Professores João Carlos de Oliveira e Luzia Brígida de Oliveira D‟Avila
pelo constante apoio em cursar o mestrado. Agradeço também a todos os meus
amigos de Alto Piquiri (PR), Maringá (PR), Campinas (SP) e São Paulo (SP).
Aos meus tios Irassi Sossai e José de Oliveira pelo constante apoio em seguir
a carreira acadêmica.
Ao Prof. Igor Alexandre Capelatto, pelas aulas de Cinema.
À Profª. Ms. Daniella Basso pelos apontamentos, correção e revisão.
A todos os professores, amigos e familiares. E a você leitor desta dissertação,
muito obrigado!
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi,
quem tibifinem di dederint, Leuconoe, nec
Babyloniostemptaris numeros. ut melius,
quidquid erit, pati. Seu pluris hiemes seu
tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc
oppositis
debilitat
pumicibus
mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio
brevi spem longam reseces. Dum loquimur,
fugerit invidaaetas: carpe diem quam
minimum credula postero.
(HORÁCIO, Odes – I, 11.8, 65 – 8 a.C)
Não pergunte, saber é proibido, o fim que os
deuses darão a mim ou a você, Leuconoe,
com os adivinhos da Babilônia não brinque.
É melhor apenas lidar com o que cruza o
seu caminho. Se muitos invernos Jupiter te
dará ou se este é o último, que agora bate
nas rochas da praia com as ondas do mar
Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o
curto
prazo
reescale suas
esperanças.
Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento
está fugindo de nós. Colha o dia, confia o
mínimo no amanhã.
(HORÁCIO, Odes – I, 11.8, 65 – 8 a.C)Trad: Prof. Dr.
Paulo Martins – FFLCH/DLCV/USP
RESUMO
Este estudo tem por objetivo traçar uma discussão sobre os rituais cotidianos
inseridos na obra fílmica o Satyricon de Federico Fellini. Este trabalho compreende o
ritual, no latim ritualis, como um conjunto de práticas do homem, repleta de valores
simbólicos aos quais foram recriadas e incorporadas pela indústria cinematográfica.
Portanto, a análise da obra fílmica será baseada na obra literária Satyricon de
Petronius escrita no século I d.C. A ponte para compreender dois mundos, do
Clássico ao contemporâneo, é o foco no diretor e produtor do filme: Federico Fellini.
As festas populares, a dança, o misticismo, a religião são expressões humanas que
servem de mediação das tradições culturais de um determinado grupo social e que
passou a se integrar na linguagem cinematográfica. Nessa perspectiva, nós
buscamos mapear os rituais cotidianos e as representações dos indivíduos inseridos
em seu próprio tempo e espaço. Desta forma, a metodologia usada para analisar o
filme e a obra literária será baseada na leitura do material bibliográfico. Através da
análise da obra fílmica Satyricon de Federico Fellini, nós analisaremos o quanto da
Filosofia de Epicuro do Carpe Diem está inserida nos rituais cotidianos e como a
indústria cinematográfica usa a linguagem ritualística.
Palavras-Chave: Satyricon, Federico Fellini, Cinema, História, Literatura, Ritual,
Símbolo.
ABSTRACT
This study aims to map out a discussion about the daily ritual inserted on the filmic
work Satyricon of Federico Felini. This work includes the ritual, in latin "ritualis", as a
set of practices of man, replete of symbolic values which have been recreated and
incorporated by the film industry. Therefore the analysis of filmic work will be based
on Satyricon of Petronius literary work which was written in the first century AD. The
bridge to understand two separate worlds, the contemporary and the classic, is the
focus on director and producer of movie: Federico Fellini. The popular festivals, the
dance, the mysticism, the religion are human expressions that are used for mediation
in cultural traditions of a particular social group and that began to integrate itself in
the film language. From this perspective, we try to map the daily rituals and
representations of individuals which are include on own time and space. In this way,
the methodology used to analyse the movie and literary work will be based in the
reading of the bibliographic material. Through of the analysis of the filmic work
Satyricon of Federico Fellini, we will examine how far the Epicuru's philosophy of
Carpe Diem is inserted in daily rituals and how the film industry uses the ceremonial
language.
Key Words: Satyricon, Federico Fellini, Movies, History, Literature, Ritual, Simbol.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Cena do Satyricon – despedida............................................................ 115
Figura 2
Cena do Satyricon – despedida (2)....................................................... 115
Figura 3
Cena do Satyricon – despedida (3)....................................................... 116
Figura 4
Cena do Satyricon – despedida (4)....................................................... 118
Figura 5
A morte de dois patrícius....................................................................... 122
Figura 6
Veias abertas........................................................................................ 123
Figura 7
Rito de preparação para a morte.......................................................... 124
Figura 8
No Templo, guardiões de Hermafrodite................................................ 125
Figura 9
Torre de Babel – Insulae....................................................................... 129
Figura 10 Jardim dos prazeres.............................................................................. 130
Figura 11 O Banquete de Trimalquião.................................................................. 133
SUMÁRIO
PRÓLOGO............................................................................................
13
INTRODUÇÃO......................................................................................
20
1
AS FONTES: PETRÔNIO E FELLINI..................................................
49
1.1
O SATYRICON DE PETRÔNIO...........................................................
49
1.2
O SATYRICON DE FEDERICO FELLINI.............................................
69
1.3
APONTAMENTOS SOBRE A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA...........
91
1.4
CARPE DIEM E O HEDONISMO EM EPICURO.................................
102
2
UM OLHAR SOBRE OS RITUAIS DO SATYRICON..........................
108
2.1
UMA DEFINIÇÃO DE RITUAL.............................................................
108
2.2
AS CENAS...........................................................................................
111
2.2.1
Rituais do Sagrado.............................................................................
112
2.2.2
Encontrando os rituais......................................................................
115
2.2.3
Rituais do Profano.............................................................................
127
2.2.4
Rituais Festivos..................................................................................
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................
135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................
138
ANEXOS...............................................................................................
151
PRÓLOGO
Vós que entrais no inferno das imagens perdei
toda a esperança.
(Abel Grance)
Ao dar início a este estudo fui tomado por muitos questionamentos. Questões
estas que se apresentavam frente aos diversos estudos já realizados pela
historiografia sobre o conjunto da obra literária de Petrônio 1, ou seja, o Satyricon.
Qual a importância desta obra para os nossos dias? O que ela representa? E qual
seria a contribuição em humanidades em relação ao estudo da obra literária?
Cabe ressaltar que o interesse em desvendar o mundo romano nasceu na
graduação, no curso de História, concluído pela Universidade Estadual de Maringá UEM, na qual tive a oportunidade de realizar uma pesquisa intitulada “O Clientelismo
nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal”, estudo este que ocorreu sobre o plano da
Iniciação Científica (2001-2003).
Ao desvelar o mundo Antigo através do estudo das Dezesseis Sátiras de
Décimo Júnio Juvenal defrontei-me com Petrônio, ambos eram literatos, satíricos
circunscritos ao Alto Império Romano sobre a égide do principado, no século I d. C.
Nesse viés, inspirado tanto pelos escritos de Juvenal quanto pela curiosidade
em saber um pouco mais sobre Petrônio fui conduzido ao encontro do cineasta
Federico Fellini.
Dessa forma, a obra fílmica o Satyricon de Fellini passou a compor meu
objeto de estudo. Os rituais cotidianos no Satyricon de Petrônio e Fellini é um
convite a conhecer as práticas do Homem Romano, tais como os laços sociais, as
relações de gênero e poder por intermédio do olhar do homem moderno. Esse
percurso entre um mundo e outro se torna possível graças ao cineasta e ao meio na
qual o mesmo se encontra, ou seja, o mundo do cinema.
1
Conhecido também como Gaius Petronius Arbiter ou Titus Petronius – 27-66 d.C
Com este espírito é que propomos interpretar o Satyricon de Petrônio e
Fellini, despindo-nos dos preconceitos e dos anacronismos vigentes, para com isso
nos situarmos como expectadores e atores do mundo em que nos encontramos.
Com isso, o mundo do espetáculo, da imagem, das relações de poder, da
sexualidade, da carnavalização se revela na intersecção entre o moderno e o antigo.
As páginas que ora traçamos são, portanto, uma tentativa de desvendar o
imaginário humano. A simbologia de Petrônio e de Fellini é múltipla, pois ambos
pertencem a uma sociedade plural. Os alicerces desse estudo se entrelaçam na
relação interdisciplinar entre a História, Literatura e Cinema, inserido na linha de
pesquisa: “História das Culturas e das Artes nas Sociedades Contemporâneas” do
Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura - UPM.
O cenário apresentado compreende um esboço do que ora pretendemos com
este trabalho. Assim, abrimos o leque de investigação para que juntos possamos
compreender os rituais cotidianos presentes na obra de Petrônio e Fellini.
A dissertação de mestrado que se segue é o resultado de um projeto de vida,
da busca pessoal pela qualificação profissional e a superação de novos desafios.
Desafios estes que se fizeram presentes em cada palavra, frase e capítulo
deste trabalho. Por vezes o desânimo e o cansaço em dividir o tempo de pesquisa
com as aulas de História no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública do
Estado de São Paulo me tomaram conta, mas movido pelo dever em concluir o
mestrado, bem como pelo interesse em buscar respostas para muitas questões
deste estudo me levaram para a concretização de um sonho, que ora torna-se
realidade em minhas mãos.
Neste momento, ao invés de obter respostas para minhas inquietações,
ampliei ainda mais o campo de indagações. Com isso, não posso considerar este
trabalho como um fim em si mesmo, mas uma possibilidade de discorrer sobre
novas temáticas ao qual por ventura possa interessar tanto os admiradores do
assunto, quanto aos historiadores e especialistas.
No que diz respeito aos desafios desta pesquisa, ressalto a problemática que
encontrei ao dialogar com as fontes. Ao construir o quebra-cabeça do pensamento
felliniano deparei-me com referências teóricas divergentes e outras que apontavam
diferentes caminhos para se compor o perfil do diretor e cineasta.
Muitos estudiosos da filmografia de Fellini afirmam que suas obras revelam
uma produção autobiográfica, no entanto existe uma linha de teóricos que defendem
que a produção dele era autônoma e ligada às questões políticas, em especial ao
regime totalitário da Itália fascista.
Entretanto, segundo o próprio cineasta, este não gostava de falar sobre
política, nem mesmo dos filmes que produzia. Embora como caricaturista satirizasse
a sua produção e a política italiana da década 60 e 70. Aqui levanto a seguinte
questão: teria Federico Fellini usado sua imagem e influência de diretor e cineasta
para construir um tipo personagem?
A leitura que devemos fazer de Federico Fellini deve ser uma leitura criteriosa,
pois ele mesmo se autodenominava como sendo um mentiroso nato. Outra
observação é quanto ao discurso do diretor. Assim, em que medida o discurso
felliniano seria um marketing pessoal?
Com isso, recorri à leitura do historiador Carlo Ginzburg em “Sinais: raízes de
um paradigma indiciário”2 para desnudar a fala de Fellini e as contradições de muitos
pensamentos teóricos. Na obra de Ginzburg, o historiador faz um paralelo entre o
papel do paradigma indiciário no interior das Ciências Humanas com relação à
semiologia médica. O autor procura mostrar que tal como o médico que produz seus
diagnósticos por intermédio da investigação dos sintomas e da observação do corpo
humano, do mesmo modo muitos outros saberes indiciários também podem ser
produzidos através de um conhecimento interpretativo, dos sinais, das pistas e dos
indícios.
De todo modo, Carlo Ginzburg propõe a análise do indivíduo com base no
paradigma indiciário, a leitura de Fellini deve ser feita pelas entrelinhas e pelas
2
GINZBURG, C. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, Emblemas, Sinais:
morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
pistas que o próprio Fellini nos fornece sobre sua postura ideológica 3 e
cinematográfica.
A metodologia para se compreender a produção de Federico Fellini se
constrói por meio de uma relação interdisciplinar. A narrativa historiográfica absorve
conceitos e práticas de outros campos da pesquisa científica, tais como a
psicanálise, a sociologia e antropologia. Dentro deste contexto, Federico Fellini
recorre à memória, quando constrói lembranças imaginadas, faz uso de caracteres
lingüísticos e antropológicos ao centrar suas discussões em torno da natureza do
homem. O cineasta inova o cinema italiano quando penetra no inconsciente do
espectador utilizando de recursos da psicanálise, definindo assim novos parâmetros
para se pensar a produção do cinema contemporâneo.4
3
A palavra “ideologia” apareceu por volta do fim do século XVIII, para designar a ciência das idéias;
todavia, seu sentido foi profundamente modificado pela ideologia marxista, que a definiu, geralmente,
como um conjunto das idéias e das crenças próprias a uma formação social. Além disso, o marxismo
situa a ideologia nas “superestruturas” sociais (ou seja, a esfera das idéias, do trabalho intelectual e
também do aparelho jurídico – político), que ele considera determinadas pela infra-estrutura
econômica. Como prática significante, o cinema participa das superestruturas ideológicas, em vários
níveis: a produção – além da ideologia econômica, na qual se inspira o sistema de produção dos
filmes, este repousa, em grande parte também, em uma ideologia da criação, via noção de autor; os
conteúdos – a ideologia encarna-se nos modelos tais como os gêneros ou os esquemas narrativos;
as formas – descritas como intrinsecamente não ideológicas na tradição realista que defende a
vocação do cinema à transparência, mas também em certas abordagens marxistas que as
consideram “linguagem” neutra, suscetível de veicular qualquer conteúdo, elas são, ao contrário,
consideradas intrinsecamente ideológicas em uma tradição marxista e vanguardista; a técnica – a
câmera, e a imagem cinematográfica, como termo da história da pintura e de seus códigos
representativos desde a Renascença, seria, pela própria construção, considerada ideologia que
atravessa essa história de representação, a “ideologia burguesa”. Assim, os conceitos abordados
neste trabalho podem ser encontrados em AUMONT, J; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de
cinema. Campinas: Papirus, 2003.
4
Sobre o papel da interdisciplinaridade, o Prof. Dr. Marcos Masseto – UPM ressalta que “[...] Na
interdisciplinaridade os olhares se integram permitindo que um novo conhecimento que não se
encontrava nem em uma e nem em outras disciplinas isoladamente, mas que surge pelo embate e
integração de aspectos de ciências diversas. A Interdisciplinaridade coloca as disciplinas em diálogo
entre si de modo que permite uma nova visão da realidade e dos fenômenos.” Cf: MASSETO, M. “Um
paradigma Interdisciplinar para a formação do cirurgião dentista.” In: CARVALHO, A.C. P; KRIGER, L.
(org). Educação Odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2006, v.1, p: 31-50. Para o historiador
Pedro Paulo Abreu Funari: “A Interdisciplinaridade não se resume à junção de fontes de natureza
diversas, mas consiste na articulação das diversas abordagens em um discurso único coerente.” Cf:
FUNARI, P.P.A. Antiguidade Clássica: a História e a Cultura a partir de documentos. Campinas:
Editora da Unicamp, 1995, p: 33. Com relação a “memória” utilizada por Federico Fellini em seus
filmes, a historiadora Déa Ribeiro Fenelon ressalta que esta é uma “das formas mais poderosas e
sutis de dominação e de legitimação”. Cf: FENELON, D. R; MACIEL, L.A; ALMEIDA, P.R; KHOURY,
Y (orgs). Muitas memórias, outras Histórias. São Paulo: Editora Olho d‟água, 2004, p: 6. Para a
autora “[...] como qualquer experiência humana, a memória é também um campo minado pelas lutas
sociais. Um campo de luta política, de verdades que se batem, no qual esforços de ocultação e de
classificação estão presentes na disputa entre sujeitos históricos diversos, produtores de diferentes
versões, interpretações, valores e práticas culturais. Cf: FENELON, D. R. et al (orgs), op cit., p. 06.
Ao propor o estudo acerca do Satyricon de Fellini com base em Petrônio,
busquei também no historiador Marc Bloch em “Apologia da História”5 o sentido da
criticidade e da análise do documento quanto fonte histórica e não apenas como
narrativa. Para o historiador francês Marc Bloch a produção historiográfica era antes
de tudo compreensão, reconstituição e duração.
Em comentário a obra de Marc Bloch o historiador medievalista francês
Jaques Le Goff ressalta que a tarefa do historiador é de investigar, de ir além da
própria ciência, de buscar entender a sensibilidade do espírito humano.
Com base nestes escritos retomamos Fellini e a sua relação com a sua obra.
Para ele a vida não era vista de forma linear, mas caracterizada pelo momento, da
duração do acontecimento sem a idéia do retorno, era o ideal epicurista do Carpe
Diem.6
Tendo em vista o texto inicial, este trabalho divide-se em dois momentos.
Sendo assim, o primeiro momento é composto pela Introdução que traz como título
“História e Cinema: a leitura do Clássico a partir da obra fílmica”. Nesta parte,
apresentamos o objeto de estudo, bem como a metodologia a ser usada com base
na relação interdisciplinar entre História, Literatura e Cinema.
5
6
BLOCH, M. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
Termo empregado no latim como sinônimo colha o dia ou aproveite o momento. A escola filosófica
epicurista foi fundada por Epicuro (341 – 270 d.C), na qual defendia que o próprio homem era quem
traçava seu destino e o do seu conhecimento. Este deveria buscar o prazer da vida, mas sem se
esquecer do exercício de uma vida virtuosa. Para Epicuro, o prazer estava ligado ao bem, enquanto a
dor representava o mal. Nesse sentido, o supremo prazer pertencia à natureza intelectual e o seu
domínio passava pela superação das paixões humanas. Cf: BRUN, J. O Epicurismo. Lisboa: Edições
70, 1987. Tanto o epicurismo quanto o Estoicismo buscavam soluções para os problemas existenciais
do ser humano, para que o homem pudesse alcançar a felidade individual, como bem nos observa o
filósofo Pierre Léveque: “A filosofia se apresenta agora como uma proteção contra a destruição do
homem que não encontra mais razões para viver na sua função de cidadão. Ela pretende
primeiramente encontrar uma solução para o problema da felicidade e, nos dois casos (epicurismo e
estoicismo), apesar de diferenças evidentes, a resposta é a mesma: a felicidade está no domínio
sobre si própria de uma alma que se escapa do mundo, que se liberta do contingente, que consegue
atingir um estado de indiferença (ataraxia para uns, apatia para os outros) onde nada mais a poderá
atingir.” Cf: LÉVÊQUE, P. O Mundo Helenístico. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 115
O diálogo da História com o mundo das artes nos conduzirá ao Capítulo I,
intitulado “As fontes: Petrônio e Fellini”. Com isso, a discussão exposta nesta parte
nos dará o alicerce para seguirmos rumo ao segundo momento deste trabalho, isto
é, a análise do objeto fílmico, o Satyricon de Federico Fellini com base na obra
literária de Petrônio. Para isso, optamos pela escolha de determinadas cenas do
Satyricon para melhor compreendermos os rituais cotidianos do mundo Clássico ao
contemporâneo.
Portanto, este trabalho tem o anseio de buscar compreender o homem pelo
homem no percurso entre o Clássico e o Contemporâneo. Este percurso histórico é
o encontro com o significado daquilo que somos e do que representamos em vida.
Nesse aspecto, a relação do homem com o meio em que vive ocorre por meio das
variadas construções simbólicas, da constante busca da se expressar e marcar sua
presença no mundo. Espero que a leitura do texto que se segue represente mais do
que um estudo sobre a poética fílmica, mas que signifique um reencontro com o
próprio “eu” e que cada indivíduo possa construir a sua própria narrativa, assim
como me possibilitou de construir a minha. 7
7
A Historiadora e Prof. Drª. Déa Ribeiro Fenelon, na explicação de Khoury, cita que as narrativas são
expressões da consciência de cada um sobre a realidade vivida, assim: [...] Ao narrar, as pessoas
estão sempre fazendo referências com a consciência de si mesmas, ou daquilo que elas próprias
aspiram ser na realidade social. Associando e organizando os fatos no espaço e no tempo, dentro
dos padrões de sua própria cultura e historicidade, cada pessoa vai dando sentido à experiência
vivida e a si mesma nela. Apud (Cf: KHORY, Y. A. Muitas memórias, outras histórias: cultura e sujeito
na história. In: FENELON, D. R. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‟água,
2004, p. 116-138.
O tempo do romance é construído com palavras.
No cinema, ele é construído com fatos. O
romance suscita um mundo, enquanto o filme
nos coloca diante de um mundo que ele
organiza
de
acordo
com
uma
certa
continuidade. O romance é uma narrativa que
se organiza em mundo, enquanto o filme é um
mundo que se organiza em narrativa.
(Jean Mitry – Esthétique et psychologie di
cinema)
INTRODUÇÃO
Amo a história. Se não a amasse não seria
historiador. Fazer a vida em duas: consagrar
uma à profissão, cumprida sem amor, reservar
a outra à satisfação das necessidades profundas
– algo de abominável quando a profissão que se
escolheu é uma profissão de inteligência. Amo a
história – e é por isso que estou feliz por vos
falar, hoje, daquilo que amo.
(Lucien Febvre - Combate pela História)
Todas as manhãs para ganhar meu pão vou ao
mercado onde se vendem mentiras. E, cheio de
esperança, me misturo entre os vendedores.
(Bertolt Brecht)
A obra fílmica Satyricon de Federico Fellini chegou ao conhecimento do
público no ano de 1969. Confesso que quando tive contato com o filme pela primeira
vez, o mesmo me causou certo estranhamento. O contato com o Satyricon de Fellini
ocorreu ainda na graduação nas aulas de História Antiga e passados alguns anos
acabei retomando a produção de Fellini na tentativa de entendê-lo um pouco mais e
me reconciliar com o diretor e produtor da obra.
Este “estranhamento” é algo peculiar que provavelmente ocorre com qualquer
pessoa que tenha visto o Satyricon de Fellini, as cenas se apresentam ao público
por meio de um espetáculo visual, com direção, fotografia, câmara e guarda-roupa
impecáveis. Entretanto, a visão do conjunto da produção do Satyricon do cineasta é
semelhante ou próximo a visão do inferno. Os personagens se expressam pelos
excessos, são pedófilos, assassinos, sádicos, personagens míticos, tais como o
Minotauro e um semideus hermafrodita.
Todo este arcabouço de personagens é oriundo do Satyricon de Petrônio, um
clássico do século I d.C. Assim, o filme traz cenas satíricas, permeadas de humor
negro. Por traçar aspectos satíricos característicos do mundo de Petrônio, mesclado
com os delírios contemporâneos do mundo de Fellini, não é de se estranhar que o
filme possa realmente causar um “estranhamento”. Ainda mais, quando em certos
momentos do filme, temos a sensação de não saber o que realmente se passa entre
uma cena e outra.
A escolha do tema deste trabalho “Carpe Diem: rituais cotidianos no Satyricon
- Petrônio e Fellini” fazem parte da construção da simbologia do Satyricon, tanto da
obra fílmica quanto da literária. Estudar assuntos relacionados aos rituais e à
mitologia é algo que tem despertado o interesse de muitos estudiosos e
pesquisadores de inúmeras áreas. A curiosidade, o medo, a crença, o
desconhecido, o sagrado e o profano são características que desde o surgimento da
humanidade, o homem se vê na tentativa de decifrar os mistérios que o cercam. O
filósofo Ernst Cassirer já afirmava que a busca do conhecimento, de saber sobre o
inusitado ocorria em meio a uma constante carga simbólica. Nessa perspectiva,
Cassirer8 defende que todo o conhecimento e relacionamento do homem com o
mundo ocorrem nas diferentes formas simbólicas. Vejamos:
[...] por “forma simbólica” há de entender-se aqui toda a energia do espírito
em cuja virtude um conteúdo espiritual de significado é vinculado a um signo
sensível concreto e lhe é atribuído interiormente. Nesse sentido, a
linguagem, o mundo mítico-religioso e a arte se nos apresentam como
outras tantas formas simbólicas particulares.
Sob este ponto de vista, podemos afirmar que todas as civilizações
produziram símbolos ou signos9 destinados a representar, de modo mais ou menos
8
CASIRER, E. Esencia y efecto del concepto de símbolo. México: Fondo de Cultura Económica,
1975, p. 165.
No sentido corrente “signo” designa uma percepção que determina uma informação que concerne a
alguma coisa que não é diretamente percebida ou perceptível; por exemplo, a sirene pode ser signo
de incêndio. O signo é também o gesto ou a atitude que comunica um desejo ou uma ordem (fazer
sinal de vir), ou, de modo mais geral, um estado afetivo (um sinal amigável). Enfim, em lingüística e
em semiologia, o signo é a ligação entre uma significação e um elemento fônico ou gráfico (ou visual,
ou audiovisual para o cinema) de comunicação. A imagem é um signo do objeto designado. Muitas
distinções foram propostas entre categorias de signos, opondo, notadamente, signos naturais, em
que a relação com a coisa significada depende unicamente das leis da natureza (a fumaça como um
signo do fogo), e signos convencionais (a sirene como signo de um incêndio). No cinema, todos os
9
arbitrário, uma realidade abstrata. Os simbolismos mais antigos são, geralmente,
associados a valores religiosos (na cultura cristã, a cruz, símbolo da Redenção, o
triângulo, símbolo da Trindade etc.), mas existem símbolos de toda natureza. Nesse
primeiro sentido, o cinema, como qualquer outra forma de significação cultural e
social, reproduz e veiculam símbolos fílmicos, mais do que os produz realmente (o
que por vezes descrito como símbolos fílmicos diz respeito, antes, à metáfora). Os
símbolos sexuais (em Luis Bruñel ou Federico Fellini), os símbolos religiosos (em
Carl Dreyer ou Roberto Rossellini), as alegorias filosóficas (em Jean-Luc Godard)
existiam, no mais das vezes, antes de estarem nos filmes. 10
Como já assinalamos muitas das produções audiovisuais têm sido
influenciadas pela literatura. Nesse aspecto, centramos nossa atenção na produção
fílmica de Fellini. Deste modo, o Satyricon é uma produção audiovisual, que sofreu
influências do campo literário, situamos a “construção simbólica” do filme por
intermédio da referência do crítico Northrop Frye11. Para ele, “Símbolo” significa:
[...] qualquer estrutura literária que possa ser isolada para apreciação crítica.
Uma palavra, uma frase ou uma imagem usada com algum tipo de
referência especial (é esse o significado habitual de símbolo), todas são
símbolos quando constituem elementos discerníveis na análise crítica.
Neste contexto, todo ritual traz consigo valores simbólicos, constituídos por
um conjunto de gestos, palavras e formalidades. A partir deste pensamento, os
rituais são tributários de diversas características, tais como os ritos de passagem
oriundos de diversas culturas, como na cultura indígena, na qual se realiza o ritual
de comemoração de iniciação na puberdade. O casamento, bem como a coroação
ou a posse presidencial também são formas distintas de rituais. Várias ações
signos são motivados por uma relação de analogia, de semelhança, já que uma imagem ou um som
gravado se parecem com o que eles designam. Tentou-se com freqüência analisar o funcionamento
das imagens de filmes, tendo em vista que remetem a um significado. Tratava-se de saber que a
categoria de signos elas podiam pertencer. Tentou-se igualmente definir o “signo minimal” da
linguagem cinematográfica, para se chegar à conclusão que o cinema era uma “espécie de
linguagem sem signos”. Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 269 e 270.
10
AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p. 272.
11
FRYE, N. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1957, p. 75.
comuns como um aperto de mão ou um “oi” são ações ritualísticas do cotidiano por
natureza.12
À primeira vista, para compreendermos os rituais cotidianos no Satyricon,
recorremos ao hedonismo13 de Epicuro para entender o Satyricon de Fellini. Neste
processo, Epicuro (341 – 270) foi um filósofo grego nascido em Samos, que
defendeu a doutrina do atomismo, desenvolvida originalmente por Leucipo 14 e
Demócrito.15 Pertencente a uma ex-família nobre, não sofreu muita influência dos
filósofos, pois não tinha muita disposição em estudá-los. No ano de 325 a.C seguiu
para Atenas, na qual estabeleceu um jardim e fundou sua escola. Tanto homens
como mulheres compunham o quadro de alunos da escola epicurista.
Epicuro possuía muitos discípulos e amigos, os epicuristas tinham como base
o prazer, o que acarretava diversas acusações sobre o excesso do vinho e dos
festins. Apesar de uma vasta produção, com mais de trezentos tratados, restaram
apenas três cartas que tratam da “natureza”, dos “meteoros” e da “moral”. As cartas
e os fragmentos foram reunidos pelo professor Hermann Usener com o título de
Epicurea em 1887.
12
Cf: GENNEP, A. V. Les rites de passage: étude systématique dês rites. Paris: Picard, 1994.
Assim, os índios têm formas de demonstrar carinho bem diferente daquelas dos civilizados e seu
casamento também se realiza de forma diversa. Cada tribo segue rituais e comportamentos ditados
pelos heróis míticos há milhares de anos, e às vezes o relacionamento homem-mulher pode tomar
características de uma verdadeira guerra, Cf: PERET, J. A. Amazonas: História, gente e costumes.
Brasília: Gráfica do senado, 1983
13
Teoria ou doutrina filosófica que defende o prazer individual e imediato, estando ligada também a
idéia de prazer como felicidade.
14
Leucipo (cerca de 475 - ?), natural de Mileto, colônia cretense no mediterrâneo. Foi um filósofo
grego, criador do atomismo ou da teoria atomista. Considerado discípulo de Parmênides ou de Zenão
de Eléia, pouco se sabe sobre sua vida. No único fragmento que nos restou, declara: “Nada deriva do
acaso, mas tudo de uma razão sob a necessidade”. Cf: CHÂTELET, F. História da Filosofia – A
Filosofia Pagã. Rio de Janeiro: Zahar Editoras, 1981; CHAUÍ, M. Introdução à História da
Filosofia, vol I. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998; JAEGER, W. Paideia. São Paulo: Ed. Herder, s/d;
REALE, G. História da Filosofia Antiga, vol I. São Paulo: Edições Loyola, 1993.
15
Demócrito (cerca de 460 – 370 a.C), natural de Abdera, colônia jônica da Trácia. Foi discípulo e
sucessor de Leucipo na direção da escola de Abdera. Contemporâneo do sofista Protágoras, suas
preocupações se voltaram para o campo da ética e das técnicas. Deixou cerca de noventa obras,
entre elas restaram-nos os fragmentos da Pequena Ordem do Mundo, Da Forma, Do Entendimento,
Do Bom Ânimo. É considerado atomista e, também, o primeiro pensador materialista. Seu atomismo
se resume a dizer que: a) as qualidades sensíveis (sabor, odor, quente, frio, cor etc) são aparências;
b) esses corpúsculos, que são os átomos, não possuem nenhuma qualidade sensível, pois só têm
propriedades geométricas (grandeza e forma), c) o movimento é função da existência do vazio. A
novidade física e lógica do atomismo é a concepção mecanicista da necessidade: “nada nasce do
nada, nada retorna ao nada”, “tudo o que existe nasce do acaso e da necessidade”. Os átomos
constituem a explicação última do mundo. Cf: Ibid.
A filosofia epicurista é a hedonista, na qual toda dor tem que ser eliminada
para se atingir a ataraxia (estado da alma em que nada consegue perturbá-la) é
necessário suprir os desejos naturais e ignorar os desejos supérfluos. O sábio é
aquele que se contenta com o necessário, o prazer estável é o que garante a
felicidade. O desejo incômodo se dissolve no amor a filosofia. O essencial é a
felicidade, por isso os desejos precisam ser controlados, para que a serenidade nos
ajude a suportar a dor.
O raciocínio sábio torna a vida mais agradável; o prazer para Epicuro não era
simplesmente o prazer pelo prazer, da satisfação imediata, pois este prazer pode
estar muitas vezes ligado a uma dor futura. Por isso, Epicuro submete à razão a
busca da felicidade.16
No que se segue esse estudo abre caminho para se verificar como Literatura,
História e o Cinema se relacionam na construção do homem romano de Petrônio
frente ao mundo contemporâneo de Federico Fellini. Ao adaptar uma obra literária
para o campo cinematográfico temos que ter em mente a concepção de que são
“signos”
17
diferentes e que tanto a literatura como o cinema devem ser analisados
segundo estratégias próprias de linguagens.
A adaptação de uma obra literária para o campo cinematográfico deve possuir
características de quem está realizando essa adaptação. Assim, o produtor da obra
audiovisual deve ter liberdade ao produzir a obra fílmica por meio da obra literária,
pois vai ter que responder por ela. Nesse sentido, o cineasta torna-se singular, ou
seja, não ocorre uma tradução uniforme da linguagem, mas uma transmutação.
A cada nova leitura do texto original surgem possíveis interpretações. Com
isso, o Satyricon de Fellini apresenta muito de seu próprio contexto cultural e
temporal. Ao analisarmos uma obra fílmica com base numa obra literária é
16
Do que nos restam dos escritos de Epicuro, destacamos três: sobre Física: três cartas, Quarenta
Máximas, o Testamento e a Carta a Heródoto, sobre os Fenômenos Celestes: Carta a Pitocles e
sobre Ética: Carta a Meneceu. Para Epicuro o prazer e a felicidade são os condutores dos seres
humanos. Com esta doutrina filosófica, Epicuro nos orienta sobre a forma de administrar nossas
necessidades.
17
Para Herman Northrop Frye, crítico literário canadense, o signo está colocado em consonância com
o símbolo. Assim, para ele: “Os símbolos assim compreendidos podem ser aqui chamados signos,
unidades verbais que, convencional e arbitrariamente, querem dizer coisas, às quais conduzem, fora
do lugar onde ocorrem.” FRYE, N., op cit., p. 77
necessário saber que tanto o filme quanto a literatura possuem particularidades
específicas aos seus contextos. O crítico literário Northorp Frye (1957, p. 87)
completa dizendo que: [...] As ficções históricas não se destinam a levar
compreensão a um período da História, mas são exemplares; ilustram a ação, e são
ideais no sentido de que manifestam a forma universal da ação humana.
As representações simbólicas presentes no Satyricon de Fellini estão
inseridas na relação do autor, público e obra,18 particularmente na relação do
espectador com a obra fílmica, originando diferentes interpretações e significações
simbólicas.
Dessa forma, a construção dos símbolos no Satyricon ocorre de formas
distintas. O produtor da obra fílmica, Federico Fellini, afasta-se de seu objeto para
permitir que o público construa sua própria representação19, mas isso não significa
18
A relação autor, público e obra nos permitem conhecer o vínculo que o autor tem com o meio social
que o envolve. Como já destacou o poeta e crítico literário Antônio Cândido, existe um jogo
permanente entre eles: “[...] O escritor vê apenas ele próprio e as palavras, mas não vê o leitor; que o
leitor vê as palavras e ele próprio, mas não vê o escritor; e um terceiro pode ver apenas a escrita,
como parte de um objeto físico, sem ter consciência do leitor nem do escritor. Isso pode fazer com
que o escritor suponha irrefletidamente, que as únicas partes do processo sejam a primeira e a
segunda; e o leitor suponha que o processo consiste na segunda e terceira; e um crítico irrefletido,
que a segunda parte é tudo [...]. Mas a verdade básica é que o ato completo da linguagem depende
da interação das três partes, cada uma das quais, afinal, só é inteligível [...] no contexto normal do
conjunto.” Cf: CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. São Paulo: Nacional, 1985, p: 38 e 39. Não
podemos esquecer que toda produção literária está vinculada ao mundo onde foi criada e conhecida.
Sendo assim, a trilogia autor, público e obra nunca devem estar desvinculados, o texto e o contexto
interagem entre si, e a condição social do autor é um fator preponderante. E sobre o conceito de
representação, o historiador Roger Chartier nos diz que a representação é como um “instrumento de
um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem
capaz de reconstituí-lo em memória e de figurá-lo como ele é”. Cf: CHARTIER, R. A História
Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990, p. 20.
19
Utilizada em numerosos e variados contextos, a palavra designa sempre uma operação pela qual
se substitui alguma coisa (em geral ausente) por outra, que faz às vezes dela. Esse substituto pode
ser de natureza variável: uma imagem (representação pictória, fotográfica, cinematográfica), uma
performance em um palco (representação teatral) etc. No que concerne à representação por
imagens, a questão principal foi, no mais das vezes, a de decidir se ela punha em jogo atitudes
humana inatas e universais, ou, ao contrário atitudes culturais, adquiridas e particulares. No cinema, a
representação implica dois momentos, inextricavelmente ligados: a passagem de um texto, escrito ou
não, à sua materialização por ações em lugares agenciados em cenografia (tempo de encenação) e a
passagem dessa representação, análoga à do teatro, a uma imagem em movimento, pela escolha de
enquadramentos e pela construção de uma seqüência de imagens (montagem). Essa duplicação do
processo representativo estimulou comparações do cinema com o teatro e também com a pintura (na
qual o segundo tempo é o único acessível). Cf: AUMONT, J; MARIE, M, op cit., p. 255 e 256.
que o cineasta não possa ter sua própria simbologia e que o mesmo passe
despercebido frente ao espectador. Para o pesquisador francês Fracis Vanoye20:
[...] é possível postular que qualquer arte da representação (o cinema é uma
arte da representação) gera produções simbólicas que exprimem mais ou
menos diretamente, mais ou menos explicitamente, mais ou menos
conscientemente, um (ou vários) ponto(s) de vista sobre o mundo real.
Nessa perspectiva, os signos da obra cinematográfica produzem novas
marcas que vão além da obra escrita. A construção da simbologia de Petrônio a
Fellini objetiva compor a significação dos mistérios do homem histórico, presentes na
religião, no mito, na sexualidade, no cotidiano da vida pública e privada.21 Formando
com isto, os rituais cotidianos da natureza do homem.
A linguagem cinematográfica, que traz elementos próprios do mundo
imagético modifica o texto primário, mas sem comprometer a obra original como um
todo. Federico Fellini reconstrói o Satyricon tornando-o fruto de seu subconsciente.
O percurso escolhido pelo cineasta permitiu trazer o Satyricon de Petrônio para as
telas do Cinema, fazendo de sua composição fílmica um Clássico do Cinema
Contemporâneo. Estas considerações nos levam há desvendar um pouco mais
sobre o cineasta italiano.
Nessa linha de pensamento, circunscrevemos Federico Fellini. Assim,
Federico Fellini nasceu em Rimini, na Itália, em 20 de Janeiro em 1920, uma
pequena cidade litorânea, na qual viveu até os seus 17 anos, cidade esta que lhe
serviu de inspiração para muitos de seus filmes, tais como: “Os Boas-Vidas” e
“Amarcord”.
20
VANOYE, F. et al. Ensaio sobre análise fílmica. São Paulo: Papirus, 2002, p: 61 Apud (RIBEIRO,
E. S. O Senhor dos Anéis: a tradução da simbologia do Anel do Livro para o Cinema. Santa
Catarina: UFSC, 2005, cadernos de tradução nº 16, p. 183 - 200.)
21
O historiador Carlo Ginzburg ressalta que “o que aproxima mitos e pinturas (obras de arte em geral)
é, por um lado, o fato de terem nascido e serem transmitidos em contextos culturais e sociais
específicos; e, por outro, a sua dimensão formal.” GINZBURG, op. cit., p. 12
Fellini foi considerado um gênio dentro do mundo cinematográfico, em
decorrência da sua criatividade ilimitada, que tornava seus pensamentos e delírios
como algo próprio da nossa imaginação. Essa característica acabou virando
adjetivo, conhecida também como “felliniana”, que designava mulheres de seios
fartos, rostos grotescos e imagens circenses.
No ano de 1937 o cineasta dirigiu-se para Florença na tentativa de publicar
suas charges na revista satírica “420”, sendo que no ano seguinte acabou indo para
Roma estudar Direito, como conseqüência acabou tornando-se colaborador e
desenhista de história em quadrinhos. Ele escreveu sketches22 para rádio, canções
para teatro de revista e monólogos para cômicos famosos.
A oportunidade apareceu mesmo quando teve contato com Aldo Fabrizi, ator
de cinema e teatro italiano, que o levou para o teatro de revista, e lhe concedeu a
chance de colaborar como roteirista no primeiro filme, eram comédias humorísticas
de Macário. Destaque para comédias como: Lo Vedi Come Sei? Il Pirata Sono Io e
Imputador Alzaveti; mas foi com a colaboração de Piero Tellini, que realizou outros
trabalhos, tais como: Avanti c’è Posto, Campo di Fiori, L’ultima Carrozzella, Chi l’ha
Visto, Quarta Pagina, Documento Zeta 3, Ventornato Signor Gai, Sette Poveri in
Automobile, I Predoni Del Sahara. Fellini e Giulietta deixaram na cinematografia
filmes memoráveis, como a obra: La Strada, Noites de Cabíria, na qual ganhou o
Oscar e Ginger e Fred.
No ano de 1944, ao conhecer o diretor de cinema Roberto Rossellini, este o
convidou para escrever o roteiro de “Roma, Cidade Aberta”. E ainda com Rossellini,
colaborou também com Paisà (1945), e em seguida, com Alberto Lattuada,
contribuiu em Il Delitto di Giovanni Episcopo; Senza Pietà (estréia de Giulietta),
Duilio Coletti (Il Passatore), o episódio Il Miracolo, do filme L’amore (de Rossellini).
Sobre a influência de Rossellini na obra de Federico Fellini23, sublinhamos:
22
Têrmo normalmente usado para designar pequenas peças ou cenas dramáticas, também usadas
no cinema e na televisão.
23
FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995, p. 66.
[...] Compreendi, graças a Rossellini, que se podia fazer cinema no meio de milhares
de pessoas, de máquinas, de gruas, com a mesma tranqüilidade com que, na minha
infância, eu fazia um pequeno desenho.
O cineasta também teve participação em outros importantes roteiros, como
“Em nome da Lei”, de Pietro Germi, “O Moinho do pó”, de Lattuada, “Francesco
Giuliare di Dio”, de Rossellini, “O Caminho da Esperança”, de Germi, “Persiani
Chiuse”, de Comencini, “Il Brigante de Tacca di Lupo”, de Germi, “Europa 51”, de
Rossellini e “A Cidade se defende”, de Germi. Como ressaltamos, o estilo de Fellini
era único, não pertencia a um movimento específico, assim como muitos críticos o
identificaram.
[...] Nunca tive a preocupação de me afastar do neo-realismo com o qual
jamais me identifiquei, mesmo quando trabalhei ao lado de Rossellini. Essa
foi uma grande experiência de vida, como tantas outras coisas, mas eu
24
jamais a considerei dependente de uma estética.
Com Lattuada, Masina e Carla Del Poggio, acabou formando uma cooperativa
chamada Capitolium, que produziu o filme “Mulheres e Luzes”, inspirado nas
aventuras da companhia de teatro de revista de Aldo Fabrizi, em 1939.
A consagração internacional ocorreu com a obra “La Strada”, quando ganhou
o Leão de Ouro em Veneza e o Oscar de melhor filme estrangeiro. Fellini, também
fez “La Dolce Vita”, um retrato de Roma em seu auge: Via Veneto, estrelas de
cinema, pobres decadentes. Muito polêmico, o filme foi atacado pelos moralistas, a
quem o cineasta satirizou em um episódio de Boccaccio 70, com o qual ganhou a
Palma de Ouro em Cannes. Em “8 ½ (Oito e Meio)”, um filme considerado pelos
críticos como sendo autobiográfico, Federico Fellini retratou a história de um
cineasta em crise artística e pessoal; por este trabalho também ganhou o Oscar de
melhor direção e o grande prêmio de cinema de Moscou. Com relação ao embate
24
Ibid, p. 139.
dos críticos frente à produção autobiográfica felliniana, o historiador Luiz Renato
Martins25 cita que:
No quadro dessa carreira geralmente aclamada, mas de curso
analogamente denegado e sujeito à incompreensão, observa-se que, a
cada novo trabalho, a mídia repisa, pelo seu lado, o slogan corrente de que
Fellini seria um autor autobiográfico, um obcecado por si mesmo e pelo
cinema. De outro lado, tem-se o realizador, em suas irônicas aparições aos
jornalistas, enfatizando seguidamente o caráter artificial e inventado dos
estilemas pessoais e autobiográficos, utilizados em suas obras. Se tal
impasse parece ainda muito longe de se solver, a obra, entretanto teria
evoluído, radicalizando a desconstrução analítica seja do processo
cinematográfico, seja das subjetividades envolvidas tanto na realização
como na recepção do cinema.
Assim sendo, a dicotomia entre o movimento neo-realista e a indústria
cinematográfica hollywoodiana colocava Federico Fellini como “sujeito” entre um e
outro, pois o cineasta não pertencia a uma categoria propriamente definida.
[...] Passa a simbolizar o novo estágio de relações entre autor e indústria,
em que o papel de diretor, promovido a protagonista do processo
cinematográfico, deixa a situação artesanal e o ponto de vista da escassez
e se integra ao núcleo de um mercado de luxo. Sinalizando o valor de
referência central, assumido por Fellini na nova conjuntura, o qualificativo
“felliniano” (para designar certos traços ou situações) passa a ser adotado
pela mídia de vários países. 26
A relação de Fellini com o mundo do espetáculo circense era intensa. Atribuía
ao cinema certa relação com o circo, a mistura de técnicas, de precisão e
improvisação. A montagem do espetáculo para Fellini relacionava-se com a
montagem cinematográfica, da construção do “imaginário” por meio de certa
ordenação de “fantasias” e da forma de contá-las.
25
MARTINS, L.R. Conflito e Interpretação em Fellini: construção da perspectiva do público. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – Instituto Italiano de Cultura, 1994, p. 21.
26
Ibid, p. 21
O cinema parece-se muito com o circo. É provável que se o cinema não
tivesse existido, se eu não tivesse encontrado Rossellini e se o circo fosse
ainda um gênero de espetáculo de uma certa atualidade, eu gostaria muito
de ser diretor de um grande circo, pois o circo é axatamente uma mistura de
técnica, de precisão e de improvisação. Ao mesmo tempo em que se
desenrola o espetáculo preparado e repetido, arrisca-se realmente algo, isto
é, vive-se ao mesmo tempo. Há, evidentemente, coisas que nada têm a ver
com a criação de fantasia: há as girafas, os tigres, os animais. E este modo
de criar e de viver ao mesmo tempo, sem as medidas fixas que um homem
de letras ou um pintor deve ter, mas estar mergulhado na ação. Eis o que é
o espetáculo do circo. Ele tem esta força, esta coragem [...] e parece-me
que o cinema é exatamente a mesma coisa. Efetivamente, o que é fazer um
filme? É, bem entendido, tentar pôr ordem em certas fantasias e contá-las
com uma certa precisão. Contudo, no momento em que se faz o filme, a
vida do elenco, os encontros que se fazem, as cidades novas que temos
que visitar para contar histórias, toda vida cinematográfica nos encoraja, nos
emociona, nos enriquece, enquanto se trabalha. Trata-se, em um
determinado momento, de saber se quem quer contar a realidade aos
outros tem a possibilidade de ser seu intérprete, porque, se não for
intérprete, será inútil começar.27
Casado com a atriz Giulietta Masina desde 1943, esta tinha sido estrela de
sete de seus filmes. Esposa e companheira, Giulietta acabou morrendo de câncer
em 23 de Março de 1994. Federico Fellini, abatido pela doença da mulher, faleceu
no dia 31 de Outubro de 1993.28
Federico Fellini morreu no dia 31 de Outubro de 1993. Foi velado durante
dias no estúdio Cinecittà – fábrica de seus delírios – e teve uma missa
solene numa das maiores igrejas de Roma – sua eterna amada amante –
antes de seguir para repousar para sempre na terra de Rimini – seu berço
de nascimento e morte. Presentes nos diversos atos de seus funerais
artistas, políticos, diretores e técnicos de cinema, rádio, televisão,
jornalistas, religiosos, gente de todas as camadas e de toda espécie e a
multidão, num misto de reverência e saudade antecipada. Talvez espanto:
então Fellini era mortal?29
27
Apud (STRICH, C; KEEL, A. Fellini por Fellini. Porto Alegre: L&PM Editores Ltda, 1986, p. 84).
28
Com relação à atriz e companheira Fellini afirmava: “Giulietta Masina representava para mim a
projeção da inocência ferida, mas enfim triunfante.” Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso,
entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 169.
29
MACHADO, L. R., “A Vitória da Mentira”. In: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista
a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
O Estúdio Cinecittà era a fábrica dos sonhos de Fellini. Sua construção iniciou
com o lançamento da pedra fundamental em 27 de Janeiro de 1936. No complexo
de teatros era possível encontrar além do diretor e cineasta Federico Fellini, os
astros Marcello Mastroianni e Sophia Loren; o cineasta Pier Pasolini, Michelangelo
Antonioni e Rossellini. Sobre a relação de Fellini com o Cinecittà, o mesmo cita que:
Adoro a Cinecittà. Aqui passo meus melhores momentos. É uma fábrica, é
onde trabalho e é um bom instrumento de trabalho. Estou também ligado
por laços afetivos. Cheguei aqui pela primeira vez, há muito tempo. Era
jornalista, na época, e fazia entrevistas com as vedetes, os diretores [...] 30
As produções que ocorreram no Cinecittà se mesclavam com a trajetória da
história política romana. O Estúdio foi fruto do regime fascista e apresentava o
arquétipo de uma ideologia pautada pela estética fincada em valores morais e
sociais, características predominantemente do regime totalitário. A exposição dos
problemas sociais e a busca de soluções e de um “cinema-verdade” inspiraram os
cineastas para uma nova forma de se “pensar” o cinema italiano.
[...] Mussolini inaugurou Cinecittà na tarde de 27 de abril de 1937, com
hierarcas, bandeiras, fanfarras, crianças uniformizadas, operários perfilados
militarmente, generais e deputados. O quotidiano romano (da época)
Giornale d‟Italia descreve: „O Duce, galgando entre altíssimas aclamações,
a grande praça, que, da Cidade cinematográfica forma a vasta luminosa
entrada, presenciou o início do filme Elevazione, argumento de Vittorio
Mussolini, e do filme Aviazione, que se desenvolverá sob a superdireção
[sic] do próprio Vittorio Mussolini [...] O Duce presenciou depois à
sincronização do filme Scipione l‟africano. [...] No período fascista, o cinema
fascina os filhos de Mussolini: Vittorio Mussolini é também roteirista. A irmã
da amante de Mussolini é, por sua vez, uma diva, intérprete também de
filmes distribuídos por Vittorio Mussolini. Muitas divas são amantes de
hierarquias fascistas, e freqüentemente iniciam suas carreiras no cinema,
graças a tal proteção.31
30
31
Apud (STRICH, C; KEEL, A., op cit., p. 94).
Cf: PENAZZO, D. “Redação das didascálias das fotos.” In: FELLINI, F. Um Regista a Cinecittà.
Verona: Mondadori, 1988, p: 8, 11 e 20 Apud (MARTINS, L. R., op cit.,p. 68-69)
Com isso, Fellini encontraria nos cartuns seu escape para os assuntos
políticos, bem como a inspiração para seus futuros filmes. Mesmo o Satyricon de
Fellini tendo sido produzido na década de 60, momento em que o cinema estava
passando por uma transformação, principalmente no campo do documentário, como
um movimento de expressão do cinema direto, que se desenvolvera na América do
Norte, no Canadá, na França e em Quebec, trazendo consigo novas técnicas de
filmagem e de captação direta do som. Federico Fellini procura deixar claro que sua
produção não fazia parte deste “novo” movimento de expressão. No entanto, o que
percebemos é que mesmo o “Cinema – Verdade” tendo como proposta captar a
“realidade tal como ela é”, não podemos deixar de notar que toda produção fílmica
se passa pelo crivo de quem a produz. O diretor, suas escolhas e sua matriz de
pensamentos frente ao objeto fílmico revelam que o “Cinema – Verdade” é na
verdade uma construção, feita a partir da edição das imagens e sons captados.
Se considerarmos a construção do cinema dito “Verdade” como algo próximo
da ficção, a produção cinematográfica de Fellini aproxima-se do cinema direto, uma
vez que a mesma não é feita pela reprodução Ipsis litteris da obra literária, mas
produzida pelo cineasta no preenchimento das lacunas historiográficas baseadas na
obra literária. Sobre o “Cinema – Verdade”, vejamos o que o Prof. Dr. Fernão Ramos
do Programa de Pós – Graduação em Multimeios da Universidade Estadual de
Campinas, nos fala32:
O Cinema Verdade/Direto constitui o primeiro momento de ruptura
ideológica com o universo documentarista griersoniano. Surge como estilo,
nos anos de 1960 e domina o horizonte ideológico de nossa época, nesta
virada de milênio. Vivemos, ainda hoje, dentro das crenças que nortearam
seu surgimento. A crítica ética à encenação e a progressiva elegia da
refletividade (no caminho que vai do “direto” a “verdade”) são dois
momentos-chaves para a definição do campo da não-ficção, dentro do
universo ideológico do Cinema Verdade. Nessa visão, o documentário de
“jogar limpo” e sempre revelar o caminho percorrido na composição dos
procedimentos enunciativos do discurso cinematográfico. O Cinema
Verdade/Direto revoluciona a forma documentária, através de
procedimentos estilísticos proporcionados por câmeras leves, ágeis e,
principalmente, o aparecimento do gravador Nagra. Planos longos e
imagem tremida com câmera na mão constituem o núcleo de seu estilo. O
aparecimento do som direto conquista um aspecto do mundo (o som
32
Cf: RAMOS, F. Cinema Verdade no Brasil. In: Teixeira, F. E. (org.). Documentário no Brasil Tradição e Transformação. São Paulo: Summus Editorial, 2004, p. 81 e 82.
sincrônico ao movimento) que os limites tecnológicos havia, até então,
negado ao documentário. Através do som do mundo e do som da fala, o
Cinema Verdade inaugura a entrevista e o depoimento como elementos
estilísticos.
A primeira projeção da “realidade” aconteceu no dia 28 de Dezembro de
1895, no subsolo do Grand Café de Paris, os irmãos Louis e Auguste Lumière
projetaram os primeiros registros de chegada de um trem à estação La Ciotat, bem
como a saída dos operários das usinas Lumière. Após quatro anos, o francês
George Meliès lança, “Viagem á Lua”, um filme de ficção científica, colocando em
xeque a fantasia e a “realidade”. Assim, ao longo da história o cinema passaria a ser
uma ferramenta de propagação de ideologias culturais e políticas.33
Neste universo entre a realidade e a fantasia, o desenho, mais propriamente a
caricatura permeava o mundo de Fellini, servindo de inspiração para a construção de
seus filmes. 34 Sobre a inspiração que Fellini tinha para com seus filmes, o mesmo
nos relata em uma entrevista realizada para Giovanni Grazzini que:
No início de cada filme passo a maior parte do tempo na escrivaninha, e não
faço mais do que rabiscar desenhos de nádegas e seios. É a minha maneira
de perseguir o filme, de começar a decifrá-lo através desses rabiscos. Uma
espécie de fio de Ariadne para sair do labirinto.35
33
Sobre a construção do visível e do invisível, cabe a leitura da obra do Professor de cinema Bill
Nichols da Universidade de São Francisco, na Califórnia. Para ele: “Certas tecnologias e estilos nos
estimulam a acreditar numa correspondência estreita, senão exata, entre imagem e realidade, mas
efeitos de lentes, foco, contraste, profundidade de campo, cor, meios de alta resolução (filmes de
grão muito fino, monitores de vídeo com muitos pixels) parecem garantir a autenticidade do que
vemos. No entanto, tudo isso pode ser usado para dar impressão de autenticidade ao que, na
verdade, foi fabricado ou construído. [...]. E essa é uma impressão forte.” Cf: NICHOLS, B.
Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
34
“[...] a força da imagem nos filmes de Fellini, tão difícil de definir porque não se enquadra nos
códigos de nenhuma cultura figurativa, tem as suas raízes na agressividade redundante e
desarmoniosa da gráfica jornalística. Aquela agressividade capaz de impor em todo o mundo
cartoons e „quadrinhos‟.” Cf: CALVINO, I. “Autobiografia di uno Spettatore.” In: Federico Fellini,
Quatro Film. Torino: Einaudi, 1975, p: 19-22 Apud (MARTINS, L. R., op cit., p: 68).
35
FELLINI, F. Entrevista sobre o cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p. 5.
Ao retratar assuntos “Clássicos”, como fez com Roma Antiga, utilizou-se de
certo tom de liberdade. Na obra o Satyricon, desenhou uma Roma que existia
somente em sua imaginação. Para Fellini, tanto a literatura do Satyricon de Petrônio,
como o cinema devem ser compreendidos inseridos em seu próprio tempo e espaço,
o que nos revela que o cineasta pertencia ao mundo onde foi concebido, ou seja, o
mundo do cinema, da “imagem em movimento”.
Uma obra de arte nasce sob uma expressão única; eu acho essas
transposições ridículas, aberrantes, monstruosas. As minhas preferências
vão em geral a sugestões originais escritas para o cinema. Creio que o
cinema não tem necessidade de literatura, precisa somente de autores
cinematográficos, isto é, de gente que se expresse através do ritmo, da
cadência, que são particulares ao cinema. O cinema é uma arte autônoma
que não tem necessidade de transposições sobre um plano que, no melhor
dos casos, será sempre ilustrativo. Cada obra de arte vive na dimensão na
qual foi concebida e na qual é expressa. Que coisa se observa num livro?
Situações. Mas as situações, sozinhas, não têm significado. É o sentimento
com o qual elas vêm, são expressas, que conta, a atmosfera, a luz: em
suma, a interpretação dos fatos. Mas a interpretação literária daqueles fatos
não tem nada a ver com a interpretação cinematográfica dos mesmos. São
duas maneiras de se exprimir inteiramente diferentes.36
A biografia de Federico Fellini é permeada de contradições, entretanto a
certeza que temos é quanto à aproximação de Fellini com o imaginário 37, recurso
este que vai buscar em fontes literárias. A relação de Fellini com a Literatura e o
Cinema pode ser verificada em sua leitura do Satyricon de Petrônio.
Com isso, o cineasta releu o Satyricon de Petrônio, enquanto se recuperava
de uma pleurisia em Manzania. Instigado pela leitura do Clássico, Federico Fellini
passou a compor sua visão frente à obra do mundo antigo. A produção do filme
ocorreu sobre a atmosfera das drogas alucinógenas e da ficção científica da década
de 60. A utilização da ficção científica no filme de Fellini se mostra por meio da
36
37
FELLINI, F., op cit., p. 20.
No sentido corrente, o imaginário é o campo (e o produto) da imaginação, entendida como
faculdade criativa. A palavra, praticamente, é então empregada como sinônimo de “fictício”,
“inventado” e oposta a real. Nesse sentido, a diegese de uma obra de ficção é um mundo imaginário.
O cinema é constituído de significantes imaginários, “ele suprime em massa a percepção, mas para
jogá-la logo depois em sua própria ausência, que é, entretanto, o único significante presente.” Cf:
METZ, C. “Le significante presente” e “Le film de fiction et son spectateur”. In: Communications,
1975, nº 25 Apud (AUMONT, J; MARIE, M, op cit., p. 164 e 165).
inserção da banda desenhada das histórias de Alexander Raymond através do
personagem Flasch Gordon que serviu de inspiração para criar filtros de várias cores
com diferentes tipos de película.
Satyricon foi filmado entre Novembro de 1968 e Maio de 1969, em um
ambiente de experimentação, polissexualidade e de autodescoberta. O movimento
hippie, convencionalmente denominado de movimento de contracultura da década
de 60, representava a ideologia do filme, caracterizado pelo espírito de liberação e
da abstração das conseqüências dos atos. No Satyricon de Fellini tudo era válido.
O filme se entrelaça por meio de dois jovens romanos, Encolpio (Matin Potter)
e Ascilto (Hiram Keller), que acabam sendo raptados por um pirata e escravizados
em um navio. Ao serem libertados, realizam variadas conquistas sexuais. Nesta
aventura sexual Encolpio acaba sendo capturado e forçado a lutar com um
Minotauro. Este fato torna Encolpio impotente, fato que percebe no momento em
que se envolve com Ariadne. Para resolver o problema de sua impotência, Encolpio
faz uma visita ao Jardim dos Prazeres e depois a Oenothea, que lhe devolve sua
potência sexual. O filme termina com a morte de Ascilto e com a decisão de Encolpio
embarcar para a África. As cenas finais mostram os preparativos da viagem.
As cenas do filme de Fellini se constituem como uma crítica a sociedade
romana contemporânea. Para o diretor, os romanos do período do principado tais
como os romanos da Via Veneto de seu período tinham uma vida vazia e sem
sentido. Nesta teia das relações humanas, tanto no filme de Fellini quanto na obra
de Petrônio, o desfecho se cruza através das falas dos personagens. Ambos
terminam em meio a uma frase. Encolpio e outros personagens são transformados
em um afresco. Satyricon de Fellini é um filme de formato cíclico, abrindo e fechando
as cenas com imagens semelhantes, tal como Fellini já tinha feito em “O Conto do
Vigário” e “A Estrada”.
No ano de lançamento do filme Satyricon, os críticos afirmaram que não era
uma obra que chamava muito a atenção, apesar das cenas de orgias, dos
banquetes e da violência. O filme causava certo tédio ao espectador. Ao contrário de
A “Doce Vida”, todo o filme foi filmado para que o público não se identificasse com
os personagens principais, fato caracterizado pela música em estilo diegético. 38
Mesmo Fellini tendo a pretensão de fazer do Satyricon um documentário do mundo
romano Antigo, o mesmo passava longe das características históricas, aproximando
mais do mundo de fantasias do cineasta.
Este filme em particular foi o mais caro de Fellini, na qual foram utilizados 90
cenários, construídos todos no Cinecittà. Cerca de 250 atores compunham o
mosaico do mundo romano do período Imperial montado por Fellini nos estúdios. A
estréia da obra fílmica ocorreu nos Estados Unidos, depois de um espetáculo de
Rock no Madison Square Garden. O filme foi apresentado para um público de
aproximadamente dez mil hippies drogados e enrolados uns aos outros. Segundo
especialista em cinematografia, o filme de Fellini tinha atingido o seu público alvo,
sendo um filme para adolescentes, como classificou o United Artists. Todavia,
mesmo perante todas as críticas, Satyricon foi indicado ao Oscar pela originalidade e
pela realização, sendo aplaudido em todo o mundo pela criatividade no conjunto da
obra. Vejamos:
38
Palavra de origem grega (diègesis: narrativa) oposta, de modo, aliás, diferentemente, por Platão e
Arsitóteles, a mimesis (imitação); caída em desuso. Depois ressuscitada por Étienne Souriau;
retomada em seguida, mas também em dois sentidos diferentes, por Gérard Genette e por Chistian
Metz, um em narratologia literária, o outro em filmologia. Cf: SOURIAU, E. “La structure de l‟universe
filmique”. In: Revue Internationale de Filmologie, 1951, p: 7-8 e MERTZ, C. Essais sur La
signification au cinema. Paris: Klincksieck, 1968. Para Souriau, os “fatos diegéticos” são aqueles
relativos à história representada na tela, relativos à apresentação em projeção diante dos
espectadores. É diegético tudo o que supostamente se passa conforme a ficção que o filme
apresenta. Tudo o que essa ficção implicaria se fosse supostamente verdadeira. Souriau dá o
exemplo de dois cenários de estúdio que podem ser contíguos e ser diegeticamente (na lógica
suposta da história que o filme conta) distantes em várias dezenas de quilômetros. Mertz e seus
discípulos (Percheron, Vernet, entre outros) retomam a definição de Souriau: a diegese é concebida
como o significado longínquo do filme considerado em bloco (o que ele conta e tudo o que isso
supõe); a instância diegética é o significado da narrativa. A diegese é a “instância representada do
filme, ou seja, o conjunto da detonação fílmica: a própria narrativa, e com isso as personagens, a
paisagem, os acontecimentos e outros elementos narrativos, porquanto sejam considerados em seu
estado detonado. O interesse dessa acepção filmológica é acrescentar à noção de história contada e
de universo ficcional a idéia de representação e de lógica suposta por esse universo representado. O
próprio do cinema é, com efeito, que o espectador constrói um pseudo-mundo do qual ele participa e
com o qual se identifica, o da diegese. Apud (AUMONT, J; MARIE, M, op. cit., p: 77 e 78). Sobre a
diegese, vêr também: COSTA, F. C. O primeiro cinema. São Paulo: Scritta, 1995, p: 7.
A projeção foi entusiasmante. A cada fotograma os rapazes aplaudiam;
muitos dormiam, outros faziam amor. No caos total, o filme seguia adiante
implacavelmente, sobre uma tela gigantesca que parecia refletir o que
acontecia na sala de projeção. Imprevisivelmente, misteriosamente, naquele
ambiente entre os mais improváveis, Satíricon parecia ter encontrado o seu
lugar natural. Nem mesmo parecia meu, na revelação imprevista de uma
integração tão secreta, de ligações tão sutis e nunca interrompidas entre a
antiga Roma da memória e aquele público fantástico do futuro.39
A literatura é composta por um conjunto de textos escritos que nos levam a
imaginação. Toda obra literária traz significações do mundo onde foi produzida, tais
como características culturais ligadas à língua, aos costumes e a temporalidade de
sua produção. Os textos literários devem ser compreendidos variantes a outros
textos, pois exercem um papel social e emocional no público receptor. O historiador
Lynn Hunt enfatiza que com a abertura da produção historiográfica através do uso
de novas metodologias, bem como o diálogo com a crítica literária, tem possibilitado
interpretar, analisar e compreender melhor o passado histórico.
De fato, o único traço verdadeiramente distintivo da nova abordagem
cultural da história é a abrangente influência da crítica literária recente, que
tem ensinado os historiadores a reconhecer o papel ativo da linguagem dos
textos e das estruturas narrativas na criação e descrição da realidade
histórica.40
Em vista do que foi apresentado, temos verificado que a Antiguidade Clássica
tem sido tema de muitos estudos e produções fílmicas na contemporaneidade,
principalmente sobre o período romano, tais como: Spartacus (Spartacus – 1960) do
diretor Stanley Kubrick, A queda do Império Romano (The Fall of the Roman Empire
–
1964)
do
diretor
Anthony
Mann,
Satyricon
(The
Degenerates/Fellini
Satyricon/Satyricon – 1969) do diretor Federico Fellini e mais recentemente, o
Gladiador (Gladiator – 2000) do diretor Ridley Scott e a minissérie Roma (Rome –
2005/2007), produzida pela HBO (Home Box Office) em vinte e quatro capítulos.
39
FELLINI, F. Entrevista sobre o cinema. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1986, p: 119.
40
HUNT, L. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p: 133.
Ao abordar o estudo Clássico a partir do cinema, podemos afirmar que o
mundo das Artes, em especial da sétima arte, é o mundo do “possível”, pois além da
visão do diretor, da construção do herói e do bandido, do trágico e do cômico, dos
romances eternos, o filme também pode ser utilizado como um documento de cunho
historiográfico.41 Cabe ao historiador buscar definir as fronteiras do imaginário, a
partir de uma metodologia própria.
Assim, a História Nova42 incorpora o cinema como um documento plausível
de ser estudado e analisado. Um dos precursores desta característica é o historiador
francês Marc Ferro43. Para ele o cinema revela muito do seu tempo, ou seja, do
momento em que foi feito.
[...] „o cinema‟ destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada
indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o
funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar.
Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o
inverso de uma sociedade, seus „lapsus‟. É mais do que preciso para que,
após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor [...] A idéia
de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é
totalmente insuportável: significaria que a imagem, as imagens [...]
constituem a matéria de uma outra história que não a História, uma outra
análise da sociedade.
41
Para o historiador Jean-Claude Bernadet, o cinema trouxe a ilusão, algo que parece verdadeiro,
embora saibamos que é mentira. Para ele, o filme é “um pouco como num sonho: o que a gente vê e
faz num sonho não é real, mas isso só sabe depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho,
pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi
provavelmente a base do grande sucesso do cinema.” Cf: BERNARDET, J.C. O que é cinema. São
Paulo: Brasiliense, 2000, p: 12. Nesse parâmetro, a ilusão esteve presente desde o surgimento da
cinematografia, como em Meliès na França, até a organização da linguagem cinematográfica através
da criação do roteiro, da utilização dos cenários e dos movimentos de câmera.
42
A partir dos Annales (1929), movimento que revolucionou a abordagem historiográfica por meio do
uso de novas fontes, novos objetos e novos métodos, as idéias e os costumes ganharam um campo
maior de atenção, nascia assim, a Nova História. Sobre a mudança no campo das técnicas e dos
métodos, o historiador José Carlo Reis relata que “os documentos se referem à vida cotidiana das
massas anônimas, à sua vida produtiva, à sua vida comercial, ao seu consumo, às suas crenças, às
suas diversas formas de vida social.” Cf: REIS, J.C. Tempo, História e Evasão. Campinas: Papirus
Editora, 1994, p: 126. Nesse aspecto, com a História Nova os documentos são arqueológicos,
pictográficos, icnográficos, fotográficos, cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todos os tipos.
Com relação à História dos Annales Cf: BURKE, P. A escola dos Annales, 1929-1989: a revolução
francesa na historiografia. São Paulo: UNESP, 1991; DOSSE, F. A história em migalhas: dos
“Annales” à nova história. São Paulo: Ensaio, 1992; FEVRE, L. Combates pela história, v. I.
Lisboa: Presença, 1977.
43
FERRO, M. “O Filme: uma contra-análise da sociedade?” In: LE GOFF, J; NORA, P. (orgs).
História e Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 202-203.
Mesmo a imagem sendo uma “construção”, uma “representação”, o cinema
reflete o contrapoder da sociedade por revelar as ideologias e por apresentar um
olhar diferenciado sobre a sociedade. Um filme, mesmo nas relações com o discurso
histórico revela suas próprias tensões.
Nesse sentido, a utilização do cinema como um documento histórico leva-nos
a uma melhor compreensão de períodos que outrora se apresentavam de maneira
obscura em documentos ditos oficiais. Entretanto, todo documento se renova a partir
da visão do historiador. Assim, o imaginário, os ritos, os signos e mitos passaram a
fazer parte da construção das sociedades e de seus respectivos contextos
históricos. Marc Ferro (1976, p. 203) ressalta que: [...] aquilo que não se realizou, as
crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tanto a História quanto a História.
A partir desta concepção apresentada por Marc Ferro, o historiador deve
tomar cuidado ao fazer a leitura de seu documento fílmico. Um documentário que se
baseia em fatos reais pode ser uma construção 44, assim como um filme de ficção,
que também pode apresentar cenas reais. A relação histórica e historiográfica da
leitura fílmica se expressa pela construção da narrativa do objeto estudado, que por
44
Construção do gesto, construção da interpretação (mise em geste, mise em jeu). Termos forjados
por Serguei M. Eisenstein, em seus cursos na VGIK, a escola de cinema de Moscou, por analogia
com mise-em-scène, e para designar a técnica da interpretação de autor. A construção do gesto
(mise em geste) recobre uma decomposição mental das atitudes das partes do corpo. A construção
da interpretação (mise em jeu) retoma a idéia de um repertório de posições expressivas. Construção
do quadro (mise em cadre). Termo utilizado pelo realizador de cinema Serguei M. Eisesntein em suas
aulas na escola de cinema de Moscou (VGIK) na década de 1930, por analogia com a expressão
mise-em-scène, para designar a preocupação de composição (gráfica, plástica) dos planos. A direção
(mise-em-scène) é a localização (mise em place) dos atores no cenário e a determinação de seus
movimentos; a construção do quadro (mise em cadre) é a determinação dos enquadramentos
sucessivos correspondentes: ela não é, portanto, exatamente o enquadramento: este é imaginado
como decupagem móvel de uma realidade persistente, a construção do quadro (mise em cadre) é
correlativa de uma modificação da realidade com fins de seu enquadramento. Construção em abismo
(mise em abîme/ em abyme) – Termo de retórica, proposto por André Gide e universalmente adotado
em seguida, significando a incrustação de uma narrativa em outra, por analogia com o termo brasão
que designa uma figura colocada no centro do escudo, e que figura outro escudo. O sentido
narratológico conservou-se tal e qual no cinema (a narrativa “em construção” é uma narrativa dentro
da narrativa, sobre modos variáveis, como em literatura, a mais corrente sendo ligada ao flashback).
Além disso, designou-se com isso, às vezes, de maneira mais aproximativa, a existência de uma
segunda estrutura na figuração ou na representação (por exemplo, o fato de mostrar em um filme a
filmagem de um filme imaginário é com freqüência assimilada, erroneamente, a uma construção em
abismo). Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p. 59 e 60.
sua vez ocorre através da conjunção de sentidos que os filmes atribuem ao tempo
que constroem. 45
Dessa forma, o cinema é a expressão do homem. É na projeção da tela que
os diferentes tipos de gêneros se cruzam, e que as inúmeras estórias, mitos e
fábulas adquirem consistência. Todo este aparato faz regir um complexo comércio
que alimenta o desenvolvimento do mercado cinematográfico. A publicidade que
aparece nos filmes e nas salas de projeção, bem como as distribuidoras que enviam
filmes para estas salas e os espectadores que pagam pela bilheteria, constituem o
mercado cinematográfico.
A narrativa cinematográfica é um conjunto de sons, imagens e discursos
verbais direcionados a compreensão do espectador. No campo literário, ao ser
adaptado para um roteiro, o discurso fílmico passa a ser outro texto mantendo as
características do discurso lingüístico.46
Ao ser projetado temos que ter consciência que o filme passou por diversas
etapas até chegar às salas de cinema, tais como a preparação do roteiro, das
filmagens e da edição do produto.47 A natureza fílmica é heterogênea e sua estrutura
é uma composição de técnicas que levam o espectador a construir um mundo de
ilusões perceptíveis ao seu modo.48 Por meio desta observação, a “análise
estrutural” servirá de parâmetro para interpretar o Satyricon de Fellini com base na
obra de Petrônio. Ao seguir por este percurso, é possível descortinar o foco
45
No entanto, os argumentos de Ferro vêm sendo criticados pela nova historiografia principalmente
com relação à manipulação da linguagem cinematográfica. Vejamos: “[...] Além disso, apontam para
certas lacunas na maneira como Ferro pensa a relação entre história e cinema: como a linguagem
intrínseca ao filme, seja ele documentário ou ficção, interfere no registro de um evento, de um
processo ou de um personagem de valor “histórico”? Como o filme com tema histórico, documental ou
ficcional traduz o presente ao representar o passado? Quais são as tensões internas do filme,
pensadas a partir da sua estrutura narrativa, na tentativa de registrar ou representar fatos históricos?”
Cf: NAPOLITANO, M. “A História depois do papel”. In: PINSKY, C.B (Org.). Fontes históricas. São
Paulo: Contexto, 2006, p: 243 e 244.
46
Para o historiador Marcos Napolitano: “O roteiro é o guia básico para o diretor, que pode fazer
algumas alterações ao longo da filmagem. Eventualmente, a mesma pessoa pode acumular as
funções de argumentista, roteirista e diretor, mas é mais comum o roteiro ser feito por profissional
especializado. Cf: NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto,
2005, p: 57.
47
48
Cf. LEONE, E; MOURÃO, M.D. Cinema e montagem. São Paulo: Ática, 1987.
Cf. CAMPOS JR, L de C. Cinema e Possibilidades de Diálogo. (trabalho apresentado ao GT
História da Mídia Audiovisual do V Congresso nacional de História e Mídia). São Paulo: Facasper e
Cill, 2007.
narrativo, a construção dos personagens, bem como a composição das cenas, a
relação personagens-espaço, figurino, etc.
Dando continuidade ao processo de investigação da obra de Fellini, a “análise
estrutural” somente é viável se levarmos em conta os indícios de recepção. Recurso
este presente na tríade relação entre autor, público e obra, que são muito utilizadas
no discurso literário.
A luz deste quadro, entre o discurso cinematográfico e literário o
posicionamento do diretor (presentes em depoimentos, entrevistas ou artigos
publicados em jornais e revistas) e a historicidade da produção da película devem
ser analisados em consonância com a análise estrutural do objeto fílmico. No
entanto, o papel do pesquisador somente chega à plenitude através do contato com
o público. Assim, a recepção do objeto fílmico pelo público receptor é o resultado do
momento em que a obra foi produzida.
Com isso, o pesquisador da obra fílmica tem que transcender a própria obra e
buscar compreender como que a película foi recebida pelo público e como este
reagiu frente à produção cinematográfica. O crítico Jean Mitry relata que o público
atribui significado a imagem seqüencial dentro da edificação e elaboração das idéias
do cineasta. Significação que está associada à narrativa, pois a imagem em si não
traz significados, pois a mesma passa a ter significado após entrar em contato com o
público. A busca de algum significado na imagem fílmica, já é por si um exercício
interpretativo.49
Dentro da perspectiva psicológica, o teórico Ernst Hans Grombrich enfatiza
que inserido na interação imagem cinematográfica e espectador existem dois planos:
o do reconhecimento e o da rememoração. Nesse viés, o reconhecimento acha-se
ligado a memória, ao intelecto, e a segunda encontra-se ligado na apreensão
daquilo que é visível, principalmente nas funções sensoriais. Para Grombrich o
espectador tem o papel perceptível e psíquico, que ao estar em contato com a
imagem busca compreendê-la e fazê-la existir, ou seja, o espectador de forma ativa
constrói a sua própria imagem. Desse modo, a percepção visual do público receptor
revela a sua base de conhecimento visual do mundo, capaz de elaborar seu próprio
49
Cf: Apud (ANDRE W, J. D. As principais teorias do cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989, p:
194-196).
campo imagético. O conhecimento prévio deste permite o preenchimento das
lacunas da representação.50
Neste ponto, o cinema se firma como um meio de comunicação que depende
do espectador para dar significado à narrativa fílmica. A recepção da obra fílmica
está na própria obra que é interpretada segundo características que o espectador
confere a mesma por meio do seu mundo imagético.51
É preciso enfatizar que a imagem cinematográfica é uma construção,
realizada pela junção de recursos e equipamentos próprios ao mundo do cinema,
tais como o som, a iluminação, a fotografia, o roteiro e as câmeras. Nesse contexto,
a produção cinematográfica é uma construção de uma determinada visão da
realidade. Ao produzir uma obra fílmica, as escolhas do diretor influenciam a
execução da mesma, pois é ele quem indica os atores, elabora o roteiro, escolhe os
cenários e aponta a temática que será abordada.52
As características expostas até aqui indicam que o historiador e os estudiosos
dos recursos audiovisuais, ao se ocuparem dos estudos de fontes fílmicas, tornamse necessário ainda estabelecer um diálogo com outras formas de expressão, tais
como a imagem, o movimento e o som. Assim, um objeto fílmico permite variadas
leituras, suscetíveis a temporalidades e ângulos de análise distintos.
O olhar metodológico do historiador sobre o objeto fílmico é diferente da visão
do cineasta, do crítico ou do diretor, pois além do significado da produção
cinematográfica, leva-se em conta a sua relevância quanto objeto de cunho
historiográfico. O historiador Marcos Napolitano completa dizendo que:
50
Apud (AUMONT, J. A Imagem. São Paulo: Papirus, 1993, p: 81-90).
51
Para Francis Vanoye e Anne Goliot-Leté, ambos frisam que descrever um filme, ou seja, contá-lo, já
é interpretá-lo, pois isso, de certo modo é um processo de reconstrução. Cf: VANOYE, F; GOLIOTLÉTÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica. São Paulo: Papirus, 1994, p: 52.
52
Pierre Sorlin, professor da Universidade de Paris III, nos diz que um filme não é uma história, nem
uma duplicação do real fixado sobre o celulóide, é um mise em scène social; o que ele transmite é
uma certa visão da realidade social que abre novas perspectivas de estudos sobre a humanidade.
Cf: SORLIN, P. Sociologie du cinema. Paris: Aubier Montaige, 1977, p: 200.
[...] é menos importante saber se tal ou qual filme foi fiel aos diálogos, à
caracterização física dos personagens ou a reprodução de costumes e
vestimentas de um determinado século. O mais importante é entender o
porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas num
filme. Obviamente, é sempre louvável quando um filme consegue ser “fiel”
ao passado representado, mas esse aspecto não pode ser tomado como
53
absoluto na análise histórica de um filme.
Um documento fílmico apresenta as mesmas armadilhas de um documento
escrito. O espectador cinematográfico estabelece uma relação com a produção em
consonância com o seu mundo. O historiador deve observar que a imagem fílmica
não determina por completo o mundo do espectador, sendo antes uma ilusão.
Todavia, nesse conjunto o espectador também exerce um papel ativo frente à
produção cinematográfica, pois ao assimilar e interpretar a imagem fílmica faz por
meio de suas vivências e aspirações. A partir dessa característica, a relação da
História com o cinema pode ser estabelecida da seguinte forma:
[...] O cinema na História; a história no cinema e a História do cinema. Cada
uma das três abordagens implica uma delimitação específica. O cinema na
história é o cinema visto como fonte primária para a investigação
historiográfica; a história no cinema é o cinema abordado como produtor de
“discurso histórico” e como “intérprete do passado”; e, finalmente, a História
do cinema enfatiza o estudo dos “avanços técnicos”, da linguagem
cinematográfica e condições sociais de produção e recepção de filmes.54
A história do cinema é uma disciplina específica, que possui objetos e
métodos próprios. Inserido nesta disciplina, está à história das técnicas, a história da
Indústria, que trata da produção, da investigação, administração, marketing etc. E a
história das formas que circunscrevem elementos ligados as artes em geral, música
e literatura.
NAPOLITANO, M. “A História depois do papel”. In: PINSKY, C.B. (org). Fontes históricas. São
Paulo: Contexto, 2006, p: 237.
53
NAPOLITANO, M., op cit., p: 240 e 241. Apud (DUTRA, R. A. “Da historicidade da imagem à
historicidade do cinema”. In: Projeto História nº 21, São Paulo, EDUC, nov. 2000, p: 126).
54
O cinema na História tem como objetivo verificar como que a história é vista
ou tratada no cinema. O que os historiadores têm verificado é que o filme tem sido
utilizado como um poderoso veículo de dominação e poder. 55 As produções
cinematográficas também têm sido usadas como propaganda, mesmo sem a
interferência direta do Estado, os filmes revelam muito da cultura que o produziu,
sempre carregados de ideologia.
Mas, o que dizer sobre a grande maioria dos filmes de ficção e
documentários produzidos pela milionária indústria cinematográfica sem a
interferência do Estado? Neste caso, narrando histórias, o filme espelha a
mentalidade do público ou pelo menos de parcela dele. Porém, merece ser
sempre lembrado, que a indústria cinematográfica é nacional – quando se
trata de cinema, é impossível deixar de pensar na poderosa indústria
americana, o que significa que o surgimento de um filme se dá dentro de um
determinado quadro cultural, que sua produção está sujeita a
condicionamentos históricos e a história narrada por ele foi emoldurada por
determinado quadro ideológico.56
Um filme não é uma produção neutra, ele traz consigo uma carga de valores e
idéias, sendo testemunha de seu tempo e das mudanças sociais. 57 Assim, o filme é
um documento histórico contemporâneo, que variante ao gênero que pertença,
somente alcançara o seu objeto de interpretação e de análise se estiver associado
aos outros documentos de cunho historiográfico. Sobre as particularidades do objeto
fílmico como fonte histórica o professor e pesquisador Antônio Penalves Rocha
(1993, p. 77) ressalta que:
55
O historiador Marc Ferro cita que: “desde os fins do século XIX, já há câmeras filmando pessoas e
acontecimentos, notadamente as famílias reinantes. ”Procedimento este que passou a ser muito
freqüente após a Primeira Guerra Mundial.” Cf: FERRO, M. Cinéma et histoire. Paris: Denoel
Gonthier, 1977, p. 83.
56
Cf: ROCHA, A. P. “O filme: um recurso didático no ensino da história?”. In: FALCÃO, A. R;
BRUZZO, C. Coletânia lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993, p: 75.
57
Para o crítico Martin A. Jackson, “o cinema deve ser considerado como um dos depositários do
pensamento do século XX, na medida em que reflete amplamente a mentalidade dos homens e
mulheres que fazem filmes. Do mesmo modo que a pintura, a literatura e as artes plásticas, o cinema
ajuda a compreender o espírito de nosso tempo.” Cf: JACKSON, M. A. “El historiador y El cine.” In:
ROMAGUERRA, J; RIAMBAU, E. (ed). La historia y el cine. Barcelona: Fontamara, 1983, p: 14.
Apud (ROCHA, A. P., op cit., p. 76)
O historiador nunca deverá contar com algo que o cinema jamais poderá
proporcionar-lhe o caráter de documento único para pesquisa, ou seja, o
filme é tão somente uma das fontes do trabalho historiográfico; este só
atingirá seu objetivo de analisar uma sociedade, ou mesmo um dos seus
aspectos, se complementar as informações contidas no cinema com as de
outros documentos. O principal motivo desta “limitação” como fonte histórica
reside na sua própria riqueza: por se tratar de uma arte, o cinema não tem
compromisso com a realidade, apesar de nos múltiplos aspectos de
qualquer filme estarem presentes as inscrições históricas do mundo em que
ele nasceu.
A História tem sido muito utilizada pela indústria cinematográfica. Nesse
processo, a representação audiovisual da história refere-se à expressão do passado
através da linguagem fílmica. Com isso, o estudioso do mundo das imagens fílmicas
não pode exigir uma fidelidade da produção do objeto fílmico em relação as suas
fontes de informação.58 Neste sentido, na relação da história com o cinema,
destacamos que a indústria cinematográfica auxiliou na interpretação do passado
histórico, tornando-a mais próximo da população em geral. Sobre a representação
cinematográfica da história, Antônio Penalves Rocha (1993, p. 79) nos exemplica
ainda dizendo que:
[...] Tomemos, em primeiro lugar, o filme de ficção com uma determinada
ambientação histórica, seja ele drama (inclusive político), aventura, seja
comédia. A trama elaborada para a realização de um filme deste gênero
será mergulhada na linguagem cinematográfica, para que a sua narrativa
passe ao espectador a “impressão de realidade”; assim, a reconstituição
histórica forjará o cenário dentro do quais atores desempenharão os papéis
requeridos para o desenvolvimento da trama de uma história que será
filmada. É verdade que, na maior parte das vezes, o filme histórico conta
com a assessoria do historiador para a reconstituição de aspectos da vida
de uma época: arquitetura, figurinos, vida política etc.
58
Por isso mesmo, o crítico Angelo Moscariello, ao se perguntar se o filme, recorrendo aos meios que
lhe são particulares, pode contribuir para a explicação histórica, responde categoricamente que não –
porque sendo uma “arte concreta e ligada ao presente o cinema não pode em caso algum realizar a
obra de conhecimento histórico”. Isto se deve ao fato de que a “representação” do passado pelo filme
só permite a visualização do seu “aspecto fenomênico e não também do segredo inerente às relações
entre os fatos singulares.” Cf: MOSCARIELLO, A. Como ver um filme. Lisboa: Presença, 1985, p: 82
e 83. Apud (ROCHA, A. P., op cit., p. 82)
A imagem fílmica é um ponto de referência cultural e não uma referência da
realidade. Ao analisarmos uma produção audiovisual fazemos por meio das funções
construtivas da atividade mental.59 Estas questões são fundamentais para
compreendermos a natureza das relações entre história e cinema e como que a
história tem realizado a leitura dos rituais cotidianos do mundo clássico ao
contemporâneo. A construção dos rituais cotidianos na sociedade pode ser
determinada através do diálogo entre Petrônio e Fellini. A representação simbólica
dos rituais cotidianos no Satyricon constitui o objeto central de análise deste
trabalho.
Joseph Campbell, um estudioso de mitologia e religião, afirma que “a
mitologia nos ensina o que está por trás da literatura e das artes, ensina sobre nossa
própria vida”.60 Com este pensamento, os rituais e suas representações devem ser
compreendidos dentro de seu próprio contexto social e cultural. Assim, os ritos e
suas práticas se constituem como um caminho para se alcançar o mito, o historiador
e romancista Mircea Eliade61 na relação entre o mito e o rito cita que: [...]
conhecemos os mitos como “documentos” literários e artísticos e não como fontes,
ou expressões, de uma experiência religiosa vinculada a um rito.
59
FRANCASTEL, P. “Objeto fílmico e objeto plástico.” In: Imagem, visão, imaginação. São Paulo:
Martins fontes, 1990, p: 177. Ressalto ainda que Jean Mitry conceba a imagem fílmica como o
resultado de um processo de “autoconcentração” do mundo representado. A marca do realizador
reduzir-se-ia então a uma espécie de analogon, essencialmente de significação provisória e de
sentido imanente. Cf: MITRY, J. Esthétique et Pscychologie di Cinéma. Paris: Editions
Universitaires, 1963, p: 121-124. O pesquisador Antoine Ayfre escreve, por sua vez, reafirmando o
sentido da construção subjetiva, que “a imagem seria então o testemunho de uma presença
encarnada do real e que o realizador faria surgir através de um trabalho de seleção e de ordenação”.
Cf: AYFRE, A. Conversion aux images? Paris: Denoel, 1979, p: 29-34 Apud (SALIBA, E.T. “A
produção do conhecimento Histórico e suas relações com a narrativa fílmica.” In: FALCÃO, A. R;
BRUZZO, C. Coletânea Lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993, p. 95.
60
CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Ed. Palas Athena, 1990, p: 12. A palavra mito é
conferida por (AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 190-191.), como sendo uma fábula, uma narrativa
imaginária pertencente à mitologia, porém, desde o fim do século XIX, a palavra designa também
uma representação idealizada (da idéia, de um ser, de um acontecimento), ou uma “imagem
simplificada, no mais das vezes ilusória.” Nesses sentidos modernos ampliados, ela não está longe
do que designa, em sua acepção pejorativa, a palavra “ideologia”: a idéia simplista, enganosa, que
determinado grupo ou determinada sociedade se faz de um fenômeno de civilização. Mircea Eliade
cita que “todas as grandes religiões mediterrâneas e asiáticas possuem mitologias. Contudo, é
preferível não iniciar o estudo do mito tomando como ponto de partida a mitologia grega, egípcia ou
indiana [...] sendo preferível começar por estudar o mito nas sociedades arcaicas e tradicionais
reservando para uma análise ulterior as mitologias dos povos que desempenharam um papel
importante na história.” Cf: ELIADE, M. Mito e Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991, p: 10.
Apud (BISSON, M. P. Mito: o sagrado no cinema contemporâneo: o caso “Drácula” de Coppola.
Dissertação de Mestrado – Multimeios/Instituto de Artes. Campinas: UNICAMP, 1997, p: 19).
61
ELIADE, M. Mito e Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991, p. 138.
Dessa maneira, se aceitarmos que o rito é o “cumprimento” de um mito,
somos levados a crer que a participação em um ritual nos tornam seres participantes
do próprio mito. Ao estudar “os rituais cotidianos no Satyricon de Petrônio e Fellini”
detectaremos como que muitos estudiosos narram às antigas celebrações dos rituais
observando o seu predomínio na sociedade contemporânea, manifestadas através
da diversidade cultural.
A partir deste prisma, os capítulos que se seguem concentram a atenção na
relação entre a construção do significado da obra de “Petrônio e Fellini” sob a luz da
interpretação teórica do campo imagético. Ao delinear o perfil de ambos os “sátiros”,
chegamos à consolidação da proposta desse estudo que se dará a partir da análise
do objeto fílmico, o Satyricon de Fellini, sem perder de vista a contribuição literária
de Petrônio. A postura interdisciplinar que norteia as fronteiras metodológicas deste
trabalho se pauta na análise bibliográfica e estrutural da narrativa fílmica e literária.
O capítulo que se segue é a ponta do novelo de Ariadne rumo à saída do
labirinto, na tentativa de decifrar o homem pelo homem em seu universo
historicizante.
O cinema não deveria entrar no museu nem
integrar instalações. O museu, como o teatro, é
a sociedade burguesa. O cinema é uma arte
popular, ele exige a sala escura, na qual
podemos nos esconder num canto, onde estamos
protegidos
pela
escuridão,
onde
não
há
entreato, nem coquetel, nem casacos de péle,
nem olhares – salvo áqueles que circulam
entre a tela e os espectadores. E quando o filme
termina, e as luzes ainda não estão acesas, nós
nos levantamos e vamos embora.
(Eugenio Renzi - crítico de cinema italiano
em comentário ao longa biográfico de Agnès
Varda – Les Plages d’Agnès)
1 AS FONTES: PETRÔNIO E FELLINI
Onde o ouro é todo-poderoso, de que servem as
leis? / Se não tem dinheiro, o pobre perde seus
direitos / O cínico, que é tão frugal e severo em
público, / secretamente negocia com a verdade.
/ Até mesmo, Têmis se vende e, em seu tribunal,
/ a balança pende conforme o vil metal.
(Petrônio, Satíricon - ano 63)
1.1 O SATYRICON DE PETRÔNIO
Romano do século I d.C., Petrônio (Caius Petronius Arbiter) viveu sobre a
égide do governo de Nero. Assim, Paul Harvey62 situa Petrônio como sendo um
cônsul e governador da Bitínia, ocupando posteriormente a convite do próprio Nero o
cargo de árbitro de elegância (elegantiae arbiter), fazendo parte do restrito círculo de
amigos do Imperador.
Tácito, historiador latino descreve Petrônio como um homem refinado e
apreciador do luxo. Na vida privada gostava de praticar o ócio, que o preparava para
a prática da vida pública, retratando a perversão e a depravação. As informações
que nos chegam sobre sua vida pública, mostram que Petrônio era um exímio
administrador, característica atribuída a ele em decorrência da sua capacidade de
atuar e a influência que tinha no meio Imperial. Sobre o relato de Tácito, ver Anais,
XVI, 18:63
62
Cf. HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica Grega e Latina. Rio de Janeiro: Zahar,
1987.
63
Tradução do latim é de Paulo Leminski, Cf: LEMINSKI, P. Satyricon. São Paulo: Brasiliense, 1987,
p: 181 Apud. (GARRAFONI, R.S. Bandidos e Salteadores: concepções da elite romana sobre a
transgressão social. Dissertação de Mestrado apresentado ao Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas/IFCH. Campinas: Unicamp, 1999) e FAVERSANI, F. A Pobreza no Satyricon de Petrônio.
Dissertação apresentada ao curso de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, S.P., 1995, p. 17.
De C. Petrônio não há muito que dizer. Dormia o dia inteiro e dedicava à
noite para seus trabalhos e prazeres. Muitos ficavam famosos por seus
empenhos (indústria). Ele era famoso por sua preguiça (ignavia). Não era
considerado um homem que corre atrás do proveito, mas dos prazeres sutis
(erudito luxo). Tudo que dizia e fazia era descontraído e sem esforço, e sua
simplicidade cativava como uma gentileza. Mas soube ser energético
quando no serviço público, primeiro como pro cônsul na Ásia, depois como
cônsul. A seguir, retirou-se para a vida privada e seus vícios favoritos e,
como tal, foi aceito no círculo mais íntimo do Imperador Nero, onde reinou
como um verdadeiro árbitro da elegância (elegantiae arbiter). Nero nada
fazia sem antes consultar seu sofisticado cortesão. Isso suscitou a inveja de
Tigelino, outro cortesão, que contra Petrônio arma uma intriga, envolvendo
seu nome com conspiradores.
Nesse âmbito, por pertencer à elite romana, a leitura de seus escritos devem
ser feitas de forma cuidadosa, pois retratam o olhar por vezes oficial da corte do
Imperador. Sua obra, Satyricon, é escrita em prosa intercalada com versos que
narram às aventuras de três personagens trapaceiros, sendo eles, Encólpio, Ascilto
e Gíton.64 Assim, no Satyricon, Petrônio vai retratar a vida privada do Imperador, dos
prazeres, da vida cotidiana, do vinho, dos banquetes, dos jogos, das orgias, do
bacanal, dos banhos públicos, os abusos das termas, nas quais se discutiam
política, ostentavam-se fortunas e maquinavam-se assassinatos. O sociólogo
Fernando de Azevedo65 destaca que:
A Roma dos Césares, tão decaída de sua ancianidade gloriosa, não é
senão esta cidade retratada por Petrônio, pintor de costumes, e de que,
conhecendo-a, como ninguém, dotado de poder de dissecção moral, deu,
em dois rasgos de mestre, o quadro verdadeiro, de cujos horrores não se
assustavam o seu espírito penetrante e céptico há um tempo. A tela traz por
baixo o título de Crotona, mas é de Roma a pintura fiel. Quando esse
escritor singular, o „arbitro da elegância‟, no tempo de Nero, aguçou os bicos
de pena ou afiou o estilo para esfarrapar o manto de púrpura, sob que se
velavam as chagas de uma sociedade corrupta, o que tinha diante dos
olhos era, de fato, a cidade arquejante sob a maré de prazeres, que,
avolumando-se das cidades da Campânia, sempre inclinadas aos excessos
da lascívia, rompera todos os diques das leis moralizantes e já entestava as
sete colinas.
64
Nesta dissertação, optou-se pela tradução para o português de todos os nomes apresentados na
obra literária.
65
Cf: AZEVEDO, F. de. No tempo de Petrônio. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1962, p. 23.
A cidade romana, no período do principado, já se mostrava influenciada pelos
costumes estrangeiros, pois com o desenvolvimento do processo de conquista
imperial a cidade de Roma tornou-se um centro de atração. A tradição, os costumes
romanos praticados pelos ancestrais, bem como a religião romana, dividiam seu
espaço com os diversos tipos de culturas e crenças. Sobre os personagens e o
comportamento do homem romano podemos citar as dezesseis Sátiras de Décimo
Júnior Juvenal, satirista e literato do século I d.C, que ao enfatizar sobre os motivos
que o levaram a escrever suas Sátiras, destaca o descaso com àqueles que
detinham o saber, do pouco que se pagava para obtê-lo e dos subterfúgios de uma
Roma que se encontrava envolta da criminalidade, da oposição entre os contrastes
do dia e da noite; de uma Roma multifacetada. Dessa forma, Juvenal se perguntava
“esta cidade criminosa vendo, que férreo coração silêncio guarda!”. (JUVENAL,
Sátira I, p. 38 e 39) 66
A Roma do poeta Décimo Júnio Juvenal era marcada por estes contrastes,
durante o dia, nas ruas se presenciava uma agitação intensa, pessoas andando por
todos os lados, se acotovelando, um barulho infernal se fazia presente. As tabernas,
os barbeiros, os donos de botequim, todos disputavam fregueses, boa parte no grito.
Nas esquinas era fácil avistar cambistas, curiosos encantados com apresentações
artísticas, encantadores de serpentes, mendigos, suplicando por esmolas, enfim,
uma população que se esquadrinhava em meio à agitação e o corre-corre do dia-adia. Durante a noite todo este barulho era substituído por outro, muitas algazarras
causadas em sua grande parte por jovens romanos, que depredavam, e praticavam
violência contra os bens e as pessoas, movimentos de carros de toda a espécie,
boêmios, malandros e vagabundos que andarilhavam pelas ruas. Prostitutas e
“garotos de programa” ficavam a espreita de novos clientes. E eram em meio a este
cotidiano, que o literato buscava desvendar os segredos que a cidade romana
guardava.67
66
67
Cf: JUVENAL, D. J. Sátiras. São Paulo: Edições Cultura, 1943.
Cf: CARCOPINO, J. Roma no Apogeu do Império. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p: 69-70; Cf.
também: SALLES, C. Nos submundos da Antigüidade. São Paulo: Brasiliense, 1987, p: 190-200 e
SILVA, N. O. O Clientelismo nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal. Iniciação Científica. Maringá:
UEM, 2003.
A “cidade de tijolos” reconstruída por Caio Júlio César Otaviano e
transformada na “cidade de mármore” revelava uma sociedade parasitária, entregue
aos prazeres e a extrema volúpia.68 Os prostíbulos, os desregramentos da família
Imperial, a devassidão do povo romano e a concupiscência das festas,
representadas pela ostentação do luxo e das esplêndidas mesas, eram retratadas
nas pinturas e nos mosaicos eróticos das paredes romanas. Com efeito, a obra de
Petrônio traz muitos elementos do mundo sagrado e do profano, como os rituais
míticos e as orgias.
A história tem muitos elementos de uma extravagância Hollywoodiana:
Nero, orgias, salas de mármore, o poder do Palácio e do Fórum Romano,
rituais, banquetes, dançarinas nuas, excessos sexuais, em suma, tudo
levemente mencionado nos mistérios do Apocalipse de João e referido
como a raiz de todo mal pelos televangelistas americanos. 69
As discussões tecidas levam-nos a afirmar que, em meio à sociedade
romana, os cidadãos estavam entregues aos prazeres da vida, todos tinham seu
respectivo valor, ou seja, „assem habeas, assem valeas’ (valia cada um quanto
tinha). Com isso, a sociedade estava dividida entre os ricos e aqueles que não
68
O surgimento de Otaviano no cenário político é marcado por intensos conflitos pessoais
direcionados a Marco Antonio, principalmente após o assassinato de Julio César. Quando Roma
entrou em guerra com o Egito, Otaviano obteve uma vitória decisiva. Marco Antonio, que considerava
Cleópatra como sua rainha, tinha como objetivo transformar o Império Romano em uma monarquia
helenística, com capital no Egito. Esse objetivo não foi alcançado o que levou Marco Antonio e
Cleópatra, por volta do ano 30 a.C. a cometer suicídio. Pela primeira vez, um único homem mantinha
sua supremacia no mundo romano, era Otaviano. O senado proclamou-o Imperador, chegando ao fim
o sistema republicano, dando lugar ao Império Romano. O senado passaria a chamar Otavaino de
Augusto, que significa “o venerado”. O governo de Caio Julio César Otaviano (27 a.C. – 14 d.C) foi
lembrado como uma Idade de Ouro. Cf: FEIJÓ, M.C. Roma Antiga. São Paulo: Editora Ática, 1996;
GRIMAL, P. O Império Romano. Lisboa: Edições 70, 1999; ALFÖLDY, G. A História Social de
Roma. Lisboa: Presença, 1989; DE MARTINO, F. Storia Economica di Roma Antica. Firenze:
Nuova Italia, 1979; GARNSEY, P & SALLER, R. The Roman Empire: economy, society and
culture. London: Duckworth, 1987.
69
Cf. “The story has many elements of a Hollywood extravaganza: Nero, orgies, marble halls of power
on the palatine and in the Forum, riotous banquets, nude dancing, girls, sexual excesses, in short
everthing hinted at in the mysteries of the Revelation of John and referred to as the root of all evil by
American televangelists.” Cf: SCHEMELING, G. “The Satyrica of Petronius.” In: The novel in the
Ancient World. New York: E. J Brill, 1996, p: 457. As traduções presentes nesse estudo são do
próprio autor (tp – tradução própria)
tiravam os olhares da fortuna alheia.70 O sociólogo Fernando de Azevedo (1962, p.
24) completa dizendo que:
A devassidão que, desde a manhã, rompia, a céu aberto, no Coliseu, nos
espetáculos do Circo Máximo, e no teatro de Marcelo, esgueirava-se, nos
ardores da sesta, pelas salas de banhos das termas, para, ao cair da tarde,
desenfrear-se, na crueza íntima das cenas lúbricas, a que se armava toda a
magnificência asiática dos festins, em que os convivas, refartos dos
prazeres da mesa, adormeciam, até noite velha, em coxins de plumas de
cisne, nos braços de senhoras de alta estirpe, confundidas, nos extremos da
crápula, com as mais belas escravas arrebanhadas de remotas províncias.
A historiografia moderna ressalta que somente uma pequena parte dessa
obra latina chegou ao nosso conhecimento, o episódio mais destacado e estudado
no Satyricon refere-se ao Banquete de Trimálquio, cujo manuscrito foi descoberto no
século XVII. Nesse episódio, Petrônio descreve Trimálquio como sendo um “novo
rico” vulgar, que aceita receber os “aventureiros” para um banquete. Ao falar sobre o
acontecimento, descreve o ambiente, as iguarias oferecidas aos convidados, os
incidentes grotescos que ocorrem durante o jantar, as conversas cômicas, e a
embriaguez de Trimálquio. Petrônio relata ainda as histórias contadas por ele,
sempre fazendo uso do recurso satírico. Assim, o autor do Satyricon acabou sendo
condenado ao suicídio em 66 d.C por Tigelino,71 que acusou Petrônio de
conspiração contra o Imperador.
Todavia, o Satyricon é uma obra polêmica, o que tem despertado o interesse
de muitos estudiosos sobre o assunto, principalmente no que concerne a sua
datação, título e autoria. A historiadora e Prof. Drª. Renata Senna Garrafoni em seu
estudo intitulado “Bandido e Salteadores: Concepções da Elite Romana sobre a
transgressão social”, a partir da análise do Satyricon e das Metamorfoses de Apuleio
ressalta sobre a particularidade do estudo de ambas, destacando as suas
características literárias e seus conflitos sociais. Vejamos o que Garrafoni (1999, p:
38) nos observa sobre Petrônio e o Satyricon:
70
71
Cf. JUVENAL., Sátira I, 112-115
Ofônio Tigelino foi um político romano de origem grega, que exerceu o cargo de prefeito do pretório
(62 d.C) sendo um influente conselheiro do imperador Nero.
Há uma grande discussão entre os pesquisadores modernos para
determinar com maior precisão quem seria seu autor, o período em que foi
escrita e seu título original. [...] A biografia de Petrônio é bastante imprecisa
e desde o período do Renascimento há uma grande dificuldade para se
determinar quem foi este homem. A maioria dos pesquisadores concorda
que o autor do Satyricon é o Petrônio descrito por Tácito em sua obra Anais
(XVI: 18-19) e mencionado, mais brevemente, em algumas passagens de
Plínio, o Velho e Plutarco. É bem verdade que, nos outros dois, mencionouse Tito. Apesar desta diferença, ao que tudo indica, os três falavam da
72
mesma pessoa e, segundo Walsh , é bem provável que Tácito tenha se
equivocado. Diante desta situação, considera-se que o nome completo do
autor seria Tito Petrônio Níger, cônsul romano durante o ano de 62 d.C., e
conhecido como arbiter elegantiae (árbitro da elegância), já que estabelecia
padrões de elegância na corte de Nero.
Sobre as incertezas que pairam sobre a produção do Satyricon, cabe
ressaltar o estudo do historiador Fábio Faversani73, que completa a citação acima
afirmando que:
Se há alguma característica que podemos atribuir ao Satyricon com
absoluta certeza é a de obra polêmica. É quase impossível encontrar um
consenso significativo sobre ela. Sua datação, sua autoria, seu título, os
locais em que se ambientam os episódios, a influência do autor e do
ambiente literário, sua trajetória de preservação, seu valor literário, a
fidedignidade do texto hoje estabelecido em relação ao original, o peso das
possíveis interpolações, o tipo de linguagem empregada e, mais do que
tudo, o estilo, seu potencial enquanto fonte historiográfica e as intenções do
autor foram objeto de franca e aberta polêmica no passado. Mesmo agora,
nenhum destes pontos obteve um consenso, ainda que esta ou aquela
perspectiva de análise em relação a alguns tópicos tenha atingido hoje uma
forte hegemonia.
Ao enfatizarmos estas questões, percebemos o quanto Petrônio era moderno
para o seu tempo, apesar de muitos estudiosos tendo levantado dúvidas quanto à
datação da sua obra. Seus relatos refletem os anos de 63-65 d.C, por expor
características econômicas e apresentar personagens diversos, próprios do seu
tempo, tais como, os gladiadores, os novos ricos, os tocadores de liras com suas
72
Cf: WALSH, P.G. The Roman Novel. Grã-Bretanha: Cambridge University Press, 1995, p: 244
Apud (GARRAFONI, R.S., op cit., p. 38)
73
Cf: FAVERSANI, F. A pobreza no Satyricon de Petrônio. Dissertação de Mestrado apresentado à
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: USP, 1995, p. 14.
paródias e sátiras, o que leva-nos a considerá-lo um contemporâneo de seus
escritos.74 Fernando de Azevedo (1962, p. 34) cita que:
Nas páginas do Satyricon, para as quais a pena de Petrônio esparrinhou
salpicos de lama da Roma dos Césares, encontram-se, não engranzados ou
concatenados entre si, mas esparsos, pensamentos de um lúcido vigor e
conceitos imprevistos pela sua delicadeza requintada, que fazem de
Petrônio „um contemporâneo do futuro‟. Tem sua filosofia própria, que,
espírito refratário à sistematização, não reduziu a corpo a doutrina. Não era
um moralista. Ao contrário, céptico, não tinha temperamento para
apostolizar convicções ou fulminar, à maneira de Catão, dogmas rígidos de
ética e sabedoria. Era antes um semeador de idéias, que tanto sabia pintar
ao vivo quadros de corrupção de seu tempo, como da sua pena deixava
cair, com certo descupido elegante, as pérolas de fino quilate de sentenças
rivais de Sêneca e Públio Siro.
O escritor latino revelava em seus versos as máximas das questões que
permeavam o pensamento romano. A brevidade da vida levou-o a se aproximar da
filosofia epicurista. Assim sendo, o poeta aconselhava a cada um procurar ocupar-se
do que lhe fosse mais agradável fazer, pois não existia sequer algo que pudesse
agradar a todos de forma homogênea. O tédio era o mal da filosofia estóica. 75
74
Este período é datado pela historiografia como referente ao governo do Imperador Nero (54-68
d.C). Sucessor do imperador Cláudio, o governo de Nero revelou uma época marcada pela
depravação e a crueldade. Durante a sua administração, Roma fora incendiada. Muitos historiadores
contemporâneos atribuíram este episódio a sua própria loucura. Ainda em seu governo, realizou
constantes perseguições aos cristãos, o que acarretou a crucificação de São Pedro no muro central
do Circo de Nero e a decapitação de São Paulo na Via Ostiense. A luz desse quadro, Nero foi o
último governador da dinastia Júlio-Claudiana, filho de Agripina (sobrinha e segunda esposa do
Imperador Cláudio) com Domício Aenobardo. Sua conduta degenerada, os constantes assassinatos,
entre eles, o da própria mãe, forçou o filósofo Sêneca, seu preceptor, a cometer o suicídio. Os
atributos de Nero fizeram com seu governo degringolasse. A entrada de cultos orientais e o confisco
de bens dos ricos e nobres levaram o Estado à beira da ruína, em grande medida pelo abuso da
luxúria e dos caprichos pessoais. Cf: Cf. REQUEJO, J. M. “Introducción general & Introducción”. In:
TÁCITO, C. Diálogo sobre los oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1999. p: 8; SUETÔNIO. A vida
dos doze Césares. São Paulo: Athena, 1950; VANDENBERG, P. Nero: Imperador e deus, artista e
bufão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1986.
75
O estoicismo é uma escola filosófica fundada por Zanão (336-264 a. C), que defendia a austeridade
física e moral, fundada na resistência do homem perante os sofrimentos e as adversidades da vida. O
estoicismo opõe-se ao epicurismo, como vimos, pois para os estóicos, o único bem do homem não é
o prazer, ou a felicidade, mas sim a virtude. O sábio estóico deve buscar o aniquilamento da paixão,
até a apatia, pois esta é a causa do desejo, do vício e da dor. Cf: BRUN, J. O estoicismo. Lisboa:
edições 70, 1986. Vêr também as teorias do filósofo Claude Adrien Helvétius, no qual postulava que o
comportamento do homem era fundamentado no interesse, visto como um impulso para a obtenção
do prazer e a eliminação da dor. Cf: MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001,
p. 1314 e 1315.
Petrônio levou uma vida boêmia, alternando entre os prazeres e os encargos, as
virtudes e os vícios, a indolência e o trabalho.
Toda essa característica mostra-se na construção dos personagens do
Satyricon em relação às aventuras vividas pelos epicuristas na obra de Petrônio, em
grande parte pela busca do prazer e do gozo proporcionados pela vida.
Neste paralelo, o filósofo da linguagem Mikhail Bakhatin considera o Satyricon
como um “Romance de aventuras e de costumes”,
76
sendo convenientemente
empregada essa terminologia por muitos estudiosos da obra. Visualizamos abaixo o
que o próprio Bakhatin77 nos revela ao falar sobre o Satyricon em comparação com
O “Asno de Ouro” de Apuleio:
Passemos ao segundo tipo de romance antigo que convencionamos chamar
de „romance de aventuras e de costumes‟. Relacionam-se com esse tipo,
em sentido restrito, apenas duas obras: Satyricon de Petrônio (que chegou
até nós em fragmentos relativamente pequenos) e O Asno de Ouro de
Apuleio (que chegou inteiro), apesar de que elementos essenciais desse
tipo tenham sido representados por outros gêneros, principalmente as
sátiras e também a diatribe helenística.
Mesmo tendo chegado ao nosso conhecimento apenas os fragmentos, como
bem nos confere o poeta e escritor francês Raymond Queneau na apresentação do
Satyricon78, é possível ter uma visão geral da obra, por meio de uma coerência
76
Esse termo também foi empregado por outros autores, tais como: GRIMAL, P. “Une intention
possible de Pétrone dans le Satyricon”.In: Bulletin de L‟Association Guillaume Budé. 3, oct., 1972,
p: 297-310; VEYNE, P. “Le „je‟ dans le Satyricon”. In: Revue des Études Latines, 1964, v. 42, p: 301324; CALLEBAT, L. “Strutures narratives et modes de representation dans le Satyricon de Pétrone.”
In: Revue des Études Latines, v. 52, 1974, p: 281-303. Nesse aspecto, estudos sobre o gênero de
SILVA, G.J. da. Aspectos de cultura e gênero na Arte de Amar, de Ovídio, e no Satyricon, de
Petrônio: representações e relações. Campinas: Unicamp, 2001, p: 97 e (GARRAFONI, R.S., op
cit., p. 35).
77
BAKHATIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Ed.
UNESP, Hucitec, 1988, p. 234.
78
Neste trabalho optou-se por utilizar como fonte a obra literária PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo:
Cosac Naify, 2008. Sobre Raymond Queneau, vejamos: “Sem chegar a pensar (como Bürger e Bloch,
além de mim mesmo, aliás) que só nos resta a trigésima quinta parte, os mais otimistas calculam que
nos faltem pelo menos dois terços do Sayricon.” Cf: PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Cosac Naify,
2008, p. 09.
narrativa, a maior dificuldade que se apresenta no que tange aos próprios
historiadores, é mapear o que seria “falsificação” e “interpolações”. A partir dessa
visão, o historiador Faversani (1995, p. 30) ressalta os “códices” da obra, pois alguns
tradutores trazem à tona uma parte extensa dos seus escritos. Entretanto, muitos
outros textos de Petrônio nos são apresentados somente por meio de pequenos
pedaços. A construção do enredo como conhecemos na atualidade, deve-se a
contribuição dos eruditos, que buscaram ordenar a narrativa ao mais próximo do
contexto original. Como podemos observar na citação que se segue:
Do mesmo modo, não há nenhum códice que traga o Satyricon sem lacunas
ou interpolações e são relativamente raras as sobreposições possíveis de
mesmas passagens existentes em códices diversos. Nota-se ainda que,
além dos códices do próprio Satyricon, há também breves citações feitas
por outros autores e pequenos fragmentos constantes de alguns códices
cuja autoria é atribuída a Petrônio. Estes elementos são, em geral, tão
parcelares, que é muitas vezes impossível alocá-los com a mínima
segurança, daí eles comporem uma documentação à parte, que não nos
propusemos a analisar por seu caráter extremamente fragmentário e pelas
incertezas que se poderiam levantar quanto a real autoria e datação destes.
Com esse pensamento, o termo Satyricon levantou hipóteses sobre o seu real
significado. Assim, Satyrikos, Satura, Satirae ou Saturae, são formas latinas híbridas
greco-romanas, que representavam aqueles que viviam do prazer sexual, a forma
latina caracterizava-se como um meio de exegese da sociedade romana, de poder
interpretá-la e compreender os indivíduos oriundos de seu próprio contexto social. 79
79
Cf. DIHLE, A. Greek and Latin Literature of the Roman Empire. Londres: Routledge, 1994, p:
126-131. Apud (GARRAFONI, R.S. op cit., p: 39). Ainda sobre as principais características do
Satyricon, vêr: (C. Marcheri, E. Paratore, G. Devoto, E. V. Marmorale, E. Auerbach etc); PETRONIO.
Satyricon. A cura de Luca Canali. Texto latino a fronte. Milão: Tascabili Bompiani, 1991. p: XXIIIXXX; PETRONIO. Satyricon. Introduzione, traduzione e note di Andréa Aragosti. Texto latino a
fronte. Milão: Biblioteca Universidade Rizzoli, 1995, p: 79-90. Apud (SILVA, G. J. da. Aspectos da
cultura e gênero na Arte de Amar de Ovídio e no Satyricon de Petrônio: representações e
relações. Campinas: Unicamp, 2001, p: 101). Cf. GONÇALVES, C. dos R. A cultura dos libertos no
Satyricon: uma leitura. Dissertação de mestrado. História. UNESP-FCL/Assis, 1996. Para Walsh, a
obra petroniana não deveria ser encarada como a descrição das características físicas de um
determinado percurso. Será antes um roteiro burlesco e autobiográfico do herói e dos seus amigos
através do “mundo da sátira romana”. Cf; WALSCH, P. G. “The Roman novel.” In: The „Satyricon‟ of
Petronius na the „metamorphoses‟ of Apuleius. Cambridge, 1995, p: 10. Apud (FERREIRA, P. S.
Os elementos Paródicos no Satyricon de Petrônio e o seu significado. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra: Edições Colibri, 2000, p. 33).
Nesse sentido, ressaltamos ainda que, no final do terceiro século a.C., os
escritores romanos desenvolveram um estilo literário próprio, sendo elas a poesia
instrutiva, a História e a Sátira. Universalizada, popularizada e perpetuada, a sátira
seria o instrumento de manejo mais plausível e acessível diante dos “instruídos
políticos”.
A sátira induz ao interesse genérico e literário, despertando a curiosidade
para estudos relacionados aos usos e costumes, festas, características físicas,
assuntos políticos e morais.
Dessa forma, a sátira passou a adquirir uma fisionomia de “caricatura
literária”, ou seja, não se distinguindo muito da caricatura como conhecemos nos
dias atuais, pautada pela „deformação‟ dos fenômenos de ordem física (gênero de
desenho deformado, mas não obrigatoriamente cômico, mas que consistia em
reproduzir, geralmente em termos gráficos, a aparência de uma pessoa, animal ou
coisa; uma cena ou episódio, exagerando-se certos traços com intenção satírica,
burlesca ou crítica), como um nariz grande, barriga avantajada e calvície, existindo
também sátiras que se ocupavam de assuntos relacionados ao campo espiritual,
outras ainda com críticas voltadas ao relacionamento social e afetivo.
Todas as formas satíricas possuíam a intenção de elevar os “pormenores
humanos”, ampliando as dimensões do lado cômico. Assim, no campo literário, a
sátira faz uso do recurso da comicidade com base em caracteres da representação
daquilo que poderia ser o “grotesco”. Este “grotesco” seria conseqüência direta do
emprego de figuras de linguagens, tais como a hipérbole.
Petrônio nos conduz às manifestações sociais e ao panorama cotidiano dos
romanos, construindo um roteiro que vai além do literário, expondo profundas
reflexões sobre a filosofia da história, da crítica sociológica e dos diversos conceitos
satíricos. A arte literária que visa “censurar ou ridicularizar” traz na língua latina seus
instrumentos de comicidade, fazendo parte os trocadilhos, os paradoxos, o estilo
arguto e a ironia.
Particularmente, o lúgubre panorama que Petrônio traça de Roma é
demonstrado pelo seu estilo natural, direto e agudo. Revelando-se uma pessoa
crítica da sociedade romana, do meio em que se encontrava e de sua própria
condição de poeta.
Levando em consideração o subjetivismo e a experiência social de Petrônio,
passamos a questionar o que os seus escritos nos informam. Assim sendo,
utilizamos o discurso Satírico para extrair temas que denunciam o comportamento
do homem romano buscando compreender as relações políticas no interior desta
sociedade.
No estudo do texto satírico e com base em sua relação com o público, o que a
sátira provoca no leitor? O riso sarcástico ou o riso ingênuo? Na maioria das vezes,
o ato de rir vem acompanhado por algo ou alguma coisa que lhe tenha provocado.
Portanto, o riso não é algo abstrato. Segundo o estruturalista russo Vladimir Propp, o
riso pode ser80:
[...] alegre ou triste, bom e indignado, inteligente e tolo, soberbo e cordial,
indulgente e insinuante, depreciativo e tímido, amigável e hostil, irônico e
sincero, sarcástico e ingênuo, terno e grosseiro, significativo e gratuito,
triunfante e justificativo, despudorado e embaraçado. Pode-se, ainda,
aumentar esta lista: divertido, melancólico, nervoso, histérico, gozador,
fisiológico, animalesco. Pode ser até um riso tétrico!
O riso encontra-se ligado a certos aspectos e atos do homem que levam à
construção e a encenação de uma comédia, mas o rir natural de algo que seja
engraçado torna-se diferente quando este ato é aplicado à arte literária. Este riso
literário é o “riso da zombaria”, facilmente identificado dentro de uma reunião de
amigos, por meio de piadas e ironias. O “riso de zombaria” aproxima-se muito da
comicidade, e tanto a comicidade quanto o riso da ridicularização são focalizados
dentro da esfera do satírico. Com isso, por que e do quê as pessoas riem? O que
pode ser cômico? O que provoca o riso? Vladimir Propp (1992, p. 29) dá-nos a
resposta, dizendo que:
80
PROPP, V. Comicidade e Riso. São Paulo: Ética, 1992, p: 27-28.
Aqui vemos que é possível rir do homem em quase todas as suas
manifestações. Exceção feita ao domínio dos sofrimentos, coisa que
Aristóteles já havia notado. Pode ser ridículo o aspecto da pessoa, seu
rosto, sua silhueta, seus movimentos. Podem ser cômicos os raciocínios em
que a pessoa aparente pouco senso comum; um campo especial de
escárnio é constituído pelo caráter do homem, pelo âmbito de sua vida
moral, de suas aspirações, de seus desejos e de seus objetivos. Pode ser
ridículo o que o homem diz, como manifestação daquelas características
que não eram notadas enquanto ele permanecia calado. Em poucas
palavras, tanto a vida física quanto a vida moral e intelectual do homem
podem tornar-se objeto de riso.
Portanto, identificar o cômico depende tanto do gênero de quem olha quanto
da própria pessoa que se olha. O sujeito como indivíduo pode revelar
involuntariamente seu lado humorístico ou então, revelar quando outro o identifica
ao zombá-lo. Dentro desta lógica, suscitar o riso no cotidiano é o mesmo que
suscitá-lo na arte. O riso da grande maioria das obras literárias é exatamente o meu
e o seu riso, ou seja, o riso do dia-a-dia.
Com efeito, a comicidade consiste num agrupamento da ação de dados
objetivos do homem, como já visto, o riso acontece quando algo cômico ocorre, mas
nem sempre o cômico provoca o riso, este depende ainda de condições de ordem
histórica, social e pessoal: “É evidente que no âmbito de cada cultura nacional,
diferentes camadas sociais possuirão um sentido de humor e diferentes meios para
expressá-lo”.81
Neste sentido, o Satyricon revela sua importância para o estudo do mundo
romano. A linguagem empregada por Petrônio chama a atenção sobre sua própria
existência material composta por uma narrativa própria, de interação entre texto e
contexto. Suas palavras podem ser usadas como expressão de pensamentos,
objetos e sentimentos que foram representativos de seu tempo, isto é, século I d.C.
Sublinhamos ainda que, imersos a essa visão teórica, a obra literária
Satyricon não é um romance realista, pois se apresenta como um discurso satírico,
com caracteres lingüísticos específicos, tais como o emprego de paródias, com
81
PROPP, V., op cit., p: 32.
discursos cômicos e irônicos. O filólogo alemão e crítico de literatura Erich
Auerbach82 nos completa dizendo que:
Na sátira conservou-se certamente bastante coisa que segue o mesmo
sentido, mas a representação não é tão amplamente disposta, mas antes
moralista; tende mais à crítica de alguma característica viciosa ou ridícula. O
romance, finalmente, fábula milesiaca, gênero ao qual pertence, no fim das
contas, a obra de Petrônio, está, em outros fragmentos ou obras que
conservamos tão fortemente carregado de elementos mágicos, aventurosos,
mitológicos e, sobretudo, eróticos, que de maneira alguma pode ser
considerado uma imitação da vida quotidiana de então – sem falar da
estilização irreal e retórica da linguagem.
Com base nessas afirmações, a obra mostra-se como um “retrato” teatral da
vida romana na época de Nero. Ao expor os diálogos do banquete de Trimálquio,
Petrônio nos oferece subsídios para compreender o modo em que viviam as
camadas mais baixas da corte do Imperador, principalmente ao expor as expressões
e as gírias latinas do período Imperial. O romance é narrado em primeira pessoa,
pelo personagem Encólpio, que juntamente com Gíton viajam pela Itália sem um
destino definido, perseguidos pela ira do deus Príapo, que o torna impotente pela
difamação ao culto do “deus menor”. O Professor e pesquisador de Literatura
Clássica Cláudio Aquati nos diz que83:
Nos trechos remanescentes, o Satíricon conta as aventuras e desventuras
de dois rapazes que perambulam pelo sul da Itália, nas imediações de
Pompéia e Nápoles. Mas é possível que, nas partes perdidas, eles tenham
começado sua viagem bem mais ao norte, na cidade de Massília (hoje,
Marselha). Um deles é Encólpio, o narrador e personagem principal. Jovem
bissexual, ciumento, covarde e violento, é um estudante que aparentemente
conhece as letras, a retórica em particular. Acompanha-o Gitão, adolescente
que tem por volta de dezesseis anos, um homossexual efeminado, volúvel e
dissimulado. [...] Assim, presume-se que, partindo de Massília, em
determinado momento Encólpio tenha profanado o culto de Príapo, deus da
permanente ereção, e, por isso teria incorrido em sua ira. Logo após essa
ofensa, o rapaz teria conhecido Gitão, por quem se apaixonou. Depois
disso, é sempre o ciúme que parece mover Encólpio. Esse sentimento,
como tudo indica, fora lhe instilado como parte da própria vingança de
Príapo. Além desse ciúme doentio, Príapo castigara Encólpio com uma
82
Cf: AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo:
Perspectiva, 1987, p: 26.
83
AQUATI, C. “Pósfácio”. In: Petrônio. Satyricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p: 224 e 225.
impotência sexual intermitente. Dirigindo-se para o sul da Itália,
provavelmente num movimento de fuga, como só ia acontecer em todo o
Satíricon, os moços ter-se-iam encontrado com os lascivos Trifena e Licas –
que aparecerão novamente na parte conhecida - , personagens que eles
teriam de alguma forma lesado, roubando-os e traindo sua confiança. Já na
Itália meridional, na região da Campânia, aceitariam a companhia de Ascilto,
com quem formariam um tumultuado triângulo amoroso. Nessa altura,
teriam tomado contato com um certo Licurgo, que acabaria morto e
assassinado pelo ciumento Encólpio.
Dessa forma, nas andanças de aventura, contracenam com vários
personagens, tais como Ascilto, que passa a interferir na relação de Gíton com
Encólpio; pelos caminhos encontram ainda: “Agamêmnon, Eumolpo, Licas, bruxas,
as sacerdotisas do deus Príapo84, libertos, ricos e pobres”. A narrativa é permeada
de histórias de naufrágios, roubos, bruxarias, prazeres gastronômicos e orgias.
Sobre o que foi dito, justificamos com as observações do sociólogo Fernando de
Azevedo (1962, p. 42):
Petrônio foi um dos precursores do romance popular, é criar tipos capazes
de viverem, daí por diante, a vida intensa da arte, personificando um
caráter, um temperamento, um vício ou um feito de espírito. Todos os que o
lêem, sofrem o encanto de uma sensibilidade flexível e viva, que vai até o
fundo dos caracteres e de uma intuição psicológica com que parece
envolver e prolongar as suas personagens. Ele é sempre fremente e
humano. As figuras que põe em cena, homens e mulheres, pensam e
sentem, falam e agem de acordo com o seu meio social, de que ele registra
as mais ligeiras palpitações de vida, com uma arte de abreviações, em que
as coisas se tomam objetivamente e bastam alguns toques essenciais para
evocar uma fisionomia, fixar um tipo ou apanhar em flagrante um aspecto da
sociedade de seu tempo. O Satyricon, com a sua mistura de simbólico e
burlesco, com o seu realismo cortante aliado a um gosto delicado das
coisas transparentes, e com suas notações pitorescas, constitui o estudo
dos costumes e das idéias, da vida intelectual e social, e de algum modo a
história interna e moral de Roma, no tempo de Petrônio.
84
Na mitologia grega era o deus da fertilidade. Assim, Príapo apresentava como característica o falo
ou o membro genital enorme. O culto provavelmente surgiu no século IV na Ásia Menor, na cidade de
Lâmpsaco. Hoja chamada Lampsaki, situa-se às margens do Helesponto, estreito que fica no
Quersoneso, região da Trácia, que corresponde ao atual estreito de Dardanelos, na Turquia. A figura
de Príapo originou-se das imagens fálicas diante das quais se realizavam as orgias dionísíacas. Nas
festividades de Dionísio, ocorria a falofória, procissão em que um enorme falo era transportado pelo
falófaro, sacerdote “que porta o falo”. O culto sacro e profano de que Príapo foi objeto em Roma
abrangeu todas as ordens sociais e foi preponderantemente privado. Entretanto, considerado como
uma “divindade humilde” foi religiosamente muito cultuada entre as ordens sociais mais baixas. Cf.
OLIVA NETO, J. A. Falo no Jardim: priapéia Grega, priapéia latina. Campinas: Editora da
Unicamp, 2006, p. 15-32
O
Satyricon
constitui
um
importante
documento
histórico
para
se
compreender as minúcias da vida do povo romano, da expressão da alma popular
latina por intermédio dos contos populares, dos mitos e símbolos, das lendas, das
canções, do folclore. Com relação à divisão dos episódios no romance, adotamos as
ações descritas por Fábio Faversani. À luz desse quadro, destacamos:
Primeira parte – Puteoli ou outra cidade da Campânia (?), próxima a
Nápoles. Aqui ocorrem as primeiras aventuras de Encolpius – que narram
em primeira pessoa – e dois companheiros: Acyltos e Giton. Aparecem, de
forma destacada, dois episódios: o do combate retórico no pórtico (cc. 1-25,
e o da sacerdotisa Quartilla. Outras cenas se desenrolam em prostíbulos,
albergues, pequenos mercados e outros cenários urbanos (cc. 1 a 25)
Segunda parte – Cena Trimalchionis. Constitui praticamente a única parte
explorada pela historiografia. Introduz o leitor na casa de Trimalchio, um
liberto milionário, que oferece um lauto banquete no transcorrer do qual,
além de explicar a origem de sua fortuna, expõe suas idéias, hábitos e
cultura. Nesse trecho, falam escravos, libertos ricos e pobres, além de
personagens de origem livre (cc. 25 a 78)
Terceira parte – Na praia com Eumolpus. Ascyltos deixa de compor o trio
de Protagonistas e aparece Eumolpus, um velho poeta, que o integrará.
Esta cena se dá em um lugar próximo ao mar (talvez o Golfo de Nápoles).
Dois episódios se destacam: no primeiro, passam por uma pinacoteca e
examinam a arte clássica e, no segundo, se envolvem em um conflito dentro
de uma hospedaria (cc. 89 a 115).
Quarta parte – Caminho de Crotona. Os protagonistas embarcam em um
navio que pertence a Lichas, do qual fugiam Encolpius e Gíton. A
embarcação naufraga. Eumolpos escreve um extenso poema, o da Guerra
Civil (c. 125 a 141).
Quinta parte – Crotona. O trio consegue enriquecer através de uma farsa
que ilude toda a cidade. São descobertos e Eumolpos é morto ritualmente
pela população. Encolpius e Giton escapam. Final (c. 125 a 141) 85
O Satyricon é tributário da “Odisséia”, pois se estima que a obra completa
seja maior que os “dezesseis livros” conhecidos, podendo chegar a vinte livros, com
um volume aproximado de mil páginas.86 O Professor de Estudos Clássicos Gareth
85
86
Cf: FAVERSANI, F., op. cit., p: 15-16 e Apud (GARRAFONI, R.S., op cit., p: 41)
Sobre a influência da Odisséia no Satyricon, cabe ressaltar que como na obra de Homero, o herói
do Satyricon empreende-se a uma longa jornada. E tal qual como na Odisséia, o protagonista do
Satyricon de Petrônio se vê perseguido por um deus. No que diz respeito a certos episódios, a
Schmeling cita que essa idéia de que a obra original de Petrônio estaria dividida
entre vinte livros, podendo chegar também a vinte e quatro livros é especulativa, pois
as informações sobre sua produção original são fragmentárias. Sobre esse parecer,
e apesar das especulações Schemeling confere a divisão da obra em vinte e quatro
livros. Observemos a citação com a divisão da obra no original traduzido do latim
para o inglês proposta por ele:
A noção de que o Satyricon é constituído de 24 livros é altamente
especulativo. Não sabemos se Petrônio tinha concluído o Satyricon no
momento de sua morte em 66 d.C, ou mesmo se ele teve uma idéia de uma
sistemática da obra. Dentre os elementos de prova que podemos especular,
o Satyricon no original poderia ter algo parecido com isto:87
Porém, mesmo o Satyricon sendo uma obra fragmentária, serve como um
importante referencial para compreendermos a cultura da sociedade romana,
principalmente para o estudo dos “excluídos”. Petrônio inova a literatura latina ao
dirigir seus olhares para os mais diversos extratos da sociedade do período do
principado romano, por meio do referencial da fonética latina, isto é, do “latim
vulgar”.
A arte, quase pictural, com que, em quadros cheios de colorido e
movimento, recria a atmosfera e sacode de vida o ambiente e as figuras,
alia-se a uma observação psicológica, rica de malícias sutis e profundas, de
que o autor do Satyricon guarda o segredo, entre os latinos. Sentindo-se
bem na perfídia, e movendo-se entre os vícios com uma destreza tranqüila
que nunca outrem atingiu, na antiguidade, é implacável na condenação do
ridículo, que sabe surpreender, com olhar vigilante, ainda nos seus aspectos
fugitivos. O que, no entanto, empresta ao Satyricon um caráter de fino
humorismo e de ironia penetrante, é a impagável ingenuidade, com que
Petrônio narra às coisas mais torpes e ridículas.88
referência para com a Odisséia é irrefutável, como a cena em que a mulher com quem Encólpio tem
uma frustante experiência amorosa chama-se Circe, mesmo nome da deusa em Odisséia que
transforma os marinheiros de Ulisses em porcos. Após vinte anos de sua partida, Ulisses é
reconhecido na sua volta a Ítaca por uma velha ama, que o reconhece por meio de sua cicatriz
adquirida ainda na juventude. No Satyricon, dentro da barca de Licas, este reconhece Encólpio pela
genitália.
87
Cf. “The notion that the completed Satyrica consists of 24 books is highly speculative. We do not
know if Petronius had completed the Satyrica at the time of his death in A.D 66, or if he had even an
idea of a systematic Satyrica. From the evidence we can speculate that the Satyrica in the original
might have looked something like this:” (SCHMELING, op cit, p. 460) (tp) Vêr: Apêndice I.
88
AZEVEDO, F de.,op cit., p. 66.
Cabe ressaltar que Petrônio ao fazer uso do “exagero”, do recurso cômico, da
justaposição de elementos incompatíveis, constrói um tipo de realidade, mais voltado
à reflexão do que propriamente a “realidade do momento”. Assim, mediante os
diferentes olhares sobre os diferentes ângulos da obra, construímos a nossa própria
realidade sobre o olhar de Petrônio, sempre atento às fronteiras do anacronismo e
das incoerências da formação do texto histórico. O uso de uma metodologia
apropriada, específica é que permite o inovar da obra literária do Satyricon que
sobrevive há mais de dois mil anos, sempre propondo a cada estudo uma nova
forma de compreender não somente a Roma de Petrônio, mas os alicerces da
sociedade moderna ocidental. Para isso, consultamos as reflexões de Aquati (2008,
p. 235) e do pesquisador René Martin89 respectivamente:
Em relação a tradições literárias mais cristalizadas, o Satyricon inova ao
promover mudanças nas ações e emoções do herói, que perde todo o
senso sociopolítico e permanece com os valores pessoais individualizantes,
isto é, sem se importar com qualquer significado para a coletividade. Ao
assumir outra perspectiva ideológica, Petrônio constrói uma obra que
explora justamente as perturbações das relações humanas
O que ele pinta é a realidade de seu tempo; mas ele a via, como todo
criador, através do prisma de sua própria sensibilidade; ele procede, o mais
freqüentemente, à maneira de um caricaturista, aumentando os traços e
acentuando as características.
[...] Eu escuto e você diz, mas certamente, como Flaubert dizia: „Madame
Bovary sou eu.90
Assim, a obra de Petrônio representou um confronto às idéias tradicionais,
principalmente no que se refere à história da literatura antiga. Sua herança literária
pode ser verificada nos escritos do literato francês Gustave Flaubert em Madame
Bovary, do escritor francês Jacques Anatole François Thibault, do romancista JorisKarl Huysmans, do poeta irlandês William Butler Yeats e do escritor Oscar Wilde;
bem como do escritor francês Eugène Marcel Proust, do poeta e músico Ezra
Pound, da escritora James Joyce, do poeta modernista e crítico literário Thomas
Stearns Eliot, do escritor norte americano Henry Miller, do escritor Louis-Ferdinand
89
Cf: MARTIN, R. “La „Cena Trimalchionis‟: lês trois niveaux d‟um festin.” In: Bulletin de
l‟association Guillaume Budé, vol. 3, 1988, p: 239 Cf: MARTIN, R. Le Satyricon Pétrone.
Foundateurs Textes. Paris: Ellipses, 1999, p. 232-234.
90
FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew: Rios de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995, p. 127.
Céline, Aldous Husley, também do escritor estadunidense Francis Scott Fitzgerald e
do romancista Gore Vidal.
O Satyricon também pode ser conferido no campo cinematográfico por
Federico Fellini, que ao fazer uma releitura do passado, usa de uma liberdade única,
deliberada pela crítica cinematográfica italiana como felliniana, pois mesmo usando
de um esboço da realidade de seu tempo, Fellini mantém aspectos originais da obra
de Petrônio. A produção data de 1969 e apresenta um convite a recompor o
passado clássico por meio do mundo moderno, o da cinematografia.
E assim, o mito de Petrônio começa. Sua morte é traduzida nos arquétipos
nobres da literatura popular romana, tornando-se um importante referencial
ainda em obras como Jeremy Taylor‟s em The Rule and Exercise of Holy
Dying (1978), Henryk Sienkiewicz‟ Quo Vadis (1896), Nicholas Blake‟s
mystery the Worn of Death (1961), e Federico Fellini com o filme Satyricon
(1969).91
Ao analisarmos uma produção cinematográfica em consonância com a obra
literária, salientamos a necessidade de se pensar nas particularidades do texto
verbal e de um não-verbal. Para compreendermos os rituais do Satyricon como uma
forma de Linguagem Simbólica, propomos o estudo da teoria dos símbolos por meio
da relação autor, público e obra.
[...] Relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre idéias contidas nos
discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de
determinações extra textuais que presidem a produção, a circulação e o
consumo dos discursos. Em uma palavra, o historiador deve sempre, sem
negligenciar a forma do discurso, relacioná-los ao social. A História é
sempre texto, ou mais amplamente, discurso, seja ele escrito, icnográfico,
gestual etc., de sorte que somente através desta descrição dos discursos
que exprimem ou contêm a História poderá o historiador realizar o seu
trabalho.92
91
Cf: “And so the myth of Petronius begins. His death is translated into the archetypal death of noble
Romans popular in literature an becomes an important part in such works as Jeremy Taylor‟s The
Rule and Exercise of Holy Dying (1978), Henryk Sienkiewicz‟ Quo Vadis (1896), Nicholas Blake‟s
mystery the Worn of Death (1961), and Federico Fellini‟s movie Fellini-Satyricon (1969).”
(SCHMELING, op cit., p. 459) (tp)
92
Cf: CARDOSO, C.F; VAINFAS, R. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 378.
Com esta visão, passamos a tecer o Satyricon de Fellini, como um mediador
do mundo Clássico ao Contemporâneo, da busca pela intertextualidade, da leitura
da obra clássica por meio da produção fílmica, evidenciando novas abordagens de
leitura do passado romano e da singularidade do mundo moderno; o foco para
transitarmos entre um período e outro passa a ser o cineasta: Federico Fellini.
[...] a ficção não seria o avesso do real, mas
uma outra forma de captá-la, onde os limites
da criação e fantasia são mais amplos do que
aqueles permitidos ao historiador [...]. Para o
historiador a literatura continua a ser um
documento ou fonte, mas o que há para ler
nela é a representação que ela comporta [...] o
que nela se resgata é a reapresentação do
mundo que comporta a forma narrativa.
(Sandra J. Pesavento. Relação entre História
e Literatura e Representação das Identidades
Urbanas no Brasil - século XIX e XX).
[...] para a história, tanto a estrutura da
narrativa
como
seus
detalhes
são
representações da realidade passada. E mais:
fundamentalmente pretende que a narrativa
seja uma representação verdadeira [...], a
ficção não tem essa pretensão.
(Helena Bomeny. Encontro suspeito: História
e Ficção).
1.2 O SATYRICON DE FEDERICO FELLINI
Aceita-me tal como eu sou. Só então poderemos
descobrir-nos um ao outro.
(Federico Fellini)
Cinema-verdade? Prefiro o cinema mentira. A
mentira é sempre mais interessante do que a
verdade.
(Federico Fellini)
Federico Fellini ao compor o filme Satyricon realiza um esboço satírico da
revolução sexual dos jovens de seu período. O cineasta nos informa que ao reler
Petrônio, o enredo tinha lhe causado admiração, certo fascínio com a construção da
história, principalmente pelos fragmentos e as partes que estavam faltando da
mesma.
Com esse pensamento tomou a iniciativa de reconstruí-la, mas não de forma
positivista, documental, mas levando em consideração as influências do seu meio,
baseado em seu olhar cinematográfico sobre um período distante e que lhe
perseguia em seus sonhos.
A relação de Fellini com o mundo dos sonhos estava ligada pela necessidade
que tinha de buscar decifrar-se, não somente a si próprio, mas também àqueles que
o cercavam. No conjunto das relações entre a realidade e a fantasia Fellini (1995, p.
113) nos relata:
[...] No entanto a linguagem dos sonhos é a mesma de um filme e o filme é
um sonho. Podemos dilatar o espaço, dar saltos no tempo, fazer aparecer e
desaparecer as pessoas sem razão aparente. Assim que nos lembrarmos
de um sonho, pensamos nas perspectivas e nos personagens estranhos,
mas, sobretudo na luz indefinível, aquela que se associa a uma consciência
livre. Ainda mais quando essa luz revela e esconde nossas mais profundas
emoções; eu tento reproduzi-la no estúdio, na esperança de tornar meus
filmes „sonháveis‟.
A necessidade de nos conhecermos como seres transformadores do meio em
que estamos imersos, bem como as relações com o “outro” caracterizava a lógica de
Fellini de anularmos os limites entre a concepção de realidade e fantasia.
Para o cineasta é por intermédio dos sonhos que nos expressamos, somos o
que somos na expressão do “eu”, na psique do pensamento. Vejamos o que Fellini
(1986, p. 119) ainda nos fala dos motivos que o levaram a trazer o Satyricon do
universo literário para o mundo das telas:
Juntamente com Casanova, com o Decameron e o Orlando furioso.
Satíricon fazia parte, desde os tempos de Os Boas-vidas, dos filmes que
prometia aos produtores como uma satisfação, em troca pela Estrada e tudo
o mais que me interessava. Mas nunca tinha pensado em manter
verdadeiramente essa promessa. Durante a convalescença da pleurite
alérgica, reli Petrônio e fiquei fascinado por um particular que anteriormente
nem havia notado: as partes que faltavam, isto é, o escuro, entre um
episódio e outro. [...] Convalescendo em Manzina, na pequena biblioteca de
uma pensão, caiu em minhas mãos Petrônio, tornando a me provocar uma
grande emoção. Me faz pensar nas colunas, nas cabeças, nos olhos que
faltavam, nos narizes quebrados, em toda a cenografia sepulcral da Ápia
Antiga, ou em geral, aos museus arqueológicos. Fragmentos esparsos,
pequenas armas que reapareciam daquilo que ainda podia ser considerado
um sonho, em grande parte remoto e esquecido. Não uma época histórica,
filologicamente reconstruída sobre documentos, positivistamente acertada,
mas uma grande galáxia onírica, afundada no escuro, entre o brilho de
gelos flutuantes, boiando em nossa direção. Creio que fui seduzido pela
ocasião de reconstruir esse sonho, a sua transparência enigmática, a sua
clareza indecifrável. [...] O mundo antigo, disse a mim mesmo, não existe
mais, mas não há dúvidas de que sonhamos com ele. O esforço seria no
sentido de anular os limites entre sonho e fantasia, de inventar tudo e
depois objetivar essa operação fantástica para poder explorá-la como
qualquer coisa ao mesmo tempo intacta e irreconhecível.
Tendo em vista o que já foi dito sobre o Satyricon, enfatizamos que a obra
fílmica é composta por cores que tem como referencial a pintura do mural de
Herculano e Pompéia.93 Assim, a transposição do espaço pictural para o espaço
93
Pompéia (Pompéii) era uma antiga cidade da Campânia, ao sul da Itália. Fundada pelos Oscos foi
dominada pelos gregos no século VIII a.C e ocupada pelos etruscos no século VII. Sofreu invasão
dos Samnitas no final do século V a.C, aliando-se a Roma no século III. Ao participar da Guerra Civil
do século I a.C, tornou-se uma colônia romana. Em 79 a.C Pompéia foi destruída pela erupção do
vulcão Vesúvio. Herculano (Herculaneum) cidade menor que Pompéia também acabou sendo
arrasada pela erupção do vulcão Vesúvio. As escavações arqueológicas permitiram reconstruir o
cotidiano dos romanos na Antiguidade. O Satyricon de Petrônio faz referência aos usos e costumes
dos “novos-ricos” que moravam em Pompéia, anos antes da erupção do vulcão. A epigrafia tem-se
fílmico leva o espectador para o mundo romano proposto por Fellini. A função
estética elaborada pelo cineasta é resultado da mistura dos sons e das formas. A
filósofa e crítica da literatura, a Prof. Dr. Gilda de Mello e Souza nos esclarece
dizendo que94:
[...] Desde o início, quando a figura de Encólpio, em pé, ao lado dos
fragmentos do afresco, desliza graciosa, paralela ao muro, sentimos que
penetramos no espaço da pintura romana – restrito, emparedado, sem
escolamento de planos, onde lemos as formas linearmente, como um friso.
Logo as equivalências se sucedem felicíssimas, e o filme abandona
qualquer intenção arqueológica, para conservar, na obsessão ininterrupta
do fogo, o vermelho incandescente dos afrescos da Vila dos Mistérios; no
céu e no mar, os azuis intensos. A utilização da cor passa de abstrata a
violentamente emocional, mas a composição das cenas continua repetindo
com fidelidade o espaço retalhado dos interiores romanos, a desolação da
paisagem, na proximidade seca das rochas. Nesta perspectiva, a névoa e o
vento, recurso muito fácil, de que Fellini abusa, perdem o sentido de
conotação mecânica de mistérios e horror, para assumir a função estética
de esmaecer os sons e as formas: o equivalente de transparência azulada
da têmpera, na pintura da casa de Lívia, por exemplo.
Em seus filmes, Fellini não apenas priorizava a imagem em si, mas dava
uma singular importância também à sonorização. A expressão por meio da
dublagem era o que dava significado às suas “figuras”. Na relação da imagem com o
som, Fellini (1986, p. 72) diz que:
Provavelmente no início experimentei muito o condicionamento narrativo da
história, fazia um cinema mais paraliterário do que plástico. Seguindo
adiante, confiei mais na imagem, e cada vez mais tento prescidir das
palavras enquanto filmo. É durante a dublagem que volto a dar grande
importância aos diálogos. Nisto, sou diferente de Antonioni, que talvez, para
exprimir tudo mediante a imagem, insiste ostensivamente, com monótona
severidade, no objeto. Eu sinto necessidade de dar ao que é sonoro a
mesma expressividade da imagem, de criar uma espécie de polifonia. É por
causa disso que sou contrário, tão freqüentemente, a usar o mesmo ator, o
rosto e a voz. O importante é que o personagem tenha uma voz que o torne
ocupado em estudar os grafitos presentes nas paredes de Pompéia. Muitos dos grafitos tratam de
questões ligadas a propaganda eleitoral, aos anúncios de espetáculos, versos de poetas, sátiras aos
ricos avarentos, proprietários de tabernas que misturavam água ao vinho; alfabetos rabiscados por
crianças e grafitos que envolviam a sexualidade do homem na antiguidade. Sobre o cotidiano romano
em Pompéia Cf. CORNELL, T e MATTHEWS, J. “A vida urbana em Pompéia. In: Roma: legado de
um Império. Rio de Janeiro: Edições del Prado, 1996. v.1 p: 86 e 87.
94
Cf: SOUSA, G. de M. “Fellini e a Decadência”. In: Exercícios de Leitura. São Paulo: Duas
Cidades, 1980, p. 139-140.
ainda mais expressivo. Para mim, a dublagem é indispensável, é uma
operação musical com a qual reforço o significado das figuras. De nada me
serve a gravação direta. Muitos ruídos no som direto são inúteis. Nos meus
filmes, por exemplo, não se ouvem quase os passos. Estes são ruídos que
o espectador percebe apenas mentalmente, e portanto não há a
necessidade de sublinhá-los: assim, se eles são ouvidos realmente,
perturbam. Eis porque a trilha sonora é um trabalho para ser feito à parte,
depois de todo o resto, juntamente com a música.
Nesse sentido, a relação da imagem com o som para Fellini tinha muito a ver
com a construção da memória, do pensamento, da busca pela “identidade”. E a
memória estabelecia um jogo dialético com as lembranças, de conferir um som às
imagens que nos recordamos. Assim, por intermédio das lembranças ou através da
memória, ou das lembranças que “construímos” com a memória é o que nos destaca
como seres únicos e históricos.
[...] A lembrança pode ser real ou inventada, como é o caso da maioria das
minhas lembranças. A memória, ao contrário, é completamente diferente:
nós entramos numa dimensão entre o paranormal, o espiritual e alguma
coisa que vivemos desde sempre. A memória nem tem necessidade de se
exprimir através das lembranças. É um composto misterioso, quase
indefinível, mas que nos liga a alguma coisa que, às vezes nós mesmos nos
lembramos de tê-las vivido: os acontecimentos, as sensações que não
sabemos definir, mas que confusamente sabemos que existiram. Assim, um
artista – perdoe-me esta definição um pouco orgulhosa e desproporcionada
-, um criador tem um conhecimento verdadeiro da memória, que pode lhe
fazer lembrar que nunca apareceram de fato no contexto de sua vida.95
A teórica política alemã Hannah Arendt em seu texto “O conceito de História –
antigo e moderno”
96
relata a sua aproximação com o conceito “Histórico”, quanto se
trata da relação entre História e Memória. Com isto, tanto Hannah Arendt como o
filósofo e sociólogo Walter Benjamin 97 consideram que os vestígios passados
95
Cf: FELLINI, F., op cit., p. 24.
96
Cf: ARENDT, H. “O Conceito de História – antigo e moderno”. In: ARENDT, H. Entre o passado e
o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 43-126.
97
Cf: ARENDT, H. “Walter Benjamin”. In: ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. São Paulo:
Cia das Letras, 1987, p: 133-176. Sobre o conceito de “História”. Cf também: BENJAMIN, W. “Sobre o
conceito de História”. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1985, p. 222 e segs.
servem para elucidar os acontecimentos futuros. Nessa postura “Clássica” da
História comparam determinadas experiências históricas como pérolas que estão no
fundo do mar esperando um pescador trazê-las à superfície. O historiador seria este
pescador que vai até a profundidade da experiência humana e não para trás, como
no tempo cronológico.98
Para Arendt em diálogo com Benjamin, o tempo histórico, da memória
histórica é constituído por fragmentos, por rupturas e não formado por causalidades.
Com este pensamento, a concepção de memória e História para os gregos exercia a
função de salvar os feitos do homem do esquecimento, para que com isso possa ser
lembrado na posteridade.99 A professora Jacy Seixas100 da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), nos diz que a memória e a história nos estabelecem uma relação
conflituosa. Com isso, visualizamos:
Ao debruçar sobre a memória, a historiografia contemporânea pouco tem
recorrido às reflexões da filosofia ou da literatura, mas tem estabelecido
com a sociologia seu diálogo preferencial. De fato, é a sociologia da
memória de Maurice Halbwachs que se constitui na base teórica
fundamental à maioria dos trabalhos historiográficos. Neste sentido, é
importante assinalar a influência de Halbwachs – que elabora, em 1925,
uma sociologia da memória coletiva – sobre Pierre Nora, que no terreno
historiográfico elaborará a divisão e oposição entre memória e História.
Escreve Nora, em 1984, de forma provocativa: Memória, história: longe de
serem sinônimos, tomamos consciência de que tudo os opõe. Nora retoma
e se apropria das idéias básicas de Halbwachs – a oposição que estabelece
entre memória coletiva e história. À memória coletiva, Halbwachs confere o
atributo de atividade natural, espontânea, desinteressada e seletiva, que
guarda do passado apenas o que lhe possa ser útil para criar um elo entre o
presente e o passado, ao contrário da história que constitui um processo
interessado, político, e, portanto manipulador.
98
Apud (MAGALHÃES, M. B. Memória e História: Hannah Arendt em Estudos Ibero-Americanos.
PUCRS: Edição especial, n. 2, 2006, p. 49-60.)
99
100
Cf: BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 70.
Cf: SEIXAS, J. “Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais”. In:
BRESCIANI, S; NAXARA, M. Memória e ressentimento: indagações sobre uma questão sensível.
Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p: 40 Apud (MAGALHÃES, M. B., op cit., p. 58)
Diante desta citação, para Arendt o historiador ou pesquisador ao construir a
narrativa histórica, tendo de enfrentar a relação entre história e memória, se impõe
em julgamentos dos fatos narrados, o que por sua vez realiza no momento da
narrativa, julgamento este distinto do moral e do jurídico, o que permite ao
historiador escapar dos dilemas entre objetivismo e relativismo cultural. A
historiografia segundo a historiadora Marionilde Brepohl de Magalhães da
Universidade Federal do Paraná cita que:
[...] tal entendimento, trata-se de depor como uma testemunha e não de
ditar sentenças, como um juiz. O historiador prestaria com seu trabalho, um
testemunho sobre aquilo que ele ouviu e viu, não a partir de uma expressão
vivida, mas através dos documentos que incitam sua imaginação e que o
leva a perguntar, como uma criança de sete anos na idade dos porquês –
aquilo que efetivamente aconteceu, porque foi assim e não de outra
maneira para distinguir, enfim, o certo do errado, o belo do feio.101
Para Fellini era comum inventar recordações com a ajuda de uma memória
que nunca existiu, ou seja, de uma memória que se fazia nascer a qualquer
momento. Fellini se reconhecia apenas por intermédio de seu trabalho, que adquiria
a função de espelho d’alma.102
101
102
Apud (MAGALHÃES, M. B., op cit., p. 59).
A idéia do “espelho d‟ alma” aqui proposto acha ligado ao artista francês Marcel Dunchamp, que
na década de 60 tornou-se um referencial no campo artístico. Ao deixar a pintura, buscou na arte
conceitual a superação da arte como “gosto” e como “cultura da estética na arte” e não intelectual.
Dessa forma, Duchamp “quis que a arte voltasse a ser uma expressão do intelecto não no sentido
lingüístico – discursivo, nem lógico – matemático, mas no genuíno – artístico. A Arte conceitual
baseia-se na polêmica, denunciando que a „idéia pura‟ idealizada pela filosofia não existe, pois
sempre carrega consigo uma imagem, assim, como a „imagem pura‟ não existe na arte: a natureza
morta serve de exemplo.” [...] Deste modo, “Ver, não significa enterrar o olho no objeto, mas perceber,
interrogar a outra parte que ele nos transmite. Trate-se, portanto de surpreender uma transmissão
chegada de um lugar inacessível – a frase do filósofo e matemático francês Daniel Sibony encontra a
idéia básica da natureza morta com Espelhos.” Cf: SCHMIDT, C. “Natureza morta com Espelhos ou a
natureza no seu próprio reflexo”. In: Cadernos da Pós-Graduação. Unicamp/IA. Campinas, p: 75-83,
s/d.
O cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais
interessante do que a verdade. A mentira é a alma do espetáculo e eu gosto
do espetáculo. A ficção pode ir em direção de uma verdade mais aguda do
que a realidade cotidiana e aparente. Não é necessário que as coisas que
mostramos sejam autênticas. Em geral, é preferível que elas não o sejam. O
que deve ser autêntica é a emoção que sentimos ao mostrar e ao
exprimir.103
Essa característica deve-se ao fato de que seu trabalho era uma fuga do
mundo autobiográfico, apesar de muitos críticos e estudiosos enquadrarem sua
produção no campo autobiográfico. Por este motivo, em uma referência ao Satyricon
Fellini (1995, p. 30-31) nos esclarece que:
Porque o que constitui seu passado, constitui invariavelmente uma parte
íntima de você mesmo. [...] De fato, quando Satíricon passou pela primeira
vez numerosa foram os que o assistiram como um comentário sobre maio
de 1968. Penso que os filmes como Casanova e E La nave va podem ser
interpretados como sendo o reflexo de uma certa realidade, exatamente
como é o caso de Ginger e Fred.
Fellini busca em Delacroix a reflexão sobre a construção da “memória”: “As
coisas que são mais reais para mim são as ilusões que criei para minha pintura.
Todo o resto não passa de areia movediça.”
104
Nesse processo, a Rimini de Fellini
era o lugar onde tinha passado boa parte de sua infância, mas a “verdadeira” Rimini
tinha se afastado dele, existindo apenas uma imagem que figurava em seus filmes.
O “fazer” cinema para Fellini (1995, p. 38-40) consistia numa forma de existência e
não apenas de expressão.
103
104
Cf: Apud (STRICH, C ; KEEL, A., op cit., p. 86).
Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1995, p. 34.
[...] Viver fazendo filmes é, para mim, a forma mais próxima de identidade
na qual posso me encontrar. É no centro de minha história que me sinto no
centro de minha existência. [...] O estilo é o que une seja a memória, sejam
as lembranças, ou uma certa ideologia, um certo sentimento, a nostalgia, o
pressentimento e a maneira com que se exprime tudo isso.
O foco narrativo do filme é caracterizado pela primeira pessoa, marcado pela
constante presença de Encólpio em cena. A forma felliniana aproxima-se de Petrônio
por ser desconexa e fragmentada. A construção do filme foi feita por episódios tal
qual como a obra literária de Petrônio. O período registrado pelo poeta romano vai
ao encontro de Fellini através de um processo de identificação. A Prof. Drª. Gilda de
Melo e Souza (1980, p. 140) afirma:
Também o tema de Satyricon não é novo no universo felliniano. A
decadência é o tema central de La Dolce Vita, e se bem que na época seja
então a contemporânea, em vários momentos do filme o diretor alude ao
passado, para mostrar a dessacralização atual dos valores [...] Em La Dolce
Vita a comparação entre o presente e o passado visava o contraste; em
Satyricon, vale como identificação.
A identificação de Fellini acha-se muito próxima da relação entre História,
memória e da construção da “identidade”, uma identidade felliniana, sua filmografia
nos revela um cineasta que se encontrava por meio da produção de seus filmes. A
Doce Vida (1960), Os Clows (1970) e A Cidade das Mulheres são alguns dos
exemplos da filmografia de Fellini na qual o mesmo se realiza quanto diretor e
“personagem” cinematográfico.
Para compreendermos um pouco da construção da identidade felliniana
recorremos à produção do sociólogo espanhol Manuel Castells, que em sua obra “O
poder da identidade” traça um panorama dos movimentos sociais e da política, como
resultado da interação entre globalização e tecnologia na sociedade moderna. O
autor ainda trabalha com assuntos ligados as questões da formação dos diferentes
tipos de identidades e como estas se relacionam com o Estado, na sua concepção
de “Instituição”. A trajetória de Castells ocorre a partir das observações e das
práticas dos movimentos sociais em contexto culturais diversos. Por este motivo, a
idéia de identidade para Castells105 pode ser verificada por meio do significado e da
experiência de um determinado povo. Vejamos:
Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou
culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles,
não seja estabelecida [...] O autoconhecimento – invariavelmente uma
construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta – nunca
está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modos
específicos, pelos outros.
Assim, para Castells identidade é o processo de construção de significado de
uma determinada cultura. Nesta interpretação, tanto para uma sociedade quanto
para o indivíduo existem identidades múltiplas. A identidade torna-se significante ao
homem na medida em que o mesmo a constrói em seu processo de individualização.
Com isso, a identidade é oriunda do processo de construção de significados,
resultante do meio em que se encontra o indivíduo, nas relações institucionais,
produtivas, religiosas e nas relações de poder.
Ao tecer estas considerações sobre a questão da identidade, podemos dizer
que Federico Fellini aproxima-se mais da “Identidade de projeto” proposto por
Castells, uma vez que o autor elenca três possíveis formas de origem da construção
da identidade, sendo elas, a identidade legitimadora, que tem como objetivo
expandir e racionalizar o poder das Instituições dominantes no meio social, ligado as
questões do autoritarismo e do nacionalismo; a identidade de resistência, que luta
contra o processo de dominação das identidades dominantes e por sua vez a
“Identidade de projeto” que como Manuel Castells cita, é um instrumento na qual o
indivíduo se utiliza para redefinir sua posição em seu meio social. Sobre esta
questão, Castells (1999, p: 24) afirma:
[...] quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material
cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir
sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda
a estrutura social.
105
Apud (CASTELLS, M. O poder da identidade, Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 22.)
Dessa forma, Federico Fellini em sua trajetória cinematográfica constrói uma
“identidade de cineasta” utilizando de um processo significante imerso na sua
relação entre o mundo do espetáculo fílmico e o da “Indústria Cultural” do cinema.
Seu papel na “Identidade de projeto” é com base na sua identidade reprimida, é em
seus filmes que Fellini torna-se “felliniano”, a marca do exagero.
A transformação social é o resultado de sua produção artística, da
receptividade do público, da construção do significado da obra fílmica de Fellini para
o coletivo. Com isso, cada espectador passa a ser atuante no processo da
construção da identidade, individualizada e coletiva.106
Os “desejos” são ao mesmo tempo coletivos e individuais. A identidade de
Fellini é o resultante de seu próprio processo criativo, da formação de um
personagem, da utilização de uma metodologia constituída por ele próprio e diluída
em seus discursos. Ao nos identificarmos com a produção fílmica de Fellini, por meio
de nossos desejos e anseios, passamos também a nos identificar com o
personagem felliniano, solidificado em seu mundo individualizado.
Esta postura da formação da identidade de Fellini, somente torna-se possível
graças à montagem fílmica107, da estruturação orgânica dos elementos do filme, isto
106
Individualizada no sentido da construção da própria identidade frente à obra fílmica e coletiva
referente ao significado cultural da obra sobre o meio social.
107
A definição técnica da montagem é simples. Trata-se de colar um após os outros, em uma ordem
determinada, fragmentos de filme, os planos, cujo comprimento foi igualmente determinado de
antemão. Essa operação é efetuada por especialista, o montador, sob a responsabilidade do diretor
(ou do produtor, conforme o caso). Cf: AUMONT, J; MARIE, M., op cit., p: 195-196. Assim sendo, “[...]
somos informados de todos os estágios da produção cinematográfica: a elaboração do roteiro, a
escolha do elenco, os ensaios, os copiões e assim por diante. O filme desmitifica o cinema, ao
escancarar todos os truques e efeitos utilizados na sua realização [...] Tomamos, assim,
conhecimento da importância do espaço fora-da-tela; tomamos enfim, conhecimento de que o cinema
pode criar ilusão ao retirar os objetos de seus contextos. Para desmitificar o cinema e, de maneira
indireta, o épico, existe forma melhor do que mostrar o próprio herói épico, não dentro do quadro,
isolado em sua glória, mas envolto e dependente de uma equipe de técnicos com suas gruas,
refletores, claquetes, câmeras e equipamentos de som?” Cf: SATAM, R. O espetáculo
interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p: 31 e
32. Vêr também: AUMONT, J. et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995 e LEONE, E;
MOURÃO, M. D. Cinema e montagem. São Paulo: Editora Ática, 1987.
é, do conjunto dos significados ordenados através do filme, tais como as imagens e
os sons.108
Ao adotarmos este ponto de vista, no processo de construção da identidade,
o indivíduo é levado a pensar sobre a formação da “memória” no aspecto coletivo e
individual. Nesse viés, a “memória individual” é caracterizada pelas recordações, das
lembranças de cunho privado, próprias da personalidade de cada um, e que
selecionamos a partir de nosso subjetivo.
A “memória coletiva” é caracterizada pelas lembranças impessoais, que
podem ser compartilhadas com o grupo conforme os interesses coletivos. Nesse
sentido, o sociólogo francês Maurice Halbwaches ressalta que:
A memória coletiva, por outro, envolve as memórias individuais, mas não se
confunde com elas. Ela evolui segundo suas leis, e se algumas lembranças
individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que
sejam recolocadas num conjunto que não é mais uma consciência pessoal.
Com esta perspectiva, o cineasta apega-se as suas lembranças, nas
recordações de sua juventude vivida em Rimini para compor seu “personagem”.
Assim, no aspecto individual é limitado há um tempo e espaço. Halbwachs ainda
completa dizendo que: [...] minhas lembranças pessoais são inteiramente minhas,
pois estão inteiramente em mim. [...] é da própria lembrança em si mesma, é em
torno dela, que vemos brilhar de alguma forma sua significação histórica. 109
Este perfil de interpretação proposto por Maurice Halbwachs divide a memória
em dois momentos. Sendo uma interior e a outra exterior, ou então uma pessoal e a
outra social. Com isso:
108
109
Cf: LEBEL, J. P. Cinema e Ideologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1975, p. 80.
Cf: HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora Revista dos Tribunais,
1990, p. 55 e 63.
A primeira se apoiaria na segunda, pois toda história de nossa vida faz parte
da história em geral. Mas a segunda seria, naturalmente, bem mais ampla
do que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o passado
senão sob uma forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de
nossa vida nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e mais denso.
[...] Os grupos dos quais faço parte nas diversas épocas não são mais os
mesmos. Ora, é do ponto de vista deles que considero o passado. É
preciso, então, que na medida em que estou mais engajado nesses grupos
e que participo mais estreitamente em sua memória, minhas lembranças se
removem e se completem.110
A identidade é o resultado do processo histórico, formados em situações e
momentos distintos, para Stuart Hall em “A Identidade Cultural na pós-modernidade”,
afirma que a identidade linear unificada é uma “fantasia” ou a aceitação de uma
“cômoda estória sobre nós mesmos”. Para Hall111:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente.
Estas considerações nos fazem refletir sobre a “natureza da obra de arte”
112
,
se a mesma encontra-se ligada diretamente ao seu criador ou torna-se singular a
110
HALBWACHS, M., op cit., p: 55; 74 e 75. A relevância da produção de Federico Fellini para a
contemporaneidade com relação à história e memória cinematográfica se encerra na sua própria
produção. Assim: “Quando a memória de uma seqüência de acontecimentos não tem mais por
suporte um grupo, aquele mesmo em que esteve engajada ou que dela suportou as conseqüências,
que lhe assistiu ou dela recebeu um relato vivo dos primeiros atores e espectadores, quando ela se
dispersa por entre alguns espíritos individuais, perdidos em novas sociedades para as quais esses
fatos não interessam mais porque lhes são decididamente exteriores, então o único meio de salvar
tais lembranças, é fixá-las por escrito em uma narrativa seguida, uma vez que as palavras e os
pensamentos morrem, mas os escritos permanecem. Cf: HALBWACHS, M., op cit., p. 80-81.
111
112
Cf: HALL, S. A identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 13.
Conceituar o que é “arte” é um desafio, pois são muitos os critérios que concedem a uma “obra”
um valor artístico, no entanto, existe um consenso que valoriza e qualificam uma obra ou um artista,
valores estes que mudam segundo a relação espaço-tempo. Para tais características Cf: MORAIS, F.
Arte é o que eu e você chamamos Arte: 801 definições sobre arte e o sistema da Arte. Rio de
Janeiro: Record, 1998. Assim, “a arte é um produto da criatividade humana que, mediante
conhecimentos, técnicas e um estilo todo pessoal, transmite uma experiência de vida ou uma visão
de mundo, expressando verdades humanas e despertando emoções em quem a usufrui.” Cf: FEIST,
H. Pequena viagem pelo mundo da arte. São Paulo: Moderna, 2003, ver também: CUMMING, R.
Para entender a arte. São Paulo. Ed. Ática, 1996.
sua produção, ou seja, na medida em que uma obra de arte é “criada”, ela passa a
ser autônoma do seu criador ou é apenas um reflexo do mesmo?
Tal questionamento nos conduz pelos caminhos da subjetivação expressa
pelo mundo artístico, mas também nos confere o elemento significante da obra
artística, do condensamento da construção do pensamento sobre a mesma. Uma
obra artística, nesse caso, literária ou cinematográfica, torna–se Clássica por
apresentar caracteres atemporais, que perpassam a idéia linear do tempo histórico.
Muitos dos conceitos com relação à “arte” foram trabalhados pelo Prof. Dr.
Norberto Stori da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM. Assim, para ele a
arte é sempre contemporânea ao seu próprio tempo, nesse viés, deparei-me com
alguns teóricos que buscaram uma definição para este termo tão complexo, tais
como o historiador da arte Ernst Hans Josef Gombrich, que cita:
Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem
somente artistas. [...] desde que se conserve em mente que tal palavra pode
significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte
com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A maiúsculo passou a
ser algo como um bicho-papão, como um fetiche. Podemos esmagar um
artista dizendo-lhe que o que ele acaba de fazer pode ser excelente ao seu
modo, só que não é “Arte”. E podemos desconcertar qualquer pessoa que
esteja contemplando com deleite uma tela, declarando que aquilo que ela
tanto aprecia não é Arte, mas uma coisa muito diferente.113
Jorge Coli, professor de História da Arte e Cultura da Universidade Estadual
de Campinas - UNICAMP, afirma que dizer o que seja arte é coisa difícil, já que
inúmeros tratados sobre estética são contraditórios. O termo “arte” ou “obra de arte”
pode ser usado no sentido classificatório ou valorativo. No sentido classificatório,
não está em jogo se uma determinada obra de arte é boa ou não, mas pretende-se
apenas firmar se um determinado objeto ou produção se classifica como obra de
arte. O sentido valorativo tenta expressar o valor positivo ou negativo, bem ou ruim
113
Cf: GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LCT – Livros Técnicos e Científicos,
1999, p. 3.
de uma obra de arte114. Para o Prof. Dr. de Literatura Brasileira da Universidade de
São Paulo - USP, Alfredo Bosi, nos diz ainda que:
Se perguntarmos hoje a um homem de cultura mediana o que ele entende
por arte, é provável que na sua resposta apareçam imagens de grandes
clássicos da Renascença, um Leonardo da Vinci, um Rafael, um
Michelangelo: arte lembra-lhe objetos consagrados pelo tempo, e que se
destinam a provocar sentimentos vários e, entre estes, um, difícil de
precisar: o sentimento do belo. [...] Constatar, porém o uso social da pintura
e da música, ou a função de mercadoria, não deve impedir-nos de ver
antropologicamente a questão maior da natureza e das funções da arte. É
preciso refletir sobre este dado incontornável: a arte tem representado,
desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade
que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor,
não esgota absolutamente o seu sentido nessas operações. 115
As múltiplas visões sobre o elemento artístico é o que confere à obra o seu
“papel” artístico, a racionalização da mesma pelo “criador” é a perda da sua “aura”. A
desconstrução da análise e a priori de seu caráter artístico limita o processo de
subjetivação do expectador da obra de arte. O artista pode sugerir uma
interpretação, mas não conferir sua interpretação como única e legítima, pois corre o
risco de levar sua “criação” ao reducionismo. Segundo Federico Fellini (1995, p.
103):
[...] O único critério que eu aprovaria para julgar uma obra de arte não é
dizer „é bonito‟ ou „é feio‟, segundo certos parâmetros, segundo variáveis
estéticas estabelecidas, mas saber se ela é vital. É a definição que me é
mais próxima e que me permite entrar em contato com a expressão
artística. Se uma obra é vital existe nela uma vida misteriosa, uma vida
própria.
114
Cf: COLI, J. O que é arte. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995, p. 7.
115
Cf: BOSI, A. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 7-8.
As novas técnicas de reprodutibilidade da obra de arte se aperfeiçoaram no
decorrer dos anos, fazendo com que o conceito de arte fosse alterado. Para
Benjamin:
Com o século XX, as técnicas de reprodução atingiram um tal nível que
estão agora em condições não só de se aplicar a todas as obras de arte do
passado e de modificar profundamente seus modos como também de que
elas mesmas se impunham como formas originais de arte.116
Mesmo que a reprodução da obra de arte seja próxima da obra original,
perde-se o caráter de originalidade. Sua identidade, o testemunho histórico do
momento da produção da obra pelo artista se descaracteriza por meio da
reprodução técnica.
Na reprodutibilidade técnica perde-se também o “caráter” da tradição, o que
era único torna-se um produto da massa, assim, a perda da “aura” da arte e
conseqüentemente da sua herança cultural se dá pelo uso de novas técnicas de
reprodução da mesma; no cinema Walter Benjamin sublinha que a produção fílmica
restringe o papel da “aura” quando reduz à personalidade do autor as necessidades
da indústria cinematográfica. Sobre a questão da perca da aura no campo da obra
fílmica, Benjamin nos reafirma que este fato somente ocorre quando se:
[...] constrói artificialmente, fora do estúdio, à personalidade do autor: oculto
da estrela, que favorece o capitalismo dos produtores cinematográficos,
protege essa magia da personalidade que há muito já esta reduzida ao
117
encanto pobre de seu valor mercantil.
De acordo com esta visão, o valor da obra de arte não está mais centrado no
original, no objeto em si, e sim na visibilidade que possa a vir adquirir. O público que
consome a arte produzida por meio do processo de reprodutibilidade, da técnica
116
117
Cf: BENJAMIN, W., op cit., p. 224
BENJAMIN, W., op cit., p. 239
industrial, passa a formar uma “cultura de massa”, não muito preocupada com a
qualidade.
Os críticos da cultura afirmam que o filme apontado como “representante
máximo da reprodutibilidade técnica da indústria cultural”, visto como objeto, não
possui um valor artístico. Entretanto, o que confere a “aura” a uma determinada
produção fílmica são os “nomes”, isto é, os atores e diretores envolvidos na
produção fílmica. Todavia a produção de um filme pode durar meses, o que por sua
vez não ocorre um contato direto com o público.
Para Walter Benjamin, a aura não pode ser encontrada na produção fílmica,
uma vez que entre o ator e o público existe uma aparelhagem para compor os
cenários, as tomadas e as edições; o que não ocorre com o teatro, na qual o público
acha-se cara a cara com o ator. Neste sentido, o cinema para Benjamin é uma forma
de expressão artística própria e direcionada para as massas. 118
Assim, o público do cinema é um examinador da obra de arte fílmica, porém
um examinador que se distraí. No conjunto do texto podemos dizer que o cinema é
uma forma artística composta por diversas técnicas, próprias da sua constituição
enquanto objeto fílmico.
Sua produção se dá não apenas por uma única pessoa, mas por um conjunto
de pessoas. Neste viés, sua reprodução não destrói a sua aura (sua pureza
artística), pois exerce a função de divulgação do trabalho de profissionais envolvidos
no processo de produção cinematográfica.
O processo de reprodutibilidade em voga no mundo moderno faz com que a
obra de arte acabe emancipando-se de seu campo ritualístico. Neste aspecto o
processo ritualístico refere-se ao valor do ritual de culto do objeto de arte. Assim
sendo, o que confere a aura a obra de arte são suas características que são
118
Walter Benjamin ao analisar a relação da obra de arte com a sociedade capitalista. O status da
arte é abalado em decorrência das técnicas da reprodução. A obra torna-se valiosa não pela
significação, mas pelo valor de mercado. O público espectador passa a exercer o papel de
consumidor quando as massas passam a consumir o objeto artístico, o autor torna-se um produtor tal
como um operário. A questão situa-se na reprodução, mais especificadamente na modalidade da
reprodução em série, na qual o original e a cópia se confundem. O sentido de autêntico e de
singularidade se dessacraliza. A indústria cultural tem como objetivo vender “cultura”, mas para
vendê-la é necessário atrair e agradar o público consumidor e não fazer o espectador refletir sobre o
“produto criado”, pois sua máxima é a distração.
singulares a própria obra, composta por elementos espaciais e temporais, o que a
torna única. O artista está na gênese da obra criada, mas o mundo em que ela se
instaura é variante ao próprio artista.119 Cabe ressaltar ainda que:
[...] A arte é uma necessidade: uma interpretação da vida, que abandonada
à própria sorte, nos aparecerá, provavelmente, desprovida de sentido,
monstruosa. A arte é o contrário disso, é alguma coisa que nos reconforta
nos tranqüiliza, nos fala da vida com termos extremamente protetores. Ela
nos faz refletir sobre a vida que por si só seria apenas um coração que bate,
um estômago que digere, pulmões que respiram, olhos que se enchem de
imagens desprovidas de sentido. Acredito que a arte é a melhor tentativa de
induzir no homem a necessidade de ter um sentimento religioso que a arte,
120
não importa qual arte exprime.
Da mesma forma, Fellini tece uma crítica as muitas adaptações literárias que
são realizadas para a tela do cinema, pois cada obra, tanto a literária quanto a
cinematográfica possuem linguagens distintas, que devem ser analisadas dentro de
seu contexto. Com isso, ao adaptar uma obra literária para o campo imagético, esta
não precisa ser necessariamente uma cópia do trabalho primário, sendo que o
universo literário, de característica verbal, pertence a “signos” distintos do não-verbal
que exigem leituras peculiares.
A adaptação fílmica passa para o viés da “tradução” diante de uma expressão
única, não ocorrendo transposição, mas recriando personagens com perfis
subjetivos ao do diretor e da obra cinematográfica.
119
Sobre a “lógica” que permeia o campo das humanidades, em especial na historiografia,
observamos o que Thompson nos fala ao defrontarmos com temporalidades e fontes diversas: “Cada
idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer à luz
novos níveis de evidência. Nesse sentido, a „história‟ (quando examinada como produto da
investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração,
ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. Mas isso não significa
absolutamente que os próprios acontecimentos passados se modifiquem a cada investigador, ou que
a evidência seja indeterminada. As discordâncias entre os historiadores podem ser de muitos tipos,
mas continuarão sendo meros intercâmbios de atitudes, ou exercícios de ideologia, se não se admitir
que seja conduzida dentro de uma disciplina comum, que visa ao conhecimento objetivo”. Cf:
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 51.
120
Cf: FELLINI, F., op cit., p. 109-112
O que Fellini traz de novo para o campo cinematográfico é a contribuição
quanto à “forma” em que o filme foi produzido e pensado. Seu enredo, a construção
dos personagens, o preenchimento de lacunas, que ocorre dada a sua interferência
no meio social e cultural, abre um leque de leituras possíveis sobre o filme e a obra
original.121
Nenhum diretor de cinema me influenciou. Em todo caso, nem mais nem
menos que os demais. O cinema em seu conjunto influenciou-me, mas
igualmente influenciaram-me minha família, minha religião, minha educação,
meu casamento, meus amigos e assim por diante: tudo que pertence à
122
minha época, tudo que me tornou o que sou.
O filme foi construído dentro do “mundo de Fellini”.123 E com isso transposto
para diferentes realidades, com distintos olhares sobre um determinado ângulo. Esta
visão de Fellini refletiu também sobre a produção do filme “Satyricon”.
121
Federico Fellini era singular dentro do campo cinematográfico, justamente porque não existia uma
técnica específica para cada filme, a metodologia utilizada por ele, a “forma” do filme era construída
com o próprio filme que estava sendo rodado. O trabalho de Federico Fellini era “aberto”, e não já
posto anterior ao próprio filme, isto é, o trabalho de Fellini não era algo que se adaptava a uma
determinada técnica, mas ele mesmo construía a técnica do filme. Tendo em vista essa característica
Fellini dizia que: “Não admito, para mim, nenhum método rígido de trabalho. Mesmo que tivesse que
explicar como se divide meu trabalho, diria que a princípio sempre há um roteiro que coincide em
grande parte com a estrutura do filme, tal como está planejado.” Cf: STRICH, C; KEEL, A., op cit., p:
87. Mesmo Fellini afirmando sua elasticidade quanto ao uso do método, fica claro que ele possuía sim
um método para produzir e dirigir seus filmes, pois faz uso de recurso próprios do campo
cinematográfico, tais como o uso de técnicas sonoras, dublagem, som, iluminação, montagem do
estúdio, enredo, métodos específicos de filmagem e construção das personagens. O que o torna
referência como diretor, é a construção de seu próprio método frente ao roteiro, como sublinhado.
Assim, o uso da técnica é visível na construção do objeto fílmico.
122
Cf: STRICH, C; KEEL, A., op cit., p. 85.
Para Federico Fellini “não existia qualquer divisão entre a imaginação e a realidade.” (Cf: FELLINI,
F., op cit., p: 130). Esse movimento “felliniano” dentro dos mundos dos sonhos e da construção de
signos para explicar o mundo cinematográfico teve influência do psicanalista Cal Jung. Com relação à
leitura dos escritos de Jung, Fellini ressalta que: “Eu li algumas linhas de Jung*, mas não posso
discuti-lo com tal desenvoltura. Devo dizer também que jamais fui psicanalisado. Jung foi um
companheiro de viagem, um desses encontros providenciais que me alimentaram me cultivou. E
lendo os trechos que podem ser considerados os mais acessíveis, penso ter descoberto alguém que
me ajudou a compreender melhor os aspectos da criatividade, a relação com a realidade e com as
mulheres.” Cf: FELLINI, F., op cit. p: 133-134. * Carl Gustav Jung (1875 – 1961). Psiquiatra suíço foi o
fundador da Escola de Psicologia. Ampliou os estudos de Freud ao interpretar os distúrbios mentais e
emocionais. Na terapia Junguiana, explorou os sonhos e as fantasias por meio de um diálogo entre a
mente consciente e os conteúdos do inconsciente.
123
Ao observarmos estas características, podemos perceber que a obra fílmica
torna-se “Clássica” por assumir um caráter de autônoma frente à obra literária e
frente ao próprio diretor. Nesse jogo de relações, torna-se artística por exprimir sua
autenticidade entre uma e outra, entre a obra literária e a fílmica.
[...] Um sonho fica sempre fascinante se preservar seu lado misterioso.
Quando se explica um sonho, destrói-se sua razão de ser e ele se torna
banal. Levando em conta a importância das imagens na minha obra, elas
devem ser capazes de comunicar as emoções e as significações
necessárias, mesmo se elas são, às vezes, contraditórias. E é por isso que
estou feliz por não termos falado diretamente de meus filmes – longe disso!
Essa é uma coisa que eu detesto fazer.124
No entanto, a semelhança entre uma obra e outra, dentro dos arquétipos, dos
protótipos, das versões que se entrelaçam é que nos conferem a intensidade da
obra produzida. É dentro desse espaço que identificamos os “rituais cotidianos do
Satyricon”, pois é no conjunto da obra de Petrônio e de Fellini que se exprimem o
conceito de unidade.125
[...] Falei antes da dificuldade para um criador em distinguir com clareza o
passado, o presente, o futuro, em traçar uma linha precisa entre a nostalgia,
o remorso e o pressentimento, porque as coisas se apresentam no seu
126
conjunto.
O cineasta reconhecia a contribuição significativa do cinema americano, pois
era o cinema dos Estados Unidos que tinha inventado um tipo de “cultura” que
passaria a pertencer a todos. Um retrato desenhado por testemunhas de seu próprio
tempo.
124
Cf: FELLINI, F., op cit., p. 192.
125
Cf: BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Obras
Escolhidas, Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1996.
126
FELLINI, F., op cit., p. 58 e 59.
O cinema Italiano para Fellini era um cinema “culpado” porque além das
histórias contadas sobre Roma, de Nápoles e da Máfia da Sicília pouco se sabe da
cultura italiana como um todo, ou seja, do seu cotidiano, dos testemunhos, dos mitos
e folclores, bem como das particulares de cada região. Sobre estas características
peculiares, torna-se necessário redescobrir o “imaginário popular” romano que se
encontra presente na contemporaneidade e expô-las nas telas do cinema moderno.
[...] Durante os anos 30 e 40, os Estados Unidos contaram, de maneira
extraordinária, contos de fadas para adultos e crianças, que nos ajudaram a
ultrapassar a paralisia sufocante, neurótica, o pesadelo da vida sob a
ditadura fascista. Então, se escolhi fazer cinema, foi verdadeiramente
graças aos Estados Unidos. [...] Falo dos desenhos animados da época,
como Popeye e Les Katzenjammer Kids. Tentei até, bem mais tarde, em
Satiricon (Fellini-Satyricon) e Os Palhaços (I clows), encontrar as cores
típicas dos desenhos animados de minha juventude. Faço referência a um
país que se expressava pelo sorriso, de maneira humorística, enquanto em
nós tudo era sério, tudo era sacrifício, tudo era mortificação da carne e
exaltação totalmente delirante da romanidade. Os Estados Unidos foram
fábula providencial que nos permitiu sobreviver, não nos enfiarmos na
tristeza de uma vida completamente artificial, traída, camuflada por duas
ideologias católica, que considerava a vida como uma passagem e a carne
como alguma coisa imunda, e a ideologia fascista, segundo a qual era
preciso morrer pela pátria. Por sorte, havia Fred Astaire, May West, os
irmãos Marx, e Mickey! Então, minha simpatia total vai para a América. [...]
Nosso cinema é um cinema culpado porque, verdadeiramente, nada contou
da Itália. Da mesma maneira, a Itália é um país completamente
desconhecido por culpa de sua literatura. Roma foi um pouco contada.
Nápoles também, mas de maneira folclórica. A Sicília é sempre vista através
das histórias truculentas da Máfia. Quanto ao resto da Itália, onde, a cada
50 quilômetros há testemunhas de uma outra cultura, de outros mitos, de
outros ritos, ninguém fala. Verdadeiramente, é um país extraordinário.127
Nessa trajetória apresentada sobre a carreira Felliniana, bem como os
caracteres que fazem parte da produção e direção do filme Satyricon, observamos o
quanto o diretor encontrava-se ligado ao seu pensamento. No Satyricon, Fellini se
destacava pela maneira em que apresentava os personagens e no tratamento em
que dava ao sentimentalismo.
127
Cf: FELLINI, F. Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1995, p. 152-155.
Assim, o filme aproximava-se de certa transfiguração da obra literária, por
intermédio dos personagens que adquiriam características disformes, próxima da
característica caricatural.
O amor em Petrônio era algo sínico. O amor homossexual era considerado
uma conduta da natureza, enquanto que o heterossexual era visto como um desvio.
Para Fellini, o amor era visto como algo confuso, um paradoxo entre o ideal feminino
e o apelo a questão sexual.
É na atmosfera geral, na maneira de apresentar os personagens e no
tratamento que dá ao amor, que Fellini se afasta radicalmente da novela e
começa a perseguir os seus próprios fantasmas. O livro de Petrônio nos dá
uma visão satírica, mas jamais trágica dos acontecimentos. [...] No filme
tudo se transfigura. À crítica se substitui o pesadelo, à comicidade o
grotesco, à festa, a visão apolítica, às personagens o paroxismo das
máscaras. – Existirão mesmo personagens, no filme? A maioria, ou melhor,
a totalidade dos figurantes é tratada de maneira caricatural, disforme,
monstruosa – são máscaras apenas. [...] E serão personagens os dois
amigos, Encólpio e Ascylto, ou significam o desdobramento do herói, a
personagem e o seu duplo? E Gyton? Não será apenas o ideal amoroso,
um “eterno feminino” a seu modo?128 (SOUSA, 1980, p. 141)
Em última instância, percorrendo o perfil de Fellini fomos construindo o
Satyricon. A metodologia escolhida nos revelou o substrato da psique humana,
numa tentativa de desvendar os estratos mais profundos do inconsciente. O mundo
antigo de seus “sonhos” é original e confunde-se com os arquétipos relacionados à
imoralidade, ao grotesco, ao uso de máscaras. As cenas dantescas mostram a
lascívia do inconsciente reprimido do paganismo romano. O uso do método
semântico (estudo dos significados) através de uma perspectiva macrossemântica
(visão do conjunto) possibilita analisar o objeto fílmico por meio de três elementos,
tais como, o temático, o figurativo e o axiológico (estudo de alguma espécie de valor,
com destaque para os valores morais). A Prof. Drª Sandra de Cássia Araújo
Pelegrini ressalta que:
128
SOUSA, G de M., op cit., p. 141.
[...] Por envolver um amplo sistema de valores éticos, estéticos, políticos e
religiosos, o estudo semântico axiológico pode oferecer expressiva
contribuição ao trabalho do historiador, especialmente, porque evidencia a
euforização de determinados temas e conceitos, enquanto desnuda a
desforização de outros, de acordo com os interesses dos produtores e dos
129
diretores e os valores da época em que o filme foi elaborado.
Com isso, podemos identificar elementos carnavalescos e a natureza do
instinto espetacular. Fellini sentiu-se atraído pela obra de Petrônio porque a
decadência moral do período romano era muito semelhante ao do seu próprio
período. A narrativa do filme se completa por meio de um mosaico, composto por
fragmentos, mas que segue uma linha quase que “virtual” compondo as peças.
Assim sendo, Fellini foi atraído pela obra de Petrônio por sua natureza
fragmentária. Além de ser um filme que reflete muito do cineasta, também é um
filme com um viés histórico. As dificuldades em se realizar um filme que tem como
referencial uma obra literária condiz com a própria reconstrução de seu período, que
para Fellini era algo impossível. Satyricon não seria um filme propriamente histórico,
apesar de se referir a um determinado período do mundo Clássico, mas um filme de
ficção sobre o passado histórico, delimitado pelo Alto Império Romano. A obra de
Fellini não mostra uma Roma como ela era de fato, mas uma Roma pagã imaginada
pelo artista.
O trabalho cinematográfico busca pelo viés do imaginário resgatar o homem
romano que tinha se perdido no tempo. Fellini faz esse jogo, de ser contemporâneo
e buscar na arqueologia o homem antigo por meio do homem moderno. A distância
que nos separa do mundo antigo é amenizada com recursos da fantasia.
Assim, as discussões que se seguem nos elucidam sobre alguns aspectos da
imagem cinematográfica e dos pressupostos metodológicos deste trabalho com base
no pensamento de Karl Marx.
129
Cf: PELEGRINI, S. de C. A; ZANIRATO, S. H. (orgs). As dimensões da imagem: abordagens
teóricas e metodológicas. Maringá: Eduem, 2005, p: 132 Apud (CARDOSO, C. F; VAINFAS, R.
Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 132)
1.3 APONTAMENTOS SOBRE A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA
“Ernst Bernhard, o psicanalista jungiano, fez
me compreender que a vida dos nossos sonhos
não é mais importante do que a nossa vida
acordada, especialmente para o artista”.
(Federico Fellini)
“Chamo de imagens em primeiro lugar as
sombras, depois os reflexos que vemos nas águas
ou na superfície de corpos opacos, polidos e
brilhantes e todas as representações do gênero”.
(Platão – République)
A produção de um filme parte de um projeto artístico, cultural e de mercado.
Sendo antes uma construção da visão de diferentes diretores, possuindo uma
linguagem específica, que difere da linguagem verbal. A construção da narrativa
fílmica ocorre por meio do processo de filmagem, do uso da tecnologia e de técnicas
próprias do mundo cinematográfico. Assim, o cinema é um produto industrial, na
qual trabalham diferentes pessoas que desconhece o todo da produção. O professor
e pesquisador Milton José de Almeida130 cita que:
[...] Mas o cinema não é um produto de um autor coletivo, social. É um
produto industrial, de fábrica, no qual trabalham pessoas que fazem
determinadas partes e não outras, num determinado momento da produção,
e não conhecem o todo do produto que está sendo fabricado [...] Ver filmes,
analisá-los, é a vontade de entender a nossa sociedade massificada,
praticamente analfabeta e que não tem uma memória de escrita.
130
Cf: ALMEIDA, M. J. de. Imagens e Sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994, p. 12.
O cinema integra uma grande indústria que possui divisão de trabalho,
hierarquização, poder e interesses de mercado. O consumidor está distante da
produção fílmica, pois este não pode devolver o produto fílmico, pois “comprou
imagens projetadas durante certo tempo”.131
A imagem cinematográfica é um tipo de expressão que faz parte da
comunicação visual. O cineasta tem como propósito transportar o espectador de seu
mundo para o mundo criado pelo filme. Sobre a “linguagem do cinema”, vejamos o
que Milton José de Almeida ainda nos fala:
Uma tentativa de ver no cinema um sistema simbólico de produção,
reprodução de significações acerca do mundo, em que ambos os termos de
comparação vêem-se reduzidos. Mas pode-se tentar. O filme, como um
texto falado/escrito, é visto/ lido como num texto/fala que à primeira
letra/som sucedem-se outros, formando palavras que se sucedem em
frases, parágrafos, períodos, até lermos/ouvimos a última letra/som e
termos o texto/fala completo, o primeiro quadro, os seguintes, as cenas, as
seqüências, o filme completo. O significado de um texto/filme é o todo,
amálgama desse conjunto de pequenas partes, em que cada uma não é
suficiente para explicá-lo, porém todas são necessárias e cada uma só tem
significação plena em relação a todas as outras. 132
A partir desta visão sobre a “linguagem cinematográfica”, o espectador não vê
o cinema, mas o filme, que faz parte do tempo presente, o tempo da projeção.
O cinema existe antes e depois da projeção do filme. A indústria, o mercado
de filmes, o roteiro, argumento, locações, atores, produção e tantas outras
coisas fazem parte do cinema. E também as interpretações, as conversas
depois do filme são coisas do cinema. Os que o produzem e os que o
consomem encontram-se na sua projeção. [...] Só então discutimos e
falamos sobre ele, como cinema, não mais como filme, longe dele, como
memória, inextricavelmente ligado á nossa história, à história do mundo em
que vivemos, à história do cinema.133
131
Cf: ALMEIDA, M. J., op cit., p. 25.
Ibid., p. 28 e 29.
133
Ibid., p. 40 e 41.
132
Ao estudar o material visual não podemos tratar as imagens apenas como
ilustrações. Estas se encontram inseridas em contextos históricos e carecem de
debates apropriados.
A professora e pesquisadora Martine Joly em sua obra “Introdução à análise
da Imagem” remete-nos ao campo da análise das significações visuais, pertencentes
ao mundo das imagens e das suas problemáticas. É Joly quem nos diz que:
[...] a imagem é um meio de expressão e de comunicação que nos vincula
às tradições mais antigas e ricas de nossa cultura. Mesmo sua leitura mais
ingênua e cotidiana mantém em nós uma memória que só exige ser um
pouco reativada para se tornar mais uma ferramenta de autonomia do que
de passividade. [...] sua compreensão necessita levar em conta alguns
contextos de comunicação, da historicidade de sua interpretação e de suas
especificidades culturais.134
A partir da leitura de Martine Joly, percebemos que as imagens em geral são
sinônimos culturais e que relatam experiências históricas, sociais, psicológicas e até
fisiológicas. Assim, quando adentramos no universo icnográfico, a única certeza que
temos é que são inúmeros os pontos de vistas das quais se podem analisar e
interpretar uma produção imagética.
No caso da imagem cinematográfica, para compreendermos um pouco da sua
estruturação, torna-se viável decompor os elementos visíveis e constitutivos da
imagem. A pesquisadora Martine Joly ao estudar os conceitos que englobam as
estruturas da percepção imagética justifica o estudo da mesma ao afirmar que: “[...]
interessar-se pela imagem é também interessar-se por toda a nossa história, tanto
pelas nossas mitologias quanto pelos nossos diversos tipos de representações”.135
Assim sendo, a imagem em seu sentido primário (Bild, em alemão) está
ligada a representação, isto é, a uma reprodução de algo, de um objeto, de alguma
coisa que a visão, ou o olhar óptico captou. A imagem em seu aspecto sensível, no
134
135
Cf: JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 135.
Ibid., p. 136.
conjunto com a atividade da mente humana é vista como uma expressão de uma
determinada idéia. Neste aspecto, encontram-se aqui as atividades relacionadas
com a memória e a imaginação. Pensando nessa discussão e sobre a importância
de se estudar a Imagem fílmica como um objeto de cunho historiográfico, que traz
aspectos e práticas representativas de uma determinada cultura, a historiadora e
Prof. Dr. Sandra de Cássia Araújo Pelegrini nos relata que:
[...] faz-se necessário reconhecer que o estudo embasado na fonte
imagética, mais precisamente no documento fílmico, não pode supor que a
mesma constitua uma verdade incontestável, nem configure um „reflexo‟
direto ou indireto da realidade a que se refere. Ela deve ser interpretada
como mais uma forma de manifestação das percepções humanas, inserida
no âmbito de práticas e representações culturais, políticas e ideológicas de
seu tempo.136
Segundo Jacques Aumont em sua obra “A Imagem” existem leis que
determinam os elementos do visível. Assim, as informações que chegam até nós por
meio da luz passam por etapas subseqüentes, que são processadas e codificadas.
A codificação nos permite interpretar os fenômenos característicos da luz, como sua
intensidade, seu comprimento de onda e sua distribuição no espaço. A percepção da
luz é caracterizada através da visualização da luminosidade, estabelecida entre as
relações do sistema visual com o objeto luminoso.
A percepção da cor encontra-se ligado as reações do comprimento da onda
emitidas e refletidas pelos objetos. Algumas superfícies absorvem determinados
comprimentos de onda e refletem somente outros, o que nos confere a impressão de
cor. Assim, os elementos de percepção nunca estão separados, mas encontram-se
vinculados um ao outro.
Nesse viés, a percepção da imagem cinematográfica abarca conceitos
relacionados à visualidade, como o “espaço representado”, que é diferente do
espaço cotidiano. Sendo antes, um espaço da superfície da imagem, num aspecto
tridimensional e ilusório. Depois de delimitado o espaço da ação fílmica, tem a
136
PELEGRINI, S. de C. A e ZANIRATO, S. H (orgs). “As dimensões da Imagem: abordagens
teóricas e metodológicas”. In: História e Imagem: a ficção teatral e a Linguagem cinematográfica.
Maringá: Eduem, 2005, p. 125
questão da câmera, que realiza o recorte do espaço fílmico, por meio do uso de
mecanismos técnicos da estruturação da visibilidade da imagem cinematográfica. 137
Após a estruturação da natureza da imagem cinematográfica, ocorre “a
atuação dos níveis estruturais”, que é a apreensão da visualidade fílmica em sua
forma final, neste componente está os elementos disruptivos, como a montagem, o
som e a direção de arte.138
Assim, na direção de arte encontra-se o roteiro, que é o indicador da
elaboração de idéias potencialmente visíveis. É a partir do roteiro que se define o
espaço fílmico e a temporalidade da obra produzida. Sobre a importância do roteiro
a pesquisadora Débora Lúcia Vieira Butruce nos diz que:
A partir da primeira leitura do roteiro, o diretor de arte procura se situar no
contexto geral do filme proposto, buscando encontrar sua potencialidade
visual e a intenção pretendida. Estas indicações iniciais o auxiliam nas
primeiras anotações concernentes à época, lugar, espaço, cor e textura, já
vislumbrando algumas diretrizes visuais existentes nestas indicações que
possibilitem que a ambientação da obra seja definida. Normalmente é feita
uma listagem de todos os locais e objetos contidos no roteiro e cada
seqüência, o que é denominado análise técnica mais detalhada será
realizada posteriormente quando todos os elementos já estiverem definidos
139
pelo diretor de arte.
137
Sobre a câmera, esta “não pode responder. Não pode fazer perguntas estúpidas. Não pode fazer
perguntas penetrantes que fazem você perceber que esteve errado o tempo todo. Ei, ela é uma
câmera! Mas, pode compensar um desempenho deficiente, pode melhorar um bom desempenho,
pode criar clima, pode criar feiúra, pode criar beleza, pode provocar emoção, pode captar a essência
do momento, pode parar o tempo, pode mudar o espaço, pode definir um personagem, pode
proporcionar explicação, pode fazer uma piada, pode fazer um milagre, pode contar uma história! Se
meu filme tem dois astros, sempre sei que realmente tem três. O terceiro astro é a câmera.” Cf:
LUMET, S. Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 75.
138
Grande parte da direção de arte e da concepção do figurino influi sobre o desempenho dos
intérpretes. Cf: LUMET, S., op cit., p. 100.
139
Cf: BUTRUCE, D. L. V. A Direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. (Dissertação de Mestrado apresentado
ao curso de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal
Fluminense). Niterói: UFF, 2005. Para o cineasta estadunidense Sidney Lumet: “O roteiro ainda deve
manter-nos desequilibrados, surpresos, entretidos, envolvidos e, no entanto, quando é atingido o
desfecho, dar-nos ainda a sensação de que a história tinha de terminar daquela maneira”. Cf:
LUMET, S. Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Sobre a análise do roteiro Cf ainda:
SOARES, S. J. P. Cães de Aluguel: análise de um roteiro de Quentin Tarantino. Campinas:
Unicamp, 2001. (Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de Pós-Graduação em Multimeios) e
CAMPOS, F. de. Roteiro de cinema e televisão: A arte e a técnica de imaginar, perceber e narrar
uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
De acordo com esta citação, no processo de criação cinematográfica, o
roteiro constitui-se como um dos primeiros elementos concretos da produção fílmica.
Ainda dentro da direção de arte, encontra-se a pesquisa, que juntamente com o
diretor de fotografia realizam-se investigações na busca de informações para a
escolha de elementos para se compor o “visual” do filme; além da pesquisa, acha-se
ainda o processo de pré-produção, que é a fase efetiva de criação, com a
elaboração de projetos para a direção de arte e as etapas de realização. Outro
aspecto para a criação da imagem fílmica é a escolha das locações ou dos cenários
em estúdio. Após todas estas etapas checam-se todos os elementos em seus
pormenores, entre estes, a cor, as formas, as texturas dos objetos, disposições de
cenários etc, chegando ao limiar da pré-produção cinematográfica.140
[...] Cenários, roupas, conceito de câmera, roteiro, elenco, ensaios,
cronograma, financiamento, fluxo de caixa, exames do seguro, locações,
cover sets (interiores que filmamos se o tempo estiver ruim para uma
externa), cabelo, maquilagem, testes, compositor, montador, sonoplasta,
tudo já foi decidido. Agora estamos rodando o filme, afinal.141
Constatamos ainda que um filme seja constituído por seqüências, que são
unidades menores dentro do próprio filme. Cada seqüência é constituída por cenas.
O processo de decomposição do filme é chamado de decupagem142, que ocorre com
seqüências e as cenas em “planos”. O plano corresponde a cada tomada de cena,
sendo um segmento contínuo da imagem. Nesta mesma linha, o plano ainda
corresponde a certos pontos de vista concernentes ao que se está sendo filmado.
140
Para informações detalhadas das etapas de produção fílmica Cf: BUTRUCE, D. L. V., op cit., p.
21-55.
141
142
Cf: LUMET, S., op cit., p. 101.
A decupagem é antes de tudo um instrumento de trabalho. O termo surgiu no curso da década de
1910 com a padronização da realização dos filmes e designa a “decupagem” em cenas do roteiro,
primeiro estágio, portanto, da preparação do filme; ela serve de referência para a equipe técnica. [...]
Ela designa, então, de modo mais metafórico, a estrutura do filme como seguimento de planos e de
sequências, tal como o espectador atento pode perceber. É nesse sentido que André Bazin utiliza a
noção de “decupagem clássica” para opô-la ao cinema fundado na montagem; encontraremos a
mesma oposição em Jean-Luc Godard. Cf: AUMONT, J e MARIE, M. op cit., p: 71. Para Gilles
Deleuze, “a decupagem é a determinação do plano, e o plano a determinação do movimento que se
estabelece no sistema fechado, entre elementos ou partes do conjunto. DELEUZE, G. Cinema, a
Imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Assim, o teórico de cinema Ismail Xavier arrola uma escala de “planos”
143
. Vejamos
no quadro que se segue:
Em cenas localizadas em exteriores ou
Plano Geral
interiores amplos, a câmera
toma uma
posição de modo a mostrar todo o espaço da
ação.
Uso
Plano Médio ou Conjunto
aqui
para
situações
em
que,
principalmente em interiores (uma sala, por
exemplo), a câmera mostra o conjunto de
elementos
envolvidos
na
ação
(figuras
humanas e cenário). A distinção entre plano
de
conjunto
e
plano
geral
é
aqui
evidentemente arbitrária e corresponde ao
fato de que o último abrange um campo maior
de visão.
Corresponde ao ponto de vista em que as
Plano Americano
figuras humanas são mostradas até a cintura
aproximadamente,
em
função
da
maior
proximidade da câmera em relação a ela.
A
Primeiro Plano (Close-up)
câmera,
próxima
da
figura
humana,
apresenta apenas um rosto ou outro detalhe
qualquer que ocupa a quase totalidade da tela
(há uma variante chamada primeiríssimo
plano, que se refere a um maior detalhamento
– um olho ou uma boca ocupando toda a tela)
143
Cf: XAVIER, I. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e
Terra, 2005, p: 27-28. Cf também: AUMONT, J e MARIE, M., op cit., p: 230-231 e PELEGRINI, S. de
C. A; ZANIRATO, S. H (Orgs). op cit., p. 123-132.
Para Edgar Morin, o filme é a junção de dois psiquismos: aquele que está
incorporado na película e o do próprio espectador. Assim, o ritual do filme seria o da
complementação, o ponto de cinética do imaginário numa pulsação de 24 imagens
por segundo.144
Com isso, a imagem cinematográfica é resultado da singularidade do fazer
cinema, do exercício do cineasta como obra criada. Como sujeito imerso na
sociedade de produção, o cineasta acha circunscrito ao seu período, aos seus
valores estéticos e recursos técnicos da qual pode dispor.145 Para Sidney Lumet:
Finalmente os filmes são uma arte. Acredito que nenhuma combinação dos
filmes de maior bilheteria atrairia a atenção que os filmes conseguem sem o
trabalho de Marcel Carné, King Vidor, Federico Fellini, Luz Bruñel, Fred
Zinnemann, Billy Wilder, Carl Dreyer, Jean-Luc Godard, Robert Altman,
David Lean, George Aikor, Willian Wellman, Preston Sturges, Yasujiro Ozu,
Carol Reed, John Huston, Satajit Ray, Orson Welles, Jean Renoir, Roberto
Rossellini, John Ford, Willian Wyler, Vittorio De Sica, Martin Scorsece,
Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Francis Ford Coppola, Elia Kazan,
Michelangelo Antonioni, Jean Vigo, Frank Capra, Bernardo Bertolucci, Ernst
Lubitsch, Buster Keaton, Steven Spielberg e tantos outros. Ao mesmo
tempo em que Batman, o retorno fatura quarenta milhões de dólares no fim
de semana de seu lançamento, Minha vida de cachorro leva quatrocentos e
vinte pessoas a rir e chorar em um pequeno cinema. A quantidade de
atenção dada ao cinema está diretamente relacionada com os filmes de
qualidade. Os filmes que são obras de arte é que criam esse interesse,
mesmo que não figurem com muita freqüência na lista das dez maiores
bilheterias.146
Para o escritor Roland Barthes a imagem consiste em um fenômeno
antropológico, a imagem fílmica institui uma temporalidade própria. O “fazer cinema”,
da produção imagética está cada vez mais complexa, pois abarca uma gama de
conceitos, símbolos, percepções, objetivos, estereótipos, seleções de seqüências de
144
MORIN, E. O Cinema e o homem imaginário. Lisboa: Ed. Porto, 1982, p. 241. Apud (D‟ ANGELO
BRAZ, C. As representações do imaginário: uma análise crítica a partir de três leituras fílmicas
de Orfeu. Campinas: Unicamp, 2003. (Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de PósGraduaação em Multimeios).
145
Sobre a questão do sujeito histórico, próprio de seu tempo e espaço Cf: BAKHTIN, M. Marxismo e
filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
146
Cf: LUMET, S., op cit., p. 202.
cenas e linguagens específicas. O pesquisador Camilo D‟Angelo Braz diz em seu
estudo sobre a representação do imaginário na produção cinematográfica que:
O filme, como um tipo de documento, permite um recenseamento e uma
classificação daquilo que costumamos chamar “imaginário”, a partir de um
conjunto de imagens sujeitas ao tempo, cujos procedimentos da sua
produção e seu resultado final, enquanto obra autônoma ou vinculada a um
determinado estilo ou gênero, sofrerá diferentes contingências de aceitação
ou rejeição. Com essa possibilidade, inúmeros estudos envolvendo a
produção fílmica, em sintaxe e morfologia, os procedimentos metodológicos
de análise, estudos sobre as formas de representação (a imagem
perceptiva, imagem lembrança, a fac-símile de quadros históricos) ou
icônica (as figurações pintadas, desenhadas, esculpidas, fotografadas)
surgem para “decifrar” esse meio que, cada vez mais, agrega mais
147
disciplinas.
Com base no que foi dito acerca da imagem cinematográfica, na produção do
filme Satyricon, o cineasta Federico Fellini se expõe, direta e abertamente, porém
com certo requinte de elegância. Como bem nos informa o poeta e escritor Guido
Bilharinho em “O Cinema de Bergman, Fellini e Hitchcock”:
Satyricon, com suas cenas iniciais teatralizadas, contudo, não é simples
resultado de refazimento ou reação intelecto-criativo. É mais. Nesse mais
encontra-se o elemento perturbador. Quebrando as amarras de patente
pudicícia no tratamento das manifestações sentimentais e sexuais do ser
humano, Fellini as expõe, nesse filme, direta e abertamente, porém, com
148
requinte e elegância.
147
Cf: D‟ANGELO BRAZ, C., op cit., p: 34 e 35. O autor ainda nos exemplifica, dizendo: “Há, por
exemplo, o fascinante estudo icnográfico de Mikhail Rostovtzeff a respeito dos mosaicos antigos do
Império Romano. Também, alguns estudos de sociologia da arte, ou dela decorrentes, como os de G.
PLEKHANOV, G. LUKÁCS, E. FISCHER, Walter Benjamin, entre outros, envolvendo a relação arte e
vida social. Mais recentemente, os de Erwin Panofsky de iconologia, que visa a atingir o sentido
imanente da obra de arte, com visível influência do estudo das formas simbólicas de Ernst Cassirer,
que propõe que o espaço de representação da obra de arte seja uma totalidade das formas
simbólicas de uma sociedade. Entre os semióticos, começando por F. Saussure e Charles Sanders
Pierce, que influíram decisivamente no enfoque semiótico da imagem por meio da noção de signo
icônico. Foram seguidos por Charles W. Morris na década de 1960 e, finalmente, Umberto Eco, que
após críticas contundentes ao iconismo, suavizou aceitado que certos signos são culturalmente
codificados, sem serem totalmente arbitrários”, p. 35.
148
Cf: BILHARINHO, G. O Cinema de Bergman, Fellini e Hitchcock. Uberaba: Instituto Triangulino
de Cultura, 1999, p. 94 e 95.
O filme é “liberador e ampliativo do enfoque do cineasta”. As imagens
escolhidas por Fellini ressaltam uma amostragem de figuras hediondas, com
deformações físicas, inérticas diante da câmera. É a “repugnância do homem” que
se revela por meio das cenas.
Ao sair desse circo de horrores fisionômico-corporais, a câmera segue
fazendo uma abertura focal, captando os panoramas, espaços e paisagens
decorados do ambiente, é o encontro de Fellini com Petrônio, é o espaço do Mito,
dos Rituais cotidianos, da ironia, da Sátira, do moderno e contemporâneo que se
revela com a imagem cinematográfica. Vejamos:
A partir daí arrefece e chega a desaparecer a apresentação das
extravagâncias citadas, mas, pendularmente, extrapola a narrativa os limites
da focalização do relacionamento entre o protagonista e seu parceiro para,
dilatando consideravelmente sua abrangência, adentrar no vasto campo do
mito e da história em peripécias e ocorrências várias em que se envolvem o
protagonista e seu irmão nas quais até mesmo um poeta e um poetastro
têm destacado papel, em que são relevantes a ironia, a modicidade e o
agudo senso crítico de Petrônio (e de Fellini).149
A imagem cinematográfica do suicídio de um intelectual que corta seus pulsos
refere-se à reconstituição da morte de Petrônio, que foi condenado ao suicídio por
ter sido acusado de conspiração contra o Imperador Nero. As cenas e as tomadas
das imagens destacam-se pelo aspecto cromático e pictório, e “excepcionalmente
concebido e elaborado”. Assim, Guido Bilharino conclui dizendo que:
Apresenta o filme, em sua complexa tessitura de intenções, pelo menos três
linhas paralelas de realização: a estória dos dois irmãos e seu companheiro,
o quadro inicial de abjeções e as alusões ou inserção dos protagonistas nas
encruzilhadas onde se encontram, e às vezes se amalgamam, história e
mito, sobressaindo sobre seu conjunto à extrema beleza da imagem na
captação de décois e circunstâncias insólitas, muitas delas de evidente
fundo crítico.150
149
150
Ibid., p. 94 e 95.
BILHARINHO, G., op cit., p. 95.
Por fim, Satyricon de Fellini é uma mescla de beleza e criatividade do
cineasta, ao som do compositor italiano Nino Rotta o filme vai construindo o
panorama imagético dos planos, das cenas e do roteiro. Neste viés, as imagens
presentes no Satyricon podem ser comparadas a citação do sociólogo e filósofo
francês Jean Baudrillard, na qual ele declara: “É precisamente quando ela parece
mais verídica, mais fiel e mais em conformidade com a realidade, é que a imagem é
mais diabólica”.151
151
Cf: BAUDRILLARD, J. The evil demon of images. Saint Louis, E.U. A: Left. Bank Books, 1984.
Apud (XAVIER, I. O Cinema no século. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1996, p. 38.)
1.4 CARPE DIEM E O HEDONISMO EM EPICURO
“Mais vale aceitar o mito dos deuses do que ser
escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo
menos nos oferece a esperança do perdão dos
deuses através das homenagens que lhes
prestamos ao passo que o destino é uma
necessidade inexorável”.
(EPICURO – “Carta sobre a Felicidade”)
O ponto de partida para se conceber o Hedonismo em Epicuro é o movimento
de formação do pensamento de Karl Marx. Com base em Epicuro, sua tese de
doutorado intitulada “A diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e
Epicuro”, expõe a teoria Marxista sobre o “materialismo epicuriano” tendo como
cerne as relações do mundo cinematográfico, da produção do objeto fílmico com o
processo de produção e direção de Federico Fellini visto dentro da conjuntura do
materialismo histórico.
Assim, a tese sobre “Epicuro” dará origem a teoria do Materialismo de Marx.
Com isso, escritos de Demócrito e Epicuro encontram-se ligados a filosofia
helenística. Cabe ressaltar que, este contato com o universo da cultura grega vai
estar presente por toda a via de Karl Marx.152
Com isto, tanto Epicuro como Demócrito afirmavam que toda realidade da
física era formada a partir da agregação de partículas mínimas, invisíveis e
indivisíveis, os átomos, que eram combinadas de formas específicas. Entretanto,
opondo-se ao filósofo Abdera (filósofo, historiador e cientista atomista grego, 460152
Sobre o período helenístico que influenciou os escritos marxistas, ressaltamos que “em finais do
século IV a.C., as cidades gregas ao perderem sua independência para os reis de Pérgamo (Antiga
cidade grega da Mísia, próxima ao mar Egeu, que ficou muito conhecida no período helenístico por
tornar-se a sede da dinastia Atálida. Foi nesta região que surgiu o pergaminho) Os Filósofos
passaram a valorizar o conhecimento sensível e a desenvolver a concepção materialista da realidade.
Assim, a filosofia centra suas discussões em volta do indivíduo e da obtenção da felicidade e do bem
estar. Os deuses são reduzidos a dimensão humana e as religiões adquirem uma natureza sincrética.
Destaque para as correntes filosóficas do estoicismo, epicurismo e ceticismo (atitude filosófica na
qual as pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e a percepção que possuem
são realmente verdadeiros). Para se aprofundar nestas questões e contrapor a leitura da teoria de
Karl Marx sobre Epicuro, recomenda-se a leitura do filósofo Olavo de Carvalho Cf: CARVALHO, O de.
O Jardim das Aflições. São Paulo: Realizações, 2000.
370 a.C), Epicuro não admitia que as agregações dos átomos fossem realizadas sob
uma determinação qualquer, externa ao próprio átomo, mas que no momento inicial,
os átomos apresentavam um movimento vertical no vazio levando-os a caírem. Se
os átomos mantivessem este movimento inicial, os átomos seguiriam infinitamente
em quedas paralelas sem jamais se agregarem em si, isto é, sem jamais
constituírem qualquer elemento da matéria perceptível aos sentidos.
No entanto, Epicuro afirmava que, os átomos possuíam uma potencialidade
imanente, variante a alguma atividade mecânica que poderia alterar o movimento
infinito de queda. Ao realizar este movimento chocavam-se e agregavam a outros
átomos, formando assim, um “mundo sensível”. O próprio Karl Marx em sua tese nos
confere que:
Todo o corpo concreto é em geral um complexo, e em Epicuro será mais
153
precisamente um complexo de átomos.
Mas enquanto Demócrito reduz o mundo sensível à aparência subjetiva,
Epicuro faz dele um fenômeno objectivo. Epicuro fá-lo conscientemente,
pois afirma partilhar os mesmos princípios, mas não fazer das qualidades
sensíveis simples objectos da opinião.154
A importância da tese de Karl Marx não está no materialismo do atomismo
epicuriano, mas na forma como esta teoria do atomismo se presta para análise das
formas da consciência. Em suma, na capacidade dos átomos em desviar-se da
trajetória mecânica e com isso criar “universos distintos”. Para Denis Collin,
professor do Lycée Aristide Briand d‟Evreaux:
[...] o lugar do átomo na filosofia epicuriana é completamente diferente do
que se verifica em Demócrito, o átomo é uma espécie de coisa em si, um
noumène que designaria o ser como tal, já em Epicuro, o átomo é um
princípio de representação. [...] Assim, Epicuro objetivou no átomo a
contradição entre a existência, enquanto Demócrito não faz senão
“conservar o aspecto material e propor hipóteses com fins empíricos”.
153
Cf: MARX, K. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Lisboa:
Editorial Presença, 1972, p. 25.
154
Cf: Ibid, p. 146.
[...] Marx, sem haver ainda rompido formalmente com o helenismo, faz do
materialismo epicuriano um momento decisivo da história da filosofia,
155
tomada como a história da consciência.
Ao realizarmos a leitura da teoria marxista tendo como concepção a teoria do
pensamento epicuriano, salientamos que o cineasta Federico Fellini não segue a
trajetória comum imposta pelo mercado audiovisual, da produção de um filme sobre
os moldes do sistema hollywoodiano, Fellini restringe seu público ao propor um filme
diegético, com particularidades de seu próprio “mundo cinematográfico”. Ao desviarse da trajetória “comum” da produção fílmica, permite que ele próprio possa
constituir uma narrativa, utilizando uma linguagem técnica específica própria do seu
universo fílmico.
Entretanto, todo discurso cinematográfico traz certa carga de ideologias,
próprias de quem o produziu. Mesmo Fellini não tendo realizado um filme
propriamente voltado para o grande público consumidor, o mesmo acha-se inserido
no modo de produção capitalista, pois depende deste modelo para “sustentar-se”
como “personagem felliniano” do cenário audiovisual. Estabelece aqui a dialética
marxista, entre o cineasta e sua obra enquanto “arte” e “objeto” vendável. A
representação do Fellini hedonista é característica de sua obra, o filme “Satyricon” é
uma festa para os olhos, principalmente pela fotografia de Guiseppe Rotunno, da
direção de arte e figurinos de Danilo Donati e da trilha sonora de Nino Rota.
Neste sentido, na leitura de Epicuro e do poeta e filósofo latino Lucrécio, a
filosofia Epicurista adverte que os homens devem amar a vida e aproveitar as
oportunidades de prazer que ela oferece, deixando de envenená-la com ódios,
paixões e os dissabores, sobretudo, não se amargurando inutilmente com o medo
da morte. “Devemos lançar longe de nós esse medo do Aqueronte, que
profundamente perturba a vida humana em seu próprio âmago, e, cobrindo tudo com
o negror da morte, não nos deixa nenhum prazer tranqüilo e puro”.156
155
Cf: COLLIN, D. “Epicuro e a formação do pensamento de Karl Marx”. In: POLITEIA: História e
Sociedade. Vitória da Conquista, v. 6, n. 1, p. 21 e 23.
156
“Et metus ille foras praeceps Acherontis agendus. Funditus humanam qui vitam turbat ab imo,
Omnia suffundens mortis nigrore; neque ullam. Esse voluptatem liquidam puramque reliquit.” Cf: De
A teoria atomista de Epicuro difere muito da teoria moderna. O homem é livre
porque existe a “declinação atômica”. Assim, ao ter posse dessa liberdade, o homem
pode decidir o seu destino, pode libertar-se de suas ambições, das preocupações do
dia-a-dia, para isto, o indivíduo não deve visar cargos políticos, nem invejar aqueles
que os detêm, nem preocupar-se com as riquezas. O filósofo Agostinho da Silva
completa dizendo que157:
No fundo, o epicurismo é uma ascese, que pretende deixar o espírito o mais
livre, o mais despojado, o mais puro possível para a apreensão dos
prazeres que são os únicos que vale a pena buscar: o prazer da leitura, da
contemplação da ordem do mundo ou da conversa entre amigos
esclarecidos, o sentimento da fraternidade que une os homens livres;
quando a morte vier, recebê-la-emos serenamente, primeiro porque tivemos
cada hora presente como um tesouro precioso, sem nunca chorarmos o
passado ou sonharmos o futuro, depois porque sabemos que a morte é o
grande sono sem sonhos de quem já falava Sócrates.
O filme Satyricon de Federico Fellini apresenta-se na forma de teatro,
permeado por rituais, que por vezes a narrativa do filme mescla-se com diálogos
teatrais. Um dos aspectos mais marcantes do filme diz respeito a sua descrição e
não propriamente a sua narrativa, fato verificado por meio da decoração e do
desprezo pela luz natural. A fotografia sugere ao público um ambiente exótico, da
busca pelo prazer e de uma filosofia epicurista. Sobre a filosofia Epicura, vejamos:
A própria alma, diz-se, tem os prazeres. Pois bem, que os tenha. Que seja a
sede de delícias e prazeres! Que se encha de tudo o que em geral encanta
os sentidos! Já que é capaz de rever o seu passado e se lembra dos
prazeres de outra com transporte, que se debruce sobre aqueles que hão
de vir, regule sobre isso as suas esperanças e, enquanto o seu corpo se
abandona à boa vida, incida os seus pensamentos nos prazeres futuros!
Tudo isso me parece tanto mais miserável, quanto é uma loucura tomar os
males por bens. Sem a saúde de espírito ninguém é feliz, e não é são
aquele que procura como sendo o melhor aquilo que lhe causa prejuízo. Por
isso é feliz o homem que tem um julgamento recto; é feliz aquele que se
contenta com o presente, seja ele qual for, e que ama aquilo que tem; é feliz
Rerum Natura, III, VS. 37 a 40 In: EPICURO E LUCRÉCIO. O Epicurismo e “Da Natureza”. São
Paulo: Editora Tecnoprint S.A, s/d.
157
Cf: SILVA, A da. “Prefácio”. In: EPICURO E LUCRÉCIO. O Epicurismo e “Da Natureza”. São
Paulo: Editora Tecnoprint S.A, s/d.
aquele que confia à razão a organização dos seus assuntos. Aqueles que
fazem do prazer o soberano bem, sabem muito bem o lugar vergonhoso em
que o colocaram. Dizem também que o prazer não pode ser separado da
virtude e afirmam que ninguém pode viver honestamente sem viver
agradavelmente, nem viver agradavelmente sem viver honestamente. Não
vejo como estes elementos podem caber no mesmo saco. Qual é, pois,
pergunto-vos, a razão pela qual o prazer não poderia ser separado da
virtude? Aparentemente o princípio de todo o bem está na virtude.158
No conjunto da tese de Marx, o filósofo apóia-se em Demócrito no aspecto da
racionalidade e em Epicuro no âmbito da subjetividade159. A idéia de liberdade para
Marx vai estar associada à teoria filosófica de Epicuro, que por sua vez vão delinear
o pensamento felliniano para uma “psicologia do cinema” (emoção e sensação)
160
.
Federico Fellini envolve o espectador na trama, trabalha mais com o
subjetivo, com a emoção. Com isso, o público é conduzido pelo filme, na própria
maneira de filmar. É a partir deste enfoque que passaremos a discutir os rituais
cotidianos no Satyricon, sua natureza e práticas. Nesta perspectiva, o próprio
conceito de ritual no Satyricon será construído por meio da leitura da obra fílmica e
literária.
158
Cf: EPICURO; SÉNECA. Carta sobre a Felicidade e Da vida Feliz. Lisboa: Sophia, 1994, p. 47 e
48.
159
“Os homens agem em condições determinadas, condições que eles não escolhem, mas nas quais
eles agem livremente. É esta liberdade essencial que Marx estima em Epicuro e é por causa dela que
seu atomismo é um atomismo não determinista, ou, mais exatamente, é por causa dela que é
possível delimitar um domínio do determinismo e um domínio da liberdade. Se o primeiro ponto não
nos afasta das posições tradicionalmente defendidas por numerosos marxistas; o segundo passa
despercebida pela maior parte deles, obcecados pela idéia de um marxismo científico no qual os
indivíduos desempenham tão-somente o papel determinado pelas infraestruturas. A nonchalance
epicuriana não tem lugar nesse sistema fechado da “ciência marxista”. Cf: COLLIN, D., op cit., p. 25.
160
Lado Direito do Cérebro: é o lado da emoção. No corpo este lado se manifesta na sua oposição –
lado esquerdo. Assim, na tela, tudo que vemos do lado esquerdo do enquadramento é captado pelo
nosso inconsciente, pela emoção.
Lado Esquerdo do Cérebro: é o lado da razão. No corpo este lado se manifesta na sua oposição: lado
direito. Assim, na tela, tudo que vemos do lado direito do enquadramento é captado pelo nosso
consciente, pela razão. Sobre esta questão o roteirista, dramaturgo, ator e escritor Jean-Claude
Carrière cita que: “Aqueles que estudaram o cérebro [...] dizem que o centro da linguagem está
situado no lado esquerdo, onde se encontram a razão, a lógica, a memória e a associação inteligente
de idéias e percepções. A faculdade da visão, por sua vez, situa-se no lado direito, junto com a
imaginação, a intuição e a música. A atividade normal do cérebro pressupõe que os dois hemisférios
funcionem em harmonia através de incontáveis, minúsculas e velozes conexões. Se isso é verdade,
então nenhum cérebro trabalha com maior amplitude e com mais intensidade do que aquele de um
grande cineasta, solicitando constantemente a fundir o verbal e o visual.” Cf: CARRIÈRE, J.C. A
linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 25.
EUMOLPO: É o amor ao dinheiro que causou
essa transformação. Nos tempos antigos,
quando se sabia apreciar a virtude por si
mesma, as artes liberais e a ciência floresciam,
e uma nobre emulação levava aos homens a
darem o melhor de si na busca de descobertas
que beneficiariam os séculos vindouros. Foi
assim que Demócrito extraiu o suco de todas as
ervas e folhas, e consumiu a vida em
experimentos visando revelar as propriedades
das plantas e minerais. [...] E nós, entretanto,
mergulhados no vinho e na perdição, não temos
sequer a determinação de estudar as artes que
nos foram legadas, e como detratores da
Antigüidade trilharmos um currículo de
decadência. Onde foi parar a dialética? E a
astronomia? Onde a estrada do saber? Quem
hoje em dia vai a um templo e faz uma
oferenda a um deus para conquistar a
eloqüência ou por um golpe na fonte da
filosofia? Nem mesmo mente sã em corpo são é
o que pedem, mas, assim que adentrarem o
templo promete oferendas em troca do prazer
de sepultar um parente rico, desenterrar um
tesouro ou amealhar sem esforço trezentos mil
sestércios. O próprio Senado, antigo guardião
das virtudes, faz votos de mil libras de ouro a
Júpiter no Capitólio, ornando o deus com seus
ouros e assim sansionando a ganância dos
mortais. Não admira, portanto, que a arte da
pintura tenha morrido, já que deuses e homens
encontram agora mais beleza em barras de
ouro do que nas obras-primas de Apeles e
Fídias.
(Petrônio - século I d.C)
2 UM OLHAR SOBRE OS RITUAIS DO SATYRICON
"Rituals are performative: they are acts done;
and performances are ritualized: they are
codified, repeatable actions. The functions of
theatre identified by Aristotle and Horace entertainment, celebration, enhancement of
social solidarity, education (including political
education), and healing - are also functions of
ritual. Rituals emphasize efficacy (...) Theatre
emphasize entertainment. (...) But these list of
differences (not oppositions) does not support
the tendency in Western scholarship to suppose
that ritual performance precedes or is at the
origin of theatre. Theatre and ritual are as
night and day, chicken and egg - neither has
priority over the other."
(Richard Schechner – Companion Encyclopedia
of Anthopology, p.613-614)
2.1 UMA DEFINIÇÃO DE RITUAL
Nosso cotidiano encontra-se marcado por diferentes rituais, que por vezes
passam despercebidos aos nossos olhares. Estudá-los é uma maneira de enfatizar
sua importância para a vida social, bem como resgatar sua relevância para a
formação individual, não relacionando “rituais” apenas a fenômenos de ordem
tradicional, formais ou arcaicos.
Este capítulo tem como propósito fazer uma “leitura” de três cenas ritualísticas
da obra fílmica Satyricon de Fellini, recorrendo à obra literária de Petrônio como
base teórica. Assim, o conceito de ritual do Satyricon se dará com o próprio estudo
das obras.
Para dialogar com a produção fílmica de Federico Fellini optei em seguir as
orientações da Prof. Drª. Mariza Peirano do Departamento de Antropologia da
Universidade de Brasília (UnB) com a obra “Rituais: Ontem e Hoje”.161
Ao adotar este percurso, a própria autora enfatiza que o conceito de ritual
deve ser etnográfico, isto é, deve-se levar em consideração a perspectiva do “outro”,
o que determinados grupos apreendem como sendo eventos ritualísticos.
Outro aspecto observado pela pesquisadora diz respeito à natureza dos
eventos ritualísticos, eles podem ser profanos, religiosos, festivos, formais, informais,
simples ou elaborados. Neste contexto, optei por fazer uma análise de três formas
de rituais do Satyricon de Fellini: o profano, o religioso e o festivo.
A escolha desses três elementos como forma de estudo deve-se ao próprio
hedonismo de Fellini e de sua característica “felliniana” de cineasta. Assim, o
profano, o religioso e o festivo nos apontam para as representações e valores de
uma sociedade. A Prof. Drª Mariza Peirano ressalta que ao observar tais
características, os rituais elucidam o que já é comum a um determinado grupo, pois
o que se encontra no ritual acha-se presente no dia-a-dia e vice-versa. Para a
antropóloga: “Rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e também
próprios para resolver conflitos e reproduzir as relações sociais”.162
De acordo com esta citação, podemos afirmar que os rituais cotidianos não
são definitivos ou imutáveis, sendo sua prática comum para várias finalidades.
Dessa forma, o conceito de “ritual” não pode ser fossilizado como algo formal ou
161
162
Cf: PEIRANO, M. Rituais: ontem e Hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
Cf: PEIRANO, M., op cit., p: 10. A professora e antropóloga Esther Jean Langdon da Universidade
Federal de Santa Catarina nos diz ainda que: “O cotidiano é marcado por momentos rituais, tais como
os cumprimentos (“Tudo bem”, “Tudo bom”) e as despedidas (“Foi um prazer”, “Igualmente”) que são
gestos externos convencionados e obrigatórios, comunicando pouco além de marcar as vindas e
saídas de nossos encontros. [...] Dentro do contexto atual, a importância da análise de ação ritual
como constitutiva dos processos sociais tem aumentado. Alguns autores introduziram a noção de
“performance cultural” ou “performance” para expressar a multiplicidade de formas rituais que
estruturam e permeiam a vida, estas incluem os ritos sagrados (cultos religiosos, formaturas,
cerimônias cívicas), as formas de entretenimento (teatros, circos, festivais, festas, espetáculos, jogos
e esportes) e os processos políticos (atos jurídicos e estaduais, manifestações étnicas, greves e até
os tumultos). Outros preferem continuar utilizando o conceito do rito. [...] O rito, ou performance
cultural, é um evento cívico, que é marcado por uma ruptura no fluxo da ação social, por um limite
temporal, e os atores sociais que estão, de alguma maneira, manifestando sobre seu mundo. Cf:
LANGDON, E. J. Rito como conceito chave para a compreensão de processos sociais. In:
Antropologia em primeira mão/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Florianópolis:
UFSC, 2007, p. 1-14.
desprovido de sentido. Mariza Peirano completa suas observações ao adotar um
conceito estudado por um antropólogo, Staley Tambiah, na qual para ele os rituais
são fenômenos culturais de comunicação. Leiamos suas palavras:
O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído
de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral
expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm conteúdo e arranjo
caracterizados por graus variados de formalidade (convencionalidade),
estereotipia (rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição). A
ação ritual nos seus traços constitutivos pode ser vista como “performativa”
em três sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é também fazer alguma coisa
como um ato convencional (como quando se diz “sim” à pergunta do padre
em um casamento); 2) no sentido pelo qual os participantes experimentam
intensamente uma performance que utiliza vários meios de comunicação
(um exemplo seria o nosso carnaval) e 3), finalmente, no sentido de valores
sendo inferidos e criados pelos atores durante a performance,por exemplo,
quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo.163
A partir destes indícios, observamos que os rituais podem ocorrer
individualmente ou coletivamente, mediando tradições culturais ou práticas
cotidianas. Dessa forma, considerando cada um dos fatores citados sobre as
representações e as percepções das práticas dos rituais, damos início à análise da
obra fílmica de Fellini.
163
Apud (PEIRANO, M., 2003, p. 11)
2.2 AS CENAS
Cabe ressaltar que as cenas escolhidas para o estudo dos rituais no Satyricon
levam em consideração o posicionamento do diretor, isto é, a expressão de Federico
Fellini enquanto cineasta e sua visão ideológica de sociedade.
Ao propor o estudo do profano, do religioso e do festivo visamos partir daquilo
que as próprias cenas nos mostram, buscando desvendar as zonas não visíveis do
imagético.
Assim, a própria narrativa fílmica, as organizações dos seus elementos nos
permitirão elucidar o “enquadramento” do diretor em relação aos personagens. O
fato de escolher determinadas cenas em função de outras, justifica-se pelas próprias
influências do cineasta, principalmente no que diz respeito ao contexto de produção
e a apropriação do texto fílmico.
Tendo em vista tais características, salienta-se o próprio discurso fílmico
adotado por Fellini. Quais os propósitos dos supostos erros de leitura do passado
entre a obra fílmica e literária? Haja vista que todo discurso é uma construção de
quem o realiza, e que os “erros de leitura do passado histórico são propositais.” O
escritor italiano Italo Calvino completa dizendo que:
[...] O excepcional encontro entre o expectador e um filme sempre pode
acontecer, por mérito da arte ou do acaso. No cinema italiano, pode-se
esperar muito do gênio pessoal dos diretores, mas pouquíssimo do acaso.
Esta deve ser uma das razões pelas quais algumas vezes admirei, muitas
vezes apreciei, mas nunca amei o cinema italiano. Sinto que ele tirou mais
do que deu prazer de ir ao cinema. Porque este prazer deve ser avaliado
não só com relação aos “filmes de autor”, com os quais tenho um
relacionamento crítico do tipo “literário”, mas também com relação às
produções médias e pequenas, com os quais tento estabelecer uma relação
de simples expectador.164
164
Cf: FELLINI, F. Fazer um filme. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 20.
A partir deste relato, o cinema apresenta-se como uma fonte imprescindível
para compreender aspectos de difusão de idéias e comportamentos, sendo capaz
de formar e deformar opiniões, levando a uma manipulação da realidade, por
representar aspectos do cotidiano, tais como a política, a guerra e em última
instância, a história.165
2.2.1 Rituais do Sagrado
“Devemos dar um fim, de uma vez por todas, a
fabula acerca do caráter sagrado da vida
humana”
(Leon Trotsky)
Os rituais dentro da esfera do sagrado encontram-se ligados as questões
religiosas ou aos sistemas religiosos. O aspecto formal do sagrado concede a
coletividade uma noção de controle ou de ordem que alcançam todos os indivíduos
da sociedade. Este controle social ocorre por meio dos valores morais e das visões
de mundo que o religioso coloca como a forma de legitimar seu poder e influência
nas questões da contemporaneidade.
A formalidade do ambiente religioso é caracterizada pela repetição, fato que
agrega diferentes formas de rituais no espaço sagrado, pois tudo que se repete no
sentido de ritual fornece aos indivíduos uma sensação de segurança.
Tomando como referencial teórico o livro de Mariza Peirano, deve-se levar em
consideração que para se analisar os rituais, neste caso, os rituais do sagrado, não
podemos considerar nossos valores racionais ou sociais, já que cada civilização
possui um tipo de cultura que é peculiar há seu próprio tempo e espaço.
165
Cf: LEITE, S. F. O cinema manipula a realidade? São Paulo: Paulus, 2003.
Os ritos166 de passagem que são marcados por rituais e que são muito
comuns em quase todas as culturas, como por exemplo, o nascimento, a entrada na
vida adulta, o casamento e a morte são acontecimentos culturalmente representados
e fundamentais para nossa vida. A antropóloga Adriane Luisa Rodolpho apresenta
em seus estudos uma visão sobre estes quatros ritos de passagem e que também
compõem o cenário do mundo sagrado. Para a pesquisadora:
Com relação ao nascimento, temos rituais tão variados quanto o da
“couvade” entre alguns grupos indígenas (após o parto é o homem que fica
de resguardo, enquanto a mãe logo já está se ocupando de seus afazeres
cotidianos), quanto o da circuncisão de meninos ou a excisão das meninas.
A atribuição do nome da criança é outro tema fundamental entre os rituais
do nascimento, significando na maior parte das vezes o ingresso ou
inclusão desta no grupo. Do mesmo modo, a morte não se relaciona
simplesmente com um cadáver, com o fim de uma vida, mas trata-se
igualmente de uma nova condição, uma nova iniciação à vida eterna, ao
reino dos mortos (dependendo das crenças de cada grupo sobre o destino
dos homens). Os rituais de sepultamento igualmente simbolizam a
separação do mundo dos vivos; estes devem zelar pelo bom
encaminhamento dos ritos segundo os costumes do grupo. O não
cumprimento destas prescrições pode ocasionar outros riscos para o mundo
dos vivos.167
Com isso, a antropóloga Adriana Luisa Rodolpho salienta ainda que ao
passar pelos “ritos de passagem”, o indivíduo deixa de ser o que era, contudo ainda
não é o que poderia ser como, por exemplo, um cadáver, que não está propriamente
morto, pois não passou pelos ritos de sepultamento. Este fator faz com que o
indivíduo passe a encontrar-se num estado de indeterminação. Este período, do pré
e pós ritual devem ser analisados como fases invariantes e que mudam de acordo
166
Para a etnóloga francesa Martine Segalen: “[...] o rito é caracterizado por uma configuração
espaço-temporal específico, pelo recurso a uma série de objetos, por sistemas de linguagens e de
comportamentos específicos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos seus
bens comuns de um grupo [...] Enquanto conjuntos fortemente institucionalizados ou efervescentes,
os rituais podem ser considerados sempre como um conjunto de condutas individuais ou coletivas
relativamente codificadas, com suporte corporal (verbal, gestual e de postura), caráter repetitivo e
forte carga simbólica para atores e testemunhas. Cf: SEGALEN, M. Ritos e rituais
contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 31-32.
167
Cf: RODOLPHO, A, L. Rituais, ritos de passagem e de iniciação: uma revisão da bibliografia
antropológica. In: Estudos Teológicos, v. 44, nº 2, 2004, p: 142 Apud (HELLERN, V; NOTAKER, H;
GAARDER, J. O Livro das religiões. São Paulo: Cia das Letras, 2000).
com os ritos culturais. Ao fazer referência a Gennep, pioneiro dos estudos sobre
rituais, o pesquisador e antropólogo Roberto da Matta completa dizendo que 168:
A grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, têm
fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o
grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das seqüências
formais será na direção de marcar ou simbolizar separações. Mas se o
sujeito está mudando de grupo (ou de clã, família ou aldeia) pelo
casamento, então as seqüências tenderiam a dramatizar a agregação dele
no novo grupo. Finalmente, se as pessoas ou grupos passam por períodos
marginais (gravidez, noivados, iniciação, etc), a seqüência ritual investe nas
margens ou na liminaridade do objeto em estado de ritualização.
Para o cientista social Émile Durkheim (1858 – 1917)169, a religião é a
expressão dos valores e da moral da sociedade via os atos rituais. Os significados
simbólicos das crenças organizam a sociedade, assim como o antropólogo Roberto
da Matta enfatizou ao citar Gennep. Cada cultura se organiza frente aos objetos em
estado de ritualização. Na discussão acerca da religião Durkheim expõe uma divisão
entre o sagrado e o profano, sendo antes, uma divisão fundamentada pelo próprio
homem. Com isso, o aspecto do sagrado conduziria os indivíduos para a formação
de uma moralidade social, coletiva e impessoal.
Com este parâmetro, é por meio do sagrado que os ritos, as crenças e os
símbolos se prevaleceriam no meio social, reforçando as expressões da sociedade.
Dessa forma, como positivista Durkheim defendia uma religião laica, desvinculada
do sagrado e voltada para o racionalismo. Os indivíduos seguiriam uma religião não
por temor das conseqüências que poderiam advir sobre o pecador, mas pelas regras
morais, baseadas na boa conduta do convívio em sociedade.170
168
Cf: GENNEP, A.V. Os ritos de passagem (apresentação de Roberto da Matta). Petrópolis: Vozes,
1978, p. 18.
169
170
Cf: DURKHEIM, E. As formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 1989.
A certeza de Durkheim de que a religião era o centro da sociedade era tão grande que ele não
podia imaginar uma sociedade totalmente profana e secularizada. Onde estiver à sociedade ali
estarão os deuses e as experiências sagradas. E chegou mesmo a afirmar que existe algo de eterno
na religião que está destinado a sobreviver a todos os símbolos particulares nos quais o pensamento
religioso sucessivamente se envolveu. Cf: ALVES, R. O que é Religião? São Paulo: Loyola, 1999, p:
66.
2.2.2 Encontrando os rituais
A Morte
Figura 1
Cena do Satyricon – despedida – (Enquadramento: Plano Conjunto).
Figura 2
Cena do Satyricon – despedida (2) – (Enquadramento: Close/Front View: foco no personagem
de frente) – Câmera movimenta-se da direita para esquerda, imagem que remete a emoção)
Figura 3
Cena do Satyricon – despedida (3) – (Enquadramento: Close-Up)
A religião romana no período do principado romano, isto é século I d.C, era
formada por meio de uma relação “contratual” entre os cidadãos romanos e os
deuses, enquanto os romanos prestassem cultos e homenagens aos deuses, a
ordem e a paz estariam asseguradas. O sagrado para os romanos (sacer) não era
propriamente a presença de qualidades divinas em um objeto ou ser, mas este
objeto ou ser passava a ser propriedade do divino por meio da qualidade jurídica a
ele atribuída. Assim, como toda a propriedade pública é inviolável, a violação da
propriedade divina também possuía uma definição, o sacrilégio.171
Para John Scheid, estudioso da História Religiosa Romana (École des
haustes études em Scienses Sociales – EHESS), os deveres religiosos eram
impostos aos indivíduos pelo nascimento, pela obtenção da cidadania romana, em
caso de estrangeiro, ou pela profissão, sendo algo de cunho social e não individual,
existindo assim, tantas religiões quanto grupos sociais, tais como: a cidade, a legião,
os colégios de artesãos, os bairros, as famílias, etc.172
171
Cf: SCHEID, J. La Religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p: 2 Apud: (BARNABÉ, L.
E. Religião Romana: Revisões de conceitos e abordagens. In: Anais Eletrônicos da XII Semana de
História – “O Golpe de 1964 e os dilemas do Brasil Conteporâneo.” UNESP/Assis. Assis, 19 a 22 de
Outubro de 2004, p. 1)
172
Cf: SCHEID, J. La Religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p. 1.
A noção de particularidade associada à religião é algo formado na
contemporaneidade, entretanto nos identificamos como seres sociais através de
rituais coletivos, que são comuns a determinados grupos da qual passamos a fazer
parte, legitimando nossa forma de pensar e agir.
A identificação com algo sobrenatural se deve ao fato da necessidade do ser
humano de apegar-se a algo ou alguma coisa que lhe possa atribuir uma identidade,
a religião passa a exercer esta função cultural de formação social que simboliza todo
o processo de incultamento de valores e princípios morais.
E então, a religião e a morte sempre foram temas que despertaram interesse,
pois sem a morte não haveria religião ou deuses. Nesta tentativa de decifrar a morte,
o homem teria buscado na religião uma maneira de imortalizar-se.
Desta forma, este medo do desconhecido, dos deuses e da morte é que a
filosofia epicurista, do Carpe Diem veio para libertar. Esta doutrina permitia ao povo
romano traçar seu próprio destino, livrando-os do medo dos deuses e da morte. A
filosofia epicura defendia a tranqüilidade da alma, sem a necessidade de prestar
contas a religião tradicional. A felicidade estaria na aproximidade do homem com a
filosofia.
Nas figuras 1, 2 e 3 que retratam cenas do Satyricon, podemos perceber o
uso da emoção, o movimento da câmera do lado direito para o esquerdo, bem como
o uso do plano conjunto para o enquadramento do Close e Close-Up no rosto da
criança. Com isso, o Satyricon de Fellini trabalha com a emoção ao invés da razão
levando o expectador a fazer parte do cenário ou da trama fílmica.
Nesta cena de despedida, alusão a morte, na qual fica mais clara ao
visualizarmos a figura de número 4, filmado no plano conjunto, na qual a fala do
personagem indica a existência de um lugar melhor, avesso ao mundo terreno, que
denominamos de paraíso: lugar para onde vão os mortos em certas religiões; lugar
muito agradável.
Figura 4
Cena do Satyricon – despedida (4) – (Enquadramento: Plano Conjunto)
Na física epicurista, toda a matéria pode ser decomposta em átomos e é
efêmero, o homem é efêmero, sendo, portanto mortal, pois é composto por átomos.
Entretanto, os átomos são sólidos e indivisíveis, sendo eternos, e ao desintegrar a
matéria, separam-se para fundirem em outros corpos. Assim a morte seria a
desagregação do conjunto atômico, não existindo motivos para temê-la.
A fundamentação da teoria epicurista tem como propósito dissipar a angústia
mental que é causada pelos deuses ou pela religião. A necessidade de uma religião
sede lugar a espontaneidade da alma, a autonomia da vontade e a liberdade
humana.
É necessário que o homem romano afaste-se da ignorância (dominada pela
religião) para libertar-se do temor dos deuses e da morte. Não é o negar a existência
dos deuses, mas os considerar como representantes das forças da natureza, e esta
como o princípio e o fim de tudo que existe, até mesmo dos próprios deuses.
No epicurismo, o homem deve ser guiado pelas suas vontades, dedicando ao
estudo da natureza para libertar-se das superstições do mundo religioso, a morte
seria para a religião uma forma de controle social, uma coerção contra a vivência do
prazer que a vida pode oferecer. O homem vive na constante busca de poder, de
ascensão social, como se tudo que tivesse sido conquistado na vida pudesse
também acompanhá-lo na morte, ao temer a morte o homem cultiva a infelicidade.
Na obra de Petrônio e no filme de Fellini, torna-se notável a questão de
interesses em torno daqueles que possuíam dinheiro e poder, ou seja, aqueles na
qual o poder e a riqueza já era algo inerente; os que lhe desejavam a morte estavam
à volta na expectativa de usurparem alguma coisa, principalmente se estes não
tivessem herdeiros legítimos. Todos que gravitavam ao seu redor viviam na
esperança de serem contemplados no testamento. Sobre esta questão, vejamos:
Trimalquião procura controlar esse momento derradeiro através de
previsões e ensaios cênicos de quando e como será sua partida para o
mundo do Além. E o lugar que não terá no coração dos homens procura
garanti-lo na grandeza do seu monumentum fúnebre. Licas tenta fugir a um
destino marcado, observando com fervor religioso, presságios e
admonições divinas. No entanto, o mesmo vento que impelia as velas das
suas embarcações o empurra para o abraço mortal das vagas enfurecidas.
Não tem pai, mulher, filho que o chorem no momento da despedida. Mãos
inimigas lhe vão erguer a pira que resgate a passagem para outra
dimensão. Eumolpo toda a vida foi um aventureiro. A única riqueza com que
acenava era o brilho do intelecto, que amargos dissabores lhe causaram e
também algumas alegrias. Em Crotona, vai passar os últimos dias da vida
como rei que os heredipetae julgavam que ele era. E será, certamente,
recordado. Pelos companheiros de aventura, que simbolicamente liberta, à
hora da morte (talvez para uma existência menos atribulada); pelos
captatores, que nunca hão de ser capazes de digerir o ludíbrio, maior ainda
que a pretensa riqueza do velho. Três sendas rasgadas numa terra de
engano, de insegurança, de receio e de morte. É a visão panorâmica desse
mundo que interessa, por fim conhecer.173
Fellini em sua obra fílmica, busca dar uma ênfase nas características visuais,
como as cores, o cenário e os personagens. Na relação da morte com o sagrado, o
cineasta explora mais o lado psicológico, o temor que pairava sobre o desconhecido,
o apego nas coisas materiais que levaria ao interesse de muitos, a solidão do
173
Cf: LEÃO, D. F. As ironias da fortuna: Sátira e moralidade no Satyricon de Petrônio. Coimbra:
Edições Colibri (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), 1998, p. 116-117.
momento da morte, da despedida da vida, da falta de pessoas que pudesse
acompanhar o cortejo fúnebre.
Com este pensamento sobre as características apontadas na obra de Fellini,
o
Satyricon
foi
rodado
em formato
alargado,
vulgarmente
apelidado de
CinemaScope. Os formatos alargados obtêm-se por meio da utilização de uma lente
anamórfica na câmera, que vai comprimindo a imagem. Outra lente, colocada no
projetor realiza a função inversa.
O CinemaScope como citamos, foi introduzido em 1953 por meio do filme
“The Robe”, na qual os anúncios sobre ele divulgavam como um “milagre moderno
que era possível ver sem óculos” e com “som estereofônico de alta qualidade”. O
som estereofônico demorou a torna-se padrão na época do CinemaScope dada à
generalidade das salas de projeção.
Todos estes recursos cinematográficos eram utilizados por Fellini e aparecem
no Satyricon, às imagens eram projetadas em um quadro amplo e achatadas como
se fosse um antigo afresco retratado numa parede. Assim, o filme criado por Fellini a
partir de seu imaginário, foge a realidade de Petrônio, porém destaca-se pela
articulação daquilo que se considera ficção e do que pode se considerar como real
dentro da perspectiva historiográfica.
O filme apresenta-se de forma desconexa, em um ambiente de caos,
produzidos nos estúdios do Cinecittà. A música foi escolhida pelo próprio cineasta,
utilizando recursos sonoros no estilo metálico e eletrônico. Seguindo o caminho
oposto das produções hollywoodianas, Fellini não mostrou uma Roma nostálgica,
com base no sentimentalismo italiano, mas uma Roma baseada na perca do mos
maiorum: da tradição romana.
Os tradicionais defensores do mos maiorum – anciãos, aristocratas, casta
sacerdotal – abandonam essa função para protagonizarem, à sombra da
antiga fama, todos os actos que deveriam rejeitar. As mulheres, por sua vez,
há muito que se esqueceram o exemplo de Cláudia. Apenas Fortunata
continua a ecoar o domum seruauit com razoável eficácia. As demais
qualidades só na aparência estão presentes. Curiosamente, o grande
exemplo anunciado da leuitas feminina acaba por trazer uma lição
adjacente: a do triunfo do amor e da vida sobre a escuridão da morte. Algo
que Encólpio, quando tudo parecia apontar para a consumação plena, se vê
impotente para concretizar. Porque não ama, apenas deseja Circe; porque
dedica a atenção a uma pessoa sem identidade e sem caráter, que
congrega em si algumas qualidades femininas e todos os defeitos com outro
fruto que não seja engano, traição e dor. O amigo tem de sofrer tudo isso e
ainda a punição do deus, quando buscava trilhar outra via. Se o
desalentado Encólpio se vê sem meios para atingir os objectivos que se
tinha proposto alcançar, outras personagens há, no Satyricon, que, real ou
fingidamente, detêm um grande poder.174
O Satyricon de Fellini é considerado pelos críticos cinematográficos como um
filme de “contracultura” por ser uma adaptação livre da obra literária de Petrônio,
muitos dos personagens fellinianos foram associados aos Hippies da década de
1960. Os jovens aventureiros que iam à busca de aventuras sinalizavam para os
críticos contemporâneos como sendo semelhantes aos jovens do período moderno,
desapegados dos valores morais, abertos a sexualidade e contra as crenças
religiosas. Estes, assim como os aventureiros em Petrônio visavam o Carpe Diem
epicurista, da busca pela liberdade e de novos prazeres.175
Para Fellini, o Satyricon era o resgate do misterioso, do obscuro e etéreo
visual clássico do passado “arqueológico” de Petrônio com vistas às questões do
período moderno. Os fragmentos literários da obra de Petrônio permitiram ao
cineasta trazer aos olhos dos espectadores uma verdade inventada, rumo a Roma
Felliniana.176
174
Cf: LEÃO, D. F. As ironias da fortuna: Sátira e moralidade no Satyricon de Petrônio. Coimbra:
Edições Colibri (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), 1998, p. 96 e 97.
175
Essas características fizeram com que muitos estudiosos do Satyricon de Fellini e Petrônio
associassem também a obra Felliniana ao espetáculo “HAIR”, de grande sucesso na Broadway, que
conta a história de um grupo de jovens que vivem em Manhattan, New York, e praticam o amor livre,
além de abordarem temas relacionados à homossexualidade e as drogas. Cf: WYKE, M. Projecting
the past: ancient Rome, cinema, and history. New York: Routledge, 1997, p. 191.
176
Cf: Ibid., p. 189-192.
Figura 5
A morte de dois Patrícius, indireta homenagem a Petrônio que morreu conversando com seus
177
amigos – (Enquadramento: Close-Up)
177
Cf: FELLINI, F. Fellini Satyricon. Bologna: Cappelli Editore, 1969. Sobre a morte de Petrônio, o
historiador Claudiomar R. Gonçalves cita que: “Tácito constrói um jogo íntimo caracterizado por três
fases: uma elevação dramática; uma peripécia (atitude não passiva de Petrônio frente a morte) que
prepara o leitor para o grande final: a morte do personagem marcado pela contradição: Dia/Noite;
Luxo/Simplicidade; Ambição/Desprendimento; Morte Militar/Morte Filosófica; Morte Trágica/Morte
Normal, ou seja, criando uma espécie de anti-morte que demonstraria que sua ars vivendi estava de
acordo com sua ars moriendi.” Cf: GONÇALVES, C. R. A morte de Petrônio na narrativa Tacitiana. In:
Gérion. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2001, nº 19, p: 520. (texto apresentado no XVI
Simpósio Nacional de Estudios Clássicos “La muerte em el Mundo Grecolatino”. Buenos Aires:
Argentina, 26 a 29 de Setembro de 2000).
Figura 6
Veias abertas, referência a morte de Petrônio – (Enquadramento: Primeiro Plano)
As figuras 5 e 6 representam no personagem em foco a referência ao
momento da morte de Petrônio, que suicidou-se esvaindo-se em sangue pelas veias,
enquanto dialogava com seus amigos, sem se preocupar com questões ligadas a
imortalidade da alma ou a filosofia, o satirista entregou-se ao “sono” para que a
morte lhe parecesse algo natural. Assim sendo, a filosofia Epicurista era materialista,
buscava o prazer e não era religiosa. Foi à primeira filosofia a ser completamente
desenvolvida a nível intelectual. Epícuro afirmava que: “A morte não é nada para
nós, pois, quando existimos, não existe morte, e quando existe a morte, não
existimos mais”.
Os deuses
Figura 7
Rito de preparação para a morte, evocação dos deuses. O ambiente remete a serenidade (Enquadramento: Plano Conjunto)
Figura 8
No Templo, guardiões de Hermafrodita. (Enquadramento: Plano Conjunto) 178
178
A princípio havia três gêneros entre os homens, e não dois como hoje, o masculino e o feminino:
um terceiro era composto dos outros dois: o seu nome subsistiu, mas a coisa desapareceu: então, o
real andrógino, espécie e nome, reuniam num único ser o princípio macho e o princípio fêmea: agora
já não é assim e só o nome ficou, como uma injúria. […] Se havia três gêneros, e tais como eu disse,
era porque o primeiro, o macho, era originalmente filho do Sol, o segundo, fêmea, extraído da Terra, e
o terceiro, participante dos dois, da Lua, porque a Lua tem esta dupla participação. […] Zeus cortou
os homens em dois, […] uma vez realizada esta divisão da natureza primitiva, eis que cada metade,
desejando a outra, a procurava. […] De facto, é desde então que o amor mútuo é inato aos homens,
que recompõe a sua natureza primitiva, procura restitui a um a partir dos dois e curar essa natureza
humana ferida. Cf: Platão. O Banquete. Publicações Europa-América: Mem Martins, 1977, pp.47-50.
O mito do andrógino de Platão também é conhecido como a teoria dos três gêmeos, é a busca das
metades que faltam, estas ao se encontrarem ocorre uma fusão de corpos e desejos. A fusão pode
ser entre um homem e uma mulher, entre duas mulheres ou entre dois homens.
A religião romana na época de Petrônio sofreu influência de outros povos da
antiguidade, como os gregos e os povos do oriente. Em decorrência do processo de
conquista, muitos dos romanos passaram a acumular deuses e crenças religiosas
dos povos conquistados, até mesmo com o advento do cristianismo no século I d.C,
foi observado pelos romanos como sendo mais uma entre as muitas crenças já
existentes.
Ao fazer um estudo das Sátiras de Juvenal no Plano da Iniciação Científica
pude verificar que até mesmo o literato deferia uma crítica aos imperadores que
haviam deixado suas crenças em favor de outras advindas da expansão romana.
Assim, a religião era sinônimo das relações sociais e não podemos negar a
sua importância, Juvenal aproveitava deste importante instrumento social
para execrar aqueles que se serviam dela para alcançar objetivos poucos
elogiáveis, como os impostores e os indolentes. Apesar de se referir a
vários deuses, sua incredulidade é notável principalmente quando se refere
a estes para os acusá-los de inoperantes. Juvenal chama a atenção do
povo romano, que envolvidos com a inserção de religiões estrangeiras e
exóticas relegam para segundo plano a fé em seus próprios deuses. O
cosmopolismo apoiado pelos imperadores fez com que muitos dos romanos
se inclinassem ainda mais aos apegos nas superstições, a apatia e a
indiferença da elite, sem nada fazer em prol dos deuses legitimamente
romanos.179
Por meio destes apontamentos acerca das crenças ou do desapego das
tradições culturais, Fellini no Satyricon levanta questões contemporâneas referentes
à própria percepção cultural do momento da produção do filme, da política fascista
vigente, de uma indústria cultural que produzia arte distante da realidade e mais
próxima da propaganda política. Os personagens usados pelo cineasta não
representavam grandes personalidades romanas, como gladiadores ou imperadores,
mas eram pessoas comuns envoltas pela decadência da Roma Imperial, do
sentimento de frustração e do sarcasmo. Assim como a tradição ao culto dos deuses
romanos dava lugar aos deuses estrangeiros, a propaganda política tomava conta
do cenário artístico da indústria cultural italiana no período felliniano.
179
SILVA, N. O da. O Clientelismo nas Sátiras de Décimo Júnio Juvenal. Maringá: UEM, 2003.
(Iniciação Científica – orientador (a): Prof. Drª. Renata Lopes Biazotto Venturini), p. 40.
2.2.3 Rituais do Profano
“Construo um sentimento sagrado
Mas em busca de um ser profano
Que se entregue sem engano
Que transpire enquanto eu amo
Que liberte o doce encanto
De encontrar o sagrado no profano.”
(Helena Kluiser)
“O religioso e o profano juntos.
A mulher da vida também está num
Altar religioso.
Um santo pode aparecer de repente numa
Orgia felliniana.”
(João da Mata Costa)
Podemos definir o Profano como sendo tudo aquilo que não é sagrado, da
necessidade do ser humano de aproximar-se dos prazeres da vida, no seu aspecto
artístico e cultural são espaços representados pelo teatro, o circo, o cinema e o
carnaval. Assim, o termo profano originou-se do latim profanu, contrario as coisas
sagradas, estando ligado a algo secular ou leigo, pro fani – fora do templo.180
O Profano também é uma necessidade do ser humano. Na verdade o ser
humano precisa do momento da recreação pra cobrir o stress que a vida
moderna coloca. Então o profano acaba sendo o paralelo, é o lazer, só que
como ele não tem a conotação de identificação com o sobrenatural, ele
chega pra gente na condição de um complemento da vida. Enquanto você
tem a necessidade do sagrado pra poder continuar vivendo para fazer parte
da sociedade, para estar inserido na cultura. Enfim para viver em
comunidade.181
180
181
Cf: DEL PONTE, R. Dei e miti italici. Genova: ECIG, 1988.
Cf: SERRANO, R. Informação verbal, 2006 Apud (PROCÓPIO, A; MALHEIROS, A. P. de O. O
Sagrado e o Profano em dois monumentos. São João da Boa Vista: Centro Universitário da Boa
Vista – UNIFAE, 2006, p. 12.)
Os ritos auxiliam a construir uma temporalidade oposta ao tempo da rotina
social que estamos habituados. As festas carnavalescas, por exemplo, deslocam os
indivíduos de sua rotina social. Muitos dos elementos do carnaval podem ser
identificados em rituais ou festividades do mundo antigo. No Satyricon de Fellini é
característico o uso de recursos que se aproximam dos ritos tidos como “profanos”.
A variedade de cores, a utilização de máscaras e a sensualidade são características
libertadoras do indivíduo que o leva a extroversão.
A fartura da comida, a permissividade, a bebedeira, a música, a dança e a
liberação sexual são heranças dos festejos e cultos profanos próprios dos gregos e
romanos. Na Grécia era comum a celebração dos Bacanais, que eram realizados em
homenagem ao deus Baco (deus do vinho, filho de Júpiter e de Semele). Dessa
forma, a tradição grega relata que a rotina social sofreria uma alteração com
Dionísio, que era o deus da embriaguez, dos prazeres e perturbador da ordem
estabelecida.
O Carnaval, ou “carnelevamen” (prazer da carne) seria a herança destas
manifestações, da transformação da rotina diária em momentos de festa e alegria. O
recurso da fantasia, de um mundo inventado, de sonhos manifesta-se no Satyricon
como a inversão de valores, da reprodução das aventuras dos deuses e da
necessidade de realizar suas vontades. Assim sendo, o Satyricon é sinônimo do
Carnaval, do escárnio, do piadístico, dos valores reprimidos na vida diária, dos ritos
cotidianos.182 Vejamos: “Os rituais representam aspectos das relações da sociedade.
Uma técnica para mudanças de posição moral da pessoa, do sagrado para o
profano, do profano ao sagrado, tendo como base o cotidiano”.183
A figura de nº 9 nos revela uma cena na qual o cineasta remete a uma
representação da “Torre de Babel” (narrativa bíblica encontrada no Gênesis, sobre
uma torre construída com o objetivo de chegar ao céu). Federico Fellini inspirou-se
na obra pictória de Pieter Brueghel o velho, (“Torre de Babel”, ano de 1563, óleo
182
O Carnaval originou-se dos antigos rituais romanos, tendo sua origem nas Saturnália, celebrações
em homenagem a Saturno praticado, pelos menos, desde o século V a.C, o Tempio de Saturno em
Roma data de 497 a.C. Cf: BIZARRI, M. L‟aurea Aestas di Saturno i Saturnalia. Roma: Sydaco,
1988, p. 3.
183
Cf: DA MATTA, R. Carnavais, malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1997.
sobre painel 114x155 cm – museu Kunsthistorisches – Viena e “A Torre de Babel”,
de 1563, óleo sobre painel, 60 x 74.5 cm, museu Boymans – van Beuningen –
Roterdã), a referência a esta obra no Satyricon diz respeito ao problema da
incomunicabilidade humana na sociedade contemporânea. Observemos:
Figura 9
Torre de Babel – Insulae (Enquadramento: Plano Conjunto)
A crítica de Fellini sobre a incomunicabilidade humana mostra-se no Satyricon
por meio do crescimento da Urbs romana no mundo antigo. A perda dos valores, da
tradição e da superpopulação, gerava uma crise social. As insulae (prédios de vários
andares construídos de modo precário e que concentrava um alto índice de
moradores, na sua maioria miseráveis) eram construídas de modo precário,
favorecendo os desmoronamentos e incêndios. A população se aglutinava nos
andares, e as paredes dessas insalae eram tão finas que uma tempestade era
capaz de derrubá-las. As famílias que viviam na miséria incentivavam suas filhas a
prostituição.184
184
Cf: SALLES, C. Nos submundos da Antigüidade. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 157.
A prostituição e os prazeres da carne podem ser verificados na cena abaixo,
na representação do Jardim das Delícias, a erotização do ser humano acha-se
presente nas pinturas e mosaicos, Fellini busca inspiração no expressionismo de
Botticelli para retratar a cena.
Figura 70
Jardim dos prazeres – figuras eróticas do Oriente (Enquadramento: Plano Conjunto).
Assim, o filme de Fellini traz personagens que agem de acordo com sua
natureza, o filme lida com o excesso visual, mostrando um mundo de amoralidade,
crueldade, auto-aversão, sexualidade e paixão.
Na obra literária, Petrônio foi buscar na linguagem das ruas o que necessitava
para criticar seus pares. Sendo um literato da elite, utilizou-se da tragicomédia e do
grotesco teatro popular para descrever o ambiente romano dos novos-ricos, lascivos
e corruptos. Entretanto Fellini não teve a preocupação de dar uma lição moralizante
sobre o mundo pagão, tão pouco de esboçar uma representação do passado, visou
antes, dar vozes a personagens não ditos de uma sociedade em um dado momento
histórico, revelando com isso, os interditos das relações entre democracia e
totalitarismo.
2.2.4 Rituais festivos
“Assim que cumprirmos nossos deveres rituais,
retornamos à vida profana com mais energia,
mas
também
porque
nossas
forças
se
revigoram, ao viver, por alguns momentos,
uma vida menos tensa, mais agradável e mais
livre.”
(Émile Durkheim)
A idéia de “festa” ou de “rituais festivos” nos remete a noção de prazer, de
realização e satisfação. Assim, o conceito de festa encontra-se ligado a rupturas de
nossas rotinas, da vivência entre o tempo do trabalho e do momento lúdico do
festivo. Para o professor José Clerton de Oliveira Martins:
Um tempo se transforma em outro através de uma festa. As festas
representam a transição, expressando as mudanças da sociedade da qual é
reflexo. Quando a sociedade promove algum tipo de mudança, aí existe
uma festa.185
Neste sentido, a festa é uma ruptura dos ritos cotidianos, uma expressão
coletiva, por meio das festas que o indivíduo se renova para retornar ao tempo do
185
Cf: MARTINS, J. C de O. Festa e ritual, conceitos esquecidos nas organizações. In: Revista malestar e subjetividade. Fortaleza, v.II, nº 1, março, 2002, p: 118-128 Apud (VELASCO, H. M. Tiempo
de Fiesta. Madrid: Ed. Tres-Catorze-Diecisiete, 1992.)
trabalho. O professor José Clerton de Oliveira Martins completa ainda dizendo que:
“[...] os rituais festivo-lúdicos contribuem para o desenvolvimento do trabalho e a
existência da atividade efetiva da organização”.186
Nesse viés, o estudo das festividades dentro do campo da historiografia não é
algo imutável, pois novos elementos podem ser incorporados ou até mesmo
conceitos antigos podem ser revistos e analisados. Cabe ao pesquisador estar
atento as rupturas, as descontinuidades e as temporalidades dentro das análises
das festividades. O historiador francês Michel Vovelle cita que:
[...] assim como não há uma História imóvel, também não há uma festa
imóvel. A festa na longa duração, assim como a podemos analisar através
dos séculos, não é uma estrutura fixa, mas um continuum de mutações, de
transformações, de inclusão com uma das mãos e afastamentos com a
outra.187
O arqueólogo e professor de História Antiga da Universidade de São Paulo
(USP), Norberto Luiz Guarinello, ao realizar um estudo sobre “Festas”, nos diz que a
festa é um ato coletivo e que implica em uma determinada estrutura social de
produção. Dessa forma, ela deve ser:
[...] preparada, custeada, planejada e montada segundo regras elaboradas
no interior da vida cotidiana; envolve a participação coletiva na sociedade
em seu conjunto ou em grupos nos quais os participantes ocupam lugares
distintos e específicos; aparece como uma interrupção do tempo social,
suspensão temporária das atividades diárias; articula-se em torno de um
objeto focal: um entre real ou imaginário, um acontecimento, um anseio ou
uma satisfação coletiva; e, por fim, pode gerar produtos materiais ou
188
significativos, principalmente a produção de identidade.
186
Cf: MARTINS, J. C de O., op cit., p. 126.
187
Cf: VOVELLE, M. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 251.
188
Cf: GUERINELLO, N. L. Festa, trabalho e cotidiano. In: JANCSO, I; KANTOR, I (Orgs). Festa:
Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec; Edusp; FAPESP; Imprensa
Oficial, vol. 2, 2001, p: 969-975 APUD (COUTO, E. S. Devoções, festas e Ritos: algumas
considerações. In: Revista Brasileira de História das Religiões, ano I, nª I – Dossiê Identidades
Religiosas e História, s/d, p. 3)
O estudo dos rituais festivos justifica-se na medida em que o homem busca
por meio deste aliviar suas tensões e encontrar um espaço de quietude frente aos
conflitos sociais, e com isto, tornar os rituais cotidianos mais significativos. A figura
de número 11 traça um panorama do banquete realizado por Trimalquião (Cena
Trimalchionis)189. Vejamos:
Figura 11
O Banquete de Trimalquião (Enquadramento: Plano Conjunto)
189
Segundo os relatos históricos, o personagem de Trimalquião é visto como sendo um novo-rico, exescravo que se vangloriava de seus bens sem ostentar, contudo, uma equivalente riqueza cultural.
Esse trecho corresponde à maior parte do livro XV, é o mais bem estudado de todo o Satyricon, e
denomina-se “Cena Trimalchionis”, ou “O Banquete de Trimalquião”. Cf: AQUATI, C. “Posfácio”. In:
PETRÔNIO. Satíricon. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 225.
A Cena Trimalchionis trata-se de um banquete realizado na casa do liberto
Trimalquião, que tinha se enriquecido por meio da prática do comércio. Apesar de
ser um fragmento da obra literária de Petrônio, é o que mais nos chegou
conservado. Os convidados, mesmo alforriados, mantêm seus traços de origem
popular.
Esta “Cena” é muito estudada pela historiografia, uma vez que a mesma traz
registros de fatos do latim corrente, revelando a mentalidade da plebe romana de
seu tempo. Fellini ao trazer para as telas do cinema esta parte da obra literária,
retrata a megalomania do novo-rico, Trimalquião, que tal como o próprio nome
sugere, significa: “três vezes rei”.
O Cineasta enfatiza a personalidade tirânica de Trimalquião, que impedia os
convivas de qualquer meditação sobre o prazer. O ato ritualizado de partilhar a
comida e a bebida revela-se muito importante para firmar laços de amizade e vencer
barreiras de natureza social, além de ser uma ótima oportunidade de propaganda
política. Os banquetes mostravam-se como ambientes propícios as relações de
Clientelismo e Patronato que eram muito comuns no período romano.
Federico Fellini ao tratar sobre estes assuntos refere-se ao jogo político de
interesses que estavam envoltos ao seu próprio tempo e das relações de poder e
amizade nos estúdios do Cineccità, que tinha sido inaugurado pelo fascista Benito
Mussolini para a gravação das propagandas do Fascismo.
Tendo
em vista
estas
características
apontadas,
vemos
que
toda
comemoração constitui-se numa forma de comunicação, na qual se articulam
relações de poder, propaganda e memória. Os rituais festivos comungam
características que permeiam o mundo sagrado e o profano, na qual divulgam
mensagens de símbolos e mitos.
Portanto, as festas são signos e fazem parte de um ritual: não há sociedade
sem ritual e não há ritual sem festas, pois elas ajudam a legitimar o regime. 190
190
Cf: CAPELATO, M. H. R. Multidões em Cena. Campinas: Papirus, 1998, p. 19-59.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar a pesquisa sobre o cineasta Federico Fellini no ano de 2007, tendo
em mente a sua relação com a obra literária de Petrônio, muitas foram às questões
que se levantaram. Muitas destas questões versavam sobre a produção
historiográfica de Fellini e o Satyricon, tanto no que se refere à obra literária datada
do século I. d.C, como a produção fílmica de 1969. Dentre as questões levantadas
podemos citar: quais as fronteiras traçadas entre o cinema, a literatura e a História?
Quem foi Federico Fellini e qual a sua relação com o Satyricon de Petrônio? O que o
Satyricon de Fellini representou para o seu período? Qual a origem do termo
“felliniano”?
Para responder a estas questões, recorremos ao estudo dos rituais cotidianos
inseridos na obra fílmica o Satyricon. Os rituais sagrados, profanos e festivos
representados pela religião, pelos banquetes e pelas festas populares, serviram de
vertente para expressar a estética cinematográfica de Fellini. Com isso, inspirada
nos conceitos criados pelo próprio cineasta adotamos como metodologia a teoria
filosófica epicurista do Carpe Diem, bem como a leitura crítica da indústria cultural.
Com este espírito nos dirigimos aos estudos, diálogos e interpretações de
diferentes estudiosos sobre o Satyricon de Petrônio e Fellini, além de especialistas
sobre os estudos das imagens cinematográficas e suas relações com a História e a
Literatura. Cada estudioso citado neste trabalho serviu para rever conceitos e a partir
destes propor novos. Para compreender dois períodos distintos, tanto de Petrônio
quanto de Fellini tivemos que nos despir dos preconceitos vigentes, principalmente
com relação ao anacronismo.
Assim sendo, este estudo apresentou um caráter interdisciplinar confrontando
personagens distintos com características e preocupações próprias de seu tempo e
espaço. As páginas traçadas revelam um Fellini “sonhador”, e foi no estúdio do
Cinecittà em Roma, que o cineasta pode realizar todos os seus sonhos, fantasias e
delírios fellinianos. O que mais chamou a atenção de Federico Fellini no Satyricon de
Petrônio eram suas lacunas; fragmentos estes que possibilitaram que o mesmo
preenchesse com sua própria imaginação uma “Roma Antiga imaginada”. Sob este
ponto de vista, fizemos uso da fonte literária do Satyricon lançado pela editora
Cosacnaif (2008), que trouxe no prefácio de Raymond Queneau e no posfácio de
Cláudio Aquati o cotidiano histórico e literário, na qual a obra encontra-se inserida e
codificada, além de trazer uma versão descrita pelo historiador Tácito sobre a vida
do aristocrata Petrônio na época do imperador Nero.
O Satyricon de Petrônio por ser uma obra enigmática e pelo pouco que se
chegou ao nosso conhecimento possibilita aos estudiosos contemporâneos de
renovar-se a cada nova leitura da fonte histórica, pois novas questões são
levantadas, principalmente com relação ao contexto satírico, tais como: os costumes
da época, a narrativa, o discurso de gênero, a paródia, o uso do latim vulgar, a
decadência das instituições, a degradação da religião, da justiça, da retórica e da
moral, ou seja, a perca do mos maiorum, da tradição romana.
É neste romance, pelo fio da ironia e do sarcasmo que Federico Fellini
apresenta uma sociedade plural, uma crítica ao seu tempo, um devaneio sobre a
consciência humana, da perca dos valores, e da usurpação do Estado Totalitário
sobre a forma de pensar e agir do indivíduo. Uma das partes mais estudadas do
Satyricon de Petrônio diz respeito ao banquete de Trimalquião, que mostrava a
megalomania do novo-rico, representando a tirania. A adaptação de Fellini para as
telas do cinema mostra o mercado da indústria cinematográfica, associando
questões relativas à propaganda política e ao corporativismo.
Narrado em primeira pessoa, o Satyricon de Petrônio conta a história de três
personagens, um romance de aventura entre Encólpio, anti-herói que para superar o
castigo da impotência dado pelo deus Príapo, envolve-se com bajuladores e
libertinos, sempre se envolvendo em conflitos juntamente com seu companheiro
Gitão e o rival Ascilto. Um jogo de poder e interesses que caracterizavam toda uma
sociedade, na qual cada um tinha o seu valor.
Ao chegar neste ponto do estudo, percebi que o tema não se esgota em si
mesmo, mas muito há ainda para ser feito e estudado. Ressalto ainda que, tive a
oportunidade, por meio do Mackpesquisa, de visitar a Fundação Federico Fellini em
Rimini – Itália, fazendo o mesmo percurso de Fellini, conhecendo assim, sua cidade
natal e dirigindo a posteriori para Roma, centro da atividade artística e intelectual de
nosso personagem, uma “Torre de Babel” como ele mesmo havia observado, onde
se confluíam diferentes tipos de culturas.
Rimini é a cidade felliniana, tudo gira ao redor das recordações do cineasta,
ao percorrer pelas ruas de Rimini, pude vivenciar um pouco da memória do cineasta,
de sonhar por um instante o “sonho de Fellini”, do “eterno retorno a sua cidade de
origem”, onde tudo começou, ou seja, a “cidade dos sonhos”. Assim sendo, neste
trajeto entre Rimini e Roma fica a mensagem de Lucius Apuleius: Lector, intende:
laetaberis (As. Aur. 1.6.6): Leitor, presta atenção: vais divertir-te.
Carpe Diem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS FÍLMICAS
FELLINI, A História de um Mito. Direção: Gianni Paolucci. Elenco: Anouk Aimée,
Federuci Fellini, Giulietta Massina, Alberto Sordi, Marcelo Mastroiani, Sandra Milo,
Caterina Borato, Franco Fabrizi, Ciccio Ingrassia, Franco Interlenghi, Magali Noel,
François Perier. Gênero: Documentário. Distribuidora: Paris, 2006: 75 MIN
ROME. Criado por: John Milius, William J. MacDonald, Bruno Heller. Produtores:
John Milius, William J. MacDonald, Bruno Heller, Franck Doelger, Anne
Thomopoulos, John Melfi. Elenco: Kevin McKidd, Ray Stevenson, Polly Walker,
Kenneth Cranham, Tobias Menzies, Maz Pirkis, Indira Varma, Kerry Condon,
Lindsay Duncan, James Purefoy, Ciarán Hinds. Gênero: Drama. País de origem:
Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Exibição: HBO, BBC, RAI, RTP2. Quantidade
de temporadas: 2, nº de episódios 22, 2007:55 MIN. (séries)
SATYRICON. Direção: Federico Fellini. Produção: Alberto Grimaldi. Roteiro:
Federico Fellini, Brunello Rondi, Bernardino Zapponi. Elenco: Martin Potter, Hiram
Keller, Max Born, Salvo Randone, Mario Romagnoli. França-Itália, 1969:138 MIN
A DOCE VIDA. Direção: Federico Fellini. Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano,
Tullio Pinelli, Brunello Rondi. Elenco: Marcelo Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk
Aimée, Yvonne Furneaux, Magali Noël. França-Itália, 1960:174 MIN (Edição
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WIEGAND, C. Federico Fellini: A Filmografia Completa. Paris: Taschen, 2003.
WYKE, M. Projecting the past: ancient Rome, cinema, and history. New York:
Routledge, 1997.
ANEXOS
ANEXO 1191
Livros do Satyricon de Petrônio
Books 1-10
- Beginnings at Massilia
(Frags, 1,4)
Início em Massilia
(Frags, 1,4)
- Introduction of Encolpius
as narrator
Introdução de
Encolpius como
narrador
(In the North)
-
Sacrilege against Priapus
-
Encolpius as scapegoat
Sacrilégio contra
Príapo
- Interlude with Doris
(126.18)
Encolpius como bode
expiatório
-
Interlúdio com Doris
(126,18)
Introduction of Giton
Introdução de Giton.
Books 11-12
- Introduction/Episodes with
Tryphaena
Introdução/Episódios
com Tryphaena
- Affair with lichas and his
wife (?) Hedyle
Caso com lichas e
sua esposa (?)
Hedyle
(Moving South-Baiae)
- Insult to Lichas and escape
Insulto à Lichas e
fuga
Book 13
-
Introduction of Ascytus
Introdução de Ascytus
(Baiae-Puteoli)
-
Introduction of Lycurgus
-
Robbery of Lycurgus‟ villa
Introdução de
Licurgus
Furto de Licurgo na
vila
191
Book 14
- Introduction of Quartilla
Introdução a Quartilla
(Puteoli)
- Diverse episodes with
Quartilla
Diversos episódios
com Quartilha
- Theft of gold coins
Roubo de moedas de
ouro
Mantive como anexos textos de apoio e reflexões que permitiram sedimentar o caminho deste
estudo e possibilitar novas discussões sobre a pesente pesquisa.
- Loss of gold coins
Perda das moedas de
ouro
- Theft of cloak
Roubo das máscaras
- Second loss of gold coins
Segunda perda das
moedas de ouro
Book 15
- (Opening is missing)
Falta a abertura
(Puteoli)
- Introduction of Agamemnon
via Menelaus
Introdução de
Agamennon via
Menelaus
- Episode with Menelaus
- Cena Trimalchionis
Episódio com
Menelau
- Departure of Ascytus, arrival Cena Trimalchionis
of Eumolpus
Saída de Ascytus,
chegada de
Eumolpus.
Book 16
- Begins with ch. 100,
departure from puteoli
(Moving South)
- Meeting with Lichas and
Tryphaena
- Matrona Ephesi, Bellum
Civile
- Toward Croton
Começa com o
capítulo 100, no
momento da partida
de puteoli.
Reunião com Lichas e
Tryphaena.
Matrona Ephesi,
guerra civil.
Volta de Croton
Book 17
- Legacy-hunters defrauded
Ladrões
(Croton)
- Introduction of Circe
Introdução de Circe
- Episodes of Proselenus,
Circe, Oenothea
Episódios de
Proselenus, Circe,
Oenothea
- Final scheme of Eumolpus
Final do regime de
Eumolpus
Book 18
- Eumolpus leaves story
(Moving further South) - Departure of Encolpius and
Giton from Croton.
Eumolpus saí da
história
Saída de Encolpius e
Giton de Croton
Book 19
- Eumolpus replaced by
someone
Eumolpus substituido
por alguém
- Movement toward the East
Movimento em
direção ao Oriente
- Arrival in Lampsacus
Chegada a
Lampsacus
(Moving South)
Books 20-24
- Encolpius expiates offenses
against Priapus
Encolpius expia as
ofensas contra Príapo
- Encolpius initiated into cult
of Priapus
Encolpius é iniciado
no culto de Priapus
- Encolpius finds new
toubles.” (SCHMELING, G., op Encolpius encontra
cit.,p:461)
novos problemas.
ANEXO 2
Trabalhos e Filmografia de Federico Fellini
- 1950 – Mulheres e Luzes (Luci del Varietà. Cod.
Lattuada. Giulietta Masina, Carla Del Poggio).
- 1952 – Abismo de Um Sonho (Lo Sceicco Bianco.
Alberto Sordi, Brunella Bovo).
- 1953 – Os Boas-Vindas (I Vitelloni. Alberto Sordi,
Franco Fabrizi).
– Amores na Cidade (L‟ Amore in Città. Epis.
Agencia Matrimoniale. Antonio Cifariello)
- 1954 – A Estrada da Vida (La Strada. Anthony Quinn,
Giulietta Masina)
- 1955 – A Trapaça (Il Bidone. Broderick Crawford,
Masina).
- 1957 – As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, Masina,
François Perier).
- 1959 - A Doce Vida (La Dolce Vita. Anita Ekberg,
Marcelo Mastroianni192).
- 1962 – Boccacio 70 (Idem. Epis. As Tentações do Dr.
Antonio. Anita Ekberg, Peppino de Fillipo).
- 1963 – Fellini Oito e Meio – 8 e ½ m e ½ (Otto e Mezzo,
Mastroianni, Claudia Cardinale).
192
Destacamos aqui Mastroianni: “Mastroianni, como eu digo freqüentemente, é para mim um amigo,
não um ator. No set de filmagem tenho sempre a impressão que ele está lá para se divertir, para fazer
piada. Quando quero rodar uma sequência, não é trabalho. Talvez porque sonhemos juntos. Para
mim, ele representa a personalidade ambígua de um intelectual, de um homem sensível, ainda
juvenil, cínico, mas sempre um grande sonhador.” (FELLINI, 1995, p. 169).
- 1965 – Julieta dos Espíritos (Gulietta degli Spiriti.
Masina, Sandra Milo).
- 1968 – Toby Dammit/Toby Dammit
Extraordinárias
(Histoires
Extraordinaires.
- Histórias
Epis.
Tre
Passe nel Delírio. Terence Stamp, Salvo Randone).
- 1969 – Anotações de um cineaste/Block-Notes di Un
Regista (TV). Emissão de televisão a propósito de um
filme não rodado (A viagem de G. Mastorna) e a
prepação de Satyricon.
Fellini
–
Satyricon
(Idem.
Magali
Noel,
Capucine).
- 1970 – Os palhaços / I Clows (TV. Semidocumentário
sobre o circo e os palhaços).
- 1972 – Roma de Fellini (Roma. Anna Magnani, Peter
Gonzales)
- 1973 – Amarcord (Idem. Magali Noel, Bruno Zanin).
- 1976 – Casanova de Fellini (Il Casanova di Federico
Fellini. Donald Stherland, Tina Aumont).
- 1978 – Ensaio de Orquestra (Prova d’Orchestra. TV.
Baldwin Baas, Clara Colosimo).
- 1980 – Cidade das Mulheres (La Città delle Donne.
Mastroianni, Anna Prucnal).
- 1983 – La Nave Va/ Et la nave va - (Idem. Freddie
Jones, Barbara Jefford)
- 1985 – Ginger e Fred (Idem. Mastroianni, Masina).
- 1987 – Entrevista (Federico Fellini Intervista. Anita
Ekberg, Marcello Mastroianni).
- 1990 – A voz da Lua (La Voce della Luna. Roberto
Benigni, Paolo Villaggio).
Comerciais (Publicitários) dirigidos por Fellini:
1984
- Comercial para Campari Soda
Título: Oh, che bel paesaggio! (Oh, que bela paisagem!)
- Comercial para Barilla
1992
- Comercial para Banco de Roma
Três comerciais de 90 segundos cada um. Interpretação:
Paolo Villaggio, Fernando Rey, Anna Falchi.193
193
Com relação à filmografia completa de Federico Fellini Cf. FELLINI, F. Eu sou um grande
mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. P. 201-225.
ANEXO 3194
Posters de filmes do Fellini
194
Cf: WIEGAND, C. Federico Fellini: A Filmografia Completa. Paris: Taschen, 2003, p. 184 – 190.
ANEXO 4195
Rascunhos de Fellini (Satyricon).
195
Cf: FELLINI, F. Federico Fellini: The Book of Dreams. New York: Rizzoli, 2008, p: 435 e 436.
TRANSCRIPTION OF THE DREAMS
11/2/1969
At the movies (Barberini), Giulietta is on my lefty, Bernardino on my right, they‟re
showing Satyricon; when we get to the sequence at the Villa of the suicides, the film
jumps to the next reel (in the dream, the sequence with the minotaur). Somebody
complains, I say in a loud voice that up in the projection room the‟ve forgotten a reel.
A light turns on and they try to show the film in the right order. At that very moment
Giulietta vomits. Bernardino says, “We can go, the effects are identical and the
audience‟s reactions are always the same.”
11/5/1969
On my rigth, Bergman is watching Normicchia with a detached and slightly
disapproving air. Her face is sweaty and leden with sensuality as if she had Just
finished making love.
11/11/1969 ATTENTION (?)
Na extremely abundant ejaculation, all foamy like soap suds, seething, I was
immersed in this foamy, lukewarm sperm...Did it happen with Norma?
The some American producers arrived (Pea‟s partners?) to eat the leftover sperm
from my ejaculation out of N.‟s pussy. They Sat down around N., who was lying down
naked with her legs spread open wide, rivulets of my sperm between the lips of her
vagina.
There‟s talk of someone (na old man) Who hás extremely broad nipples.
The man is ashamed and doesn‟t want to show them.
ANEXO 5
ROTEIRO DO FILME SATYRICON196
LA SCENEGGIATURA
IL LAMENTO DI ENCOLPIO
Scena n. 1.
Encolpio sullo sfondo di un muro. Giorno.
1-9.
Sullo sfondo di un muro rossastro, un muro di cinta o forse la parete esterna di una casa,
tutto fittamente graffito dai passanti, che vi hanno fatto disegni, scritto parole latine e greche
incomprensibili, fin quasi a divenire una decorazione astratta di ghirigori bianchi, Encolpio,
solo, in preda a una grande agitazione, ad un'angoscia che lo fa a volte singhiozzare, a volte
accasciarsi in terra o agitare Ie braccia, parla non si sa a chi, forge soltanto al pubblico, in
una serie di brevi periodi incalzanti, rotti:
ENCOLPIO: La terra non è riuscita a inghiottirmi nella voragine! Non m'ha inghiottito il mare,
pronto a prendersela anche con gli innocenti! Sono sfuggito alla giustizia. Sono scampato al
circo. Mi sono perfino macchiato le mani di sangue; per ridurmi qui, senza un soldo, bandito
dalla patria, abbandonato! E chi m'ha dannato a questa solitudine? Un giovane segnato da
tutti i vizi: degno del bando, per sua stessa ammissione; Ascilto. Un giovane che si è reso
libero con lo stupro: con lo stupro è diventato di buona famiglia: si è giocato ai dadi la sua
gioventtú: si è dato in affitto come donna, anche quando lo avvicinavano come uomo... E che
dire di Gitone? Quello, il giorno della toga virile, si è messo la stola femminile. Quello, già la
madre l'aveva convinto a non essere uomo. Uno che ha fatto la puttana in una prigione: uno
che tradisce il ricordo di una antica amicizia: che vergogna! Come una donna in calore vende
tutto per il contralto di una notte. E adesso, abbracciati, giacciono insieme per notti intere... e
certo ridono di me, che sana solo... Ma non finirà cosi! (piangendo) Vaga estate contaminata
dall'inverno!... Ti amavo, Gitone: ti amo ancora... Non posso dividerti con altri, perché tu sei
parte di me, sei me stesso, sei la mia anima, e l'anima mia ti appartiene. Sei il sole, sei il
mare, sei gli Dei. Devo ritrovarti a ogni costa, o non sano piú uomo. It tronfio Ascilto è fuggito
con la sua preda.. .
Scena n. 2.
Terme. Interno. Sera.
10.
AIle terme, è l'ora di chiusura: un suono di campana sta rintoccando sotto Ie volte immense.
11.
Ambienti vastissimi, cinti da mura potenti; una piscina è già stata svuotata, c'e solo un fondo
d'acqua...
12.
196
Cf: FELLINI, F. Fellini Satyricon. Bologna: Cappelli Editore, 1969, p. 149-273. (Roteiro Original de
Federico Fellini)
... da altre, invece, caldissime, si levano vapori.
13.
Vapori escono anche da certe porticine aperte; salgono verso il soffitto,...
14.
... avvolgono i lenzuoli fittamente stesi su corde, ad asciugare.
15.
Qualcuno si sta facendo massaggiare. Un vecchio dall'aria tramortita, sudato e pallido, si fa
massaggiare da uno schiavetto dalla faccia di teppista.
16.
Una matrona è ferma immobile nell'acqua d'una piscina deserta; grassissima, solenne, si
guarda intorno con occhi severi.
17-18.
Alcuni giovanotti erculei, forge massaggiatori che hanno finito di lavorare, giocano a palla;
scagliandosi con violenza e rapidità un grosso pallone di cuoio, pesantissimo.
19.
Da queste persone, sparse qua e là, si levano ogni tanto risate o frasi: fragi in un duro latino
inafferrabile, una shana lingua che sembra tedesco, diversissima da quella che si studia a
scuola.
20.
Un cavaliere, seguito da un codazzo di servi, esce e saluta la gente che resta, con un gesto
benedicente...
21.
... Altri escono portati via in lettiga...
22.
... Ormai Ie terme sana quasi deserte. Alcuni inservienti spazzano stancamente il pavimento
terroso, coperto da una melma liquida. Risuona ancora, piú leggero di prima, qualche tocco
di campana...
23.
... Le terme, a quel suano, sembrano una maestosa cattedrale.
24.
Encolpio entra; si guarda intorno con aria furiosa, cercauda qualcuno...
25.
... e non bada al portinaio, vecchio e sdentato, che gli dice a bassa voce, con tono
afIettuoso:
PORTINAIO: Arrivi tardi, signore, le terme sono chiuse...
Le inquadrature 24 e 25 sono state soppresse.
26.
Encolpio avanza sotto Ie volte, e chiama ad alta voce:
ENCOLPIO: Ascilto!
L'eco fa rimbombare il finale della paroIa...
27.
... Encolpio cammina e chiama ancora:
ENCOLPIO: Ascilto!
Ma solo l'eco risponde.
28.
Encolpio percorre dei corridoi, ..
29.
... attraversa stanzoni e camerette, ogni tanto incontra qualcuno:...
30.
... una donna sovraccarica di panni da lavare, che regge a fatica un cumuIo altissimo,...
31.
... un omone grasso che si sta facendo rivestire da alcune schiave, cosí come un bambino
appena nato viene avvolto dai pannolini;...
32.
... vede altre piscine, stanze da bagno,...
33.
... ma non vede Ascilto benché continui a chiamarlo.
34.
In una sala, sdraiato presso una piscina, è AsciIto. Sentendo Ia voce di Encolpio che lo
chiama, solleva la testa.
35-42.
Sorride e parla. Parla a qualcuno che non vediamo: o forse al pubblico. ParIa con voce forte
e tranquilla; ghignante a volte; con innocente cinismo.
ASCILTO: Encolpio mi cerca per vendicarsi. Gli ho portato via il fratellino, con un inganno
ben macchinato. Si è meritato lo scherzo, lui (sorridendo quasi con simpatia) che è un
assassino notturno, un ladro pronto a beccare tutto ciò che luccica, come un uccello da
preda. Mentre dormiva stordito dal vino, gli ho tolto di sotto Gitone e con lui ho passato la piú
dolce delle notti. L'amicizia regge finché fa comodo; cosí almeno la penso. Il fanciullo sulle
prime voleva negarmi il fiore: forse aveva sonno: ma io ho alzato la spada, e l'ho minacciato
dicendo: Se tu sei Lucrezia, hai trovato il tuo Tarquinio. Oggi un illustre attore m'ha offerto di
comprarlo, per servirsene in una farsa: io, alla vista del denaro, ho ceduto il mio schiavo. Poi,
mentre giravo per la città, un buon padre di famiglia mi ha avvicinato: mi ha condotto in
questo luogo, e dentro una diquelle nicchie ha cominciato a insistere per violarrmi. Già mi
aveva messo le mani addosso, ma io l'ho buttato nella piscina. Encolpio, livido di bile, si sta
avvicinando: sarà bene difendersi o fuggire...
43.
Ascilto si alza e va incontro ad Encolpio, con un sorriso un po' sfottente, lo saluta
tranquillamente:
ASCILTO: Mi hai chiamato? Eccomi.
44.
Encolpio lo guarda con serietà e rabbia. Resta un attimo fermo...
45.
... Poi lo aggredisce con un pugno sulla tempia.
46.
Ascilto cambia faccia; diventa rosso di rabbia, cattivo, brutto;...
47.
... mugolando si scaglia su Encolpio e i due cominciano a picchiarsi come forsennati.
48-54.
Si prendono a pugni, a calci, si mordono, si strappano i capelli; si rotolano per terra come
cani, si sporcano tutti nella fanghiglia che copre il pavimento.
55.
Tranquille, Ie poche persone rimaste, escono, con cenni di saluto a chi resta.
56.
Encolpio e Ascilto si colpiscono senza pietà, furenti; uno perde sangue da un orecchio, l'altro
dalla bocca.
57.
Encolpio ha messo sotto Ascilto, e gli mugola sulla faccia:
ENCOLPIO: Dov'è... Gitone, dov'è?
58.
Ascilto scoppia in una risata dolorante e maligna:
L'ho venduto... Certo... A Vernacchio l'attore... Venduto...
59.
Ascilto continua a ridere, esausto, sofferente;...
60.
... Encolpio, su di lui, ansima, non ha piú la forza di alzarsi.
61.
Una giovane donna, altissima, robusta, bianca come una statua, immobile, è ritta in piedi
seminuda...
62.
... Due schiavi bassi come nani, Ie stanno intorno, e la ungono lentamente con degli oli
profumati, proprio come se stessero pulendo una statua.
Le inquadrature 6I e 62 sono state soppresse.
ENCOLPIO RITROVA GITONE.
CROLLO DELL' “INSULA FELICLES”
Scena n. 3.
Teatro. Interno. Notte.
63.
L'interno di un teatro di legno, quasi una colossale baracca circolare.
64.
SuI fonda, il palcoscenico, col frontone a triangolo adorno di maschere tragiche e comiche.
65.
II teatro e illuminato da lanterne appese aIle pareti.
È affollato di persone, tutte in piedi: non ci sono panche...
66.
... II pubblico non dovrà dare un senso di compattezza, ma anzi di disunione: ognuno infatti
si comporta in modo diverso dall'altro...
67.
... Alcuni chiacchierano e ridono fra loro, indifferenti allo spettacolo;...
68.
... altri fissano la scena accigliati, nello sforzo di seguire quel che succede,...
69.
... alcuni negri in particolare guardano sbalorditi senza capire nulla;...
70.
... qualcuno sta mangiando accoccolato per terra;...
71.
... uno ride violentemente, da solo;...
72.
... due amanti si accarezzano e baciano lascivamente;...
73.
... uno si è sdraiato per terra e dorme...
74.
... C'è un continuo, forte BRUSIO, rotto a tratti da risate acute e da grida stridenti di
incoraggiamento: Vernacchio! Insomma, un clima un po' manicomiale.
75.
SULLA SCENA, LA STESSA SLEGATEZZA E ARITMIA; AZIONI LENTE ALTERNATE AD
ALTRE CONCITATE, FULMINEE...
76.
... II fondale e dipinto ad alberi. Sullo sfondo, una fila di attori schierati, tutti con maschere
corniche sulla faccia; mascheroni grotteschi, abbastanza impressionanti, con nasi eretti
come falli; occhi loschi, bocche con pochi denti aguzzi...
77.
... Davanti a questi attori secondari, si muove e recita Vernacchio, il protagonista. Vernacchio
è un omaccione un po' molle, non piú giovane, con indosso una pelle di leone, annodata sul
davanti per le zampe...
78.
... Non ha maschera, ma ha il volto truccato a imitazione parodistica d'una maschera tragica:
ha le labbra dipinte all'ingiú, gli occhi ugualmente disegnati in un'espressione dolente, con
lacrime finte sulle guance...
79.
Le sue azioni sono una parodia della recitazione tragica: braccia levate al cielo, mani sugli
occhi, atti di disperazione. Ma in realtà. quello che fa e orrendamente buffonesco.
80.
Fa il gesto di acchiappare al volo una mosca. Effettivamente, ha in mano una mosca:...
81.
... fulmineamente allunga la lingua che è particolarmente lunga, come un camaleonte, e se la
mangia...
82.
... Poi scoppia ridicolmente a piangere.
83.
Gli passa davanti un suonatore che suona una specie di lungo flauto. Vemacchio afferra il
flauto, e lo infila nel sedere del suonatore...
84.
... Poi spalanca la bocca in una specie di risata senza suono.
85.
Alcuni del pubblico ridono, accanto ad altri che restano perfettamente seri.
86.
Entra in palcoscenico una bella donna giovane, e Vernacchio le si butta in ginocchio davanti;
le afferra un piede e comincia a baciarlo convulsamente.
87.
La donna apre la bocca come per parlare, ma in realtà non parla: è doppiata da...
88.
... una donna anziana, violentemente truccata con mille colori, che parla lei al suo posto:
ATTRICE ANZIANA: O Dei, aiutatemi! Ma tu sai bene che mio padre non vuole saperne in
alcun caso!
89.
Uno del pubblico indica col braccio teso la scena a un altro, che sta ridacchiando.
90.
Vernacchio trotterella per la scena a quattro zampe; poi si dispone col sedere contro la bella
donna, ed emette una rapida e quasi musicale serie di scorregge...
91.
... Dal pubblico non viene nessuna risata.
92.
Un attore avanza sul davanti dell a ribalta e grida al pubblico:
ATTORE: Plaudite! Plaudite!
93.
Qualcuno del pubblico applaude, ubbidiente.
94-96
Ora Vernacchio è seduto su uno sgabello in mezzo alla scena; due attori gli sono ai fianchi e
lo insultano, rapidamente, a turno:
PRIMO ATTORE: Sei un ladro!
VERNACCHIO: Lo ammetto.
SECONDO ATTORE: Assassino!
VERNACCHIO: Certamente.
PRIMO ATTORE: Stupratore!
VERNACCHIO: Roha vecchia!
SECONDO ATTORE: Ruffiano!
VERNACCHIO: E con questo?
PRIMO ATTORE: Poeta!
97.
Vemacchio balza in piedi, ed urla:
VERNACCHIO: Ah no... No! Questo no! No!
98.
E si abbandona a una specie di crisi epilettica. Poi si rialza da terra e grida:
VERNACCHIO: L'orina fresca!
99.
Un attore entra e gli porge un vasa da notte colmo di liquido. Venacchio ne beve una gran
sorsata,...
100.
... e poi va a sbruffarla in faccia all'attore che gli aveva detto: poeta.
101.
Fra il pubblico una donna presa dall'entusiasmo grida istericamente:
DONNA: Vernacchio! Ti amo!
102.
Sul palcoscenico, c'è come una stasi, un momento di intervallo. Vernacchio si è seduto come
un pugile dopo un round, e si asciuga il sudore...
Le inquadrature dalla 83 alla 91 e dalla 93 alla 102 sono state soppresse.
103.
... Gli altri attori chiacchierano a bassa voce. Un inserviente porta in scena un grosso ceppo,
come quelli usati per la decapitazione.
104.
Il suonatore di flauto e un suonatore di cetra eseguono un discordante brano musicale.
105.
Dietro le quinte, attori e inservienti afferrano un uomo incatenato, un poveraccio dall'aria
depressa,...
106.
... e 10 trascinano velocemente in scena, come un condannato a morte. Intanto una voce di
non si sa chi strilla:
VOCE: Muzio Scevola!
107.
Gli inservienti costringono il poveraccio a appoggiare il
braccio sul ceppo,...
108.
... e intanto, sempre frettolosamente, alcuni uomini e donne danzano un piccolo ballo intorno
a lui...
109.
... Lui li guarda con occhi tristi.
110.
Vemacchio ha in mano un'accetta. Grida:
VERNACCHIO: Cosí punisco il mio braccio che ha fallato!
111.
E dà un colpo d'accetta sul braccio dell'uomo:...
112.
... la mano si stacca di netto e vola via.
113.
Il pubblico, per la prima volta, ride tutto insieme, ed applaude.
114.
L'uomo, svenuto, piú morto che vivo, viene trascinato via...
115.
... Gli mettono una manciata di ragnatele sul moncherino, e glielo fasciano con grosse
bende.
Qui è stato aggiunto un nuovo episodio: quello della celebrazione del genetliaco
dell'Imperatore da parte della compagnia di Vernacchio, con l'apparizione sulla scena di un
attore che impersona Cesare. Introdotto da un gobbo grottescamente saltellante, che invita il
pubblico ad applaudire, Cesare compie il «miracolo» di far rispuntare la mano all'amputato.
116.
Venacchio ridacchia soddisfatto. Prende una cetra e recita con voce modulata:
VERNACCHIO: Eros dalle molte lusinghe scese sulla terra...
117.
E dall'alto, scendono alcune nuvole di legno, sulle quali è sdraiato Gitone, che ha in mano un
arco, e la faretra sulla spalla.
118.
Fra il pubblico si fa avanti Encolpio, che si avvicina al palcoscenico e dice:
ENCOLPIO: Vernacchio! Devi restituirmi il ragazzo.
119.
Vernacchio guarda curiosamente Encolpio, poi esclama con tono sfottente:
VERNACCHIO: Un padrone! Oh! Abbiamo um padrone! Sei cavaliere? Senatore? Sali, bel
giovane: Vernacchio ti ospita nella sua casa...
Mentre Encolpio sale sul palcoscenico,...
120.
... Vernacchio indica i suoi attori:
VERNACCHIO: Ecco i miei familiari, i miei schiavi... Attento al cane!
121.
Un attore, con una maschera di cane, finge di avventarsi su Encolpio.
122.
Alcuni degli spettatori ridono fino alle lacrime.
123.
Encolpio si avvicina a Gitone, gli toglie la parrucca, l'arco e le frecce.
124.
Vernacchio prende una mano di Gitone, e lo mostra al pubblico:
VERNACCHIO: È bello e carnoso. L'ho pagato trentacinque
denari.
Fa una smorfia grottesca, di complicità verso il pubblico, e grida:
VERNACCHIO: Un maialino del suo peso costerebbe di piú!
125.
Uno del pubblico ride convulsamente, acutamente.
126.
Encolpio parla seriamente.
ENCOLPIO: Vernacchio so che sei un attore famoso, e già vedendoti mi sono reso canto
delle tue molte qualità. Ma il ragazzo mi appartiene: quel bastardo sozzo che te l'ha venduto
non era autorizzato a questo mercato. Perciò, ti prego, non ricorrere al pretore; Gitone verrà
via con me.
127.
L'attore strilla con voce acuta:
VERNACCHIO: Un padrone! Un padrone fra noi!
E dà una spinta ad Encolpio, proprio mentre un gobbetto, con una maschera che ricorda
quella di Pulcinella, gli si è messo dietro:...
128.
... Encolpio ruzzola per terra.
129.
Gitone non può trattenersi dal ridere.
130.
Fra il pubblico, un uomo grasso, serio, proclama ad alta voce, senza voler minimamente
scherzare:
UOMO: Per quaranta denari, il ragazzo lo scompro io! E contemporaneamente, accanto a
lui, un suo schiavo solleva un piatto d'argento su cui c'è un mucchio ai monete.
131.
Vernacchio stringe a sé Gitone, e lo accarezza: dice con tono scherzoso, ma che ha un
fondo di verità:
VERNACCHIO: Signore, questo Giovane è la mia sposa. Un cittadino libero venderebbe la
sua sposa? Egli è saggio, ordinato, in casa mi fa trovare acceso il fuoco: io I'ho addestrato
alla grande arte della scena, e vedrai come farà bene Ie parti di donna; Elena di Menelao, e
la fida Penelope, e Cornelia: insomma, un tesoro cosí non ha prezzo.
132.
Uno del pubblico, impazzito di gioia a questo discorso, batte Ie mani come una scimmia,
saltella, e lancia brevi grida roche di appravazione.
133.
Encolpio tende Ie braccia a Gitone, che viene a stringersi contro il suo petto; mentre gli
accarezza la testa Encolpio dice a bassa voce a Vernacchio:
ENCOLPIO: Ti renderò il tuo denaro: non pretendere troppo. Gitone mi appartiene.
134.
Encolpio fa per andarsene insieme a Gitone, ma tutti gli attori faunno un passo avanti,
stringendolo come d'assedio...
135.
... E tutti, ad uno ad uno, si tolgono Ie maschere, mostrando volti duri, accigliati, minacciosi,
a contrasto coi mascheroni grotteschi che portavano.
136.
Encolpio estrae la spada, e fa per avventarsi contro Vernacchio.
137.
Ma a questo punto, come se il provocatore del duello fosse l'attore e non Encolpio, si fa
avanti fra il pubblico un tipo autoritario, con la barbetta; un magistrato o un ufficiale, che
aggredisce violentemente Vernacchio con voce tagliente:
MAGISTRATO: Vernacchio, la tua condotta è ormai insopportabile. Già per quel motto
contra Cesare ti privammo delle panche. Ora continui a fomentare discordie? Guai a te!
Lascia che il giovane si riprenda lo schiavetto, o domani farò bruciare questo teatro! Mi hai
capito? La tua tracotanza ci ha stancato!
138.
A questo discorso, Vernacchio crolla; casca in ginocchio, come un povero vecchio sconfitto;
sulle lacrime finte del volto, si versano vere lacrime. Protende Ie braccia verso il magistrato,
come un accattone:
VERNACCHIO (balbettando): Pietà... Non volermi rovinare del tutto, signore... te ne prego...
Vernacchio è mite, ubbidiente... Cesare lo sa...
139.
Il magistrato sorride maligno; vincitore.
140.
Il pubblico commenta animatamente; qualcuno scaglia invettive contro Vernacchio e
qualcuno applaude.
141.
Encolpio e Gitone sono scomparsi.
Scena n. 4.
Quartiere della suburra. Esterno. Notte.
142.
Encolpio e Gitone corrono allegramente per Ie strade della Suburra;...
143.
... si inseguono,...
144.
... si raggiungono,...
145.
... si abbracciano;...
146.
... riprendono la corsa...
147.
Sono strade strette, buie, illuminate soltanto dalle luci che escono dalle porte o dalle finestre.
Straducole quasi africane,...
148.
... con marciapiedi altissimi, fatti apposta per far scolare la pioggia lungo Ie strade;...
149.
... animate da una folIa irriconoscibile per il buio: frotte di ombre che camminano
accalcandosi, in un ininteirotto chiacchierare in lingue e dialetti diversi.
150.
Carri carichi di materiale percorrono lenti Ie straducole. Un carro è carico di sabbia, un altro
di botti che lasciano una scia d'acqua...
151-152.
... un carro trasporta una testa colossale di statua, la testa di un imperatore in marmo, che
urta contra gli spigoli delle case e Ii scheggia.
ENCOLPIO: Ora sei qui, con me, fratellino. Non fare soffrire ancora it tuo Encolpio. Ti ho
cercato tanto, mi sono umiliato, ho lottato. Come hai potuto accettare la spavalderia di
Ascilto? Come la schiavilú in un'accozzaglia di istrioni? Eppure io esisto, ti amo: non puoi
dimenticare, Gitone, non puoi sapere che per me tu sei...
153.
Encolpio e Gitone si abbracciano con passione tenera, adolescenziale;...
154.
... Gitone ha Ie lacrime agIi occhi; si baciano con la purezza e l'amore di due giovani
innamorati.
155.
Nella Suburra, vecchie vendono erbe,...
156.
... altre adescano gli uomini che passano per portarli nei lupanari...
157.
... Gruppi di pederasti vestiti da donna e imbellettati passano chiacchierando allegri, sicuri di
sé, senza complessi.
158.
Encolpio e Gitone, che hanno ripreso la loro felice, rápida camminata, notano...
159.
... una casa dentro cui c'è un uomo morto, circondato dai parenti che piangono e si battono il
petto...
160.
... una famigliola che cena serenamente, al lume di alcune candele...
161.
... una casa dentro cui alcuni uomini e donne stanno litiganao; gIi uomini hanno Ie spade in
mano, Ie donne si gettano avanti per dividerli come nelle tragedie greche...
162.
... Ie case delle prostitute: donne imbellettate, con parrucche altissime, i seni nudi coperti di
porporina fosforescente, siedono fuori delle porte, e sulle porte c'è scritto il prezzo: CLELIA
XII; GAIA VIII; ELEPHANTIS XIV...
163.
...Ie locande, Ie osterie dentro cui si intravedono uomini avvinazzati che s'aggirano lenti...
164.
... manifesti sui muri: pubblicità per senatori o per gladiatori o per attori, scritte in caratteri
stretti, alti, aguzzi...
165.
... matrone in lettiga, dall'aria sensuale e severa, che si guardano intorno con occhi avidi...
166.
... gente di tutte Ie razze e vestita nei modi piú disparati, che circola guardando qua e là
incuriosita, e che entra nelIe bettole e nei Iupanari...
Soppresse le inquadrature I42-I50 e I55-I66, la descrizione dei quartiere della Suburra è
stata sensibilmente modificata.
167.
... una vecchietta seduta contro un muro, che vende lupini e vino, e che sorride con Ia bocca
cavernosa.
Encolpio scherzosamente interpelIa Ia vecchia:
ENCOLPIO: Nonnetta, sai dove abitiamo?
La vecchietta si alza e indica un portoncino lí accanto, suI quale c'è come insegna un grosso
falIo di pietra:
VECCHIETTA: Come no?... Abiti qui, amore mio...
168.
EncoIpio e Gitone scoppiano a ridere; ma in quel momento si accorgono che...
169.
...il magistrato che li ha salvati a teatro li ha seguiti, in lettiga, e gli fa cenno perché si
avvicinino: sorride ambiguamente.
170.
Encolpio e Gitone, per sfuggire a questo pericoIo, entrano di corsa nel Iupanare.
Scena n. 5.
Quartiere della suburra. Lupanare. Interno. Notte.
171.
EncoIpio e Gitone, di corsa, e coprendosi Ia faccia con il mantelIo per la vergogna,
attraversano il Iupanare e escono dalIa porta opposta.
172.
II Iupanare è un vasto stanzone, a piú livelli, con balIatoi, corridoi, porte chiuse da tende, che
presenta un aspetto piuttosto squallido e come disabitato.
173.
Notiamo un gruppetto di soldati, che si sana disfatti delle corazze e degli elmi, e, nudi come
alIa visita di leva, si accalcano presso una porta, scherzando e ridendo fra loro.
174.
Una vecchia ruffiana con un grosso cane lupo al guinzaglio entra dentro una stanza.
175.
Una negra alta, bellissima, triste, coperta di catene, sta ritta in piedi, mentre un uomo è chino
ai suoi piedi, e mormora:
UOMO: Sono il tuo schiavo... Io sono il tuo schiavo...
176.
La padrona del lupanare, bella donna matura, affre una coppa di vino a Encolpio, che la
sfugge, dicendo:
PADRONA: Fermati, bello... Dove vai?
177.
Encolpio e Gitone, ridendo, proseguono la loro corsa, ed escono da un'altra porta.
Questa parte è stata ampliata con l'introduzione di varie scene: una coppia di sposi che
attende il responso del sacrificio di un capretto a Venere Callipigia, dinanzi alla statuetta
della dea nell'atrio del lupanare; Encolpio e Gitone che vengono chiamati dall'alto della
gradinata dell'anfiteatro da un vecchio lenone, ecc.
Scena n. 6.
Insula felicles. Esterno. Notte.
178.
Encolpio e Gitone camminano per la strada che costeggia l'Insula felicles, dirigendosi verso
l'ampio portone.
179.
È un palazzo altissimo, quadrato, tozzo, un po' sbilenco; con moite finestrine quadrate tutte
uguali. Nei piani inferiori, invece di finestre vi sono porte, Ie quali danno su Iunghissimi
balconi di legno che corrono Iungo tutta Ia facciata...
180.
...E qua e là, come fungosità, sporgono casotti di legno, attaccati irregolarmente alIa
facciata: sembrano insetti aggrappati ad una carogna.
181.
Da alcune finestre escono alcune volute di fumo nero, segno che nell'interno hanno acceso il
fuoco.
182.
In basso, c'è una fitta serie di botteghe e bottegucce di mercanti e di artigiani; botteghe si
aprono anche dentro la casa, nel corlile e sotto la volta stessa del portone.
183.
Sia per strada che alle finestre, c'è un continuo andirivieni di persone, sempre in movimento
come formiche:...
184.
... un'umanità miserabile, stracciona, da ghetto.
Scena n. 7.
Insula felicles. Interno. Notte.
185.
Encolpio e Gitone salgono Ie scale nell'interno dell'Insula.
186.
Nel mezzo del cortile c'è l'Impluvium, ossia una larga e bassa vasca dove si raccoglie l'acqua
piovana...
187.
... In quest'acqua sporca alcune donne lavano i panni, alcuni bambini sguazzano; c'è perfino
un cavallo.
188.
Le rampe sono senza ringhiera, a scalini ripidi, taluni di mattoni, altri di legno. Alcuni scalini
mancano, o sono spaccati.
189.
In mezzo, si apre un vuoto enorme, una gigantesca tromba delle scale quadrata, che si
perde in alto, nel buio,...
190.
... dove si intravedono svolazzare dei pipistrelli.
191.
L'andirivieni del formicaio prosegue anche per Ie scale e sui pianerottoli.
192.
Attraverso Ie porte aperte degli apparlamentini si scorgono ambienti nudi, angusti,
scrostati;...
193.
... qui si vede una panca, là un letto; sacchi di cereali, cataste di legna, una capra, alcuni
maiali...
194.
La gente cucina suI braciere acceso in mezzo alIa stanza; oppure dorme;...
195.
... in una casa c'è un principio d'incendio, subito domato...
196.
... Due sposi rissano con violenza furibonda: lui ha un coltello in mano e tenta di sgozzarIa...
197.
... In un angola d'un pianerottolo un uomo si sta vuotando il ventre.
198.
Qualcuno, esausto, si è seduto sugli scalini: non gliela fa piú a salire...
199.
... Un vecchio, seduto per Ie scale, sta scrivendo tranquillamente...
200.
... II vocio è assordante: vi si aggiunge l'abbaiare dei cani, lo squittio dei maiali. Ma un uomo,
seduto su un gradino, canta una canzone dolcissima accompagnandosi con la cetra.
201.
Encolpio e Gitone salgono abbracciati quella mostruosa torre di Babele.
Scena n. 8.
Insula felicles. Appartamento di Encolpio. Interno. Notte.
202.
L'appartamentino dove entrano Encolpio e Gitone è misero come gli altri, c'è solo una tavola
e un piccolo letto.
203.
Subito, appena entrati, Encolpio abbraccia Gitone, lo stringe, finiscono suI letto...
204.
... Mentre si baciano e si amano, la voce di Encolpio dice FUORI CAMPO:
ENCOLPIO (F.C.): Dèi e Dee, quaIe notte fu quella! Che morbido letto! Abbracciati
ardevamo, ci trasferivamo l'anima attraverso Ie labbra... Addio, cure mortali... Io credevo di
morire...
L'amplesso e interrotto daIl'ingresso di Ascilto...
205.
...Il quale resta un momento fermo a guardare, poi scoppia in una gran risata, battendo
fragorosamente Ie mani. E grida:
ASCILTO: Ma che fai, fratello venerando? Bene! In due sotto la stessa tenda!
206.
Ascilto ride ancora, di gusto; poi sfila una cinghia da una bisaccia che c'è nella stanza, e si
mette per gioco a frustare Encolpio, mentre Gitone ride anche lui.
207-209.
Ma Encolpio gli toglie la cinghia, e comincia a parlargli in tone serio e pacato.
ENCOLPIO: Ascilto, capisco che fra noi non è possibile andare d'accordo. Dividiamo quel
che abbiamo in comune, e cerchiamo di diventare meno poveri ognuno per suo conto. Tu sei
uomo di lettere: anch'io. Ma tu oggi sei scappato dal colloquio col maestro.
ASCILTO (rabbiosamente): Che dovevo fare, stupido, se morivo di fame?
ENCOLPIO: Poiché non voglio ostacolarti, mi offrirò per qualche altro lavoro.
ASCILTO: Va bene. Dividiamo.
210.
Le mani di Encolpio e Ascilto afferrano rapidamente, a turno, una serie di oggetti...
211.
... Una spada, un pugnale, delle scarpe di tipo militare,...
212.
... una bisaccia, uno zaino, un mantello, un piccolo idolo portafortuna, un'anfora, un vaso,...
213.
... degli anelli, dei bracciali, un pettinino di bronzo.
Poi Ascilto scoppia in una risata, ed esclama:
ASCILTO: E adesso dividiamo il bambino!
ENCOLPIO: Non scherzare!
ASCILTO: Lascia the decida lui!
214.
Gitone si precipita fra Ie braccia di Ascilto:
GITONE: Con te!
215.
Encolpio resta di pietra, pallido, stravolto.
216.
Ascilto e Gitone escono rapidamente, quasi fuggendo.
217.
Encolpio, rimasto solo, non perde tempo a riflettere; emettendo dei rabbiosi lamenti, dei
singhiozzi, drizza il letto contro la parete, vi si arrampica sopra e getta una corda attorno a un
trave, per impiccarsi. Ma in quel momento...
218.
... si sente un cupo rimbombo; un vasto e leggero tremito fa vibrare la casa.
Contemporaneamente, si sentono Ie mille voci degli abitanti dell'Insula, che tutte insieme
gridano, producendo un suano quasi uniforme, come un ronzio di api impazzite.
219. Encolpio corre fuori dall'appartamentino.
Scena n. 9.
Insula felicles. Interno. Notte.
220-22I.
Encolpio si getta giú per Ie scale, aprendosi il varco a gomitate e calci in mezzo agli abitanti
del palazzo, che anche loro vogliono precipitarsi fuori.
222.
È una visione da inferno: una serie di facce tutte stravolte e fisse in un'espressione di terrore
estremo. La polifonia di urla ha raggiunto un tono acutissimo.
223.
Crolla una rampa di scale...
224.
... E piovono dall'alto calcinacci, pietre, polvere...
225.
...Si sentono strazianti crepitii, fragori secchi di squarci, tonfi cupissimi di cose pesanti
cascate.
226.
Ogni abitante in fuga sarà inquadrato in un determinato atteggiamento: mentre sorregge una
trave che gli è caduta addosso,...
227.
...o mentre cade in terra, o...
228.
... mentre si apre un varco con un piccone,...
229.
... già come immobilizzato, in modo da ricordare i calchi dei morti sotto Ie rovine di Pompei.
LA CENA DI TRIMALCIONE
Scena n. 10.
Insula felides. Esterno. Notte.
230.
La casa sta crollando. Sepra il portone, verso l'alto, si disegna di colpo una grande crepa a
zig-zag, guizzante come un fulmine.
231.
Encolpio fugge sotto una pioggia di pietre e calcinacci; dietro di lui, il fragore del crollo
definitive.
232-233.
La casa è crollata, si è accasciata in un colossale mucchio essenzialmente di polvere, come
una casa di sabbia.
Scena n. 11.
Pinacoteca. Interno. Giorno.
234.
Una pinacoteca, ampia e chiara, luminosa, di linea classica come un tempio greco.
235.
Alle pareti, ma piuttosto distanti l'uno dall 'altro , sana molti quadri, poggiati su una stretta
mensola che carre lunge Ie pareti...
236.
... sono dipinti su lastre di terracotta o di legno o di metallo. Capolavori greci o romani, già in
parte scrostati, qualcuno quasi irriconoscibile. Raffigurano scene mitologiche, soprattutto
amorose; oppure sono ritratti di uomini e donne, tutti visti di faccia, seri o lievemente
sorridenti.
237.
Davanti a un quadro, c'è un restauratore che ha in mano un guscio d'uovo Del quale intinge
una bacchettina di legno, e la passa leggermente sul dipinto. Accanto al restauratore, c'è un
ragazzetto che regge un cestellino con cinque o sei uova.
238.
Encolpio passa davanti ai quadri, si sofferma con interesse e ammirazione. Guarda
soprattutto i dipinti che raffigurano Ganimede, Narciso, Adone;...
239.
... gira interno a una statua di Amore e Psiche. Encolpio è commosso; parla ad alta voce,
ogni tanto è strozzato dal pianto.
ENCOLPIO: Ganimede: Narciso... Apollo trasformò in un fiore l'ombra del giovinetto... Tutti i
miti ci parlano di amore, di unioni senza rivali... Ma io mi son preso in casa un ospite crudele!
240.
Encolpio voltandosi si trova accanto un vecchio (Eumolpo), che lo guarda sorridendo. E gli
parla:
EUMOLPO: Io sono un poeta. Ma com'è, dirai, che sei vestito cosí male? Proprio per questo.
241.
Aggiunge come a presentarsi:
Mi chiamo Eumolpo.
Indica con largo gesto Ie opere esposte:
I capolavori esposti in questa pinacoteca denunziano il letargo attuale; una pittura cosí,
nessuno la sa piú fare: Ie belle arti sono morte. E cosa ha provocato questa rovina? La
brama del denaro!
242-243.
Encolpio ed Eumolpo camminano dinanzi ai quadri; anche un gruppo di contadini, con facce
dure e sbalordite, guardano i quadri e porgono orecchio al discorso di Eumolpo.
EUMOLPO: Nei tempi antichi si cercava la virtú pura e semplice... Fiorirono Ie arti liberali...
Eudosso invecchiò sopra un monte per sorprendere i moti degli astri. Crisippo, per Ie sue
scoperte, si purgò il cervello con l'ellèboro. Lisippo si concentrò nell studio di un unico
modello; e morí di fame!
244.
Eumolpo ride con una specie di scherno doloroso, e continua con voce piú bassa, quasi
confidenziale:
EUMOLPO: Ma noi, oggi, tra vino e puttane, neppure i capolavori che ci sono conosciamo
piú. (Retoricamente): Dove sta la dialettica? Dove l'astronomia? Dov'è la nobile via della
sapienza?
245.
Eumolpo resta pensieroso, si ferma; Encolpio si ferma con lui, e guarda un quadro proprio
davanti a loro: raffigura una scena mitologica, con giovinetti e giovinette che si abbracciano,
danzano, si baciano.
246.
Eumolpo riprende a parlare con una specie di gaiezza improvvisa:
EUMOLPO: Non ti meravigliare se la pittura è finita, quando per tutti noi c'è piú bellezza in un
mucchio d'oro che nelle opere di Apelle, di Fidia, quei grèculi teste matte...
Scena n. 12.
Villa di Trimalcione. Viale. Esterno. Notte.
247.
Un viale buio, di campagna, col selciato sconnesso e terroso, cosparso di sassi e di larghe
pozzanghere. Ai lati, si intravedono alberi coi rami allargati come dita, e masse di siepi
spinose...
248.
... C'è un'aria opprimente, caliginosa, come paludosa; il cielo è basso, pieno di stelle.
249.
Due bracieri gettano bagliori rossi, guizzi di luce. Stanno presso i due pilastri di un cancello
che si apre su un lata del viale, ma è un grande cancello eretto nel vuoto, non c'è nulla di
fianco né si scorge niente davanti. I due bracieri vogliono indicare agli ospiti che Ií e
l'ingresso per la villa di Trimalcione.
250.
Encolpio ed Eumolpo si avvicinano al cancello. Encolpio guarda attentamente uno dei
pilastri.
251.
SuI pilastro, percorso dallo sguardo di Encolpio, c'è un bassorilievo corroso che raffigura uno
schiavo che dà il benvenuto; c'è anche un'iscrizione vergata in caratteri maiuscoli spigolosi e
rozzi, dove distinguiamo il nome TRIMALCHIO.
252.
Eumolpo si avvicina a Encolpio, e indica oltre il cancello, un sentiero che si perde nella notte,
dicendo gravemente:
EUMOLPO: Gli nasce tutto in casa: lana, limoni, pepe. Se cerchi il latte di gallina lo trovi. E
prima, che cosa era? Non avresti accettato un pezza di pane dalle sue mani.
253.
Encolpio scoppia a ridere, come se l'altro avesse detto una battuta. Intanto i due camminano
per il sentiero, verso la villa;...
254.
... ogni tanto incontrano un banco di nebbia. Cominciano a sentire in lontananza dei muggiti
di buoi, provenienti dalle stalle presso la villa...
255.
E scorgono laggiù delle luci. Anche lungo il sentiero, ogni tanto, ci sono dei bracieri accesi,
sui quali volano grosse farfalle notturne.
256.
Intorno a loro emergono ogni tanto dal buio figure e volti di persone che si avviano anch'esse
al banchetto...
257.
,.. Un uomo frettoloso avvolto in una tunica rossa...
258.
... Una coppia di sposi che tengono per mano un ragazzino. Due schiavi che, a passi rapidi,
quasi correndo, portano una lettiga sulla quale c'è una matrona con una grossa faccia
rotonda...
259.
... Man mano che questa folIa disordinata di invitati si fa piú fitta, cresce il pesticciare del
piedi, si sentono parole, discorsi, risate; si incrociano saluti.
260.
All'improvviso, DAL BUIO QUASI TOTALE DI QUESTA SCENA, SI PASSA, PER UN
BREVE ATTIMO, ALLA VISIONE DELLA PISCINA, illuminata da centinaia di candele nei
candelabri di legno: la piscina della villa di Trimalcione, dove sguazzano alcuni invitati; è una
brevissima immagine fuggevole, CHE S'INTERROMPE SUBITO, E SI TORNA AL BUIO E
AL SENTIERO DI PRIMA.
261.
Eumolpo ed Encolpio camminano tra gli altri ospiti che sono sempre piú numerosi;..
262.
...anche Ie lettighe sono parecchie: dentro si scorgono volti di aristocratici impassibili, o facce
soddisfatte di serve ripulite, con altissime parrucche e trucco vistoso...
263.
... Eumolpo intanto parla ad Encolpio tenendogli la mano su una spalla:
EUMOLPO: Crede di essere un poeta; ma nei suoi versi non troveresti una sola goccia di
poesia. Ma intanto questo bastardo mi chiama collega, fratello: anima mia, mi dice. Alle sue
cene ho sempre il posta migliore: bevo il suo vino, non quello degli invitati.
264.
Eumolpo ha d'improvviso un sogghigno diabolico, faunesco; e bisbiglia a Encolpio:
EUMOLPO: Ti rimpinzerai!
I due sono sorpassati da una lettiga, nella quale s'intravede appena la faccia di un uomo che
si sporge verso Eumolpo e grida:
Uomo: Sei scampato alla tortura perché sei cittadino romano: ma non ti salverai dalle legnate
dei miei schiavi!
265.
Eumolpo urla verso la lettiga che si allontana rapida:
EUMOLPO: Bocca impestata! Bocca di cesso!
266.
Dalla lettiga viene ancora un insulto:
UOMO: Ruffiano! Ti romperò quella schiena da cane! Eumolpo urla furibondo:
EUMOLPO: Io ho già rotto la schiena a tuo figlio!
Scena n. 13.
Villa Trimalcione. Piscina. Esterno. Notte.
267.
Davanti alla villa, una piscina rettangolare, piena di acqua calda, che fuma nella notte...
268.
... C'è una ricca illuminazione data da centinaia di candele, disposte in modo disordinato su
tavoli di marmo, su panchine e colonnine; ci sono anche alti candelabri di ferro piantati in
terra, forniti di grossi candelotti...
269.
... Intorno alle fiammelle, Ie falene sbattono Ie ali.
270.
Nella piscina, che è molto bassa, circa mezzo metro di acqua, una vasca quasi, molte
persone si bagnano aiutate dai servi che gli spremono Ie spugne sulla testa, a guisa di
doccia. Alcuni sono in piedi, altri seduti, altri sdraiati con solo la testa fuori.
271.
Fuori dell a piscina, dei massaggiatori ungono e massaggiano; dei barbieri radono
lentamente con piccoli rasoi, davanti a grandi specchi d'argento; dei pedicure tolgono i calli
con rapidità e destrezza. C'è un sottofondo confuso di vaci, di richiami, di risate; ma
SEMPRE FUORI CAMPO:...
272.
... ogni persona che VIENE INQUADRATA è in quel momenta zitta, anche se ha
l'espressione di chi ha appena finito di parlare, o ancora la bocca storta nella risata appena
fatta. Questo darà un sensa continuo di inafferrabilità.
273.
Notiamo, tra gli invitati, delle facce con qualche particolare un po' mostruoso: uno ha
orecchie enormi, a ventola;...
274.
... una donna ha un naso lunghissimo e sottile;...
275.
... un vecchio ha il labbro inferiore tutto cascante... C'è anche qualche ammalato: uno ha il
naso tutto rosso, bitorzoluto, orrendo;...
276.
... un altro ha il tracoma.
277.
Fra la piscina e l'ingresso, tre o quattro fra serve e servi stanno seduti e sbucciano dei piselli
entro larghe ciotole. Intanto cantano, senza alzare gli occhi, una curiosa nenia, che ogni
tanto si leva di tono, fino a improvvisi acuti, fortissimi come strilli. Grosse mosche pesanti,
lente, ronzano attorno ai servi.
278.
Encolpio ed Eumolpo sono accolti da un portinaio che gli indica la piscina con autorità
dicendo:
PORTINAIO: Pacciama Ie spugne!
Eumolpo ed Encolpio si avviano verso l'acqua, e cominciano a spogliarsi.
279.
Preceduto da una musichetta entra Trimalcione, portato su una lettiga da alcuni schiavi che
camminano svelti, e che si fermano di botto sull'orlo della piscina, come per esporre alIa
vista di tutti una preziosa statua sacra...
280.
... Le reazioni degli ospiti sana molto diverse.
Qualcuno alza tutte e due Ie braccia in gesto di saluto...
281.
... Qualcuno si inchina umilmente...
282.
... Altri invece gli scoppiano a ridere in faccia. Altri continuano tranquillamente a fare Ie lara
abluzioni o i massaggi.
283.
Trimalcione resta un po' impassibile, dà soltanto uma breve occhiata in giro. È un uomo
anziano, sovraccarico di vesti colorate e di scialli che l'opprimono; sta seduto su una miriade
di piccolissimi cuscini. La faccia, il colla, Ie braccia, Ie mani sana ornati di gioielli vistosi, di
varia genere. La sua espressione è piú ottusa che bonaria, ma sotto si intravede una gelida
ferocia...
284.
D'improvviso, senza gioia, con una specie di vanità a freddo, alza Ie braccia scoprendole, e
mettendo cosí in mostra tutti i bracciali e gli anelli.
I tre o quattro servi che stanno sbucciando i piselli interrompono la loro nenia, e di colpo
gridano in coro, rapidamente, come l'abbaiare di un cane:
SERVI: Viva Gaio!
285.
Trimalcione, lentamente, guarda tutti i suoi ospiti che si accalcano nella piscina; Ii passa in
rassegna come se cercasse qualcuno, sempre con il suo sguardo tetro. Finalmente pare che
abbia trovato chi cercava, perché si ilIumina di un sorriso un po' bieco, ma che vuole essere
affettuoso, e dice con una curiosa cadenza romanesca, e con voce un po' afona:
TRIMALCIONE: Eumolpo! Fratello mio... sei venuto anche tu... La tua presenza mi riempie di
commozione. Tu sei un omo d'ingegno, come me... Fra de noi poeti c'è l'amicizia vera.
286.
Presso la piscina, tre massaggiatori bevono del vino, e si accapigliano strappandosi Ie coppe
l'un l'altro; si picchiano, urtano l'anfora, che si rovescia e versa sulla terra del denso vino
rosso.
287.
Trimalcione ha visto la scena, e indica i massaggiatori col dito:
TRIMALCIONE: Quel vino è offerto alIa mia salute.
Intanto i servi stanno calando Trimalcione dentro la piscina, e subito alcuni inservienti si
avvicinano, lo lavano, gli fanno delle frizioni velocemente. Trimalcione ha chiuso gli occhi per
il piacere.
Scena n. 14.
Fattoria di Trimalcione. Vivaio delle Murene. Esterno. Notte.
288.
Un gruppo di invitati, tutti proprietari terrieri, con facce rozze bruciate dal sole, qualcuno
accompagnato dalla propria moglie, ha voluto visitare la fattoria attigua alIa villa di
Trimalcione; ed ora una specie di sovrintendente gli fa da guida, come a dei turisti in un
museo.
289.
Il sovrintendente indica qua e là; ORA È IN CAMPO, ORA PARLA FUORI CAMPO; Ie cose e
gli animali di cui parla non coincidono quasi mai con ciò che vediamo. E cioè:
290.
Un vivaio di murene, che è piú che altro uno stagno di acqua nera, melmosa, in cui sguazza
qualche oca; si intravedono viluppi di murene, come serpi che si contorcono nel fango.
291.
Dei grandi strumenti di lavoro, in pesante legno, e ruvide corde attorcigliate che ricordano un
po' certi arnesi di tortura o certe macchine da guerra: stanno in mezzo a mucchi di pozzolana
e di mattoni, accanto a un fabbricato in via di costruzione. Presso gli strumenti, avvolti in
stracci di lana, dormono alcuni operai...
292.
... Una stalla gremita di maiali neri, grossi come piccoli ippopotami, che dormono a mucchi;
la torcia del sovrintendente Ii risveglia, emettono grugniti. La stalla è adorna, aIle pareti, di
statue di Dei agresti. Qualcuno di quei maiali ha una museruola.
293.
Solo, in una grande gabbia, c'è un tacchino enorme, mostruoso, frutto di incroci; ha una coda
e delle piume come quelle dei pavoni.
294.
Intanto la voce del sovrintendente parla ai visitatori: SOVRINTENDENTE: Trimalcione ha
terreni che ci spaziano i nibbi, e soldi che ci crescono i soldi. La lana gli riusciva poco buona;
comperò dei montoni a Taranto e Ii mise in culo al gregge. Per avere il miele attico si fece
venire Ie api da Atene. Proprio in questi giorni ha scritto in India che gli mandino il seme dei
funghi. In quanto alle mule, non ce n'è una che non sia nata da un onagro.
L'intera scena 14 è stata soppressa.
Scena n. 15.
Villa di Trimalcione. Triclinio. Interno. Notte.
295.
II triclinio, ossia la sala da pranzo, è un ambiente vasto, ma stretto e lungo, quasi un enorme
corridoio. Benché molto illuminato, e addobbato con sfarzo appariscente, il triclinio conserva
un che di cupo, di oppressivo; dalla cucina vengono ogni tanto folate di fumo grasso. Le tavole sono molte...
296.
... C'e la grande tavola principale, a cui siederanno gli ospiti di riguardo, e poi tante altre
tavole via via piú modeste e scomode...
297.
... Intorno aIle tavole ci sono i triclini, cioè i divani, che sono di tipo differente: alcuni lunghi e
spaziosi, altri meno; e ci sono anche parecchi sgabelli per gli ospiti meno importanti... .
298.
... I servi stanno finendo di apparecchiare, stancamente, tetramente;..
299.
... i primi invitati hanno già preso posta qua e là, molto lontani gli uni dagli altri. C'è un clima
di compunta attesa.
300.
Da un lato, presso un piccolo palcoscenico, c'è una buca quadrata piuttosto profonda, nella
quale sta l'orchestra, composta di sconosciuti strumenti a corde e a fiato. Degli orchestrali si
scorgono solo Ie teste, che sporgono a livello del pavimento, come fossero teste mozze appoggiate per terra. Suonano una musica sorda, strana, dissonante, che può ricordare certe
musiche giapponesi.
301.
C'è poi, suI fondo della sala, una specie di ballatoiologgione, riservato ai convitati piú poveri,
che l'hanno già riempito, e vi stanno pigiati ridendo e chiacchierando animatamente...
302.
... II loggione è talmente in alto, che chi è rimasto in piedi deve starci curvo, sfiorando il
soffitto con la schiena.
303.
Adesso la sala è piena di invitati, che occupano i triclini ai lati delle tavole. Su alcuni triclini
c'è una sola persona semisdraiata, su altri invece ci sono anche tre o quattro persone, che
quindi siedono un po' strette. Altri invitati, infine, siedono su sgabelli. E tutti stanno quasi
immobili, come fissati per tutta la durata del pranzo in un solo atteggiamento e in una sola
espressione.
304.
L'andirivieni dei camerieri è già corninchto. Portano anfore e piatti che pongono qua e là sulle
varie tavole. II contenuto dei patti non è quasi mai chiaro: sono macchie scure di cibi
incomprensibili; si nota ogni tanto la sagoma di un pesce o di un uccello, ma comunque di
colore improprio.
305-307.
Eumolpo ed Encolpio sono aurora in piedi, fermi presso la parete. Eumolpo ha il profilo volto
verso Encolpio e gli parla con un lieve ghigno di scherno.
EUMOLPO: La moglie si chiama Fortunata, astemia, sobria; ma è una malalingua, una
gazza. Chi ama, ama; chi non ama, non ama.
Guarda l'abbondanza dei cuscini; tutti con l'imbottitura di porpora o di scarlatto. II colmo della
beatitudine! Attento anche ai suoi colleghi: sono ben forniti. Quello che sta in fondo alla fila
ha i suoi ottocentomila. E poco fa portava legna sulle spalle. Ma a quel che dicono, rubò il
berretto a Incubo e trovò un tesoro. E quello là, al posto dei liberti? Quello sí che se la
gode... Vide il suo milione, ma poi cadde giú. Era impresario di pompe funebri. Un sogno,
non un uomo.
308-309.
Trimalcione è seduto a capo-tavola, carico di tovaglioli; pesante, immobile. Con la sua solita
espressione un po'tetra, tesa però in una determinazione festaiola, parla agli ospiti con
solennità:
TRIMALCIONE: A questo vino gli dovete fare onore. I pesci devono nuotare. Grazie al cielo
io non compro; tutto quello che fa saliva, me lo produce un podere che non conosco
nemmanco.
Dicono che sia fra Terracina e Taranto. Adesso voglio collegarmi alla Sicilia, che se ho voglia
di andare in Africa, posso navigare suI mio. Credete che io mi accontenti? «Cosí vi è noto
Ulisse ». E allora? Anche mentre si è a tavola bisogna fare un po' de cultura, bisogna.
310.
Eumolpo, che è seduto abbastanza vicino a Trimalcione, applaude alzando Ie mani e grida:
EUMOLPO: Filosofo!
311.
Nasce un piccolo applauso generale. Due eunuchi, grassi e lustri, senza un filo di barba, si
avvicinano a Fortunata con un pitale d'argento, e poco dopo si sente il crepitio dell'orina nel
vaso.
312.
Intanto alcuni servi hanno portato a Trimalcione, con reverenza, come preti che portano delle
reliquie, tre piccoli idoli d'oro, ed un calice in vetro e oro, quasi una teca, dentro cui si vede
un ammasso cupo di peli. TRIMALCIONE (indicando il calice): La mia prima barba, quando
che me la tagliai... E questi sono i Lari miei (indicando gli idoli); i protettori de nostrisci...
Affarone, Contentone e Guadagnone!
Trimalcione si bacia la mano, e tocca i tre idoli con la mano baciata dicendo:
TRIMALCIONE: Propizi gli dei!
313.
Tutta la servitú lancia I'urlo rapido come un latrato: CORO SERVI: Viva Gaio!
Poi la servitú attacca a cantare una canzone stonata, con gran diversità di voci, come nei
canti popolari sardi: voci acutissime e profondissime, quasi afone, mentre conducono nel
triclinio tre maiali bianchi, ornati di sonagliere e cavezze di lucido cuoio e argento.
314-315.
Uno dei cuochi indica i maiali e dice a Trimalcione: CUOCO: Scegli quale dei tre dev'essere
cucinato!
Trimalcione lo guarda come se non lo conoscesse, e gli domanda:
TRIMALCIONE: Di che decuria sei?
CUOCO (pronto): Della quarantesima.
TRIMALCIONE: Comprato o nato in casa?
CUOCO (sempre velocemente): Lasciato a te in testamento da Pansa.
TRIMALCIONE: Beh, cocína il piú grosso, cocína: ma sta' attento, che se no te passo alla
decuria dei stradaroli.
316.
Mentre i servi portano via i maiali, uno degli invitati comincia a raccontare:
INVITATO: Un povero e un ricco vennero in lite...
Trimalcione interrompe con serietà:
TRIMALCIONE: Che cos'e un povero?
317-318.
Eumolpo scoppia in un riso servile e un po' ubriaco gridando:
EUMOLPO: Buona questa!
Trimalcione parla gravemente, come se facesse delle importanti dichiarazioni:
TRIMALCIONE: Per l'argenteria ci ho una vera passione. Tengo calici da tredici litri: una
centinara almeno.
C'è scolpita sopra Cassandra che ha ammazzato i figli, morti per terra che sembrano vivi,
sembrano. La storia del cavallo di Troia la tengo sui bicchieri. Tutta roba massiccia, che me
la tengo cara come la luce degli occhi.
319.
Dalla cucina entrano abbaiando dei grossi cani neri, irsuti, selvaggi, dietro i quali alcuni servi
portano in alto un gran cinghiale, che ha dei cinghialetti di pasta alle mammelle, per indicare
che si tratta di una femmina.
320.
A questo punto Trimalcione si alza dicendo:
TRIMALCIONE: Vado al vaso.
321.
Un uomo anziano, dall'aria lugubre, prende la parla adagio senza muoversi, con tone
discrete, intimo, quasi parlasse a se stesso:
UOMO ANZIANO: Un giorno non è nulla. Mentre ti volti è notte. Allora non c'è niente di
meglio che passare dal letto alla tavola. E fa pure freddo. Appena mi ha scaldato il bagno.
Ma una bevanda calda è un bel vestito. Ahi, ahi, meno che le mosche siamo. Loro una certa
resistenza ce l'hanno. Noi, solo bolle siamo.
322.
Un altro invitato parla storcendo la testa, rivolto alle persone che gli stanno dietro.
INVITATO: Nelle sue mani il piombo divei tava oro. E quanti anni credi che avesse addosso?
Settanta e piú. Ma era un uomo di ferro, nero come un corvo. Lo conoscevo dal tempo dei
tempi, e andava ancora in calore. Non lasciava tranquillo neanche il cane di casa. Ci aveva
anche un’inclinazione per i ragazzini, uomo a tutto fare com'era.
323.
Un altro invitato, grasso, tipo di proprietario di campagna, con la faccia rossa:
INVITATO GRASSO: Un po' cosí, un po' cosí, come diceva il contadino che aveva perduto il
maiale pezzato. Ciò che non è oggi sarà domani: non c'è da fare i difficili. Se tu fossi altrove,
diresti che qui i porci vanno in giro cucinati.
Le inquadrature 322 e 323 sono state soppresse.
324.
Una bella donna giovane (Trifena) è seduta accanto a una sua arnica, che Ie fa anche da
ancella, ed ha l'aria protettrice e mascolina delle lesbiche. L'amica sta rimettendo a posta il
trucco di Trifena, che si è un po' sfatto; la pettina; Ie tiene davanti un piccolo specchio.
Trifena si guarda intorno, con aria curiosa e avida;...
325.
... e fissa Encolpio.
Encolpio si accorge che la donna lo sta fissando e resta immobile, come soggiogato.
326.
Allora Trifena sorride ambiguamente; poi lentamente si china sulla tavola e bacia la mensa.
327.
Anche Encolpio, trasognato, si china e bacia la mensa.
328-329.
Trimalcione rientra nella sala col volto gocciolante di nuovi unguenti, e riprende il suo posto.
TRIMALCIONE: Già da molti giorni ho il ventre che non funziona mica. Tuttavia mi ha
giovato la scorza di melagrana e la resina con l'aceto.
Mi brontola lo stomaco che pare el muggito d'un toro; anche voi, se avete un bisogno, fuori
c'è tutto pronto: acqua, pitali, ogni cosa. Secondo me, non c'è tortura peggiore che
trattenersi. Tu ridi, Fortunata! Ma de notte non mi fai dormire , non mi fai, per lo strepito.
Credetemi, se il vento interiore raggiunge il cervello, si ammala ogni parte del corpo: so che
molti ne sono morti.
330.
Un invitato sta parlando coi suoi vicini; del suo discorso cogliamo solo qualche frase:
INVITATO: A Cuma ho visto la Sibilla, sospesa dentro l' ampolla. I ragazzi le dicevano: Che
vuoi, Sibilla? E lei rispondeva: Voglio morire.
331.
Tre o quattro servi avanzano portando a fatica un grande vassoio con sopra un maiale
intero, cotto nel forno, e decorato a vivaci colori...
332.
... I servi camminano calpestando una specie di fanghiglia che si è andata formando suI
pavimento: sono detriti di cibi misti a vino e salse; c'è in mezzo anche qualche piatto
rovesciato , qualche coppa, un'anfora di vetro rotta.
333.
Un inserviente, con calma e dignità, sta scopando via tranquilamente un po' di quei rifiuti.
UN SERVO: Ecco il maiale da te scelto!
334.
Trimalcione alza le braccia in gesto da attore; la sua faccia assume un'espressione collerica,
ma troppo esasperata per essere vera; grida con la voce impastata, da gigione.
TRIMALCIONE: Ma come! L'avete già cocinato? Per la prescia non l'avete sventrato! Subito
il cuoco! It cuoco!
335.
Il cuoco esce dalla cucina, contorcendosi e dimenandosi piagnucola e si lamenta, ma anche
lui da attore, da buffone. Si getta in ginocchio e cammina sulle ginocchia come un pagliaccio.
Trimalcione inveisce, sempre recitando:
TRIMALCIONE: Spogliatelo! Frustatelo!
336.
I parenti poveri, gli invitati pigiati su tiel loggione ridona e gridano. Uno si sparge e grida
verso TrimaJcione: UNO: E cosa da niente, Gaio I Ti preghiamo; lascialo andare I
337.
Il volto di Trimalcione si spiana in un sorriso un po' sinistro; un'espressione di volgare
magnanimità: TRIMALCIONE: E allora, malagrazia! Che aspetti? Sventralo adesso, il porco!
Sventra!
Il cuoco balza in piedi con un agile salto, estrae un lungo coltello, e a ritmo di balletto sventra
rapidamente il porco;...
338.
... poi, come un prestigiatore, mostra una manciata di salsicciotti che sono usciti dal porco
ripieno. Tutti applaudono la burla. Contemporaneamente...
339.
... dal soffitto scende cigolando, lentamente, un cerchione di botte al quale sono appesi,
come all'albero della cuccagna, prosciutti, uccellini, ampolle di vino e grappoli d'uva.
340.
Encolpio guarda scendere quel largo cerchione, e sbalordito lo indica e scoppia a ridere
come un bambino.
341-346.
Uno di quelli piú vicini a Trimalcione, un tipo di liberto arricchito, con una faccia rossa tutta
rabbiosa, si volta di scatto verso Encolpio e lo aggredisce con un fiume di parole.
LIBERTO ARRICCHITO: Che ridi, babbeo? Che non ti piace il lusso del mio signore? Perché
tu sei piú ricco e dài banchetti migliori. Sei fortumato che sto lontano, se no ti avrei chiuso la
bocca. Torso di mela che ride degli altri: un cencioso che non si sa chi sia, un vagabondo
che vale meno del suo piscio.
Se gliela faccio addosso, lo affogo. E ride! Ma che ride? Papà ti ha comprato il capretto? Sei
cavaliere romano? E io sono figlio di re
Tu hai la bocca sporca di latte, sei un vaso di creta molle come una scorreggia nell'acqua.
Sei piú ricco? Pranza due volte, cena due volte. Sono stato schiavo per quarant'anni, ma
nessuno sapeva se era schiavo o libero.
Era un ragazzo coi capelli lunghi quando venni qui, che non avevano ancora castruito la
basilica. Ce l'ho messa tutta per contentare il mio padrone, un uomo dignitoso: valeva piú
un'unghia sua di tutto te. Cipolla ricciuta! Pacciamo una Piccola scommessa: vedrai se tuo
padre ha sprecato i soldi. Ecco: «Vado in lungo, vado in largo; chi sono?». E poi: «Chi è che
corre e non si muove?». «Chi è che cresce e si fa piccolo?». Sembri una volpe bagnata. Noi
studiavamo in altro modo; il maestro diceva: «È a posta la vostra roba? Dritti a casa. E non vi
guardate in giro e non offendete i vecchi». Oggi è tutto un casino, non c'è nessuno che vale
due soldi.
347.
Trimalcione interviene bonariamente:
TRIMALCIONE: Basta co' le ciance, Ermerote. Porta pazienza. Il ragazzo ha il sangue caldo:
sii superiore. Quando eri galletto, anche tu facevi coccorocò.
Adesso abbiamo gli omeristi.
E Trimalcione indica benevolmente verso un gruppo di quattro persone, che è entrato e si è
disposto sul piccolo palcoscenico.
348.
Sono due uomini e due donne, giovanissimi, biondi, dal volto gentile e nobile. Si inchinano
sorridendo dolcemente. Vengono dalla Grecia, sana attori; portano con sé la malinconia di
un popolo civilissimo, ora in declino, vinto.
Indossano tutti e quattro corte tuniche bianche.
349.
Di colpo si fa un silenzio di convenzionale rispetto.
350.
I quattro cominciano a recitare, con masse misurate ed eleganti. Recitano un brano greco.
La loro lingua incomprensibile e armoniosa ha piccole asprezze improvvise: la durezza della
zeta, della theta...
351.
... L'orchestra accompagna in sardina. Si crea, per un breve momenta, un clima incantato,
poetico.
352.
Durante la recita, un vecchio che si è sentito male, pallido come un morto, viene parlato via
da due servi.
353.
La recita finisce; finisce l'incanto; i quattro attori scendono dal palcoscenico, si mescolano
agli invitati, e acquistano subito una dimensione piú concreta e volgare. Diventano simili agli
altri. Ridono sguaiatamente, bevono, scherzano. Ci accorgiamo che una delle ragazze ha i
denti corrosi, neri, scoperti nella risata.
354.
Trimalcione è improvvisamente ubriaco. Suda, il sudore si mescola all'unto degli unguenti
che si disfa. Tende le braccia verso Eumolpo:
TRIMALCIONE: Eumolpo, fratello poeta, anima mia! Hai capito la storia rappresentata?
Diomede e Ganimede erano fratelli. Elena era loro sorella. Agamennone la rapí!, e Aiace
impazzí per questo. E te lo dimostro subito.
355.
I servi portano un vassoio con sepra un intero vitello bollito, il quale ha in testa un elmo.
Segue un cuoco vestito come Aiace, armato di spada, che, con gesti da folIe, si avventa sul
vitello...
356.
... e lo fa a pezzi, distribuendolo quindi agli ospiti.
357.
Eumolpo, anche lui ubriaco, eccitato dalla scena poetica, scende dal divano, e va sul
palcoscenico. Qui, con gesti esagerati e pessima recitazione, declama dei versi con voce
tonante:
EUMOLPO: I am decuma maestos inter ancipites metus / Phrygas obsidebat messis, et vatis
fides / Calchantis atro dubia pendebat metu, / Cum Delio profante caesi vertices. ..
358.
A questo runte, uno degli invitati prende una mela e la scaglia contro Eumolpo. Tutti ridono...
359.
... Il poeta tenta di continuare, dignitosamente, facendo finta di niente:
EUMOLPO: Idae trahuntur, scissaque in molem...
360.
Ma è subissato da un lancio di grappoli d'uva, fichi, focacce, e da urla e insulti.
361.
Deve smettere; ripulendosi alla meglio scende dal palcoscenico e va a sedersi di nuovo,
offeso.
Trimalcione bonariamente lo consola, prendendogli la mano:
TRIMALCIONE: Senti questi versúcoli: Quello che non t'aspetti di colpo succede; / Sopra di
noi, Fortuna di tutto ha cura. / Perciò, coppiere, versaci del vino.
362.
Tutti applaudono con entusiasmo.
363.
Eumolpo bacia la mano di Trimalcione, e bisbiglia fingendo una immensa stima:
EUMOLPO: Un Orazio! Un nuovo Orazio!
Trimalcione euforico grida:
TRIMALCIONE: Ma nessuno invita a ballare la mia Fortunata? Anche se è ciosparella balla il
cordace meglio di tante ragazzette.
364.
Fortunata si nasconde la faccia vergognosa. Trimalcione le dà una spinta e la fa cadere fuori
del triclinio:
TRIMALCIONE: E forza, non ti vergognare! Incominza e vedrai come ti apprezzano. Avanti,
fatele il cora: coraggio, Fortunata, solo calche passo di danza.
365.
I servi si mettono a cantare in cora, con le loro voci dissonanti:
CORO DI SERVI: Madeia perimadeia! Madeia perimadeia! Fortunata si decide;...
366.
... si getta con scatto nel mezzo della sala, e si mette a ballare un ballo sfrenato, sensuale,
che le fa saltellare i seni cadenti...
367.
... Tutti battono le mani.
368.
Alla fine Fortunata cade in terra, e Trimalcione la guarda con una smorfia di disprezzo.
TRIMALCIONE (fra i denti): Ciospa... Sei ciospa...
Poi Trimalcione si alza in piedi, e con tone deciso, come se dovesse salvare il buon nome
della famiglia proc1ama:
TRIMALCIONE: Ballerai con me, ballerai...
Poi grida:
Tutti gli schiavi, de qua!
369.
Ed entrano frotte di servi, di cuochi, di sguattere: sporchi, unti, puzzolenti, che si spargono
fra i tavoli sogghignando e strillando.
370.
Trimalcione fa un cenno: l'orchestra attacca una musica simile a quella di prima.
Trimalcione e Fortunata ballano goffamente, come orsi, ma con grande compunzione e
assoluta serietà.
371.
Mentre gli invitati applaudono, o sorridono discretamente, i servi ridono forte, canzonano,
lanciano scherzosi insulti ai padroni.
372.
Ora Trimalcione e Fortunata sono nuovamente seduti sul divano, come se fosse passato
molto tempo.
373-374.
Un notaio, con in mano alcune tavolette, si ferma sotto la porta, piuttosto lontano da
Trimalcione, come non osando venire piú avanti; e a voce altissima legge:
NOTAIO: «Il 26 di luglio, nel podere di Cuma, di proprietà di Trimalcione, nati bambini trenta,
bambine quaranta: portati dall'aia al granaio 500.000 moggi di grano: messo il giogo a
cinquecento buoi.
Lo stesso giorno: messo in croce lo schiavo Mitridate per avere bestemmiato il genio del
nostro padrone Gaio. Lo stesso giorno: riposti in cassaforte dieci milioni di sesterzi, non
sapendo come impiegarli. Lo stesso giorno: incendio nei giardini pompeiani, propagatosi
dalla casa del fattore Nasta ».
375.
Trimalcione parla al notaio, anche lui ad alta voce per la distanza.
TRIMALCIONE: Come? Quando mi avete comprato i giardini pompeiani?
NOTAIO: L'anno scorso; non sono ancora registrati.
Trimalcione si arrabbia, mentre il notaio china la testa umiliato.
TRIMALCIONE: Qualunque fondo mi comprate, se non lo vengo a sapere entro sei mesi, vi
proibisco di mettermelo in conto!
376.
Trimalcione, ancora arrabbiato si guarda intorno e strilla ai servi:
TRIMALCIONE: E voi? Non avete cenato ancora? Andatevene, fate il cambio!
377.
I servi presenti se ne vanno tutti insieme gridando:
SERVI CHE ESCONO: Addio Gaio!
Mentre entrano altri servi, contemporaneamente, che strillano:
SERVI CHE ENTRANO: Salve Gaio!
378.
A cuni dei nuovi servi portano un vassoio con sopra un piccolo orso intero, che sembra un
giocattolo; un orsacchiotto sdraiato sul dorsa come un cadavere. Un cuoco si accinge a
tagliarlo.
379.
Trimalcione è messo in allegria, e grida al cuoco:
TRIMALCIONE: Taglia, Taglia!
Poi spiega agli invitati:
Gli ho messo nome Taglia. Cosí lo chiamo e dò gli ordini con una parola sola!
E scoppia in una risata colossale, fragorosa; felice di sé e del suo spirito. Pochi gli fanno
coro.
Le inquadrature 378 e 379 sono state soppresse.
379 A.
Entra un nuovo invitato, già piuttosto ubriaco, appoggiandosi alla moglie; è un uomo
autoritario, seguito da un gran codazzo di amici e di servi, che si dirige subito verso
Trimalcione dicendo:
ABINNA: Vino e acqua Galda!
380.
Encolpio, spaventato da quella irruzione, tenta di alzarsi in piedi:
ENCOLPIO: È it pretore?
Un vicino gli spiega:
VICINO: No, è Abinna, seviro augustale e scultore di monumenti funebri.
381-385.
Abinna si è seduto accanto a Trimalcione; parla con voce forte, sicuro di sé, soddisfatto:
ABINNA: Tutto noi avevamo tranne che te: eppure ce la passammo bene. Scissa celebrava
un ricco banchetto funebre per un suo misero schiavo: metà delle bevute l'abbiamo dovuta
versare sugli ossicini di quel poveretto. Abbiamo avuto un porco con una coppa in testa, a
guisa di corona, un contorno di sanguinacci e frattaglie; bieta e pane integrale, che io lo
preferisco a quello bianco perché facilita, e al cesso non devo sforzarmi fino alle lacrime. Poi
una torta con del miele caldo di Spagna: io ne presi finché valli.
Portavano in giro ceci e lupini, e una mela a testa; io però ne sgraffignai due, eccole qua nel
tovagliolo; se non porto qualcosa al mio schiavetto sana guai. Come piatto forte, pezzi
d'orso, che quella sciacca delta mia signora ne mangiò tanto che poi ha vomitato.
Se l'orso mangia l'ometto, perché l'ometto non deve mangiare l'orso? Infine cacio nel vino
cotto; una lumaca per uno; trippa, uova incappucciate, rape: e ancora un secchiello di olive
con l'aceto, che certi screanzati ne hanno presi anche ire pugni. Il prosciutto lo rimandammo
indietro. Ma dov'è Fortunata?
386.
Tutti i servi si mettono a chiamare in coro:
CORO DI SERVI: Fortunata! Fortunata! Fortunata!
TRIMALCIONE (brontola): Quella lí, se non mette a posto l'argenteria e non dà i rimasugli ai
servi, non si dà pace.
387.
Entra Fortunata, con una gran tunica sgargiante e scarpe bianche, alte, coi bordi dorati. Si
sta asciugando Ie mani a un fazzoletto appeso al collo...
388.
... Subito si butta a sedere accanto alIa moglie di Abinna (Scintilla), e Ie due donne si
abbracciano.
SCINTILLA: Fatti guardare!
Fortunata esibisce Ie braccia cariche di bracciali, mostra gli anelli aIle caviglie e tutti i gioielli
di cui è carica. Scintilla tocca i gioielli, Ie tocca Ie braccia, poi ridendo l'abbraccia, e Ie due
cominciano a baciarsi sempre piú lascivamente.
389.
Abinna, con una gran risata, afferra Ie gambe di Fortunata e gliele tira su di scatto. Fortunata
per la vergogna si copre la faccia col fazzoletto.
390.
Entrano dei servi che depongono nuove portate. Uno di questi ha tutte e due Ie mani mozze:
ce ne accorgiamo quando mette giú il vassoio...
391.
... Trimalcione ridacchia e gli dice bonariamente:
TRIMALCIONE: T'è passata la voglia di rubare, eh? ... e intanto afferra e attira a sé un gran
cane portato al guinzaglio da un servo, esclamando:
TRIMALCIONE: Questo è cucciolo, el presidio della casa e della famiglia: quello che mi vole
Piú bene di tutti qui dentro!
Soppresse le inquadrature 390 e 391.
392-394.
Un ragazzotto, bello ma volgarissimo, geloso, aizza un altro cane contra Cucciolo; nasce una
baruffa; si rovesciano candelabri e piatti.
TRIMALCIONE (urla): Zitti! Boni! Fora li cani, fora! Poi prende per mano il ragazzotto, e gli fa
un sinistro sorriso:
TRIMALCIONE: Che sei geloso? Vieni qui, amore mio, gioca.
395.
Trimalcione si fa salire sulle spalle il ragazzo, che comincia a tempestargli di pugni la
schiena e a gridare:
RAGAZZOTTO: Mazza bubú, mazza bubú, quante corna ci stanno quassú?
Trimalcione si prende in braccio il ragazzo, lo abbraccia lascivamente, e dice con voce
impastata dal vino e dal desiderio:
TRIMALCIONE: Carinello... Quanto sei carinello... Ma dove lo trovate uno bello cosí...
396.
E gli dà un grosso bacia sulla bocca.
397.
Fortunata ha uno scatto di rabbia:
FORTUNATA: Anche in mia presenza, lurido finocchio! Svergognato, cane!
398.
Trimalcione butta in faccia a Fortunata una ciotola piena di salsa; Fortunata si mette a
strillare,...
399.
... si rifugia fra Ie braccia di Scintilla.
400-405.
Trimalcione, fuori di sé dalla rabbia, comincia a urlare:
TRIMALCIONE: Ma come, ballerina da quattro soldi? T’ho levato dal marciapiede, t' ho
levato! Ti ho comprato al mercato, puttana! Ti ho trasformato in un essere umana, e mone ti
gonfi come una ranocchia. Abinna, leva la sua statua dal mio sepolcro, se no famo sciarra
anche dopo morti.
Ho baciato quel ragazzo non perché è bello, ma perchè è bravo; sa dividere per dieci, sa
divide, legge un libro a prima vista, si è comprato di tasca sua una sedia e due nappi. Che
non gli dovrei volere bene?
Ma Fortunata ha deciso di no. O ve' che nova! Mangia, arpia: non farmi ringhiare. Che fai,
piangi ancora, trombona? Se po' sape', se po', se che ciai? Se vivi nel lusso lo devi a mene.
Per quattordici anni ho subito Ie espansioni del mio padrone.
Che c'è di male, è il padrone che comanda. Io però soddisfacevo anche la padrona.
Insomma diventai erede con Cesare: e mi venne la frenesia del commercio.
Costruii cinque navi, Ie caricai di nardo, di profumo, di schiavi. Tutto ciò che toccavo
cresceva come un favo.
Tengo quattro sale da pranzo, venti camere da letto, due portici scolpiti in marmo, la stanza
in cui dormo io, il soggiorno di questa griscia. Ieri ero una rana, oggi un re; questa è la vita.
Tu, Stico... Porta i miei paramenti da marto, e l'unguento, e un assaggio del vino con cui
voglio che mi lavino Ie ossa...
406.
Trimalcione cambia espressione di coIpo; diventa patetico, e si rivolge a Eumolpo:
TRIMALCIONE: Non è triste tutto questo, Eumolpo? La vita passa come un'ombra, ma i cani
rabbiosi perdono il loro tempo a sbranarsi. Prima o poi tutti diventeremo cosi.
Una mano parge a Trimalcione uno scheletrino d'argento, snodato come un burattino.
407.
Trimalcione lo afferra, lo fa danzare, pensieroso, con gli occhi umidi, sospirando.
TRIMALCIONE: Mi è venuta in mente una poesia, ascoltate:
La compagnia presenta un mimo sulla scena; uno fa il padre, / uno il figlio, uno fa la parte del
ricco. / Ma appena la commedia finisce / ritorna il volto vero e scompare il volto finto.
408.
Ci sono qua e là degli applausi. I servi urlano in coro: CORO DI SERVI: Viva Gaio!
409.
Ma Eumolpo scuote la testa, poco soddisfatto. Ha la faccia rossa per il vino bevuto, ed è di
malumore.
TRIMALCIONE: Che ti sembra poeta, di questi versi?
EUMOLPO: A dirti la verità, li hai rubati a Lucrezio.
TRIMALCIONE: Ma che dici, accattone?
410.
Eumolpo salta in piedi, e si scaglia contra Trimalcione tentando di picchiarlo. Intanto urla:
EUMOLPO: Scompare it volto finto, ritorna il volto vero! È di Lucrezio, di Lucrezio!
TRIMALCIONE: È pazzo, tenetelo fermo! Buttatelo nel forno!
411.
I servi e gli invitati afferrano Eumolpo che ogni tanto si libera e si avventa su Trimalcione
tentando di prenderlo a schiaffi.
EUMOLPO: Io sono un poeta, non tu! Sei un ladro, un bastardo!
412.
Trimalcione è fuori di sé. Sembra che stia per venirgli un colpo. Urla:
TRIMALCIONE: Nel forno, cane! Nel forno! Subito!
413-415.
Eumolpo è trascinato via dai servi, che ridono, lo insultano, lo picchiano.
Eumolpo strilla istericamente:
EUMOLPO: Lasciatemi, sono cittadino romano. Sono un poeta, un filosofo.
416.
Trimalcione ride verde, con un ghigno feroce, e brontola fra i denti:
TRIMALCIONE: Miserabile... Morto di fame... L'ho nutrito come un figlio. Adesso_mi
si_trasforma in serpe.
Scena n. 16.
Villa Trimalcione. Cucina. Interno. Notte.
417.
La cucina della villa è grandissima, zeppa di tegami, pentole, orci e mucchi di roba da
mangiare. Ci sono molti forni e fornelli...
418.
... C'è anche qualche cane incatenato che abbaia ferocemente eccitato dalla scena.
419-421.
I servi, felici di potersi sfogare contra uno degli ospiti del padrone, picchiano selvaggiamente
Eumolpo, sputandogli addosso e insultandolo. Il vecchio si divincola, urla; alIa fine si libera e
afferra un candelabra di legno...
422-423.
... Con questo si difende dai suoi aggressori, menando botte da orbi.
424.
Un cuoco afferra uno spiedo su cui stanno friggendo delle frattaglie, e tenta di infilzare
Eumolpo...
425-426.
... La rissa è violentissima, ripugnante. Eumolpo è di nuovo afferrato, messo sotto, picchiato
coi pugni, coi bastoni.. .
427-428.
... Nei servi c'è una crudeltà repressa, che finalmente trova il suo sfogo...
429-430.
... Uno gli fa sgocciolare della cera bollente sulla faccia, inclinando una candela;...
431.
... Eumolpo strilla come un gatto scorticato.
LA TOMBA DI TRIMALCIONE
UN CINEDO RACCONTA LA STORIA DELLA MATRONA DI EFESO
Scena n. 17.
Tomba di Trimalcione. Esterno. Notte.
432.
Trimalcione conduce i suoi ospiti a visitare il suo monumento funebre. Una fila di persone,
inebetite per il cibo e il vino, stralunate, sudate e gocciolanti di olii, cammina lenta e un po'
barcollante, in silenzio.
Qualcuno è sorretto dagli amici. Qualche donna è in lettiga...
433.
… Abinna fa da guida, come un ingegnere che mostra una casa in costruzione.
434.
La tomba è an cora in lavorazione; ci sono sparsi attrezzi di lavoro, blocchi di marmo, statue
ancora da montare, ossia a pezzi come bambole, appoggiate per terra...
435.
... È un ambiente vasto, buio; una cappella quasi, piena però di corridoi, porticine, scale che
scendono.
Abinna indica alcune pitture suI muro, non terminate.
ABINNA: Qui è dipinta la vita di Trimalcione: ecco Ie sue navi con Ie vele spiegate; ed ecco
lui in tribunale, c'è anche la sua cagnetta favorita. Tutte queste anfore, vedete; l'ultima è
infranta, e c'è un ragazzo che piange...
436.
Trimalcione è commosso, e piange sommessamente. Abinna continua, soddisfatto,
accennando qua e là: ABINNA: Cento piedi di fronte e duecento in profondità. La tomba è di
sotto, coi recipienti per la frutta fresca.
437.
Tutti scendono giú per una scala ancora non finita, coi gradini appena scavati nella terra,
sdrucciolevoli...
438.
... Qualcuno cade, e lancia imprecazioni.
439.
Di sotto, c'è una sala circolare, nel mezzo della quale si drizza una statua di Trimalcione.
440.
È una grande statua appena finita, bianchissima, quasi luminosa. Trimalcione vi è effigiato
piú giovane e bello, con espressione nobile; ai piedi, è scolpito un piccolo cane accucciato,
con la testa fra Ie zampe, triste.
441.
Tutti guardano la statua come incantati. Trimalcione la guarda anche lui, la sfiora con Ie dita,
e piange senza ritegno.
442.
Abinna, sempre col suo sorriso di uomo sicuro di sé, indica una cassa di pietra, e, come se
volesse invitare Trimalcione a provarla, dice:
ABINNA: Questa è la tomba.
Trimalcione, sempre piangente, sfatto domanda:
TRIMALCIONE: Avete portato it vino con cui mi laverete Ie ossa?
443.
Un servo porge un vassoio con delle coppe di vino, e tutti Ie afferrano golosamente.
TRIMALCIONE: Fate conto che vi abbiano invitato al mio banchetto funebre. Bevete. Ma
dove sono i sonatori?
I suonatori, che hanno seguito il carteo, si fanno avanti, intonando una marcia piú rumorosa
e straziante.
TRIMALCIONE: Bravi, bravi... Immaginate che io sia morto: sonate calche cosa di bello.
444.
Sorretto, aiutato dagli amici barcollanti come lui, Trimalcione si sdraia nella tomba, e subito
chiude gli occhi, prendendo un aspetto di triste solennità.
445.
Allora i suonatori danno dentro agli strumenti con maggior violenza; tutti i presenti si agitano
come impazziti, come se Trimalcione fosse morto e loro fossero degli schiavi liberati da
un'oppressione.
446.
Qualche uomo si butta addosso aIle donne, rovesciandole sulla terra umida che fa da
pavimento;...
447.
... echeggiano strilli e risate;...
448.
... il vino è versato nelle coppe, e anche in terra; per la prima volta, dopo il banchetto, si crea
un clima di vera festa, disordinato, fragoroso, di un'allegrezza isterica.
449.
Un cinedo, dalla faccia bistrata, con gli occhi che colano righe nere e Ie guance che perdono
il rossetto, racconta ridacchiando:
CINEDO: La storia della matrona di Efeso... chi non la sa?... Una volta, a Efeso, una donna
giovane, bella e virtuosa, restò improvvisamente vedova...
Scena n. 18.
Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo).
Esterno. Notte.
450.
Un corteo, al lume di fiaccole, percorre una vasta necropoli, fra tombe e busti di morti: il
paesaggio è spoglio, arido, i mausolei incombono in mezzo a pochi alberi stenti;
451.
Dietro al morto (coperto da un sudario, e portato su una specie di barella da parecchie
persone, come se fosse pesantissimo), viene la vedova, col petto denudato, piangente, che
emette lamenti ad altissima voce...
452.
... Tutti camminano in fretta, a un ritmo veloce, incalzante; è un passaggio rapido, come di
fantasmi; i volti dolenti che scorgiamo appena sono fissati come maschere.
Scena n. 19.
Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo);
Interno. Notte.
453.
Nella tomba, che è come una piccola casetta circolare, il cadavere del defunto è deposto in
una cripta. La tomba è zeppa di gente, che piange, si abbraccia.
454.
... La vedova, sempre con la sua espressione dolente da tragedia greca, seguita a
lamentarsi e a graffiarsi il petto. Respinge gli inviti dei parenti a venir via con loro.
CINEDO (F.C.): Quando il cadavere, all'uso dei greci, fu deposto nella cripta, la vedova, cosí
onesta e fedele, si rifiutò di andar via e restò notte e giorno a vegliarlo... Piangeva... S'era
decisa a morire di fame... Anche i magistrati alla fine l'abbandonarono... Ora avvenne che,
poco lontano dalla tomba, un ladro condannato a morte.
Scena n. 20.
Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo).
Esterno. Notte.
455.
Nel vasto spiazzo della necropoli, in quel paesaggio arido e sinistro, si staglia contro la luna
una forca, costituita da due pali verticali e uno orizzontale. Alla forca, è sospeso un
impiccato. Degli uccellacci volano intorno alla forca.
456.
Presso la forca c'è un soldato, giovane, attraente. Sta parlando con un ufficiale.
UFFICIALE: Dunque hai capito?
SOLDATO: Molto bene.
UFFICIALE: I parenti verranno... Tenteranno di portar via il corpo del ladrone... E tu, che il
tuo dovere di soldato conosci.
SOLDATO: Non dubitare della mia saldezza.
Il colloquio tra il soldato e l'ufficiale è stato soppresso.
457.
L'esterno della tomba dove sta la matrona di Efeso. Ne vengono una luce e flebili pianti,
lamenti.
Il soldato, che adesso è solo, si avvicina lentamente alIa tomba. Si volta indietro, e guarda...
458.
... l'impiccato che dondola lento, nel vento.
459.
Il soldato entra dentro la tomba.
Scena n. 21.
Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo).
Interno. Notte.
460.
La vedova sta stringendo fra Ie braccia il cadavere del marito. È sempre piú scarmigliata,
con Ie vesti lacere. Ripete una rapidissima tiritera di parole greche, forge preghiere...
461.
... Poi, all'improvviso, si lascia andare, quasi svenuta, con la testa suI petto del morto.
Il soldato Ie è accanto, e con voce carezzevole Ie parla:
SOLDATO: Perché ti lasci morire di fame? A che serve seppellirti viva? Mangia qualcosa.
Coraggio. Tieni.
462.
La donna guarda il soldato con gli occhi lagrimosi; è inebetita; non ha la forza di reagire...
463.
... Il soldato Ie fa bere un po' di vino, e Ie accarezza piano la faccia con la punta delle dita.
SOLDATO: Non vuoi tornare a vivere? Goditi Ie gioie della vita finché è possibile... Proprio
questo cadavere qui disteso dovrebbe convincerti...
La donna sospira,...
464.
... mangia qualcosa, sospira ancora; guarda il morto, guarda il soldato,...
465.
... mangia, sospira, guarda il soldato...
466.
II soldato comincia a baciare furiosamente il volto pallido della donna.
467.
La donna gli si avvinghia al collo, disperata e contenta. II soldato la stringe, e i due rotolano
abbracciati presso il cadavere.
Scena n. 22.
Necropoli di Efeso (nel racconto del cinedo).
Esterno. Notte.
468.
Intorno alIa forca da cui pende il ladro, c'è un movimento di ombre, un bisbigliare; sono
corsettine in punta di piedi, gesti furtivi, rapide azioni di persone incappucciate, ammantate.
469.
La conclusione di tutto questo fervore un po' bambinesco, è che il cadavere dell'impiccato
viene calato giú dalla forca, agguantato da molte mani...
470.
... e portato via di corsa, come un bruco morto dalle formiche. In un attimo, sono spariti tutti.
471.
II soldato sta uscendo dalla tomba, si accommiata con un bacia dalla vedova, come se la
salutasse sulla porta di casa. Poi si avvia verso la forca, e subito si accorge che...
472.
... dalla forca penzola solo un pezza di corda; l'impiccato è scomparso.
473.
II giovanotto è perplesso, suda freddo. Muove qualche passo incerto. Non sa che fare. AlIa
fine si decide, rientra nella tomba.
Scena n. 23.
Tomba di Efeso (nel racconto del cinedo).
Interno. Notte.
474.
La matrona di Efeso, felice e serena, divenuta piú bella, meno pallida, si sta pettinando con
calma, con compiacenza...
475.
... Si volta all'ingresso del soldato.
II soldato è stravolto; non riesce a trovare Ie parole;
alIa fine parla:
SOLDATO: Hanno rubato l'impiccato.
La donna gli si avvicina, lo guarda con l'aria di non capire, preoccupata.
SOLDATO: Sí, mentre era qui, con te, i parenti del ladro se lo sono portato via...
476.
II soldato è sempre piú cupo. Brontola fra sé:
SOLDATO: Conosco la sentenza del giudice... Una morte atroce. Inutile aspettare; mi farò
giustizia da me... con le mie mani...
II soldato estrae una corta, tozza spada. La fissa, senza decidersi a uccidersi,...
477.
... ma la donna lo prende per il braccio, e gli sorride teneramente:
MATRONA: No, caro... Perdere i due uomini della mia vita, uno dopa l'altro, sarebbe
troppo...
La donna bacia il soldato, che non ha ancora capito bene cosa intende dire la donna...
478.
... Quindi, la matrona indica il cadavere del marito, e con un sorriso dolcissimo conclude:
MATRONA: Possiamo sostituire il corpo scomparso...
479.
II soldato sorride di gratitudine. E la donna aggiunge:
MATRONA: Preferisco appendere un morto che perdere un vivo!
A questa frase, fa eco un cora di risate, come se ci fosse un pubblico invisibile: sono Ie risate
degli ospiti di Trimalcione, che cosí hanno accolto il racconto del cinedo.
Scena n. 24.
Villa di Trimalcione. Viale con ingresso.
Esterno. Notte.
480.
II viale su cui si apre il cancello della villa, coi due bracieri presso i pilastri.
Encolpio è uscito dal cancello, e cammina piano, barcollante. È pallidissimo, sta male. Nella
notte, si sentono voci lontane, qualche risata, un latrare di cani.
Encolpio si allontana per il viale umido e nebbioso. Ma sente accanto a sé dei gemiti, dei
lamenti prolungati. Si guarda intorno, smarrito.
481.
I lamenti vengono da una cunetta di lata al viale. Encolpio si avvicina, guarda.
482.
Nella cunetta c'è come un grosso fagottone di stracci: un essere umana che piagnucola, si
muove debolmente.
483.
Encolpio si china, aiuta quel rottame umana a sollevarsi. È Eumolpo. Pesto e sanguinante,
sporco di fango, di saIse, di vino. I servi l'hanno bastonato come un topo, poi l'hanno buttato
Ií, tra i rifiuti.
484-485.
Eumolpo si appoggia pesantemente a Encolpio, che pian piano, un passo dopa l'altro, si
avvia sorreggendolo.
Scena n. 25.
Strada di Roma. Esterno. Notte.
486.
Sono Ie ultime ore della notte, ed il silenzio è profondo, totale. Solo, il chioccolio leggero
d'una piccola fontana sull'angolo. Siamo in una strada della città, fiancheggiata da case
basse, con porte sprangate, finestre chiuse. Tutti dormono.
487.
Eumolpo è chino sulla fontana, si passa la mano bagnata di acqua sulla faccia piena di grumi
di sangue, di lividi, di ustioni...
488.
... Encolpio è seduto a terra, si appoggia stanco con la schiena contro un muro. Ha gli occhi
semichiusi. Eumolpo mormora:
EUMOLPO: Io sto per morire. Morirò presto.
Si passa Ie dita nella bocca, e sente che gli mancano dei denti. Poi lentamente, tenta di
pettinarsi con la mano, si liscia la barba incolta, resta ancora un po' perplesso, pensoso...
489-490.
... Scuote la testa, si raddrizza. Nel volto, scompare l'espressione di cane picchiato; ritrova
una certa fierezza, un'ultima dignità.
Si siede accanto a Encolpio, e gli parla a bassa voce, ma con voce intensa, carica di
emozione e di passione.
EUMOLPO: I poeti muoiono, Encolpio: noi scompariamo a la poesia resta. Che importa?
Fratello mio, tu sei stato l'ultimo compagno della mia vita. Tu potrai dire: l'ho conosciuto. Ho
conosciuto un vero filosofo. Ho conosciuto Eumolpo il poeta.
491.
Encolpio ascolta appena, è pieno di sonno, ogni tanto lancia un'occhiata di sbieco al vecchio;
492.
Eumolpo continua a parlare; a poco a poco la sua tristezza si dissolve, e cede a una specie
di retorica spavalderia. Si inebria del suo stesso discorso.
EUMOLPO: Se non questa notte, domani o fra due giorni morirò; ho un fisico pravato, che ne
ha passate troppe. Che dire? Se fossi ricco come Trimalcione ti lascierei un podere o una
nave. Ma te, ti posso fare erede solo di ciò che ebbi. Ti lascio la poesia...
493-495.
Eumolpo si fa nuovamente raccolto, pensieroso: il tono retorico scompare , e ritorna una
malinconica contenutezza.
EUMOLPO: Ti lascio la vita. Ti lascio le stagioni, soprattutto la primavera e l'estate.
Ti lascio il vento, e il sole: ti lascio il mare. Il mare è buono, e anche la terra è buona. Ti
lascio il colore del grano maturo; i torrenti i fiumi; le grandi nuvole che volano solenni e
leggere...
Le guarderai e forse ricorderai questa nostra breve amicizia.
E ti lascio gli alberi e i loro agili abitanti. L'amore, le lacrime, la gioia. Le stelle, Encolpio, ti
lascio. Ti lascio i suoni, i canti, i rumori; la voce dell'uomo, che è la musica piú armoniosa. Ti
lascio...
496.
Eumolpo si accorge che Encolpio si è addormentato; allora s'interrompe. È l'alba, un'alba
nebulosa e calda...
497.
Encolpio ed Eumolpo dormono sulla strada.
LA NAVE DI LlCA
(Prima versione)
Scena n. 26.
Scialuppa in mare. Esterno. Giorno.
498.
La scialuppa con a bordo Encolpio e Trifena avanza suI mare calmissimo, condotta da un
rematore. Encolpio a testa bassa è pallido, un po' cupo, depresso forse per gli effetti della
cella. Trifena lo guarda, spavalda e sicura, come una cacciatrice che ha catturato un animale
prezioso.
499.
La scialuppa si accosta a una grande nave, ferma, che si dondola appena. È un barcone di
colore scuro, ampio e tetro, basso;...
500.
... una vela sta salendo lentamente sull'albero maestro.
La polena gigantesca è una donna, una dea, a braccia spalancate che si protendono verso
Ie onde.
501.
Encolpio, alzando gli occhi, si trova davanti questa specie di galera; e vede affacciarsi alla
murata, come una piccola presenza luminosa, Gitone che gli sorride.
502.
Encolpio è stravolto nel rivederlo; Trifena, senza voltarsi, capisce che lui ha vista Gitone e
sorride d'un sorriso consapevole.
503.
Ma sulla murata, accanto a Gitone, appare Ascilto, che mette il braccio sulle spalle del
ragazzo, e sorride ad Encolpio, ma senza malignità, serenamente.
504.
Encolpio si alza in piedi nella scialuppa, che sobbalza; stringe i pugni con rabbia e intanto
dice:
ENCOLPIO: No... Questo no! Torniamo a terra, Trifena. (urla) Portatemi a terra!
Scena n. 27.
Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno.
505.
II ponte della nave è vasto e spoglio, a parte gli alberi e la velatura; quasi una piazza di legno
sulla quale Encolpio corre in direzione di Gitone, che è fermo, turbato e timoroso, presso
l'albero maestro.
506.
Encolpio si ferma di faccia a Gitone, e lo guarda con passione rabbiosa. Mormora
lentamente:
ENCOLPIO: Vergogna... Traditore! Che hai da dire? Ti sei concesso a un estraneo!
Encolpio non si controlla piú, e dà un forte pugno sulla testa di Gitone...
507.
... Il quale comincia a piagnucolare e dice:
GlTONE: Pietà, fratelo... Ho sofferto abbastanza con quel bandito assetato di sangue...
Liberami da lui... perdonami...
Encolpio si scaglia contro Ascilto, che assiste ridendo alla scena:
ENCOLPIO: Bagascione passivo come una donna! Ti puzza anche il fiato!
508.
Ascilto diventa di colpo furente; alza i pugni contro Encolpio e urla come un matto:
ASCILTO: Sta' zitto, lurido gladiatore! Avanzo di circo! Con che coraggio parli? Ti sei
scordato che mi hai fatto il servizio nel parco prima di farlo a questo ragazzo?
509.
Gitone si getta in mezzo ai litiganti, e alza un coltellino che brilla nel sole:
GITONE: Basta! Sono io la causa di tanti affanni. So quello che devo fare... Me lo taglierò!
510-512.
E fa il gesto di castrarsi. Al che interviene Trifena, e gli afferra la mano; gli torce il polso e gli
fa cadere il coltellino.
TRIFENA: No. Fermi. Niente violenza su questa nave. Niente armi sul mare...
513-514.
Trifena abbraccia Gitone, e intanto pronuncia, con tono da giudice, questa sentenza:
Tu, Encolpio, t'impegnerai a non querelarti di offese a te fatte da Gitone... non gliene
rinfaccerai, né lo perseguiterai: e se il fanciullo non vuole, non gli imporrai baci o abbracci; se
no, dovrai versare cento denari.
E tu, Ascilto, non darai fastidio a Gitone, né t'informerai dove dorma la notte: e se te ne
informi, verserai duecento denari...
Scena n. 28.
Nave di Lica. Salone sottocoperta. Interno. Esterno. Notte.
515.
Un ambiente nell'interno della nave: un lungo ambiente, arredato con lusso orientale. Sulla
parete, che è la fiancata stessa della nave, si aprono una serie di finestre quadrate, una
accanto all'altra, quasi al livello del pelo dell'acqua...
516.
... Infatti, oltre Ie finestre, si intravede lo scintillio del mare, illuminato dai lumi interni;...
517.
... e si vedono passare ogni tanto altissime rocce di basalto nero, e volare bassi dei gabbiani.
518.
Su divani bassissimi, o su cuscini in terra, molti ospiti stanno seduti, in silenzio, o parlando a
bassa voce, in un clima un po' snervato, vizioso. Sorseggiano piccoIe coppe di vino...
519.
... Delle ancelle ogni tanto dispongono qua e là piattini e ciotole di vivande, all'uso cinese.
520.
Vi sono persone vestite fastosamente, fantasiosamente, accanto ad altre quasi nude. Un
gran miscuglio di razze; quasi tutti però molto belli; ognuno a suo modo rappresenta un
campione, un tipo...
521.
... Encolpio siede accanto a Gitone, che sta ad occhi semichiusi, abbandonato contro il suo
petto;...
522.
... Ascilto è presso Trifena: i due parlottano e ridono.
523.
Lica, il padrone della nave, cammina incessantemente avanti e indietro; per tutta la
sequenza non smetterà quasi mai questo suo muoversi irrequieto, nevrotico...
524.
... Ogni tanto si siede, ma subito baIza su di nuovo. Va ad accarezzare un ospite lontano,...
525.
... o a dare degli ordini, o a sollevare di scatto una gonna, come per un bisogno continuo di
toccare, controllare, verificare. Intanto parla:
LICA: Lica di Taranto è felice di avere altri ospiti. Non è vero che siamo contenti. Trifena? È
stato completato il carico, Trifena? La scolta ha fatto Ie sue verifiche? Oh! Guardate qui!
526.
Lica scoppia a ridere, mentre denuda una ragazza bruna, orientale, che sta sdraiata.
527.
II corpo della ragazza è completamente tatuato, pieno di fitte immagini disposte a righe
sovrapposte, come una storia raccontata per geroglifici.
Lica sfiora col dito queI corpo nudo:
LICA: Tutta la storia della Persia! Meraviglioso tatuaggio... E Alessandro il Grande cavalca
l'ombelico.
528.
Voltandosi verso Trifena:
Dove è stata comprata, Trifena? Lica non lo ricorda. Bene bene... Cesare sarà contento...
Pannichina!
Lica si è arrestato davanti a una bambina di sette anni,...
529.
... che sta giocando con altri due bambini; si rotolano per terra come cuccioli.
530.
Lica prende in braccio la bambina, che ha una faccia triste e un po' sprezzante; la solleva e
Ie dà due baci sui capezzoli.
LICA: Pannichina, perdona a Lica; ho dimenticato se sei mia figlia o no: ma penserò lo
stesso a darti un marito.
531.
Lica si ferma davanti a una delle finestre, e grida:
LICA: Tu! Cos'hai pescato?
532.
DaIle acque emerge un bizzarro palombaro, che ha sulla faccia una proboscide d'elefante,
che gli è servita come tubo per respirare sott'acqua. Protende, suIle mani, un gran piatto
fondo pieno di ricci di mare, grondante. E risponde:
PALOMBARO: Un Piatto di ricci, signore!
533.
Mentre Lica si volta, come se la cosa non lo riguardi piú, accorre un servo che prende il
piatto dalle mani del palombaro.
534.
Un altro palombaro emerge: ha indosso una specie di scafandro di cuoio tutto irto di aculei
come un istrice. Regge fra Ie mani un enorme granchio, vivo, che muove lentamente Ie
pinze...
535.
... Senza dir nulla, offre il granchio; Trifena lo prende. Trifena ha il granchio fra Ie mani, lo
guarda, lo carezza leggermente...
536.
... Poi lo rivolta, e con voluttà, socchiudendo gli occhi, afionda i denti nella parte inferiore; dà
un piccolo morso, mastica.
537-539.
Lica si è fermato davanti a un vecchio sacerdote, dall'aria del bonzo, che sta
mangiucchiando qualcosa nella sua ciotolina. Lo aggredisce con violenza:
LICA: Tu! Vecchiaccio! Dobbiamo adorare Adone al pari di Venere oppure no?
SACERDOTE: Lo sai bene, Lica... Sai bene di no...
LICA: Come dunque? Adone non è forse l'amasio di Venere?
SACERDOTE: Sí, Lica, lo sai bene...
LICA: Dunque adorerai la Dea e non it jottitore?
SACERDOTE: Sei eretico, Lica! Venere la dobbiamo adorare, ma Adone lo onoriamo
semplicemente...
LICA: E il Gullo delle Adonte, vecchiaccio?
SACERDOTE: Eresia, Lica... Sei eretico...
540-541.
Lica si ferma davanti ad Encolpio e lo guarda incantato.
Mormora:
LICA: É Adone il vero Dio, il mio Dio...
Encolpio stringe a sé Gitone e gli sussurra:
ENCOLPIO: lo ti amo anche se tu mi lasciasti; nel cuore, dove ci fu una ferita cosí profonda,
non c'è piú cicatrice.
Non rimpiango Piú nulla, non ricordo Piú nulla, se in buona fede ti riscatti dalla vergogna.
542.
Gitone ha gli occhi pieni di lacrime. Risponde a bassa voce:
GITONE: Che dovevo fare? Come vidi due uomini armati, mi rifugiai dal piú deciso.
Encolpio stringe teneramente Gitone, e lo bacia.
543.
Trifena sta baciando Ascilto, afferrandolo con gesto di possesso.
544.
Lica si è seduto, accoccolato sui cuscini, davanti a una bellissima schiava, che ha una
espressione dolorosa suI viso. La tocca, l'accarezza, e Ie sussurra con intenzione maligna,
sapendo che non può rispondere:
LICA: Parlami, racconta i segreti del tuo culto, sacerdotessa... Dimmi i riti della tua
religione... non puoi? Ti ascolto. Che c'è, vestale, non puoi rispondermi?
545.
La donna è sempre piú triste, una lacrima Ie scende lentamente. Lica baIza in piedi e
scoppia in una risata isterica. Indica la ragazza e grida:
LICA: Le hanno mozzato la lingua! I suoi sacerdoti l'hanno mutilata perché non parlasse!
546.
Lica afferra la faccia della ragazza, costringendola ad aprire la bocca...
547.
... La ragazza è senza lingua. Nel dolore, nella rabbia, emette agghiaccianti suoni inarticolati.
548-549.
Lica si ferma di scatto davanti a un ragazzo e una ragazza, che si somigliano molto, e che lo
guardano un po' spaventati.
LICA: Siete fratelli?
IL RAGAZZO: Sí...
LICA: Dove siete stati prelevati?
IL RAGAZZO: A Marsiglia.
LICA: Perché?
Interviene Trifena:
TRIFENA: Cesare ama gli scherzi di natura.
550.
E Trifena afferra una mano del ragazzo e una mano delIa sorelIa, e Ie solleva: vediamo che
hanno mani di sei dita.
550 a.
Lica intanto si è chinato sopra una gigantesca amazzone, coi capelli cortissimi e Ie braccia e
il torace coperti di peli. Lica sfiora con Ie labbra quel pelame, voluttuosamente.
551.
Trifena, sorridendo con una certa ferocia negli occhi, dice a bassa voce, quasi fra sé:
TRIFENA: Esseri deboli e incatenati, unicamente destinati ai nostri piaceri, non illudetevi che
Ie libertà che vi concede il mondo vi saranno accordate anche su questa nave...
552.
Come ubbidendo a un ordine, dei servi chiudono i pesanti battenti delle finestre; la vista del
mare scompare, l'ambiente diventa piú opprimente e lugubre.
553.
Trifena continua:
TRIFENA: Non aspettatevi altro che umiliazione... L'ubbidienza è la sola virtú di cui vi
consiglio di fare uso... Alcuni schiavi distendono in terra un largo tappeto pieno di segni
misteriosi, di geroglifici sacri; vi pongono sopra un fornelIino.
554-555.
Una donna si avvicina ad Encolpio, e con gesto carezzevole gli ficca sulla guancia uno
spillone. Encolpio lancia un urlo roco.
556.
Un cinedo fa scrocchiare la giuntura delle dita, e intanto recita con voce chioccia:
CINEDO: Venite in massa, cinedi morbidi: è l'ora... Protendete il piede, volate sulle chiappe
guizzanti: o teneri polli castrati dal Delio...
Poi si avvicina ad Encolpio e tenta di sbaciucchiarlo.
557.
Lica prende in mana uno specchio. Si contempla fissamente, narcisisticamente, poi comincia
a cantare. Canta per se stesso, rapito da una passione onanistica...
558.
... Finito il canto, che è piú che altro una serie di lamentazioni, scoppia un grande applauso;
alIora ci accorgiamo che...
559.
... sporgendosi da scalette, o affacciandosi dalle porte, molte persone indistinte, una folIa
composta di marinai e di schiavi, applaude il padrone, con serietà e senso del dovere:...
560.
... un rapido applauso che poco dopa sfuma, cosí come quelle persone scompaiono
nell'ombra.
561.
Lica, compiaciuto, parla agli ospiti:
LICA: La voce era flebile, ma l'ho rinforzata con lungo studio. Ogni notte dormo con una
lastra di piombo suI petto.
Poi Lica indica una statua che raffigura Apollo con la cetra:
LICA: Il re dei citaredi! Buttatelo in mare!
562.
Due schiavi afferrano subito la statua e, aperta una finestra, la scagliano lontano:...
563.
...la statua affonda.
564.
Lica ha in mano una cetra; si avvicina ad Encolpio. e accompagnandosi con la cetra canta
alcuni versi di Catullo:
LICA (cantando): Se mai potessi baciare i tuoi dolcissimi occhi, per quanto ne ho voglia,
potrei baciarli trecentomila volte...
Né smetterei mai: è come una messe di spighe di baci, che si addensa sempre piú folta...
565.
Mentre canta, Lica guarda fisso Encolpio, con passione e amore. Alla fine del canto, gli occhi
di Lica si empiono di lacrime. Poi getta via la cetra. E grida:
LICA: Bisogna fare le nozze della nostra Pannichina!
566.
Qualcuno solleva di peso Gitone, che stava dormendo in mezzo ai cuscini.
567.
Altri sollevano la Pannichina, che anche lei stava dormendo, ed ha l'aria stupita dei bambini
appena svegliati. Encolpio protesta, con la violenza degli ubriachi:
ENCOLPIO: Gitone è un ragazzo riservatissimo: non può fare certe porcherie! E la bambina
non è in età per sostenere un simile assalto.
568.
Trifena parla ad Encolpio, con ironico disprezzo:
TRIFENA: Perché? La Pannichina è piú giovane di me quando andai per la prima volta sotto
un uomo? Giove mi fulmini se ricordo di essere mai stata vergine!
569.
La voce del sacerdote che prima aveva altercato con Lica, si leva solenne, ammonitrice:
SACERDOTE (F.C.): Prima bisogna fare il sacrificio.
II sacerdote è ritto presso un altare, un po' in penombra; sull'altare c'è un caprettino
giovanissimo, bianco, su cui il sacerdote tiene la mano. Guarda Lica e gli fa un cenno
d'invito.
570.
Lica si avvicina all'altare. Accarezza lievemente il capretto; poi prende in mana la mazza per
colpirlo e abbatterlo...
571.
... Solleva la mazza, e sembra che voglia colpire il capretto: invece la dà in testa al
sacerdote,...
572.
... che crolla di schianto.
573.
Lica scatta in una risata da folIe, e baIza via; ride e saltella come un pazzo.
574.
Si è formato un corteo; tutti gli ospiti si avviano verso la stanza dove avverrà l'unione fra
Gitone e la Pannichina.
In testa, Trifena che porta in braccio la fanciulla. Dietro Gitone, serio, compreso della serietà
della situazione.
575.
Encolpio guarda Gitone che si allontana. Lica gli si avvicina, e con uno sguardo
improvvisamente umano, comprensivo , affettuoso, gli dice:
LICA: Sei geloso... Tu soffri, Encolpio...
Scena n. 29.
Nave di Lica. Camera da letto. Sottocoperta. Interno. Notte.
576.
Soli, nella stanza da letto...
577.
... (gli ospiti sbirciano da dietro la porta socchiusa; si sentono voci e risatine) , Gitone e la
Pannichina sono uno di fronte all'altra, e si guardano.
578.
Gitone ha un'aria indifferente, sorridente, disponibile. Prende Ie mani della bambina. La
bambina è sempre chiusa, scostante, triste.
Gitone dà un piccolo bacia sulla bucca della bambina...
579.
... Allora la bambina gli si avvinghia di scatto al collo, e con foga disperata lo copre di baci.
Scena n. 30.
Nave di Lica. Ambienti sottocoperta. Interno. Notte.
580.
Encolpio, irrequieto, tormentato dalla gelosia, percorre la nave, in un itinerario confuso,
disordinato.
581-585.
Salirà scalette, percorrerà corridoi, scenderà, salterà giú da una piattaforma all'altra,
attraverserà ambienti irriconoscibili: sarà un percorso casí caotico e strano che dovrà essere
impossibile capire l'esatta disposizione interna della nave...
586-588.
... Ogni tanto, sbirciando da un finestrino, o attraverso una porta semichiusa, vedrà delle
scene assurde e dei personaggi aberranti. E cioè:
583 A.
Uno scimmione incatenato.
584 A.
Un gruppo di vecchi arabi che dormono ammucchiati l'uno sull'altro.
585 A.
Un mostro, una specie di nano basso e storto come una rana, che si muove lentamente per
una stanza.
586 A.
Due ragazzine che si baciano furiosamente, davanti a un tipo di vecchio saggio che assiste
sorridendo.
587 A.
Una sacerdotessa che sta compiendo un misterioso rito davanti a un altarino; nella stanza
sta zampettando e chiocciando tranquillamente una gallina, che certo verrà sacrificata.
588 A.
Un negro gigantesco fa saltare sulle ginocchia una bambina bionda, che ride.
588 B.
Tre uccelli stranissimi, con becchi e piume inverosimili, si muovono lenti dentro una gabbia.
588. C.
In una stanza, c'è nel mezzo una statuetta d'oro di un dio; solo questa statuetta e basta.
588 D.
In un passaggio, c'è un ammasso mostruoso di catene e di corde.
Scena n. 31.
Nave di Lica. Tolda. Esterno. Notte.
589.
Encolpio, dopo il lungo girovagare, ha raggiunto il ponte, che è deserto. Si avvicina al
parapetto, e guarda il mare, Ie stelle.
590.
Accanto a lui, silenzioso come un fantasma, scivola Lica, che lo fissa con uno strano sorriso.
Poi Lica indica su nel cieIo:
LICA: Libra. Carro Maggiore. Betelgeuse. L'Ariete. Alfa del Centauro. E quella lassú,
luminosa, non ha nome. Le darò il tuo.
591.
Poi si fa piú vicino ad Encolpio, e gli parla con grande passione, a bassa voce, con ritmo
incalzante:
LICA: Il mio cuore afferma che tu vivi in lui. Quanto piú chiudo gli occhi tanto piú essi
vedono, perché vedono te...
592.
Encolpio, senza esprimere meraviglia per questa dichiarazione, cammina lentamente lungo
la murata. Lica lo segue, o lo precede.
LICA: Encolpio, la tua gelosia ti rende insensibile, lo so... Ma dimentica il fanciullo, come lui
ha dimenticato te: non fargli il meraviglioso dono del tuo dolore...
593.
Lica si ferma, si guarda intorno e pensierosamente dice:
Pra tutti i tesori che porto a Cesare, uno, il piú prezioso, non l'avrà. Di Encolpio farò il mio
sposo. Sí, ho deciso.
594.
Poi Lica si avvicina a Encolpio, e gli sussurra, prendendogli la mano:
Se stanotte abbiamo sposato la Pannichina a Gitone... damani ci saranno a bordo delle
nozze ben piú importanti... E cosí dicendo, sfila un semplice anello dalla mano di Encolpio e
se lo infila nell'anulare, sorridendo teneramente.
A questo punto, scoppiano improvvise, raccapriccianti urla di terrore.
595-596.
E si vede lo scimmione, che evidentemente ha rotto la catena, apparire suI ponte,
scorazzare qua e là; fermarsi poi, minaccioso, cupo: una massa d'ombra.
597.
Nessuno ha il coraggio di catturarlo. Senza pensarci un attimo, Lica si getta sullo
scimmione,...
598-600.
... lotta brevemente, dimostrando una forza tremenda, da pazzo;...
601.
... riesce a trafiggerlo con un pugnale.
602.
Poi, sudato, stravolto, si volta verso Encolpio, e scoppia a ridere di gioia.
L'ASSASSINIO DELL'IMPERATORE
(Prima versione)
Scena n. 32.
Mare aperto con nave di Cesare e barcone degli assalitori. Esterno. Giorno.
603.
Mattina presto suI mare, che scintilla, chiarissimo. Come una visione irreale, una navicella
tutta dorata, ornata, preziosa, svicola suIle acque.
604.
È la nave di Cesare; vi è a bordo, infatti, l'imperatore, che e giovanissimo, e con qualcosa di
malate, di malsano addosso...
605.
... È albino, ha i capelli bianchi cortissimi; gli occhi rossi semichiusi fra Ie palpebre ogni tanto
si accendono, poi si rispengono.
Sdraiato sotto una specie di baldacchino, guarda davanti a sé, immobile...
606.
... La navicella passa attraverso altissimi archi di rocce, sfiora grandi faraglioni.
607.
Presso l'imperatore, un po' chino, come se lo stesse confessando, siede un vecchio
precettore, dall'aria austera, ma un po' ottusa. Sta leggendo (non troppo ad alta voce) un
brano di Tacito:
PRECETTORE: “Roma da principio ebbe i re: da Lucio Bruto la libertà e il consolato. Le
dittature erano a tempo. La potestà dei Dieci non resse oltre due anni. Non Cinna, non Silla
signoreggiò lungamente...” .
608.
II precettore si ferma un momenta; è stanco, e guarda il mare. Ha l'asma...
609.
... I rematori conducono il vascello remando adagio, regolarmente, a testa bassa, non
avendo il coraggio di alzare lo sguardo su Cesare.
610.
II precettore riprende:
PRECETTORE: «La potenza di Pompeo e di Crasso tosto in Cesare, e I'armi di Lepido e
d'Antonio caddero in Augusto: il quale trovato ognuno stracco per Ie discordie civiIi... ».
Da dietro un faraglione, avanza un'ombra;
611.
... è l'ombra di una grande barca, di tipo militare, scura e di tavole spesse. Dietro I'ombra,
segue la barca, sulla quale sono ritti come soldatini di piombo molti soldati, di pelle un po'
scura, tutti fermi, impalati, seri.
612.
Cesare non guarda nemmeno il barcone, che ritiene uma nave di scorta. II precettore si è
fermato di nuovo, e si asciuga il sudore, come esausto.
613.
II barcone si avvicina lento alIa navicella dell'imperatore. Quando è abbastanza vicino, un
ufficiale, piccolo e feroce come una belva,...
614.
... salta nella navicella urlando:
UFFICIALE: Vae tyrannis!
615-617.
Altri soldati lo imitano, invadono la navicella come pirati, e massacrano i rematori, il
precettore e gli altri.
618-624.
Cesare, squittendo, strillando, si difende con una spada elegante e sottile; ma finisce in
acqua. Emerge di nuovo, e i congiurati lo ammazzano a colpi di remo, Ie acque si tingono di
rosso. Cesare affonda.
625.
I congiurati sono rimasti padroni dell a situazione; ed hanno l'aria soddisfatta, ma incerta,
smarrita. Sembra che adesso che hanno ammazzato l'imperatore, non sappiano piú che
fare...
626.
... II barcone sbanda.
Scena n. 33.
Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno.
627.
Preparativi per Ie nozze di Lica e Encolpio. Il ponte è pieno di animazione, di ancelle che
accorrono, di ospiti che guardano, commentano, recando doni.
628-629.
Circondato da specchi e da ancelle che tengono fra Ie braccia i vestiti da indossare, o che
porgono i pettini o gli ornamenti, Lica si sta facendo vestire da sposa. È Trifena in persona
che lo sta vestendo.
630.
Lica ha un'aria quasi estatica, un'intensità quasi religiosa. Si sente importantissimo, solenne.
Anche Trifena è molto seria, dignitosa.
631.
Trifena gli dipinge Ie labbra, gli trucca violentemente gli occhi, gli infila un'alta parrucca
bionda, tutta a riccioli. Prende un pettine da un'ancella, sistema i riccioli sulla parrucca.
632.
Ascilto ed Encolpio, appoggiati al parapetto, vicini, guardano con un sorriso amaro.
633.
Trifena, sempre compunta, continua a vestire Lica. È la volta del mantello color zafferano,
dei sandali della stessa tinta,...
634
... poi del flammeum: un vela violentemente arancione, quasi fiamma, che nasconde la parte
superiore del viso.
635.
Lica si avvia trasognato, in preda all'estasi. Trifena resta ferma, non partecipa al corteo; lo
guarda allontanarsi.
Lica si avvia seguito dalle ancelle e da altre donne. Si dirige verso...
636.
... un piccolo gruppo, fermo nel mezzo del ponte, costituito dal celebrante e dai testimonio.
637.
Due servi negri, alti e robusti, si dirigono verso Encolpio e, con un inchino, lo invitano a
seguirli per entrare nel carteo. Dietro l'apparenza servile del gesto, c'è una specie di
contenuta minaccia, come a dire: ubbidisci e non fare storie.
638.
Encolpio si avvia al corteo; si volta e fa un sorriso ad Ascilto, il quale scoppia a ridere d'un
riso di scherno.
639.
Ascilto prende una manciata di noci da un piatto, e una dietro l'altra ne scaglia tre o quattro
nella schiena di Encolpio, come fossero sassi. Encolpio non può impedirsi di ridacchiare
anche lui.
640.
Lica ed Encolpio sono fermi, davanti al celebrante, che è un bel giovanotto, allegro e
intelligente, dall'aria di marinaio. Dietro di lui, c'è il gruppo dei testimoni, zitti e compunti: una
decina.
641-642.
II celebrante parla con voce forte e chiara:
CELEBRANTE: Ho esaminato i risultati del sacrificio; gli auspici sono favorevoli, gli Dei
approvano questo matrimonio. Avvicinati, nuova sposa, e prendi per mano il tuo sposo, e
sappi che sempre unita a lui, devota, ubbidiente dovrai essere...
E tu, uomo, se, come dicono, hai avuto il gusto per i ragazzi, devi astenertene: è un piacere
illecito per un marito: tutto alla tua donna dovrai dedicarti... Siate allegri, felici sempre, e di
buon accordo: Ie nozze suI mare sono predilette da Venere. Dite la formula, ve ne prego.
643.
Lica, rapito, assente, felice, guarda Encolpio e mormora:
LICA: Ubi tu Gaius, ego Gaia.
Una vecchia serva, che aveva assistito dal fondo alIa cerimonia, grida:
VECCHIA: Feliciter! (pron.: Felíchiter).
644.
Improvvisamente, ci accorgiamo che un gruppo di soldati è balzato suI ponte (gli stessi
congiurati che hanno ammazzato Cesare), e ora camminano minacciosi e cupi verso i
passeggeri.
645.
L'ufficiale si trova accanto Gitone: lo guarda un attimo, lo prende per un braccio, e lo
consegna ai soldati:
UFFICIALE: Questo viene con noi.
646.
Lica, disturbato nel mezzo del suo gogno, lancia un grido rabbioso:
LICA: Ma che succede?
UFFICIALE: Succede che questa nave non è piú tua, Lica! Cesare è morto: it nuovo Cesare
è in arrivo. Il tuo imperatore l'abbiamo affogato come un maiale.
647-649.
Lica ha una reazione immediata: toglie la spada a un suo vicino, e si scaglia contra l'ufficiale
tentando di colpirlo. Ma l'ufficiale con un rapido colpo di spada gli mozza la testa.
650.
Il corpo di Lica, senza testa, resta per un attimo ancora dritto.
651-652.
La testa di Lica affonda nel mare, con un'espressione di incredulità, di dolore suI volto.
NAVE DI LICA MORTE DI CESARE (Versione definitiva)
Litorale. Esterno. Giorno.
Sulla spiaggia, Encolpio, sdraiato, si risveglia; apre gli occhi, si solleva su un braccio, si
guarda intorno smarrito. E vede...
... contro il cielo, i volti di Gitonc e Ascilto che lo guardano seri, quasi tristi.
Ancora trasognato , Encolpio parla a Gitone, muovendo appena Ie labbra: come se si
trattasse di pensieri piú che di parole.
ENCOLPIO: Sei sempre davanti ai miei occhi, Gitone. Indegna debolezza... Ti amo ancora,
benché mi abbandonasti. Nel mio petto, ferito crudelmente, cerco invano la cicatrice. E tu
non parli? Mi hai lasciato per un altro amore... Meritavo forse questo oltraggio?
Gitone sospira come oppresso dalla tristezza. Ascilto ha gli occhi umidi di lacrime.
Ma una mano rude afferra Encolpio, lo costringe ad alzarsi. E solo adesso ci rendiamo conto
della realtà circostante.
Ascilto e Gitone sono avvinti da catene ai polsi e aIle caviglie. Piú in là, altri gruppi di ragazzi,
anch'essi incatenati, vengono fatti salire su piccole barche nere, spinte suI mare.
Mani dure, con mosse precise, avvolgono di catene i polsi e Ie caviglie di Encolpio.
Encolpio, sbalordito, atterrito, è trascinato verso una piccola barca, dove già sono alcuni altri
ragazzi incatenati. Vede...
... la barchetta con dentro Gitone, Ascilto e qualcun altro, avviarsi suI mare.
Anche la barca di Encolpio è spinta suI mare. Egli si guarda intorno. Davanti a sé, davanti a
tutte Ie barche, c'è una barchetta piccola, dorata, nella quale s'intravede, come una visione
irreale, Trifena, immobile, eretta, con la sua smagliante acconciatura.
Tutte Ie barche convergono verso la enorme nave di Lica, immobile, nera, come un insetto
mostruoso.
Nave di Lica. Giorno.
SuI ponte della nave, i gruppi di ragazzi prigionieri vengono spinti giú, dentro una specie di
botola che immette nell'interno. Intanto, Encolpio, che è anche lui trascinata giú, comincia a
narrare fuori campo.
ENCOLPIO (F.C.): M'informarono, i miei compagni di sventura, che eravamo ahimé
prigionieri del terribile Lica di Taranto. Egli e la sua campagna Trifena, battevano i mari in
cerca di cose preziose che rallietassero la vita solitaria di Cesare nella sua isola. Noi tutti, a
guisa di oggetti, eravamo cosí destinati a fornire da passatempi per l'imperatore crudele.
Eccomi quindi nuovamente in disgrazia, e, seppur vicino, ancora diviso dal mio amatissimo
fratellino...
La stiva della nave: è una vastissima caverna con Ie pareti circolari, come un enorme
dirigibile di legno; angusta e buia. Qui si ammassa una folla spaventosa di giovinetti,
seminudi, l'uno sull'altro, piangenti o inebetiti o assurdamente ridenti. I corpi, viscidi per il
sudore, Ii fanno somigliare a pesci guizzanti presi in una gigantesca retata. Qualcuno ha
ancora Ie catene, ma la maggior parte ne è stata liberata.
L'ambiente è pieno di fessure, crepe da cui entra un po'di luce, in raggi polverosi; ma vi sono
anche piccoIe finestre quadrate, e finestrelle minuscole , rettangolari, come spioncini da cui
si possa guardar dentro dall'esterno.
Occhi bistrati di uomini e donne (i padroni e gli ospiti della nave) appaiono agli spioncini, e
scrutano la massa dei ragazzi, con espressione avida, o curiosa, o stupita o feroce.
Dalle altre fessure o finestrelle, si scorgono rapide immagini della vita esterna della nave.
Un marinaio tozzo, barbuto, che stringe fra Ie braccia un gran polipo appena pescato, il
quale lo ha avvinto coi tentacoli: il marinaio stringe Ie braccia fino a soffocare il polipo, e
intanto gli dà dei morsi per ucciderlo.
Un albatro ucciso a colpi di bastone, che si trascina svolazzando, tutto insanguinato.
Poi, ogni tanto, si apre un grande sportello, che svela una prospettiva lontana: immagini viste
come col canocchiale rovesciato, e che mostrano:
Trifena che si sdraia nuda su un pagliericcio, mentre il gigante Ie si avvicina e la stringe
avidamente; suI piú bello, con gran fracasso, lo sportellone viene richiuso.
Lica, seduto su una specie di trono come Giove; due o tre bambine gli si arrampicano sopra
baciandolo furiosamente; Lica spalanca Ie gambe, e anche qui la visione s'interrompe.
Una donna altissima, tutta pelosa, che stringe fra Ie braccia una ragazza sedicenne, e la
accarezza lascivamente.
Un negro gigantesco balla freneticamente insieme a un essere bianchissimo, che non si
capisce se sia uomo o donna.
Trifena taglia con un colpo netto il collo di una gallina, e ne fa sgocciolare il gangue suI
sedere nudo di una ragazza.
Un cane feroce, legato a una catena, abbaia furiosamente, avidamente, tentando di
aggredire due donne che si abbracciano e si rotolano in terra proprio a pochi centimetri dal
suo muso.
Passa un corteo di persone in atteggiamenti religiosi, da processione, che portano in trionfo
come un idolo una bambina nuda, con un serto di foglie in testa, tenuta in braccio dal
gigante.
Una grande statua di legno, di un Dio sorridente, dal fallo eretto, su cui Trifena si arrampica,
si strofina, mentre altre persone battono Ie mani ritmicamente, cantando un canto monotono.
Tre persone (uomini? donne?) disposte a triangolo, tentano di raggiungersi, di congiungersi,
mentre su di loro un vecchio con la barba bianca pronuncia solenni parole rituali.
Un nano e una donna enorme si battono a colpi di bastone; la donna incalza l'uomo finché
escono di campo.
Trifena è dentro una tinozza d'acqua bollente, da cui escono fumi di vapori; una donna
sorridente porta un gran cesto con dentro due bambini, che rovescia dentro la tinozza.
A ognuna di queste visioni rapide, troncate dallo sportello che si chiude, i prigionieri, curiosi,
avidi, lanciano grida e risate; protendono Ie braccia.
Alcuni si abbracciano, si accarezzano teneramente fra loro. Si consolano per Ie voluttà che
intravedono e da cui sono esclusi.
Le “rapide immagini della vita esterna della nave” sono state soppresse, ad eccezione del
bagno di Trifena nella tinozza. È stata invece aggiunta la scena di Lica che, appassionato
com' è della lotta greco-romana, sfida Encolpio e lo sconfigge, ma durante il duello
s'innamora di lui.
Gitone, malinconico, in disparte, canta una canzone.
CANZONE DI GITONE.
Encolpio è lontano; striscia lentamente verso di lui, commosso dalla canzone che è
struggente, disperata, ma si trova davanti, come ostacoli...
... altri ragazzi che ridono, parlano, canzonano; e Ascilto, che tenta di fermarlo, prendendolo
per Ie mani, come un innamorato, e gli sorride tentatore, lascivo, cinico.
Ascilto avvicina il suo viso a quello di Encolpio e bisbiglia:
ASCILTO: Senti? Lo senti? ParIa di te...
Encolpio tende l'orecchio, e sente...
LA VOCE DI LICA F.C. che declama dei versi in greco, con una cantilena musicale, quasi
una canzone.
Encolpio resta pensieroso ad ascoltare.
VOCE DI ENCOLPIO (F. C.): Nella distretta della prigionia, mi capitò la triste fortuna di des
tare la passione del nostro padrone Lica: it quale, avendomi notato fra mezzo agli altri, s'era
incapricciato di me, e aveva pertanto stabilito di eleggermi a suo sposo.
Di quest'ultima parte si è conservata solo la canzone di Gitone.
Scena n. 33.
Nave di Lica. Tolda. Esterno. Giorno.
627.
Preparativi per Ie nozze di Lica e Encolpio. II ponte è pieno di animazione, di ancelle che
accorrano, di ospiti che guardano, commentano, recano doni.
628-629.
Circondato da specchi e da ancelle che tengono fra Ie braccia i vestiti da indossare, o che
porgono i pettini o gli ornamenti, Lica si sta facendo vestire da sposa.
É Trifena in persona che lo sta vestendo.
630.
Lica ha un'aria quasi estatica, un'intensità quasi religiosa. Si sente importantissimo, solenne.
Anche Trifena è molto seria, dignitosa.
631.
Trifena gli dipinge Ie labbra, gli trucca violentemente gli occhi, gli infila un'alta parrucca
bionda, tutta a riccioli. Prende un pettine da un'ancella, sistema i riccioli sulla parrucca.
632.
Ascilto e Encolpio, appoggiati al parapetto, vicini, guardano con un sorriso amaro.
633.
Trifena, sempre compunta, continua a vestire Lica. È la volta del mantello color zafferano,
dei sandali della stessa tinta,...
634.
... poi del «flammeum»: un velo violentemente arancione, quasi fiamma, che nasconde la
parte superiore del viso.
635.
Lica si avvia trasognato, in preda all'estasi. Trifena resta ferma, non partecipa al carteo; lo
guarda allontanarsi.
Lica si avvia seguito dalle ancelle e da altre donne. Si dirige verso...
636.
... un piccolo gruppo, fermo nel mezzo del ponte, costituito dal celebrante e dai testimoni.
637.
Due servi negri, alti e robusti, si dirigono verso Encolpia, e con un inchino, lo invitano a
seguirli per entrare nel carteo. Dietro l'apparenza servile del gesto, c'è una specie di
contenuta minaccia, come a dire: ubbidisci e non fare storie.
638.
Encolpio si avvia al corteo; si volta e fa un sorriso ad Asdlto, il quale scoppia a ridere d'un
riso di schemo.
639.
Ascilto prende una manciata di noci da un piatto, e una dietro l'altra ne scaglia tre o quattro
nella schiena di Encolpio, come fossero sassi. Encolpio non può impedirsi di ridacchiare
anche lui.
640.
Lica ed Encolpio sono fermi, davanti al celebrante, che è Trifena in abiti da Sacerdotessa.
641-642.
Trifena parla con voce forte e chiara:
TRIFENA: Ho esaminato i risultati del sacrificio; gli auspici sono favorevoli, gli Dei approvano
questo matrimonio. Avvicinati, nuova sposa, e prendi per mano il tuo sposo, e sappi che
sempre unita a lui, devota, ubbidiente dovrai essere...
E tu, uomo, se, come dicono, hai avuto il gusto per i ragazzi, devi astenertene; è un piacere
illecito per un marito; tutto alla tua donna dovrai dedicarti... Siate allegri, felici sempre, e di
buon accordo: le nozze sui mare sono predilette da Venere. Dite la formula, ve ne prego.
643.
Lica, rapito, assente, felice, guarda Encolpio e mormora:
LICA: Ibi tu Gaius, ego Gaia.
Una vecchia serva, che aveva assistito dal fondo alla cerimonia, grida:
VECCHIA: Feiliciter! (pron.: Felíchiter).
644.
Lica si volta sorridendo verso Encolpio e sussurra:
LICA: Di tutti i tesori che porto a Cesare, uno, il piú prezioso, non l'avrà.
E i due si avviano, tenendosi per mano, con la solennità e la calma dei veri sposi.
Anche Encolpio non ha piú voglia di scherzare; è come turbato anche lui dall'incredibile
cerimonia.
Ascilto lo guarda, torvo, senza piú ridere nemmeno lui.
Solo Gitone, in un angola, fa un piccolo riso di schema.
Mentre gli sposi si avviano giú sottocoperta, riprende la narrazione di Encolpio.
ENCOLPIO (F.C.): Queste nozze da burla m'avevano procurato il favore e l'affrancamento: e
non solo per me, ma bensí per Gitone e l'immeritevole Ascilto, i quali ora scorrazzavano
liberamente e si davano alle piú sconce mattane.
Nave di Lica. Ambienti diversi.
Una cabina piuttosto piccola, quadrata, illuminata da un lume che penzola seguendo il moto
della nave. Questa cabina è tutta piena di alghe, come certe celIe dei manicomi. Alghe stege
suI pavimento a fare da letto, alghe appese, grondanti; festoni di alghe dappertutto.
SuI tappeto di alghe, Ascilto è disteso, nudo; ridendo si avvolge dl alghe, si sporca tutto; è
viscido di melma verdastra. A questo punto prende per una mano Trifena, che è in piedi e lo
guarda con ribrezzo e piacere, e la tira giú, la fa coricare accanto a sé; la ama sporcandola
di alghe.
Gitone e un giovane marinaio sono seduti accanto, suI ponte; accoccolati davanti a un largo
piatto di legno, pieno di pesci cotti in una salsa scura; mangiano insieme nello stesso piatto
come cagnolini. Gitone prende un pesce, gli dà un morso, poi lo porge all'altro che lo morde
a sua volta, e viceversa. Ogni tanto si danno rapidi baci.
Altro ambiente: un vecchio con un olio speciale sta ungendo lentamente tutto il corpo di
Gitone, il quale intanto accarezza la testa del vecchio come fosse un cane.
Poi un uomo alto e robusto prende fra Ie braccia Gitone, lo solleva come la statua d'un
santo, e lo porta via, con l'aria solenne, fissa, ieratica d'un sacerdote. Lo conduce a...
... una bambina, vestita con grande sfarzo, scintillante di gemme, la quale lo aspetta, con
aria cattiva, occhi crudeli. Ha in mano una lunga spilla d'oro.
Sono stati soppressi: la ripresa della narrazione di Encolpio e gli «ambienti diversi» della
nave di Lica, sostituiti dalla scena di Lica che canta per Encolpio e da quella della pesca
della balena.
Intanto:
ENCOLPIO (F.C.): Ma il nostro periodo di fortuna finí ben presto; si approssimava infatti quel
giorno fatale delle calende di giugno.
Scena n. 32.
Mare aperto con nave di Cesare e barcone assalitori.
Esterno. Giorno.
603.
Mattina presto suI mare, che scintilla, chiarissimo. Come una visione irreale, una navicella
tutta dorata, ornata, preziosa, scivola sulle acque.
604.
È la nave di Cesare; vi è a bordo infatti l'imperatore, che è giovanissimo, e con qualcosa di
malato, di malsano addosso...
605.
... È albino, ha i capelli bianchi cortissimi; gli occhi rossi semichiusi fra Ie palpebre ogni tanto
si accendono, poi si rispengono.
Sdraiato sotto una specie di baldacchino, guarda davanti a sé, immobile...
606.
... La navicella passa attraverso altissimi archi di rocce, sfiora grandi faraglioni.
607.
Presso l'imperatore, un po' chino, come se lo stesse confessando, siede un vecchio
precettore, dall'aria austera, ma un po' ottusa. Sta leggendo (non troppo ad alta voce) un
brano di Tacito:
PRECETTORE: “Roma da principio ebbe ire: da Lucio Bruto la libertà e il consolato. Le
dittature erano a tempo. La potestà dei Dieci non resse oltre due anni. Non Cinna, non Silla
signoreggiò lungamente...”.
608.
II precettore si ferma un momento; è stanco, e guarda il mare. Ha l'asma...
609.
... I rematori conducono il vascello remando adagio, regolarmente, a testa bassa, non
avendo il coraggio di alzare lo sguardo su Cesare.
610.
II precettore riprende:
PRECETTORE: “La potenza di Pompeo e di Crasso tosto in Cesare, e l'armi di Lepido e
d'Antonio caddero in Augusto: il quale trovato ognuno stracco per Ie discordie civili...”.
Da dietro un faraglione, avanza un'ombra;...
Sono state soppresse Ie battute del precettore.
611.
... è l'ombra di una grande barca, di tipo militare, scura e di tavole spesse. Dietro l'ombra ,
segue la barca, sulla quare sono ritti come soldatini di piombo molti soldati, di pelle un po'
scura, tutti fermi, impalati, seri.
612.
Cesare non guarda nemmeno il barcone, che ritiene una nave di scorta. II precettore si è
fermato di nuovo, e si asciuga il sudore, come esausto.
613.
II barcone si avvicina lento alIa navicella dell'imperatore. Quando è abbastanza vicino, un
ufficiale, piccolo e feroce come una belva,...
614,
... salta nella navicella urlando:
UFFICIALE: Vae tyrannis!
615-617.
Altri soldati lo imitano, invadono la navicella come pirati, e massacrano i rematori, il
precettore e gli altri.
618-624.
Cesare, squittendo, strillando, si difende con una spada elegante e sottile; ma finisce in
acqua. Emerge di nuovo, e i congiurati lo ammazzano a colpi di remo, Ie acque si tingono di
rosso. Cesare affonda.
625.
I congiurati sono rimasti padroni della situazione; ed hanno l'aria soddisfatta, ma incerta,
smarrita. Sembra che adesso che hanno ammazzato l'imperatore, non sappiano piú che
fare...
626.
... Il barcone sbanda.
Nave di Lica. Totda. Esterno. Giorno.
Rapidi, arrampicandosi agilmente a bordo, e lanciando grida di minaccia, una ventina di
soldati balzano suI ponte (gli stessi congiurati che hanno ammazzato Cesare), e ora
camminano con Ie armi in mano verso i passeggeri.
645.
L'ufficiale si trova accanto Gitone: lo guarda un attimo, lo prende per un braccio, e lo
consegna ai soldati:
UFFICIALE: Questo viene con noi.
646.
Lica, in vesti maschili, accorre e lancia un grido rabbioso:
LICA: Ma che succede?
UFFICIALE: Questa nave non è piú tua, Lica! Cesare è morto: il nuovo Cesare è in arrivo. Il
tuo imperatore l'abbiamo affogato come un maiale.
647-649.
Lica ha una reazione immediata: toglie la spada a un suo vicino, e si scaglia contra l'ufficiale
tentando di colpirlo. Ma l'ufficiale eon un rapido colpo di spada gli mozza la testa..
650.
Il corpo di Lica, senza testa, resta per un attimo ancora dritto.
651-652.
La testa di Lica affonda nel mare, con un'espressione di ineredulità, di dolore suI volta.
Alla Morte di Lica it film fa seguire il carteo del nuovo lmperatore (scena 43).
LA VILLA DEI SUICIDl
Scena n. 34.
Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Giorno.
653.
Un ampio giardino di alti pini e di cipressi circonda una bella villa dalle linee pure, classiche.
L'ambiente è ricco e curato, ma qua e là ci sono macchie di siepi scure, selvagge; un albero
è spaccato, squarciato dal fulmine.
654.
Dalla bocca d'un fauno di pietra, enorme, scende in una vasca un filo d'acqua, sgocciolante,
scarso, accompagnato da un gorgoglio roco.
655
In un angola del giardino, alcuni bambini giocano, sorvegliati dalle nutrici e da vecchi servi.
656.
Un maschietto sui dodici anni, dall'aria triste e pensierosa, fa carrere un cerchio d'argento a
cui sono legati dei campanellini, che fanno un dindolio leggero nella corsa.
657.
Una bambina sui quattro anni, tutta infiocchettata, con una gran fronte pesante, gioca con un
carrettino di rame a cui è aggiogato un cagnolino bianco. Anche la bambina ha una
espressione seria e come assente.
658.
Un altro bambino, di circa nove anni, lancia un aquilone a forma di uccello, molto colorato. È
un maschietto dall'aspetto vivace, ma è come spaventato, nervoso; si morde Ie labbra e
guizza interno rapide occhiate.
659.
Un carro è fermo suI retro della villa: un gran carro coperto da un tendone. Alcuni schiavi,
scambiandosi poche frasi veloci, lo stanno caricando di casse, cestoni e piccoli mobili
preziosi.
660.
Accanto, un altro cocchio è fermo; una specie di calessino per i viaggiatori, con due cavalli
riccamente bardati.
661.
Fra i rami degli alberi, cantano gli uccelli. Tra i cespugli e i fiori, passeggiano solennemente
alcuni pavoni.
662.
Sulla facciata della villa c'è una meridiana, con scritto sopra il motto SICUT UMBRA DIES
NOSTRI.
Scena n. 35.
Villa dei suicidi. Grande sala. Interno. Giorno.
663.
Una grande e bella sala della villa, solenne come una chiesa. SuI fondo c'è un'ara per gli dèi
familiari, davanti alla quale il padrone e la padrona della villa stanno officiando un semplice
rito.
664.
Lui è un uomo sui trentacinque anni; un ex ufficiale dal volto nobile e vivo; ha una piccola
barba a punta. Lei è una donna dolce e sottomessa.
665.
La sala è piena di schiavi e servi, di varie età e razze, che stanno in piedi, silenziosi, come
se assistessero alla messa. Hanno tutti la stessa espressione seria e triste.
666.
Lui sparge sale e farro sull'altare; terminato il rito si rivolge agli schiavi, e parla con voce
forte, quasi allegra:
IL PADRONE DELLA VILLA: Vi sciolgo dai vincoli; siete liberi.
Domani arriverà il biglietto di confisca.
II padrone fa un piccolo sorriso e conclude:
Ma noi non ci saremo.
667.
Prende per mano la moglie e si avvia fuori del salone.
Scena n. 36.
Villa dei suicidi. Camera dei bambini. Interno. Giorno.
668.
La camera dei bambini è molto vasta, e piuttosto squallida, a causa dei pochissimi mobili che
ci sono. Qua e là sono sparsi dei giocattoli: alcune bambole d'argilla, con Ie membra
articolate; dei cavalli di terracotta, ecc.
669.
II padrone della villa e la moglie salutano i loro tre figli (quelli che abbiamo vista giocare
prima in giardino). Il padre Ii tocca: tocca i bambini sulla testa, suIle braccia, suIle spalle,
come per trattenere il ricordo nelle dita.
670.
II bambino di nove anni abbraccia strettamente la madre; è il piú sensibile e turbato.
Scena n. 37.
Villa dei suicidi. Bosco. Esterno. Giorno.
671.
I carri, carichi di cestoni e casse, attraversano il bosco che circonda la villa, e si
allontanano...
672.
... Anche gli schiavi partono, chi a piedi, chi a cavallo. Ma non sarà un'immagine di esodo, di
fuga: saranno brevi scene spezzate, che tolgano ogni grandiosità.
673.
Un tendone di carro che sbandiera nel vento...
674.
Un cane che abbaia rabbioso al passaggio dei cavalli...
675.
La bambina nel calesse che mangia una piccola focaccia...
676.
Uno schiavo che trascina un asino riluttante...
677.
Le ruote di legno, a raggi scolpiti, che girano lentamente...
SU QUESTO, FUORI CAMPO, UNA VOCE FEMMINILE - la voce della padrona di casa recita, con lieve cantilena:
VOCE FEMMINILE (F.C.): Animula vagula blandula, hostes comesque corporis...
Scena n. 38.
Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Giorno.
678.
Fuori della villa, nel giardino, sotto gli alberi, il padrone è sdraiato su un divano di marmo,
coperto da cuscini. Accanto a lui, quasi inginocchiata, rannicchiata, la moglie sta leggendo
su una tavoletta la poesia di Adriano che abbiamo udito FUORI CAMPO.
La lettura della poesia di Adriano è stata posticipata; avverrà dopa la morte del marito (695).
679.
L'uomo ride fra sé. Ha in mano un pugnaletto d'argento; con gesto deciso, quasi
soddisfatto,...
680.
... affonda la lama nelle vene di un polso...
681.
... II gangue sgorga.
682.
La donna ha smesso di leggere la poesia, e china la testa.
683.
L'uomo ha reciso Ie vene anche dell'altro polso. II sorriso arguto gli è rimasto suI volto come
una cosa dimenticata.
684.
La donna è sempre immobile, a testa china.
685.
L'uomo gira intorno lentamente lo sguardo; guarda gli alberi, pieni di uccelli cinguettanti (fra i
rami è rimasto impigliato l'aquilone del bambino), poi guarda la moglie, con tenerezza
contenuta; la fissa a lungo.
IL PADRONE DELLA VILLA: Sei pallida, stanca. Dammi quel vino... Bevi anche tu.
686.
La donna porge all'uomo una tazza di vine; un'altra la tiene per sé, vi accosta Ie labbra, ma
non beve.
L'uomo invece beve d'un fiato, come se fosse una medicina; poi fissa la donna con serietà,
con intenzione, e Ie dice a bassa voce:
IL PADRONE DELLA VILLA: Non farlo. So che lo farai lo stesso, ma ti prego; non farlo.
687.
II sole scende; di colpo il giardino si empie d'ombra, e gli uccelli tacciono.
688.
L'uomo guarda il cielo, poi dice:
IL PADRONE DELLA VILLA: Le stagioni non sono piú quelle di una volta.
689.
Una pausa. Nel giardino camminano tranquilli alcuni pavoni.
690.
La donna è nella solita posizione, curva, a capo basso. L'uomo parla:
IL PADRONE DELLA VILLA: In Africa ho visto delle montagne bianche di neve in mezzo al
deserto. Una volta è entrato un leone nell'accampamento. Fiutò come un cane, poi se ne
andò.
L'uomo fa una breve risata. Tiene Ie braccia scostate dal corpo;...
691.
... il sangue continua a scorrere, bagna la terra.
692.
IL PADRONE DELLA VILLA: Rompila.
L'uomo indica una enorme clessidra posta su una colonnina. ..
693-694.
... La donna spinge giú con un certo sforzo la clessidra: che cade in terra, e si spacca con
fragore, spargendo la sabbia.
695.
L'uomo sorride ancora, ma è un sorriso stanco. Respira forte per rianimarsi. L'aria si fa
sempre piú buia.
Dopo la morte del marito, la moglie dice i versi di Adriano: «Animula vagula blandula, hostes comesque corporis... ».
Scena n. 39.
Villa dei suicidi. Giardino. Esterno. Notte.
696.
La notte è rischiarata da una luna grande e bianchissima. Nel bosco che circonda la villa,...
697.
... avanzano due ombre, leggere, veloci, quasi saltellanti.
698.
Encolpio e Ascilto camminano fra gli alberi, guardandosi attorno, con occhiate curiose e
rapaci. Ascilto ha un grosso bastone a cui si appoggia, Encolpio porta un sacco suIle spalle.
Sono sudati e stanchi.
699.
Encolpio all'improvviso sobbalza per la paura: si è trovato davanti una lastra di marmo,
incastrata in un muro di cinta, dove c'è il disegno di un cane nero ringhiante e la scritta CAVE
CANEM.
700.
Ascilto ride a gola spiegata della paura dell'amico, e grida:
ASCILTO: Un cane dipinto!
Poi smette di ridere, appoggia la mano suI braccio di Encolpio e gli dice seriamente:
Encolpio, non temere le ombre.
701.
E spicca una corsa allegra verso l'interno della villa.
702.
Encolpio lo segue.
Sono state sappresse le inquadrature 699, 700, 701 e inizio 702.
Ma Ascilto si è fermato inorridito. Ha visto nel giardino...
703.
... il padrone della villa, suI divano, morto. E ai suoi piedi, sdraiata in terra, in atteggiamento
contorto, quasi ridicolo, c'è la moglie, morta anch'essa; si è tagliata la gola con il pugnaletto
d'argento.
704.
II volto di Ascilto si contrae in una smorfia di paura piagnucolosa; si volta verso Encolpio, che
l'ha raggiunto, e gli si rifugia fra Ie braccia, come un bambino spaventato
705.
Encolpio stringe Ascilto fra Ie braccia, per incoraggiarlo e per darsi coraggio.
706.
Timorosi, lentamente, i due si dirigono verso l'interno della villa; si guardano interno, varcano
la soglia sempre abbracciati.
Scena n. 40.
Villa dei suicidi. Atrio. Interna. Notte.
707.
Nell'atrio della villa ci sono alcune decine di maschere mortuarie degli antenati dei padroni.
Le piú importanti sono state applicate a dei busti di marmo o di bronzo; altre hanno
conservato intatto l'aspetto di volti funebri e sono appese ai muri.
708.
Encolpio e Ascilto Ie guardano, e sorridono alla vista di tutte quelle maschere macabre, dagli
occhi chiusi; sono stranamente divertiti.
ENCOLPIO: Gli antenati dei padroni... Ercole, quanti guardiani!
Ascilto avvicina la faccia aIle maschere , e fa il buffone: ne imita Ie espressioni...
709.
... Imita il cipiglio di un militare, o la stanchezza estenuata d‟uma matrona.
710.
Encolpio ride fino aIle lacrime.
711-712.
Ascilto smette Ie smorfie; stacca una maschera dal muro, se la mette davanti alIa faccia
come se fosse una maschera teatrale, e comincia a recitare dei versi greci, di Eschilo o di
Sofocle.
ASCILTO: (RECITA IN GRECO).
713.
Encolpio ha smesso di ridere; smette anche di badare ad Ascilto, e si aggira per la villa, con
un lume acceso in mano.
714-716.
La luce della lampada di Encolpio, insieme a quella della luna che entra dalle finestre,
rischiara qua e là Ie vastissime stanze vuote.
717-719.
Fa intravedere una statua, un altare, un tavolo, delle armi, Ie eleganti figure di un affresco.
720-721.
Ascilto ed Encolpio, ciascuno con un lume in mano, percorrono gli stanzoni, camminando in
varie direzioni. Ogni tanto si scambiano qualche richiamo o qualche informazione.
722.
Ascilto scopre nella cucina (glielo fa apparire la luce della sua lampada) un mezzo vitello
sotto sale. Ascilto raspa via con la mano lo strato di sale grosso, affamato; Encolpio gli è
subito vicino con un coltello in mano, e i due tagliano grosse fette di quel vitello:...
723.
... la carne ha l'aspetto del prosciutto. Se la ficcano in bocca avidamente, mugolando per la
soddisfazione...
724.
... Ingollano anche qualche tazza di vino. All'improvviso smettono di masticare. Hanno sentito
una voce lontana. Come un singhiozzo prolungato, un lamento...
725.
... I due restano immobili, tesi, spaventati.
Per la paura, ad Ascilto scappa una scorreggia.
726.
Subito dopo scoppiano a ridere; Encolpio insulta Ascilto:
ENCOLPIO: Finocchiaccio! Otre spaccato!
Encolpio ridiventa serio, e si avvia col lume in mano mormorando:
Giú... Nel dormitorio degli schiavi...
Sono state soppresse la seconda parte della 725 e la 726.
727.
Si avviano nella direzione dei lamenti, che ogni tanto si sentono di nuovo.
Scena n. 4I.
Villa dei suicidi. Dormitorio sotterraneo. Interno. Notte.
728.
Un lungo corridoio, umido, sotterraneo, sul quale si aprono molte stanzette, quasi delle celIe.
Ogni stanzetta ha invece della porta un cancelletto di legno. I cancelletti sono tutti aperti.
Sembra una stalla da cui sia fuggito il bestiame.
729.
Encolpio e Ascilto avanzano nel corridoio, e si fermano davanti a una delle stanzette.
730.
Nella stanzetta, senza finestre, arredata con qualche pagliericcio, c'è una ragazza
giovanissima; una schiavetta orientale, vestita d'una modestissima tunica. Sta piagnucolando
e lamentandosi. Ma appena vede i due giovani,...
731.
... si alza e viene verso di loro senza timore.
Con strani gesti, che vogliono accennare a chissa che cosa, e indicare chissà dove, la
schiavetta comincia un discorso in una lingua orientale, naturalmente incomprensibile.
732.
Encolpio e Ascilto non l'ascoltano, ma la esaminano. Ascilto soprattutto la guarda come se
fosse un oggetto, una bestia. Per meglio esaminarla, Ie strappa di dosso la tunica...
733.
... La ragazza scappa via seminuda, come un gatto. I due la inseguono di corsa.
Scena n. 42.
Villa dei suicidi. Interno. Notte.
734.
Negli stanzoni della villa, comincia un inseguimento dei due che tentano di afferrare la
schiavetta. È un lungo andirivieni incalzante, un vasto itinerario illuminato malamente da
alcune lampade poste qua e là.
735-737.
Si sente lo scalpiccio dei piedi in corsa, l'ansimare, e ogni tanto, piccoli scoppi di risa della
schiavetta.
738.
Alla fine, Encolpio si trova fra Ie braccia la ragazza, e subito la stringe violentemente. Ascilto
lancia un grido di gioia.
739.
Encolpio serra stretta la schiavetta, che implora e supplica nella sua lingua orientale, ma lui
comincia a baciarla dolcemente, lungamente, con tenerezza...
740.
... Scivolano a terra abbracciati; la ragazza non si difende piú.
741-742.
II volto della schiavetta si è fatto piú grave, affettuoso, dolce. Uno dei due giovani Ie giace
tranquillo fra Ie braccia; l'altro la bacia, l'accarezza.
743-745.
L'amore fra i tre continua, ora suI pavimento, ora fra i cuscini, sui divani; sono abbracci
furiosi, languori lenti, risate.
746-749.
Ogni tanto uno dei due amici si assenta. Ascilto a un certo punto scompare, poi ritorma tutto
bardato di corazze e armi del padrone di casa, e buffonescamente si scaglia contro Encolpio,
prendendolo a piattonate con la spada.
750-751.
Poi scompare la schiavetta, mentre i due giacciono esausti, soddisfatti; e rientra portando dei
piatti e delle bevande; apparecchia graziosamente un angola della tavola.
752.
I due siedono a tavola e mangiano famelicamente,...
753.
... mentre la ragazza Ii guarda sorridendo, in piedi, sottomessa e docile.
754.
Poi riprende l'orgia dei tIe, in quella grande villa deserta, lussuosa e silenziosa...
755.
... Rotolano avviluppati...
756.
... Alla fine, Encolpio e Ascilto si addormentano, stanchi.
757.
La schiavetta Ii guarda dormire. E, con un filo di voce quasi infantile, struggente, comincia a
cantare un canto della sua terra, appassionato e triste...
758.
... I due dormono. La schiavetta canta, pensierosa, assorta, quasi con Ie lacrime agli occhi.
759.
Ora dormono tutti e tre. II silenzio é assoluto. Cominciano a baluginare dei riverberi rossastri,
saltellanti, come lingue di fuoco. E si sente anche il crepitio di qualcosa che brucia. Qualche
frase lontana, detta con tono militaresco: degli ordini. Una breve risata nervosa... Altri ordini
secchi.
760.
Encolpio si sveglia. Guarda, tende l'orecchio. Si alza.
761.
Si dirige verso una piccola finestra quadrata, e guarda fuori.
762.
Fuori, c'è un grande rogo, una pira accesa per bruciare il cadavere del padrone della villa...
763.
... La sua sagoma nera si distingue in mezzo aIle fiamme. Intorno al rogo, ombre di soldati
che si muovono lente, si scambiano frasi brevi.
764.
Encolpio guarda incantato, affascinato. Sta spuntando l'alba.
765-766.
II rogo avvampa veloce, crepitante. I soldati sono fermi, immobili intorno al rogo, che scaglia
fiamme, scintille, fumo verso il cielo.
Scena n. 43.
Corteo del nuovo imperatore. Strada di Montagna. Esterno. Giorno.
La scena n. 43 è stata anticipata alla fine della scena 33 (nozze e morte di Lica).
767.
Su una strada di terra battuta, fra i monti e il mare, passa l'esercito del nuovo Cesare, diretto
verso Roma.
768-769.
È un incredibile corteo, quasi una parata di circo equestre. In testa a tutti, su un cavallo
bianco, c'è l'Imperatore: un generale sulla cinquantina, duro, tagliente, il cui volto aguzzo si
distingue appena sotto l'elmo.
770.
Dietro di lui, serrati come per proteggerlo, ci sono gli ufficiali piú fedeli, i veterani. Gli
somigliano, anche, nella durezza dei profili e nell'atteggiamento.
771.
Poi seguono, in gruppo tumultuoso, chi a cavallo, chi a piedi, chi sdraiato sui carri, i vecchi
combattenti, i fedeli soldati, con Ie corazze di cuoio vecchie e lacere, gli elmi ammaccati o
assenti: molti sono feriti, alcuni ciechi, altri zoppi, o monchi...
772.
... Cantano tutti insieme un coro stonato, e poco rispettoso per l'imperatore, a giudicare dalle
risate di scherno.
Su tre carri in fila, è appoggiato un obelisco egiziano intero, ancora polveroso di sabbia
rossastra.
773.
E alcuni elefanti, umiliati, pesanti, magri, con Ie orecchie che sembrano stracci, guidati e
pungolati da alcuni africani agili e saltellanti.
774.
Poi altri soldati, fra i quali certuni suonano trombe e buccine, emettono altissime note
strazianti, stonate.
775.
Su alcuni carri ci sono i cadaveri dei generali morti in battaglia...
776.
... ancora vestiti con Ie armature, stecchiti, mummificati, coperti di mosche e vermi.
777.
Coppie di bufali trascinano enormi gabbie di legno, nelle quali si aggirano pantere e leoni,
inquieti, ruggenti.
778.
In altre gabbie, simili a queste, ci sana delle schiave ammucchiate, spaventate, coperte da
vesti rozze multicolori.
779.
... I soldati che marciano al loro fianco, Ie stuzzicano e Ie tormentano con Ie lance, come
bestie.
780.
Poi molti schiavi incatenati, a piedi, taciturni oppure allegri, che scherzano coi soldati e
scambiano insulti vivaci.
781.
Carri e carrettoni carichi di statue di Dei egizi, con teste di cani o di ibis, e di vasellame
prezioso, di tappeti.
782.
Un carro lungo, suI quale ci sono dei vasi con alberelli africani, per essere trapiantati: banani,
palme, ananas.
783.
Una fila di pigmei, tutti incatenati, torvi, brutti...
784.
... Una giraffa, altissima, legnosa, condotta da un ragazzo.
785-786.
AlIa fine, bestiame vario: capre, maiali, pecore nere. E poi altri soldati a cavallo, e anche
qualche signora in un cocchio.
787-789.
Tutto questo corteo passa sollevando un gran polverone, e si allontana, scompare; Ie grida, i
canti, i suoni si DISSOLVONO. Il paesaggio torna silenzioso, deserto.
L'ERMAFRODITO
Scena n. 44.
Radura net bosco. Carro delta ninfomane. Esterno. Giorno.
Anziché in una radura nel bosco, la scena e stata ambientata in una zona desertica.
790.
Una radura in un bosco molto selvatico, che sale sull'erta d'una montagna. ENTRA IN
CAMPO un carteo composto d'un carro chiuso come quelli degli zingari, a forma di piccola
casa col tetto spiovente, e di alcuni schiavi a cavallo o a dorsa di mulo.
791.
II carteo si ferma di botto, come per un ordine prestabilito;...
792-793.
... e subito vengono drizzate alcune semplici tende, per la sosta.
794.
Dall'interno del carro vengono delle urla isteriche di donna; agghiaccianti. Un uomo sulla
quarantina, calvo, con una barba nera un po' in disordine, smonta dal cavallo, ed entra
rapidamente nel carro, con un'espressione dolente. Ma Ie urla continuano lo stesso.
795-797.
Uno schiavo anziano, dall'aspetto del contadino, con lineamenti grossolani e manone
robuste, viene avanti sogghignando un po', e parla a qualcuno che non vediamo. ParIa con
accento meridionale, ma con inflessione chiaramente da « checca »; anche Ie sue movenze
sono da pederasta, un po' comiche dato il suo fisico rude.
ANZIANO: Che maledizione, che maledizione! So’ sei mesi che quella sta cosí, Dio ci liberi!
Un maschio all'ora, vuole: un maschio all'ora; piú affamata d'una gallina, povera padrona
mia! Quello, il padrone mia, è disperato; e che può fa'?
Gli è rimasto un filo, del bastone che teneva; teneva un bastone, gli è rimasto um filo di lana!
Maschi, ci vogliono: sempre nuovi: e mica si soddisfa, sai? È una maledizione, è un Dio
maligno che le ha fatto dispetto. Sentila come strilla, è una lupa incalorita. Chiama il
maschio, la senti? È malata: vuole un maschio forte, bellino e ben fornito: fatti un po' vede'...
Anziché con accento meridionale, l'anziano dall'aspetto contadino sarà fatto parlare
addirittura in algerino; e il suo racconto verrà tradotto ad Encolpio ed Ascilto da una ragazza.
798.
Lo schiavo anziano sta parlando con Ascilto e Encolpio, che ascoltano divertiti, appoggiati ai
tronchi degli alberi. Ascilto ha rubato nella villa qualche vestito e un parte dell'armatura del
padrone morto, ed ora è stranamente vestito un po' da borghese un po' da militare. Anche
Encolpio ha una nuova mantellina rossa.
La schiavo anziano si avvicina ad Ascilto e gli solleva la tunica...
799.
... dà un'occhiata aIle sue parti basse. E fa una smorfia di ammirazione e di desiderio
controllato.
ANZIANO: Sí, sei bem fornito: puoi andare. Vai, caro, falla Felice La padrona mia, che poi lui
ti regala, è generoso. Non ave paura, mica ti manglia...
800.
Lo schiavo fa una carezza sulla guancia di Ascilto, e lo accompagna al carro; Ascilto ci va,
sogghignando incuriosito, disponibile.
801.
... Poi l'anziano si rivolge ad Encolpio:
ANZIANO: Vedrai che l'amico tuo sarà contento: un bel regalo ci farà il padrone: se vuoi ci
puoi andare anche tu, dopo... Pure tu sei bellino, sai... Come ti chiami, caro? Di dove vieni?
Scena n. 45.
Carro ninfomane. Interno. Giorno.
802.
Nel carro, addobbato come una piccola casa viaggiante, c'è un letto suI quale è stesa una
donna giovane, legata per i polsi e per Ie caviglie con cinghie di cuoio...
803.
... Si contorce istericamente, sbava; lancia ogni tanto degli strilli paurosi. Solleva a fatica Ia
testa e guarda AsciIto...
804.
... che è entrato e la fissa curioso.
805.
Il marito (I'uomo con Ia barba nera) dà una rapida occhiata a AsciIto, e mentre si accinge a
sciogliere i legami della donna, gli domanda a bassa voce:
MARITO: Sei sano?
Ascilto fa cenno di sí.
L'uomo, liberata Ia donna, esce rapidamente.
La 805 è stata semplificata: il marito si limita a dare una rapida occhiata ad Ascilto e a
sciogliere i legami della donna; dopodiché esce di scena.
806.
La donna, non piú legata, resta immobile, ha smesso di contorcersi, e piange;...
807.
... dagli occhi Ie escono lacrime abbondanti. Intanto mormora con voce rotta e dolorante:
DONNA: Ancora... Che tormento... Come sempre, ancora... Che dolore, che dolore!
Ancora... Fammi morire...
Ascilto ride, e risponde:
ASCILTO: Tu mi farai morire, bellissima.
808.
Poi Ascilto fa per gettarsi sulla donna; ma reprime lo slancio, e si inginocchia presso i suoi
piedi. Come un cagnolino, comincia a leccarle dolcemente i piedi, poi Ie caviglie, Ie gambe.
809.
La donna seguita a piangere in silenzio, straziata; si copre la faccia con il braccio, per la
vergogna e il dolore.
Scena n. 46.
Radura nel bosco. Carro ninfomane. Esterno. Giorno.
810.
II marito, uscito dal carro, si è seduto in terra; lo vediamo di spalle. Lo schiavo anziano si
volta a guardado, poi sospira, e si rimette a parlare con Encolpio.
811.
Encolpio, accovacciato per terra, sta mangiando alcune ghiande arrostite sui carboni.
Mangiando, lancia occhiate allo schiavo, ascoltandolo.
812.
L'anziano ha preso un'aria compunta, di circostanza, e parla a voce piú bassa, come
confidando dei segreti.
ANZIANO: Mah, speriamo nell'oracolo. Si dice un gran bene di questo ermafrodito. Una
manfrodita, sí: una bambina che tiene un grilletto cosi...
813.
Indica la metà di un dito.
... come il pisellino d'una creatura. Dice che fa tante
magie! Guarisce la gente impestata, ti dice l' avvenire meglio di Apollo. Sta su, nel tempio
vecchio di Cerere. Una volta, una città che gli aveva fatto offesa, l'ha trasformata in pollaio.
Tutti quanti a starnazzare cosí, come galline...
814.
Agita Ie braccia imitando i polli.
Cococò, cococò...
Ride moderatamente.
Te l'immagini la scena... Speriamo bene, che ti devo dire?
Si volge verso il carro, ascoltando...
815.
... Poi sospira.
Non si sente niente. Meno male. Si vede che va tutto bene. Il padrone mio è generoso,
all'amico tuo vedrai che gli regala! Se vuoi andare anche tu...
Scena n. 47.
Tempio vecchio di Cerere. Inferno. Giorno.
816-818.
Un grande tempio abbandonato, cadente, che sorge in mezzo alla foresta, in cima alla
montagna. Gli alberi hanno allungato Ie radici e i rami fin dentro il tempio, che è tutto coperto
di edera, d'ortica, di erbacce. Qua e là il soffitto ha ceduto. II pavimento si è avvallato, e vi
stagnano larghe pozze d'acqua. Ma si scorgono ancora frammenti di mosaici, e una testa di
statua è in terra dove è rotolata.
819.
Nell'angolo piú riposto del tempio, giace l'Ermafrodito. È un giovinetto, quasi un bambino; e
sta dormendo, bocconi, un sonno agitato da frequenti sussulti.
820.
Accanto, c'è un vecchio contadino dall'aria dura, tacituma,...
821.
... che sembra sorvegliarlo. Intorno, fra Ie colonne e il fogliame, si affacciano i volti dei devoti,
dei curiosi.
822.
L'Ermafrodito si sveglia, e si rigira suI dorso. È um esserino gracile, tremante, con
un'espressione di sofferenza suI viso grinzoso. Ha gli occhi di una chiarezza quasi
mostruosa, sembrano bianchi come quelli delle statue. Geme lievemente, come un cucciolo.
823.
II vecchio contadino gli accarezza la fronte sudata. Poi intinge una spugna in una secchia
d'acqua, e bagna pian piano tutto il corpicino dell'Ermafrodito.
824.
Fra i presenti c'è un moto di curiosità.
825.
II vecchio accosta la faccia a quella dell'Errnafrodito, e sembra ascoltare e interpretare i
gemiti e Ie mosse inconsulte del mostriciattolo.
II vecchio si rivolge a un contadino:
VECCHIO: Ha detto grandine.
826.
II contadino non è bell certo che il vecchio abbia parlato a lui:
CONTADINO: Grandine per me?
VECCHIO: Grandine per te.
827-828.
Il vecchio bagna ancora leggermente il corpo dell'Ermafrodito. Poi si alza in piedi, lo prende
in braccio e lo solleva in alto, come fosse una reliquia, per mostrare a tutti il suo sesso
aberrante.
829.
Alza la tunichetta, e fa vedere il sesso del giovinetto.
830.
Fra i presenti, ci sono Encolpio, Ascilto e un omaccione che è in loro compagnia. Anche loro
guardano stupiti.
831.
L'omone è una specie di bandito, di predone, di disertore; ha una faccia irsuta e feroce, ed è
vestito in modo stravagante, con stracci ed elementi militareschi. Accenna verso
l'Ermafrodito, e parla con accento meridionale:
PREDONE: Avete visto?
I due giovani accennano di sí, distratti. Il predone continua:
Il figlio degli Dei; di Mercurio e di Venere. E chillo se la gode.
832.
Il predone accenna al vecchio, che ha rimesso giu l'Ermafrodito. Poi, con un sorriso furbo,
accenna a un angolo del tempio, dove i devoti vanno a deporre doni per il semidio.
Pollame, vaccina, porci. Avete capito? Il figlio degli Dei. E chillo se la gode.
Il sorriso del predone diventa piú feroce:
Mò je la famo vede 'm bo' noi, je la famo vede...
833.
Davanti all 'Ermafrodito , c'è una giovane donna inginocchiata, piangente, ansante. Parla
come se pregasse, con enorme passione e dolore:
GIOVANE DONNA: Ti prego, semidio: m'è rimasto lui solo, non me lo fare morire... Sta male,
soffre, è tutto gonfio, povero rospicino mio... Non te l'ho potuto portare, ma tu me lo salverai
lo stesso, è vero?.. Fa' un gesto, dimmi di sí...
834.
L'Ermafrodito non ascolta, non vede; come sempre trema e si agita. Ma il vecchio, accanto a
lui, fa un gesto solenne con la testa, e dice:
VECCHIO: Tuo figlio è salvo. Vai pure.
835.
La giovane donna vorrebbe baciare l'Ermafrodito, ma il vecchio la respinge. La donna se ne
va piangente, felice mormorando:
GIOVANE DONNA: Grazie, semidio... grazie...
836.
Intanto si avvicina, portato a braccia, un malato con una gamba tutta fasciata, e
un'espressione di sofferenza estrema...
837.
... Il vecchio intride la spugna e bagna il volto del mostriciattolo.
La scena è stata arricchita di altre figure di malati e di infelici, tra cui “lo sfortunato eroe della
battaglia di Quadragesimo” un uomo monco delle braccia e delle gambe, che viene
trasportato con una specie di carriola.
Scena n. 48.
Tempio vecchio di Cerere. Interno. Notte.
838.
Qua e là., masse scure di dormienti, e bagliori di focherelli che si stanno spegnendo.
839.
Nel suo angolo, l'Ermafrodito dorme avvolto in panni di lalla bianca; accanto, dorme anche il
suo sorvegliante, il vecchio...
840.
... Ombre furtive scivolano verso i due.
841.
Il predone si avvicina cauto al vecchio, e alza la spada per trafiggerlo...
842.
... Proprio in quell'attimo il vecchio si sveglia, come per una misteriosa intuizione,...
843.
... vede la spada su di sé, e lancia un breve urlo roco di spavento:
VECCHIO: Oh!
844.
Il predone trafigge il vecchio, che muore...
845.
... Ascilto, che è accanto al predone, nell'attimo in cui questo pianta la spada, ha un breve
riso nervoso di eccitazione, di piacere.
846.
Encolpio raccoglie fra Ie braccia, delicatamente, l'Ermafrodito, e i tre dispaiono.
Scena n. 49.
Carretto predone. Zona desertica. Esterno. Giorno.
847.
Un carrettaccio trascinato da un mulo percorre velocemente e fragorosamente dei sentieri di
montagna, pieni di sassi.
848.
Il predone tiene Ie redini, e frusta a tutta forza il mulo, aizzandolo con urla selvagge.
Dentro il carretto, Encolpio, rannicchiato, tiene in grembo la testa dell'Ermafrodito, che è tutto
sballottolato dalla corsa, e sembra stupito, sgomento.
849.
Ascilto, benché anche lui sbatacchiato dagli scossoni del carro, dorme tranquillamente, a
bocca aperta.
850.
Nel carro ci sono anche degli oggetti, che rotolano su e giú: qualche pagnotta, orcioli, un
sacchetto.
851.
Ora il carretto si inerpica su una strada piú ripida; il predone è sceso e tira il mulo per la
cavezza, incitandolo;...
852.
... Encolpio e Ascilto spingono il carro da dietro; talvolta appoggiano il piede sui raggi delle
ruote per fargli superare gli ostacoli.
853.
Nel carretto, l'Ermafrodito, su un po' di paglia, soffre per Ie scosse, ed è sempre piú
sgomento, spaventato, dolorante...
854.
... Ha la faccia tutta bagnata per il sudore e forse per Ie lacrime.
855.
Ora il carretto è fermo. Si sono fermati in uno spiazzo pietroso, arido, senza un albero a vista
d'occhio; solo cespugli bruciati dal sole.
856.
L'omaccione è un po' lantano dal carretto, scruta l'orizzonte, e dice:
PREDONE: La città sta qua sotto.
Poi si mette a cantare, col suo vocione, un canto dialettale, convulso, pieno di gioia
selvaggia. Si interrompe e dice:
Figlio di Mercurio e di Venere: di Venere e di Mercurio.
Encolpio, che sta presso l'Ermafrodito, suI carretto, e lo accarezza leggermente, dice:
ENCOLPIO: Sta male. Ha la bocca aperta, tutta secca.
857.
II predone si avvicina preoccupato:
PREDONE: Dacci da mangiare: dacci da beve.
ENCOLPIO: Sta male.
Ascilto si china sull'Ermafrodito, e bisbiglia:
ASCILTO: Semidio... Perché soffri, semidio?
858.
L'omone, che si è avvicinato e ha guardato l'Ermafrodito, fa qualche passo indietro,
spaventato:
PREDONE: Ohè ohè... Quello sta male, quello more.
859.
Encolpio vorrebbe dare da bere all'Ermafrodito, ma l'acqua si rovescia, non gli entra in
bocca. II mostro ha un'espressione sempre piú sofferente; il viso si è raggrinzito, e comincia
a chiudere gli occhi; Ii riapre e Ii richiude.
860.
Ascilto è in piedi, appoggiato al carretto, e sta zitto, non si muove.
861.
II predone, spaventato, indietreggia sempre piú; intanto dice:
PREDONE: Dacci da beve, dacci da beve!
Encolpio è anche lui spaventato.
ENCOLPIO: Non beve! È il sole che gli fa male. Il sole.
862.
Encolpio rovescia un orciolo d'acqua su un grande panno, e avvolge l'Ermafrodito col panno
umido...
863.
... Gli copre anche la faccia.
864.
Ascilto guarda, curiosa, diffidente, estraneo.
865.
L'omone si è accoccolato per terra.
866.
Encolpio scopre la faccia dell'Ermafrodito, e vede che è ormai pallidissimo, ha gli occhi
chiusi, ansima, geme debolmente.
867.
L'omone è seduto per terra, appaggiato a un cespuglio.
Encolpio gli si avvicina, e annuncia:
ENCOLPIO: È morto.
868.
L'omone resta fermo, non dice niente. Poi di scatto si alza e si avventa su Encolpio:
PREDONE: Colpa tua, disgraziato! L'hai fatto morire! L'hai fatto morire!
869-872.
Ascilto interviene in difesa dell'amico, si avvicina di corsa e sferra un calcio al predone.
Questi lascia Encolpio e si getta contro Ascilto cercando di prenderlo a calci; Encolpio corre
contro il predone tirando calci anche lui.
I tre scorazzano rapidi su e giú, sferrandosi calci e insulti.
873-876.
II predone ha afferrato Ascilto, l'ha buttato per terra e lo sta prendendo a pugni sulla faccia.
Encolpio raccoglie un sasso, e tenendolo in mano da dietro colpisce l'omone sulla testa.
L'omone si rivolta sanguinante, si scaglia su Encolpio. Ascilto tira un sasso enorme sulla
schiena dell'uomo.
877-880.
La lotta diventa feroce, orrenda. Si rotolano per terra, in mezzo alIa polvere e alle pietre, con
calci nel ventre, urli di dolore, sassate in fronte, cazzottoni...
881-883.
... Si massacrano, sono tutti e tre pieni di ferite, strappi, lividi.
884.
L'ULTIMA IMMAGINE di questa battaglia è l'omone, steso per terra, con Ascilto che gli tiene
un ginocchio sulla gola ed Encolpio che tenta di spaccargli la testa con un sasso.
Scena n. 50.
Paesaggi meridionali. Esterno. Giorno.
La scena 50 è stata soppressa.
885-889.
UNA SERlE DI IMMAGINI dell'Italia meridionale, agreste e pagana, abbacinata dal sole.
890-893.
Nei campi, ci sono enormi Priapi di legno. verniciati di rosso, a guisa di spaventapasseri. I
contadini, in vesti bianche, mietono il grano, e lo ammucchiano.
894.
Un cacciatore sta cacciando “con lo specchio”. Ha disposto un grande specchio di metallo
lucente fra gli alberi.
895.
Un cinghiale avanza circospetto...
896.
... Vede l'immagine di un altro cinghiale - ossia la sua nello specchio - ...
897.
... e vi si dirige grufolando...
898.
... Ma da dietro lo specchio, emerge il robusto braccio del cacciatore, armato di lancia, che
infilza il cinghiale.
899.
Una vallata, dove cinquanta anni addietro si combatté una grande battaglia, è tutta coperta di
scheletri di soldati, ancora in parte dentro Ie corazze e Ie vesti, ormai arrugginite e lacere.
L'erba selvatica copre in parte quella vecchia carneficina...
900.
... Encolpio e Ascilto stanno attraversando la vallata; Ii vediamo lontani; camminano adagio.
LA CITTÀ MAGICA
Scena n. 51.
Circo di provincia con labirinto. Esterno. Giorno.
901.
Le gradinate di un circo di una città di provincia, meridionale, assolata; il circo è piccolo,
polveroso, quasi sgretolato. Un gruppo di persone dalla pelle scura, avvolte in bianchi
baraccani, ha afferrato Encolpio e lo spinge giú,...
902.
...lo fa rotolare per Ie gradinate, in una specie di gioco feroce.
903-904.
Encolpio un po' ride; un po' si acciglia spaventato; reagisce, fa per scappare, poi si
abbandona,...
905.
... poi tenta ancora di sfuggire.
Intanto Ie voci di quelle persone lo incoraggiano, lo aizzano, lo costringono:
VOCI: - Tu! Vai tu! - Coraggio, vai! - Niente paura! – Vai! Tocca a te! – Devi! Devi!
906.
Encolpio è ruzzolato ormai nell'arena. Qui c'è un grande labirinto di pietra porosa, grigia; un
dedalo di muriccioli alti circa due metri...
907.
... Encolpio si trova davanti all'entrata del labirinto, ed osserva pensieroso; è spaventato ed
affascinato insieme.
Un vecchietto dall'aria maligna, cotto dal sole e lustro, con l'aria da inserviente porge ad
Encolpio una spada e una torcia accesa:
VECCHIETTO: Le armi. Eccoti le armi. Ammazza il Minotauro, che Arianna ti aspetta, ti
desidera.
908.
Il vecchietto ridacchia e scompare. Encolpio ha in una mano la spada, nell'altra la torcia.
909.
La folla esplode in un grande urlo d'incoraggiamento, di invito.
910.
Encolpio varca la porta del labirinto, e si addentra fra quelle pareti nude, scabrose, sotto un
sole violento, a picco.
911.
Encolpio avanza, cercando qualcuno, timoroso. Nelle pareti ci sono delle porticine, ed anche
tagli netti, aperture che troncano il muro in tutta la sua altezza...
912.
... Encolpio attraversa Ie varie aperture, sempre piú sperduto.
913.
Il pubblico grida ad Encolpio indicazioni contrastanti: GRIDA DEL PUBBLICO: - Vai a destra,
Teseo! – No! Torna indietro! - Sempre a sinistra devi voltare! Sempre a sinistra!
914.
Fra il pubblico, intravediamo per un attimo Ascilto ed Eumolpo; stanno seduti vicini, e parlano
fra loro. Eumolpo tiene una mano sulla spalla di Ascilto, e gli sta dicendo chissà che cosa;
Ascilto ascolta a testa bassa.
915.
In mezzo al labirinto c'è uno spiazzo rotondo. Arianna è distesa su un largo divano pieno di
cuscini. Arianna è una ragazzona bruna, di tipo orientale, con grandi occhi neri, orecchini,
vestita di veli...
916.
... È grassa, un po' sfatta, sembra una bella prostituta in attesa del cliente. Accanto a lei,
un'ancella magrolina la sta pettinando piano piano. Arianna si guarda intorno un po'
annoiata, muovendo lentamente i grandi occhi.
917.
Encolpio, un passo dietro l'altro, percorre i cunicoli del labirinto. Torna indietro, ripercorre la
stessa strada; fa brevi corse, poi si ferma.
918.
D'improvviso, Ie grida del pubblico cessano: c'è un improvviso clima d'attesa, di maggiore
interesse.
919.
Encolpio, fermo, tende l'orecchio. E nel silenzio, sente un ansimare roco, come il respire
pesante di una bestia. Encolpio, a quel rumore sinistro, è come impazzito:...
920.
... comincia a carrere disordinatamente, ma si ritrova sempre nello stesso punto. Si ferma,
ansimante; e sente vicinissimo l'ansimare del mostro...
921.
... Ricomincia a carrere, e si trova di fronte il Minotauro.
922.
II Minotauro è un uomo con una mostruosa maschera a forma di testa di toro, nella cui cavità
il respiro si fa piú cupo e veramente bestiale. È coperto di pelli scure; in tutta la sua persona
ricorda un toro, perchè ha spalle larghe, è tozzo, e ha Ie gambe corte, un po' storte. Ha in
mano una clava. Se ne sta immobile, sotto una porta, la clava pendente nella mano; niente
di minaccioso, all'infuori di queI respiro roco.
923.
Encolpio, quasi ipnotizzato, gli si avvicina adagio. Alza la fiaccola, e minaccia il mostro; vuole
spaventarlo col fuoco come una bestia; gli allunga la fiaccola sotto la faccia...
924.
... II Minotauro indietreggia lento, come una belva che per il momento non ha voglia di
aggredire.
925-926.
Encolpio incalza il mostro con la torcia. L'altro indietreggia ancora, muovendo appena la
testa di qua e di là per scansare il fuoco.
927.
Ma all'improvviso, si avventa. Alza la clava e si precipita su Encolpio,...
928.
... il quale può appena scansare il colpo:...
929.
...la mazza si abbatte sui muro sgretolandolo. Contemporaneamente, il Minotauro lancia un
urlo roco, come fanno i boscaioli quando calano l'accetta.
930.
Encolpio resta tremante contro il muro; non ha piú la forza di difendersi né di attaccare. Si
limita ad alzare il braccio, ed a scagliare stancamente la torcia contro il mostro...
931.
... che la scanga facilmente.
II Minotauro è rimasto fermo. Gli occhi, attraverso la maschera, fissano Encolpio: si sente
una voce leggera, alonata - la voce del mostro - che bisbiglia:
MINOTAURO: Encolpio...
932.
Encolpio, ancora piú spaventato da questo richiamo, trova la forza di scattare, di fuggire...
933.
... Percorre qualche corridoio, senza essere inseguito;...
934.
... crede di aver perso il suo nemico. Si ferma, si guarda intorno, ascolta.
935.
II pubblico ha smesso di gridare e commentare; stanno tutti zitti, fermi; sembra un'assemblea
di fantocci.
936.
Da una porticina, avanza pian piano il Minotauro. Si ferma a breve distanza, e di nuovo
bisbiglia:
MINOTAURO: Encolpio!
937.
Encolpio lo guarda avanzare, terrorizzato, vinto; e chiede
a bassa voce, angosciosamente:
ENCOLPIO: Chi sei?
938-940.
II Minotauro scatta: si avventa come un vera toro contro Encolpio e lascia andare una
tremenda mazzata che sfiora la testa del giovane e fa schizzare via grosse schegge dal
muro.
941.
Encolpio fa un salto di lato.
942-944.
II Minotauro colpisce ancora per due volte: due terribili colpi di clava, che però stranamente,
sfiorano Encolpio senza toccarlo.
945-946.
Encolpio ritrova la forza della disperazione: alza la spada e tenta goffamente di colpire il
mostro. II quale si difende facilmente: saltella qua e là, quasi divertito: fa una specie di
grottesco balletto; si allontana, poi si avvicina, si allontana ancora; ballonzola.
947.
Encolpio esausto si ferma. Fissa il mostro, che lo fissa, e che mormora ancora, con la stessa
voce alonata:
MINOTAURO: Dove vai, Encolpio?
948-950.
Poi si avventa rabbioso calando la clava; sembra che stia per colpire Encolpio, ma lo manca.
Encolpio tentando di fuggire, scivola e cade...
951.
... II mostro gli è sopra; lancia brevi urla roche, dei ruggiti piú che muggiti; alza la clava e si
accinge a spaccare la testa a Encolpio.
952.
Gli occhi di Encolpio si riempiono di lacrime, ed egli parla al Minotauro, che è sopra di lui
sempre con la clava alzata:
ENCOLPIO (piangendo): Doveva esserci un gladiatore al mio posto: non io: sono studente.
Non accanirti contro di me: risparmiami. Non so bene perché mi abbiano fatto questo
scherzo: non so usare una spada come occorre. Non sono un Teseo degno di te. Caro
Minotauro, ti amerò se mi farai salva la vita. Pietà per Encolpio. Tu mi conosci, vero? Se mi
conosci, perdona la mia perplessità.
953.
II Minotauro, alla fine del discorso di Encolpio, getta la clava, e si toglie la maschera
ridendo;...
954.
... mostra una faccia allegra, simpatica, di uomo giovanissimo, biondo. BaIza su con un agile
saIto.
955.
Poi parla, rivolto verso il proconsole che è seduto nel posto d'onore:
MINOTAURO: Proconsole, hai sentito? Non è viltà: e il discorso sensato di un giovane
letterato. Certo non lo ucciderò: del resto aspetto la tua sentenza. Per mia parte, ti dico che
oggi è nata una nuova amicizia.
956.
II giovane va ad abbracciare Encolpio, che si lascia fare, tutto frastornato. Intanto...
957.
... tutto il pubblico è esploso in una risata colossale, eccessiva...
958.
... Ridono gracchiando i vecchi; ridono a sussulti Ie matrone;...
959.
... torcendosi i ragazzi;...
960.
... gli uomini emettono risatone rauche;...
961.
... tutto il circo rimbomba d'un riso gigantesco, d'uno scoppio di felicità collettiva.
962.
Anche il proconsole ride, dandosi però un certo contegno; il proconsole è giovanissimo,
vivace, con la barbetta nera; e ride a piccole esplosioni, grattandosi la barba. Poi smette di
colpo e si alza in piedi.
963.
Tutti smettono di ridere, come per comando.
964-965.
II proconsole parla verso Encolpio, senza alzare la voce, come se fosse Ií vicino; Ia sua voce
è ancora lievemente incrinata dal riso. ParIa con forte accento straniero, molto duro.
PROCONSOLE: Sei un giovane colto: un poeta a quel che mi dicono. Certo hai dimostrato
scarsa abilità con la spada: sarai Piú destro manovrando la penna: io lo spero.
Ma non devi offenderti delle nostre risate; sappi che oggi hanno inizio le feste in onore del
Dio Riso, le quali non possono cominciare bene senza una burla ad uno straniero. Mentre il
pubblico per il momento ha smesso di ridere e sta zitto...
966.
Encolpio scoppia Iui a ridere come un matto, sfogando cosí la paura passata. La sua risata
solitaria echeggia nel circo silenzioso.
967.
II proconsole continua:
PROCONSOLE: Senza una burla ad uno straniero. E la burla è riuscita, o no?
Al proconsole si fa vicino un vecchio sacerdote, ancora tutto rosso e scosso per Ie risate, e
fa cenno di sí: dà Ia sua approvazione alzando Ia mano; poi si ritrae.
968.
Il proconsole si rimette a sedere; ma continua a parlare, sempre con voce normale, anzi
abbassandola ancora di piú, e dandole una sfumata maliziosa:
PROCONSOLE: Ma la bella donna è vera, non una burla: l'hai guadagnata, Encolpio:
affronta Arianna, e lei almeno sconfiggila... vai, Encolpio, falla felice...
969.
Nel centro dello spiazzo rotondo, in mezzo al labirinto, Arianna è ferma, sdraiata suI divano;
l'ancella magrolina sta indietreggiando e scompare. Arianna non ha piú l'aria imbronciata, ma
allarga la bocca in un leggero sorriso sensuale; anche gli occhi si sono caricati di sguaiate
allusioni postribolari...
970.
... Con la mano grande e morbida, si accarezza i veli sulle gambe.
971.
Encolpio, allegro e sorridente, si avvicina ad Arianna. Comincia a toccarla e a stringerla
come accingendosi a un abbondante pasto.
972.
Arianna si lascia palpeggiare socchiudendo gli occhi, piú per atteggiamento professionale
che per vero piacere...
973.
... Intanto accarezza maternamente la testa di Encolpio; lo accarezza per tutto il corpo con
gesti esperti...
974.
... Sporge Ie grosse labbra offrendosi al bacio.
975.
II pubblico segue con attenzione la scena. Qualcuno commenta ridendo...
976.
... Un brutto vecchio, con una raggiera di capelli bianchi si alza in piedi, sostenuto da due
ragazzetti, per vedere meglio.
977.
II proconsole guarda con un sorriso ironico; ogni tanto scambia brevi commenti con Ie sue
vicine.
978.
Encolpio sta afferrando fra Ie braccia quella massa di carne che gli si abbandona; è un po'
sudato, eccitato; d'improvviso scorge sopra di sé...
979.
... Ie gradinate del circo, come in una vertigine, cariche di gente attenta, che lo fissa.
980.
II suo volto comincia a farsi sgomento. Encolpio diventa nervoso.
981.
Arianna, che aveva chiuso gli occhi, abbandonandosi lascivamente, riapre gli occhi, stupita.
982.
Encolpio si accinge nuovamente a quella specie di scalata, che si fa sempre piú difficile.
983-984.
Il pubblico comincia a scambiarsi frasi tecniche, come gli spettatori d'una corrida:
PUBBLICO: - È stanco. - Sfiancato dalla lotta.
- Non ce la fa, non ce la fa... - La colpa è della donna.
- Svegliati, monta! - Monta! - Monta!
985.
Arianna guarda con rabbia tremenda Encolpio che si affanna su di lei; e sibila con voce roca:
ARIANNA: Ma che fai? Mi sembri un morto!
986.
Encolpio la guarda con aria supplice:
ENCOLPIO: Aspetta, non fare cosí... Non andare in collera: sii dolce per un po': ci riesco: è
sicuro...
ARIANNA: Schifoso, ma che fai? Che fai, schifoso?
987.
Encolpio chiude gli occhi, come per concentrarsi meglio nei pensieri lascivi; la sua fronte si
aggrotta quasi dolorosamente, come succede nella masturbazione.
988.
Il pubblico, pian piano, uno dopo l'altro, si alza in piedi, per seguire meglio la scena. Si
sentono qua e là voci marmorate, FUORI CAMPO:
Voci FUORI CAMPO: - Brutta sorte: è un segno di malaugurio. - Quello è un cappone - La
colpa e della donna. - Che vergogna...
989.
Il proconsole fa un piccolo cenno ai suoi accoliti, e se ne va rapidamente col suo seguito.
990.
Un omaccione ha in mano un sasso, e lo scaglia contro Encolpio.
991.
Nell'arena, Arianna sta cacciando a calci Encolpio, che rotola per terra:
ARIANNA: Lumaca, lumacone, lumaca schiacciata: vattene via!
ENCOLPIO: È stato il sole... Il sole che mi ha tradito; il sole mi ha dato la febbre...
992.
Nel pubblico qua e là, scoppiano urli rabbiosi, quasi dei ringhi. Molti tirano sassi a Encolpio...
993.
... La gente comincia ad andarsene, disgustata.
994.
Encolpio è rimasto solo, in mezzo all'arena; un sasso l'ha colpito in uno zigomo che
sanguina. Ha il petto scosso da singulti...
995.
... Come in sogno, vede su di sé la faccia di Ascilto, che gli sorride...
996.
... Disperato, parla all'amico, per bisogno di conforto:
ENCOLPIO (angosciato): Ascilto, ho perduto la spada!
997.
Ascilto scoppia in una risata, e non risponde, ma indica qualcuno che sta sopraggiungendo,
dietro di lui, senza guardare:
ASCILTO: Guarda! Un tuo amico, Encolpio!
998-1000.
Ed avanza Eumolpo, portato su una lettiga da alcuni schiavi; ha con sé un codazzo di servi.
Eumolpo è vestito con abiti sfarzosi, ha Ie dita cariche di anelli, e una specie di diadem a
d'oro interne alIa fronte. Ha una gamba tutta fasciata per la gotta, perciò parla ad Encolpio
senza scendere dalla lettiga.
EUMOLPO: Il lusso e gli agi, Ia ricchezza, i vini, le belle donne, le cene prolungate fino al
canto del gallo, le mollezze che sbigottiscono il cuore e la mente, ogni vizio mai rifiutato,
sempre ben accolto, i giorni passati a dormire e le notti nelle frivolezze, le musiche, il potere
sulle persone inferiori, la gioia di comandare, le ragazzine e i ragazzi, Ie sbornie cupe come
la marte, questa felicità insomma mi ha impestato; ecco i risultati.
1001.
Eumolpo indica la gamba fasciata. Fa una breve pausa e guarda con malignità Encolpio; poi
bonariamente prosegue:
EUMOLPO: Ma anche tu che non kai un soldo sei mezzo storpio, fratellino. Ti ho visto;
sembravi un sorcio bagnato sopra una vacca. Eppure era una vacca bella assai, tutta carne.
Che ti succede? Priapo ce l'ha con te, è evidente: quello è un dio dispettoso che ora ti fa di
legno, ora di pasta. I rimedi però ci sono: il tuo Eumolpo...
Scena n. 52.
Strade città africana. Esterno. Giorno.
1003.
La scena è cambiata di colpo: Eumolpo in lettiga è portato a passeggio per Ie vie della città:
ma non c'è stata nessuna interruzione nel discorso, che prosegue diretto dalla scena
precedente.
Eumolpo in lettiga parla con Ascilto ed Encolpio che gli camminano a fianco, e un po' lo
ascoltano, un po' si guardano curiosi intorno...
1004.
... Percorrono strade sabbiose d'una città a case basse, africana quasi, con minuscole
finestre buie...
1005-1006.
... nelle quali a volte si stagliano volti, come ritratti in cornice.
EUMOLPO: ... ti può aiutare: sono potente qui, e nessuna porta mi è chiusa; Eros è mio
amico e mi si manifesta spesso.
A forza di imbrogli e traffici, sono diventato il padrone della città. Ho voglia di un ballo? Me
l'organizzano in mezz'ora. Per prima cosa ti conduco al giardino delle delizie; e Ií vedremo se
quel piolo caduto non si risolleva; ho idea di sí.
1007-1009.
Nelle botteghe e nelle case, si nota adesso un certo fervore di preparativi; un affrettarsi; un
lavorare incalzante a strani oggetti. Da una finestra viene calata giú una pezza di tela, che
viene raccolta da una persona in basso; su un davanzale un uomo dispone alcune orribili
teste di animali scolpite in legno; un ometto che pare un ciabattino sta inchiodando un grosso
pupazzone di legno;...
1010.
... un altro pupazzone con la testa di cane come Anubi viene deposto fuori d'una porta,
appoggiato al muro.
1011.
La lettiga con sopra Eumolpo si allontana per la via; si sente ancora la sua voce:
EUMOLPO: I Lupercali... Le feste della fecondità... I Lupercali!
Soppresse Ie inquadrature 1007-1011. Il discorso di Eumolpo (1006) termina con Ie parole;
“Per prima cosa ti conduco al Giardino delle Delizie”.
Scena n. 53.
Giardino delle delizie. Esterno. Giorno.
1012.
Un giardino allegro e pieno di sole, dove però ogni cosa sembra essere su scala piú piccola:
gli alberi sono un po' piú piccoli del normale, e casí la casetta adiacente, e Ie panchine, Ie
colonne, ecc. Un po' come un giardino da giocattoli. Fra queste cose piccoIe e graziose, si
muove con delicatezza estrema il padrone, che è un omaccione enorme, molto scuro, quasi
un negro; sembra un guardiano dell'harem...
1013.
... Nonostante la corporatura atletica, è umilissimo, servilissimo; accoglie Eumolpo e i suoi
amici come se arrivasse l'imperatore.; con piccoli cenni dà ordini di srotolare tappeti, e di
portare subito cuscini, bevande.
1014.
Eumolpo viene deposto dalla lettiga su un divano. Subito una bambina sui tredici anni gli
salta addosso festosamente, come se fosse venuto il nonno;...
1015.
... però lo bacia lascivamente sulla bocca.
1016.
Encolpio e Ascilto guardano il giardino, che è un lupanare all'aperto.
1017.
Fra gli alberi, piccoli e di classificazione incerta, svolazzano grossi uccelli abbastanza
minacciosi...
1018.
... Presso gli alberi, stagliate contro il muro di cinta, rossastro e graffiato, stanno ferme in
diversi atteggiamenti sei o sette ragazze giovanissime e piccole, dall'aria di studentesse.
Sono Ie prostitute. All'improvviso, come uccelli che prendono il volo, si muovono di scatto e
corrono tutte assieme verso Eumolpo, che troneggia nel centro del giardino...
1019.
... Gli si inginocchiano intorno, lo riveriscono. Lui sorride benigno; Ie benedice.
EUMOLPO: Il compito di oggi non è da poco: eppure non dubito che sarà fatto: questo mio
amico ha fiducia in me, cosí io l'ho in voi...
1020.
Mentre Eumolpo parla, la ragazzina di prima gli porta a far vedere una manciata di gattini
nati da pochi giorni; Eumolpo accarezza sia i gattini che i capelli della bambina...
102I-1022.
... Poi, pensoso, guarda il muro rossastro di cinta, dove sono disegnati dei lievi affreschi che
riproducono vari atteggiamenti erotici.
E mormora quasi fra sé:
EUMOLPO: Quante posizioni. E certo ne inventeranno ancora altre: l'uomo progredisce ogni
giorno di piú.
Per mio conto, credo di averle provate tutte: anche se qualcuna l'ho dimenticata con l'età.
Nessuno può ricordare tutto l'amore che ha dato e avuto. Nemmeno i giovani: tu per
esempio...
1023.
Eumolpo si rivolge a una ragazza giovanissima, con un visetto un po' imbronciato e
innocente: EUMOLPO: ... ricordi tutti quelli che hanno baciato Ie tue labbra?
1024.
La ragazza fa cenno di no con la testa.
1025.
Due ragazze che stanno in piedi, abbracciate, scoppiano a ridere, e per sfogare l'allegria si
danno brevi baci sulla bocca.
1026.
Ascilto, allegro anche lui, si avvicina aIle due ragazze, e interviene in questo gioco
baciandole.
1027.
Una ragazza cinge il collo di Encolpio con Ie braccia, e gli dà una serie di baci rapidi e
leggeri, dolcemente.
1028.
Eumolpo fa cenno al padrone di avvicinarsi:
EUMOLPO: Questo mio amico, a dirla fra noi, ha lo scettro che non funziona: ha la stanga
spezzata, la spada rotta: ed era tutto il suo onore come puoi hen capire...
1029.
II padrone fa un cenno come a dire: ci pense io. Poi si avvicina a un albero, e lo guarda con
compiacenza, come ammirando la natura. In realtà, sta scegliendo un ramo; ne stacca uno...
1030.
... flessibile, fornito di foglioline, e va a darlo a una delle ragazze, col gesto di chi offre un
mazzo di fiori. E Ie dice una parola all'orecchio.
1031.
Encolpio è circondato da ragazze come infermiere che lo curano. Una gli porge una tazza di
vino; un'altra gli prende una gamba e gli fa in certi punti delle piccole trafitture con uno spillo
sottile; un'altra lo massaggia;...
1032.
... finalmente quella che ha avuto il ramo dal padrone, si avvicina e fa un piccolo inchino
rituale. Poi cambia faccia, diventa rabbiosa come una furia;...
1033.
... e si avventa come una gatta frustando Encolpio col ramo, a tutta forza.
1034-1035.
Encolpio urla, tenta di fuggire, ma Ie ragazze lo tengono saldamente. Agli urli di Encolpio...
1036.
... evidentemente risvegliata, si affaccia a una finestrella una vecchietta, scapigliata e
sbadigliante; vede la scena e ride divertita.
VECCHIETTA (dalla finestra): L'ortica ci vuole! L'ortica!
1037.
Ascilto ride come un ragazzino. Si rotola sui cuscini, afferra una delle ragazze, e grida:
ASCILTO: lo, io... Ci sto io qua: io, ci sono! Io! Lasciate stare quell'anguillone!
1038.
Eumolpo, che poco può muoversi per colpa della gamba, si sta sistemando in posizione: la
ragazzina tredicenne gli sta montando sopra, a cavalcioni;...
1039.
... i servi gli sistemano per bene i cuscini;...
1040.
... aiutano la ragazzina a reggersi, ecc.
1041.
La faccia di Encolpio, sudato, disfatto, disperato.
1042-1043.
Tutte Ie ragazze corrono insieme verso Ascilto, che si sta sempre rotolando allegramente sui
cuscini e ripete:
ASCILTO: lo! lo!
Gli si buttano addosso ridendo...
1044.
...lui Ie acchiappa tutte, Ie rovescia;...
1045.
... gioca in mezzo a loro, felice, ridente. Si sente la voce di una ragazza:
RAGAZZA: Ma è enorme...
La 1045 è stata soppressa. È stata, invece, introdotta una nuova scena, dove si vede Ascilto,
trionfante sulle ragazze, dondolarsi con loro su una grande altalena.
1046.
Encolpio si avvia verso un divano in disparte, sotto un albero, e si siede malinconico.
1047.
Gli si avvicina il padrone, che ha in mano una ciotola. Guarda Encolpio bonariamente, e gli
dice, con un curioso accento da «burino» meridionale:
PADRONE: T'avevo preparato il satirio... ma qua mi pare che...
E il padrone fa col pollice e l'indice, un gesto che significa: qua non c'e niente da fare.
1048.
Encolpio lo guarda col volto infinitamente triste.
Soppresse la 1047 e la 1048. Aggiunta la scena di Encolpio frustato dalle prostitute nel
tentativo di risvegliarne gli addormentati sensi.
1049.
Adesso la scena è cambiata. È pomeriggio inoltrato, l'aria è meno luminosa; tutti dormono,
come nella “Bella addormentata nel Bosco”...
1050.
... Dormono fra i cuscini Ascilto e alcune ragazze, in mezzo a bicchieri rovesciati e piatti con
avanzi;...
1051.
... dorme il padrone, accoccolato per terra, con la faccia fra Ie mani;...
1052.
... dormono due ragazze abbracciate come sorelline;...
1053.
... dormono gli schiavi e i servi in gruppo, ammassati come cani.
1054.
Encolpio non dorme, anzi ha gli occhi fissi, sbarrati.
E vede...
1055.
... Eumolpo che si allontana, portato via dai servi in lettiga, silenziosamente.
1056.
Eumolpo si volta verso Encolpio e gli dice:
EUMOLPO: Addio Encolpio. Ti aspetto.
1057.
Encolpio e stupito:
ENCOLPIO: Dove? Mi aspetti dove?
1058.
Eumolpo si allontana, la voce si perde:
EUMOLPO: La nave che porta in Africa gli schiavi e Ie merci preziose partirà alla mezzanotte
di domani... C'è ancora un viaggio da fare... Nuove scoperte...
Eumolpo scompare, torna il silenzio e l'immobilità. Ma subito, c'è FUORI CAMPO una
esplosione fragorosa di musica: una banda fracassona e sgangherata, con suoni discordanti,
strazianti: acutissimi e bassi; una musica urlante e angosciosa nella sua apparente festosità.
1059-1060.
Nel giardino tutti si svegliano, e corrono fuori: sono attratti e spaventati; corrono al richiamo
di quella musica come a qualcosa di ineluttabile, d'invincibile, di affascinante.
1061.
Encolpio fa anche lui per seguire gli altri, incerto...
1062.
... Dalla finestrelIa, si affaccia di nuovo la vecchietta scapigliata, che ride e gli dice:
VECCHIETTA: I Lupercali! Vatti a esporre, vatti a esporre! Se ti fai frustare da loro, ti tornano
Ie forze, lo sai? Quelli danno la fecondità.
La 1062 è stata soppressa. A questo punto, nel film, s'inserisce il racconto della vita della
maga Enotea, che viene fatto dal padrone del Giardino delle Delizie, anziché dal Nano.
Scena n. 54.
Gittà africana. Lupercali. Esterno. Sera.
La scena 54 è stata soppressa.
1063-1066.
Encolpio si aggira sperduto in mezzo a una strabiliante festa che travolge tutto il paese, fino
alIa periferia, ai campi circostanti. È una festa sacra e pagana, erótica e magica,
contadinesca, orientaleggiante: nel suo insieme dà piú spavento che gioia.
1067-1070.
In questa festa, dove trionfano i falli di legno di Priapo, e dove avvengono frequenti episodi
amorosi, Encolpio si sente sempre piú escluso e disperato. Ogni tanto, con rabbia sempre
maggiore, si getterà in mezzo a un'orgia, afferrerà una donna che gli si offre, ecc.; ma per
ritrarsi ogni volta sconfitto e umiliato.
1071.
Durante la festa, si assisterà a scene come queste:
1072.
Una processione a cui partecipano molti asini truccati, con ali finte incollate sulla schiena.
1073.
Una frenetica danza su otri pieni di vino.
1074.
Delle vestali cuociono su un altare salse speciali, con l'aria mistica di grandi esperte di
cucina.
1075.
Passa una gigantesca statua di un dio egiziano, con testa di animale; intorno alIa statua
quattro persone tengono :alzati quattro specchi, perché la statua possa vedere il suo carteo
di fanatici.
1076.
La processione sfila fra due ali di soldati romani, che tengono indietro la folIa come poliziotti.
1077.
Nei campi, i contadini bruciano in un grande falò gli arnesi di lavoro: forconi, rastrelli, aratri,
vanghe, ecc.
1078.
Due soldati spalancano il cancelletto di ferro della prigione; i carcerati sono liberati, e si
spargono tra i festanti, conservando però Ie facce cupe, pallide e barbute.
1079.
Intorno a un'aia, sono disposte delle altalene, molto alte, su cui velocissimamente, come in
una giostra, vanno su e giú i contadini.
1080.
Gruppi di persone con maschere aberranti, in corteccia di albero, a forma di teste di animali
o di fauni.
1081-1082.
Su due croci a forma di X, affiancate, sono legati un maiale e un uomo (un criminale).
Vengono sgozzati tutti e due da un sacerdote.
1083.
Dei bambini mangiano bambole di pasta.
1084-1085.
Ma i veri protagonisti della festa sono dei sacerdoti, giovani e robusti, i quali sgozzano
rapidamente delle capre, e Ie scuoiano...
1086.
... Poi indossano la pelle dell'animale,...
1087.
... e con altre pelli si fanno delle solide corregge, con cui frusteranno la gente...
1088.
... Con queste sferze in mano, corrono rapidi su e giú, in due file di opposta direzione,...
1089.
... e colpiscono a tutta forza quelli che si espongono aIle frustate:...
1090.
... in gran parte donne.
1091.
Anche Encolpio, affascinato e inorridito, si espone aIle frustate dei Lupercali; poi cade in
ginocchio, vergognoso, dolorante.
1092.
Ed è attratto e quasi ammonito da immagini di fallimento, di senescenza,...
1093.
... un vecchio con un filo di sangue che gli esce dalla bocca, portato via a braccia;...
1094.
... una vecchia orrenda che baIla una danza frenetica e poi sviene;...
1095.
... dei lebbrosi, con la faccia mangiata seminascosta dal manteIlo, che assistono in piccolo
gruppo, seduti in disparte, vergognosi.
1096.
Alcuni giovani mascherati, con in mano dei bastoni molli di cuoio, a forma di falli pendenti,
circondano Encolpio...
1097.
... e lo colpiscono con quei bastoni, schernendolo.
Scena n. 55.
Fattoria del nano. Esterno. Alba.
Soppresse le inquadrature 1098-1100, il Padrone del Giardino delle Delizie comincia il
racconto della vita di Enotea al posto del Nano.
1098.
Una fattoria, molto squaIlida, cupa. In un recinto, dove di solito stanno Ie bestie, ricoperto
solo in parte da una rozza tettoia, giace immobile il Nano. È sdraiato dentro una mangiatoia
di pietra, su un mucchio di stracci e di coperte. Accanto, ha un grosso cero giallo, un
candelone acceso, il cui chiarore si confonde con quello dell'alba.
259
1099-1105.
Il Nano parla, ansimando, con voce afona, rauca, con accento siciliano. Ogni tanto la voce gli
scende al livello d'un brontolio indistinto, gorgogliante: si fa sempre piú afona, fino a sfumare.
E ogni tanto il volto è contratto da smorfie di dolore. ParIa a Encolpio, che gli siede di fronte.
NANO: Il tormento mio è lo stesso del tuo, anche se è l'opposto.
Chi niente, chi troppo. Troppo è doloroso come niente. Tre anni d'agonia, fratello. Tre anni
senza potermi rilasciare... Meglio morire, meglio morire. Tu sei cappone, io so' fatto stallone.
Priapo è capriccioso: m'ha castigato. Lui e Enotea m'hanno castigato: Enotea e lui.
ENCOLPIO: Enotea?
NANO: È una maga molto potente; è la padrona della città; è un'indovina. Può tutto: alzare la
terra, sciogliere i sassi, fare l'acqua di pietra. Spegnere le stelle. Un oste che le aveva fatto
offesa l'ha trasformato in rana; adesso quel povero vecchio nuota in una botte del suo vino e
parla coi clienti cosí; cra, cra, cra, cra, cra... Un avvocato che l'aveva diffamata, l'ha
trasformato in montane. E adesso, se vai in tribunale, vedi quel montane che tratta le cause.
Encolpio è terrorizzato, incantato. Mormora:
ENCOLPIO: Enotea...
NANO: Tanti anni fa... Tanti anni fa era una bella ragazzina, e c'era un mago famoso che
s'era pigliata la cotta per lei! M a it mago era vecchio e brutto, e lei sai che fece? Gli disse
cosí, dice: vieni stanotte a casa mia, ch'io ti calo un cesto per salire su da me...
E quando il vecchio stava nel cesto, lei lo legava a un'inferriata, hai capito?
Scena n. 56.
Casa con cestone (nel racconto del Nano). Esterno. Giorno.
1106.
Un gran cesto è fermo, pendente lungo il muro di una casa, a mezz'aria; la corda è stata
legata ad un'inferriata, e il cesto non può ne salire né scendere...
1107.
... Dentro il cesto, c'è un vecchio stregone, tutto scuro di pelle, avvolto in un mantellone nero,
come un uccellaccio.
1108.
Sotto il cesto, s'è raccolta una folIa di curiosi, che indicano il mago col braccio teso, ridono, lo
sbeffeggiano.
1109.
Dentro una finestrina, si intravedono alcuni volti di giovinette, che ridono maliziose, e
scompaiono come fantasmi.
1110.
Il mago resta immobile, cupo nella sua vergogna. Si passa una mano sulla faccia. Fa un
ghigno amaro. Poi sibila fra i denti qualcosa che non si capisce.
La voce del Nano, afona, gorgogliante, continua FUORI CAMPO:
NANO (F.C.): E lui si vendicava contra la città, sai come? Il fuoco. Ha tolto it fuoco a tutta la
citta!... Questo tanti anni fa... Tanti anni...
Scena n. 57.
Città buia (nel racconto del Nano). Esterno. Notte.
1111-1113.
Visioni della città, di notte, completamente al buio. È illuminata da una luna a tre quarti,
rossastra. Finestre buie, nessuno per la strada. Solo qualche ombra, qua e là, si fa sotto Ie
260
porte. Da dentro Ie case vengono pianti, lamenti, invocazioni; come se la città fosse in preda
a una pestilenza.
Scena n. 58.
Spelonca del Mago (nel racconto del Nano).
Interno-Esterno. Giorno.
1114.
Fuori d'una spelonca tutta sassi, come una cava, il Mago sta seduto all'ombra d'un fico.
Guarda...
1115.
... due uomini che sono davanti a lui; uno giovane a cavallo di un asino; l'altro piú anziano a
piedi.
II giovane parla con disinvoltura e coraggio:
GIOVANE: Da tre giorni io mangio il pane secco. E quando sarà finito? Senza fuoco non si
può stare. I bambini e Ie donne, a forza di mangiare erbe crude, non fanno che vomitare. I
ladri approfittano del buio e corrono per la città come branchi di lupi.
1116.
Il mago resta pensieroso. Poi dice a bassa voce:
MAGO: Ma il fuoco c'è. Portate Ie vostre torce e accendetele.
1117.
L'uomo anziano chiede dolorosamente:
ANZIANO: Ma dove?
1118.
Il mago s'illumina d'un riso maligno.
MAGO: Sotto Ie vesti di Enotea. È là che it fuoco si nasconde... Là lo troverete...
1119.
I due uomini si guardano in faccia stupiti, mentre FUORl CAMPO si sente una lunga,
convulsa shignazzata del mago.
Scena n. 59.
Casa di Enotea (nel racconto del Nano).
Interno. Giorno.
1120.
La casa della giovane Enotea, piuttosto tenebrosa, augusta, povera. Un conidoio, in fondo al
quale c'è una stanzetta dove sta Enotea.
1121.
Enotea sta sdraiata su un lettuccio, con la testa fra Ie mani e piange di vergogna e di
rabbia...
1122.
... Intorno a lei, i parenti la confortano come se fosse un'ammalata grave.
1123.
In silenzio, come rispettando questo clima di lutto, delle persone in fila percorrono in
261
continuazione il corridoio, ciascuno con una torcia o un mazzo di frasche in mano...
1124.
... Si avvicinano ad Enotea, e accostano Ie torce aIle parti basse della ragazza:...
1125.
...le ritraggono fiammeggianti.
Intanto la voce del Nano riprende la narrazione FUORl CAMPO:
NANO (F.C.): E quella, adesso che è vecchia, si vendica contro la città, contro tutti; ci tiene
in pugno... Tiene un potere magico, hai capito? Il fuoco dentro le è rimasto!
Scena n. 60.
Fattoria del Nano. Esterno. Alba.
1126.
Il Nano ha finito il suo racconto. Encolpio ha ascoltato con grande attenzione, incantato
come una bambina da una favola. Domanda:
ENCOLPIO: E dove sta adesso?
Il Nano fa un gesto con la mano, a indicare: chissà? Lontano !
NANO: Mah... Chi dice all'acquitrino... chi dice alla montagna...
ENCOLPIO: E tu non l'hai cercata? Non vuoi guarire, tu?
1127.
II Nano sta per rispondere, ma scoppia vicinissimo un clamore.
1128.
Irrompono nella fattoria, nel recinto, gruppi di festanti, ubriachi, eccitati, rossi in faccia;
innalzano giganteschi Priapi di legno, cantano rapidissime e brevi canzoni oscene;...
1129.
... si gettano suI Nano e lo sollevano.
II Nano urla di dolore, come un forsennato.
1130.
I festanti lo portano in trionfo come una vivente statua di Priapo, in mezzo a quelli di legno,
incuranti dei suoi urli e maledizioni...
1131.
... Se ne vanno schiamazzando, cantando e soffiando dentro contorti strumenti a fiato.
1132.
Encolpio è rimasto solo nel recinto, davanti alla mangiatoia vuota, mentre il cero si consuma.
1133.
II corteo si è unito ad altri cortei; i festanti cominciano una vera sarabanda di tipo sabbatico.
Sono state soppresse: l'ultima battuta di Encolpio (1126) e le inquadrature 1127-1133.
Scena n. 61.
Acquitrino con battello. Esterno. Giorno.
1134.
Un battello percorre un vasto acquitrino. È una chiatta, mossa da ruote a pale, che sono
262
azionate da quattro grossi mufloni maschi aggiogati a un albero maestro. I mufloni,
camminando in tondo, fanno girare l'albero, che comunica il moto aIle ruote;...
1135.
... la barca avanza lenta, tra il calpestio dei mufloni e il cigolio del fasciame.
1136.
Ogni tanto il battelliere accelera il moto lasciando andare una frustata suI dorso dei mufloni...
1137.
... II battelliere è torvo, tutto giallo in faccia, evidentemente per la malaria, ed è scosso dai
brividi della febbre.
1138.
Ascilto dorme sdraiato lungo la murata.
Encolpio, appoggiato alla murata, guarda lo stagno paludoso attraversato dal battello.
1139.
Qua e là, Ie acque sembrano piú profonde; sono piú cupe. Tra Ie canne e Ie altre erbe
palustri, ogni tanto spuntano cime di alberi sommersi. II battello passa anche vicino a quattro
colonne che spuntano dall'acqua...
1140.
... Uccelli volano bassi, lanciando urla roche.
1141.
Encolpio guarda...
1142.
... una specie di isolotto, quasi tutto coperto di cespugli e di canne, ma dove s'intravede
anche il tetto di una casa bassissima. È là che sta dirigendosi il battello.
1143.
Quando Encolpio vede avvicinarsi la casa, ha un moto di spavento e va ad accucciarsi
presso Ascilto...
1144.
... Gli accarezza i capelli. Ascilto si sveglia, e sorride.
ENCOLPIO: Ascilto , hai paura?
ASCILTO: Io? Di che cosa?
ENCOLPIO: Verrà Enotea? Se non venisse?
1145.
Ascilto si alza in piedi.
ASCILTO: Verrà, verrà... Verrà a prendersi questi...
E Ascilto mostra una manciata di denari, con un ghigno.
Incontra lo sguardo...
1146.
... del battelliere, pallido e tremante, che lo fissa.
1147.
L'isolotto è sempre piú vicino.
263
1148.
Encolpio ha un sobbalzo, perché si è sentito un grido lontano, una breve frase
incomprensibile, urlata da qualcuno, fra Ie acque.
Scena n. 62.
Acquitrino con isolotto della maga Enotea. Esterno. Giorno.
1149.
II battello si è fermato presso l'isolotto, ed Encolpio e Ascilto sono balzati a terra...
1150.
... Camminano impantanandosi, aprendosi la strada fra Ie canne. C'è un gran silenzio.
1150 a.
Davanti a loro, compare la casa della maga. È una bassa e larga costruzione, con poche
finestre chiuse da battenti di legno. Anche la porta è chiusa.
1151.
Ascilto si ferma, si lascia scivolare giú, si accoccola per terra...
1152.
... Encolpio prosegue il cammino da solo.
1153.
Osserva delle gabbie per Ie galline; vuote. E nota anche...
1154.
... una statua spezzata, rovesciata e semiaffondata nel fango. La testa della statua è di
donna, ed ha un fine sorriso ambiguo.
1155.
Encolpio si avvicina alla casa, e senza esitazioni spinge la porta; entra.
Scena n. 63.
Casa della maga Enotea. Interno. Giorno.
1156.
L'interno della casa è rischiarato dal sole che filtra tra Ie connessure dei battenti delle finestre
e della porta. Raggi del sole polverosi che s'incrociano.
È un'unica stanza, tutta ordinata e pulita. Un camino con dei tegami e altri oggetti di cucina
appesi. Da un lato, un lettino. In mezzo, c'è un'ara di pietra, con una statuetta.
1157.
Una vecchia negra, tutta vestita di nero, si muove in quella penombra; si avvicina ad
Encolpio, che la guarda con gli occhi sbarrati.
1158.
La vecchia pone delicatamente una mano suI braccio, e gli parla affettuosa, materna:
VECCHIA NEGRA: Sei benedetto. Enotea viene, Enotea viene per te. Bevi, figlio mio.
E indica un calice deposto sull'ara...
264
1159.
... Encolpio prenae il calice, deciso, disposto a tutto, e beve...
1160.
... mentre la vecchia sguscia via silenziosamente, se ne va.
1161.
Encolpio siede suI letto. Si guarda intorno.
1162.
Poi si alza, va a spiare quel che succede, attraverso Ie fessure delle finestre. E vede...
1163-1164.
... Ascilto e il battelliere che stanno colluttando; si rotolano nel fango come due scarafaggi.
1165.
Encolpio è come se non vedesse; resta con lo sguardo fisso, distratto; solo la faccia gli si
contrae in una smorfia piagnucolosa.
1166.
Resta in piedi, appoggiato alIa parete. Aspetta.
1167.
Un grosso uccello nero passa davanti alIa finestra; è come un'ombra che presto scompare.
1168.
SuI lettino, adesso, c'è sdraiata Enotea, che guarda Encolpio. È una donna dal fisico
robusto, di contadina cotta dal sole; può avere anche sessanta o settanta anni, ma è sana,
forte, con la pelle fresca, e un viso intenso e bello, sotto i capelli bianchi come argento.
1169.
Encolpio rimane fermo, contro il muro; la guarda incantato, timido.
1170.
Enotea si alza in piedi, lenta, maestosa; si avvicina a Encolpio. È altissima, piú alta di lui; gli
si ferma di fronte guardandolo curiosamente.
1171.
Encolpio la fissa, attratto e spaventato, aspettando che dica qualcosa, che agisca.
1172.
Enotea col braccio forte, deciso, lo palpeggia; poi scuote la testa e sospira con sconforto.
ENOTEA: È un' anguilla marinata.
Gli occhi d'Encolpio si riempiono di lacrime; mormora:
ENCOLPIO: Mammina mia, che disgrazia!
Soppressa la prima parte della 1172 (con la prima battuta di Enotea).
1173.
E aggiunge piangendo:
Il reo che hai di fronte è confesso... Ho commesso un tradimento, ho ucciso un uomo... ho
profanato un tempio... Adesso sono un soldato senz'armi. Chi abbia fatto il pasticcio, non so.
Non riesco a capire cosa ho combinato... Questa paralisi...
265
1174.
Enotea comincia lentamente a spogliarlo, con gesti materni; un lieve sorriso un po' triste Ie
appare suI volto; mormora:
ENOTEA: Bambino mio... incestuoso...
Battuta soppressa alla 1174.
1175.
E tira fuori uno dei suoi seni, come una donna che allatta: è un seno ancora fresco,
bianchissimo, sodo. Encolpio afferra il grande corpo della donna; vi si aggrappa, tenta di
scalarlo come una vetta.
1176.
Enotea, sempre col suo sorriso triste, si distende suI Ietto, e attrae Encolpio su di sé.
1177.
EncoIpio si arrampica suI corpo di Enotea, affannato, desideroso; tenta di raggiungere con Ie
Iabbra quelle di Enotea.
1178.
Enotea gli prende Ia testa, con mossa decisa, e incolla la bocca alla bocca di EncoIpio.
Encolpio si abbandona al bacio con dedizione totale, stanca.
1179.
Lei lo stringe forte con Ie braccia robuste; lo accarezza teneramente.
Scena n. 64.
Acquitrino con isolotto della maga Enotea. Esterno. Giorno.
1180.
Encolpio appare sotto la porta della casa di Enotea; stordito da quanto è avvenuto, e dal sole
che lo investe in pieno.
Ascilto gli è vicino; lo prende per mano e gli sussurra:
ASCILTO: Vieni...
1181.
Ascilto trascina di corsa Encolpio verso il battello;...
1182.
... l'isolotto sembra disabitato , all'infuori di loro due. I due saltano velocemente suI battello.
Scena n. 65.
Battello sull'acquitrino. Esterno. Giorno.
1183.
Ascilto ed Encolpio sono suI battello, soli; Ascilto dà una frustata ai mufloni, che cominciano
a girare.
1184.
Ascilto baIza verso il timone, e dirige il battello. Poi allunga un'altra frustata ai mufloni.
266
1185.
Encolpio, piegato sulla murata, comincia a ridere; il riso felice, un po' sciocco, di chi ha
superato una crisi; il riso ancora debole del convalescente.
1186.
Ascilto, serio, affannato, passa dal timone ai mufloni, che frusta e incita. Poi, fissato il
timone...
1187.
... si avvicina ad Encolpio, sempre chino suI parapetto, e gli mette un braccio intorno alle
spalle.
1188.
I mufloni, eccitati dalle frustate, veloci, fanno girare rapidamente l'albero.
1189.
Le ruote a pale battono Ie acque della palude.
Scena n. 66.
Terra fra la palude e il mare. Esterno. Giorno.
1190.
Scesi dal battello, Encolpio e Ascilto camminano su un terreno piatto, argilloso, fra il mare e
lo stagno paludoso che hanno attraversato. Non c'è anima viva in giro.
1191.
Encolpio cammina avanti, in preda a una strana eccitazione, Ascilto lo segue. Encolpio parla;
parla un po' fra sé, un po' ad Ascilto.
ENCOLPIO: Sono gli Dei maggiori che mi hanno rimesso a posto. Mercurio, bontà sua, mi
ha restituito quello che una mano rabbiosa m'aveva strappato.
1192.
Ride e si volta verso Ascilto:
Bisogna stare allegri, adesso. Ho da recuperare it tempo perduto. C'imbarcheremo, sai?
Stanotte partiamo.
1193.
Ascilto sorride con una certa pena, come se avesse un dolore nascosto; si è fatto pallido; e
ogni tanto sbanda, camminando.
ASCILTO (malinconicamente): E dove andiamo?
ENCOLPIO: Lontano, fratellino; del resto qui ci scotta it terreno sotto i piedi; it nuovo Cesare
è molto severo coi fuorilegge, dicono...
1194.
Ascilto arranca dietro a Encolpio, che non si accorge di nulla, e va avanti, a testa alta.
ENCOLPIO: Mi sembra di avere le ali. Quella maga mi ha stravolto it cervello. Corri, Ascilto...
1195.
Ascilto è sempre piú pallido e barcollante. Si ferma, poi riprende a camminare.
ENCOLPIO: Ho da recuperare il tempo perduto. Il fiore della giovinezza appassisce presto.
La vita è un dono...
267
1196.
Ascilto ruzzola per terra...
1197.
... Encolpio lo guarda stupito...
1198.
Ascilto raspa un po' per terra, come un animale colpita a morte, poi resta immobile.
1199.
Encolpio si avvicina ad Ascilto. Si china su di lui
1200.
Ascilto sta rantolando. La bocca gli si fissa in una specie di sogghigno; Ascilto è morto.
Encolpio, scoprendo un po' il cadavere, si accorge che ha un grosso squarcio suI fianco.
1201.
Encolpio si guarda intorno, smarrito. Muove qualche passo incerto. E si accorge con un
brivido che l'aria intorno a lui è popolata di presenze misteriose.
1202-1204.
Fra gli alberi, i cespugli e il mare, sono apparse visioni trasparenti, abbaglianti nell'aria
luminosa: sono gli Dei.
Teste gigantesche, dal sorriso sereno; o minuscole, incerte, lievemente beffarde.
1205.
Alcuni sembrano parlare fra loro, ma di Encolpio; ge lo indicano, e bisbigliano parole senza
suono.
1206.
Un Dio dall'aria pensierosa e triste fa cenno di no con la testa.
1207.
Fra Ie onde del mare, sembra rotolarsi gioiosamente Venere.
1208.
Un vecchio Dio bonario alza il braccio come a indicare ad Encolpio chissà che cosa.
1209.
Encolpio si è inginocchiato in terra, rannicchiato, e piange in un parossismo di rabbia. Grida
fra i denti:
ENCOLPIO: Maledetti... avete ragione: vi ubbidirò... Maledetti!
1210.
Alcuni Dei ridono, quasi scandalizzati, divertiti.
1211.
II fervore di quelle figure è aumentato; è come un frullare di ali, di piedi alati.
1212.
Una mano si sparge, reggendo il caduceo di Mercurio.
268
1213.
Un Dio guerriera si toglie l'elmo, si passa un fazzoletto fra i capelli sudati.
1214.
Encolpio si è rovesciato indietro, si sdraia, scosso ancora dal pianto; e mormora:
ENCOLPIO: Miei adorati Dei, vi odio...
1215-1217.
Gli Dei si muovono, corrono, è come una fuga fra gli alberi e i cespugli; alcuni volti
scompaiono contro Ie nuvole; altri invece si sporgono piú nitidi. Altri ancora ridono con divina
serenità. All'improvviso, appare anche Gitone: immagine sorridente che sale rapida verso il
cielo.
1218.
Encolpio è in piedi, solo, triste. Guarda dritto davanti a sé. Gli Dei sono scomparsi; ma c'è
ancora nell'aria come una vibrazione, una tensione, un'ansia.
Soppresse dalla 1201 alla 1218.
1219.
Adesso Encolpio è ritto presso il cadavere di Ascilto. Pensieroso e triste, lo guarda, e parla
fra sé, senza muovere Ie labbra:
VOCE DI ENCOLPIO (F.C.): Dov'è adesso la tua gioia, la tua prepotenza? Sei in balia dei
pesci e delle belve: tu che poco fa ostentavi la tua innocenza guerriera. Avanti, adesso,
mortali: riempitevi di sogni... Dèi grandi, come giace lontano dalla sua mèta!
Scena n. 67.
Esterni vari. Esterno. Giorno.
1219 a.
Encolpio cammina, solo e malinconico, attraverso alberi e cespugli.
1220.
In un altro ambiente, giace sdraiato su un prato, e guarda il cielo.
1221.
Di nuovo cammina, su una lingua di terra presso il mare.
Scena n. 68.
Spiaggia con nave di Eumolpo. Esterno. Giorno.
1222.
In acque stagnanti, oleose, dense, ai confini fra la palude e il mare, si innalza la nave di
Eumolpo, piatta come un fondale di teatro.
1223.
Presso la nave, sulla terraferma, c'è come un piccolo accampamento: un baldacchino, con
sotto un letto; qua e là, casse ed anfore. E un gruppo di persone immobili.
1224.
Encolpio si avvicina lentamente.
269
1225.
Un uomo giovane, dall'aria forte e serena, forse il capitano della nave, si fa incontro ad
Encolpio e gli dice:
CAPITANO: La nave che doveva portare in Africa Ie merci preziose e gli schiavi, non partirà.
Il nostro padrone è morto.
Il giovane indica ad Encolpio...
1226.
... il vecchio Eumolpo, morto, sdraiato sul letto sotto il baldacchino. Ha il volto ancora roseo,
e sembra sorridere lievemente; è perfettamente composto, sembra addormentato.
1227.
Encolpio lo guarda; ha una espressione piú consapevole, matura e triste. Guarda Eumolpo,
poi guarda...
1228.
... il giovane capitano, i marinai fermi a braccia conserte, gli amici intorno, Ie casse di merce
ammonticchiate in giro, qualche schiavo in fondo, uno schiavo negro seduto su una casa...
1229.
Il capitano ha in mano alcuni fogli. Dice:
CAPITANO: Ha lasciato uno strano testamento, signore.
Ascolta anche tu.
1230-1231.
Mentre inquadriamo Eumolpo, immobilizzato nel suo fine sorriso, la voce del capitano legge
il testamento ed è come se parlasse Eumolpo stesso.
CAPITANO (F.C.): “Tutti coloro per cui ci sono legati nel mio testamento, ad eccezione dei
liberti, potranno entrare in possesso di quel che ho lasciato a patto che facciano a pezzi il
mio corpo e alla presenza di tutti lo mangino. Esorto i miei amici a non respingere il mio
invito, ma divorino il mio corpo con lo stesso ardore con cui avranno mandato all'inferno la
mia anima”.
1232.
Uno degli uditori fa una smorfia di disgusto. Gli altri hanno ascoltato attentamente. Un
vecchio tendeva l'orecchio per sentile meglio.
1233.
Il capitano commenta, leale e serio:
CAPITANO: Impossibile. È uno scherzo.
1234.
Si fa avanti uno degli eredi; un uomo pallido, magro, dall'aria untuosa e ipocrita. Parla con
convinzione.
EREDE: E perché? Presso certe popolazioni, anche oggi, c'è la norma che i defunti debbano
esser mangiati dai familiari. Difatti i malati si sentono rimproverare di continuo che cosí
rendono cattiva la loro carne.
1235.
Un altro erede, un uomo grasso e stanco, seduto all'ombra interviene anche lui:
UOMO GRASSO: Di un rifiuto del mio stomaco non ho da temere. Seguirà i miei ordini, se
per un'ora di nausea gli prometto un mucchio di cose buone...
1236.
Anche un vecchio dall'aria saggia parla con voce pacata:
270
VECCHIO: Certo, ci sono degli esempi... I Saguntini, assediati da Annibale, mangiarono
carne umana, e non si aspettavano un'eredità... Lo stesso fecero i Petelini... E quando
Numanzia fu presa da Scipione, si trovarono delle madri che stringevano fra Ie braccia i corpi
rosicchiati dei loro figIi...
1237.
Un giovanotto, forte e sano, dall'aria golosa, si avvicina al cadavere, e dice gioiosamente:
GIOVANOTTO: Io sono pronto ad eseguire.
1238.
E, estratto un coltello, esamina il corpo di Eumolpo come studiando qual è il modo migliore
per tagliarlo.
1239.
Intanto il vecchio saggio bisbiglia:
VECCHIO: Tutto quanto accade è necessario...
1240.
Qualcuno fugge inorridito.
1241.
Gli eredi formano un gruppo compatto intorno al cadavere, e con la solennità di un rito, con
calma e decisione, si accingono alIa dissezione.
1242.
Encolpio ha seguito la scena con serietà ed attenzione, e adesso ride; è un riso piú stanco,
ed anche piú folIe del suo solito. Un riso d'intesa, di comprensione, di accettazione.
1243.
Le immagini si fanno piú distorte e frammentarie...
1244.
... Si intravede soltanto qualcosa di quanto succede: la lama di un coltello affilato...
1245.
... un erede che dà un ordine a uno schiavo,...
1246.
... un marinaio che si arrampica sulla nave con una corda...
1247.
... poi Ie onde del mare sulla riva...
1248.
... poi ancora Encolpio che ride; ED A QUESTO PUNTO LA STORIA SI SPEZZA, SI ROMPE
IN UNA SERlE DI IMMAGINI DISCONTINUE.
Soppresse dalla 1243 alla 1248.
1249-1253.
VISIONI INCERTE, di persone che compiono gesti inafferrabili, o ridono per qualche motivo
misterioso; visioni di cose ferme, paesaggi abbaglianti, fissi, eterni.
A poco a poco, l'allucinato viaggio in una dimensione storica cosí favolosa si ferma e si
allontana dal nostro occhio. Tutto si screpola, si copre della polvere dei secoli. Si trasforma
in un antico affresco; un affresco stinto, coi colori pompeiani, dove Encolpio è soltanto uno
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dei tanti volti di persone, dal sorriso ambiguo, che adornano l'affresco.
Il finale è stato modificato in misura rilevante. Encolpio, raccogliendo l'invito del capitano
della nave di Eumolpo, si unisce ad un equipaggio di giovani che, dopo aver rifiutato di
nutrirsi del corpo del vecchio poeta, salpano verso nuovi lidi e nuove avventure.
VOCE DI ENCOLPIO: Decisi di partire con loro. La nave trasportava merci preziose e
schiavi... Toccammo porti di città sconosciute. Udivo per la prima volta i nomi di Keliscia...
Rectis... In un'isola ricoperta di erbe alte, profumate, mi si presentò un giovane greco, e
raccontò che negli anni...
VOCE DI ENCOLPIO (sovrapposizione): Cum iis proficisci statui. Navis merces pretiosas et
servos vehebat. Portus et locos ignotos attigimus. Primum Keliscia, Rectis nomina audibam.
In insula quidam herbis altis, suaveolentibus operta, adolescens Graecus mihi apparuit et
narravit annos...
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