A importância do mecanismo de “splicing” alternativo para a

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A importância do mecanismo de “splicing” alternativo para a
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Artigos Originais
A importância do mecanismo
de “splicing” alternativo
para a identificação
de novos alvos terapêuticos
Margarida Fardilha1, PhD, Odete A. B. da Cruz e Silva2, PhD,
1
Edgar F. da Cruz e Silva , PhD
1. Laboratório de Transdução de Sinais
2. Laboratório de Neurociências, Centro de Biologia Celular,
Universidade de Aveiro, 3810-193 Aveiro, Portugal
Correspondência: [email protected]
Resumo
A motilidade progressiva dos espermatozóides é um factor essencial para a sua
fertilidade. Ao nível molecular, este processo depende da fosforilação de proteínas
ainda não identificadas, uma vez que o tratamento de espermatozóides imóveis com
agentes moduladores da fosforilação proteica, incluindo inibidores específicos de
proteínas fosfatases, induz a sua motilidade. Os nossos estudos anteriores indicam que
a proteína fosfatase PP1ã2, uma isoforma da proteína fosfatase 1 produzida por “splicing” alternativo e grandemente enriquecida nos espermatozóides, provavelmente tem
um papel importante na regulação da sua motilidade. A PP1 actua ligando-se a
proteínas reguladoras que a levam para locais específicos da célula e regulam a sua
actividade. Através do Sistema Dois Híbrido de Levedura iniciámos um projecto de
identificação das proteínas reguladoras da PP1ã2 em testículo humano que poderão ser
úteis para modular a motilidade dos espermatozóides e, assim, servir como alvos terapêuticos para o tratamento da infertilidade masculina e/ou para o desenvolvimento de
novas estratégias de contracepção masculina. Várias das proteínas reguladoras identificadas são novas variantes, também produzidas por mecanismos de “splicing” alternativo, de proteínas previamente conhecidas. Neste artigo focamos a importância do
“splicing” alternativo como mecanismo extraordinário de produção de complexidade
proteica e para a identificação de alvos terapêuticos de enorme especificidade.
Palavras-chave: Esperma, infertilidade, contracepção, Nek2, PP1.
Abstract
Spermatozoa leave the testis incapable of progressive motility, which is only acquired
during transit through the epididymis. At the molecular level, this process is dependent on the phosphorylation of proteins not yet identified, since treatment of non-motile sperm with modulators of protein phosphorylation, including protein phosphatase-specific inhibitors, induces motility. Our previous studies showed that PP1ã2,
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a protein phosphatase 1 isoform produced by alternative splicing, highly enriched in
sperm, has a major role in the regulation of sperm motility. Since PP1 acts via binding to
regulatory proteins that target it to specific cellular locations and regulate its activity,
we initiated a project to identify putative regulators of PP1ã2 in human testis that might
serve as therapeutic targets to interfere with sperm motility and thus act on male infertility and contraception. Some of the protein regulators identified are also alternatively
spliced variants of previously known proteins. In this paper we will address the
importance of alternative splicing as an extraordinary mechanism to produce protein
complexity and to identify therapeutic targets of great specificity.
Introdução
Depois de vários genomas terem sido completamente descritos, como o de Caenorhabditis
elegans, um nemátode com pouco mais de 1000
células e 19,500 genes, ou o do milho, com aproximadamente 40,000 genes, pensou-se que o genoma humano consistiria em mais de 100,000 genes
[1]. No entanto, o Projecto do Genoma Humano
revelou, com alguma surpresa, que existiam pouco mais de 30,000 genes codificantes [2]. O genoma humano produz uma enorme variedade de
proteínas (estima-se que serão mais de 100,000)
a partir de um número relativamente reduzido
de genes através do mecanismo conhecido como
“splicing” alternativo (SA), que consequentemente explica a discrepância entre as dimensões
do genoma e do proteoma [3, 4].
Os genes dos mamíferos estão organizados
numa estrutura exão-intrão com uma média de
8.7 exões por gene [5]. Após a transcrição, o pré-mRNA sofre “splicing” e remoção dos intrões,
através dum grande complexo de proteínas e
RNA designado por spliceossoma [6]. Este complexo reconhece sequências consenso, locais de
“splice”, localizadas nas extremidades dos exões e
intrões, e une os exões removendo os intrões (Fig.
1A).
Figura 1: (A) Mecanismo clássico de expressão genética; um gene é transcrito numa cópia de cadeia única de RNA
(transcrito primário) que é depois editado pela remoção de intrões (“splicing”) originando o RNA mensageiro que é
traduzido numa proteína. (B) Mecanismo de “splicing” alternativo; o transcrito primário de um determinado gene
pode ser editado de vários modos, por exemplo, um exão pode ser excluído do RNA mensageiro final ou incluído o
que leva à produção de dois RNAs mensageiros diferentes que podem originar duas proteínas diferentes.
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Figura 2: Principais
tipos de “splicing”
alternativo. Exões
constitutivos estão
desenhados a cinza e
regiões que sofrem SA a
vermelho. Intrões estão
representados por
linhas. A tracejado
indicam-se os eventos de
splicing.
Um gene pode originar várias proteínas funcionalmente diferentes [7, 8] porque há formas
alternativas de remover os intrões de um determinado pré-mRNA (“splicing” alternativo ou SA),
resultando em mais do que um mRNA maturo por
gene (Fig. 1B). Existem cinco formas principais de
SA (Fig. 2). O “skipping” ou saltar de exões (Fig.
2A) contribui para cerca de 38% dos eventos de SA
conservados entre os genomas de humano e ratinho. Já o SA 5’ e 3’ (Fig. 2B e C) contribuem para
18% e 8% dos eventos de SA conservados, respectivamente. Por outro lado, a retenção de intrões
(Fig. 2D) é responsável por menos de 3% do SA
conservado entre os genomas de humano e ratinho. Por fim, os restantes 33% são resultado de
mecanismos de SA mais complexos, que incluem
SA mutuamente exclusivos (Fig. 2E), locais de
iniciação de transcrição alternativos e múltiplos
locais de poliadenilação [9]. O SA explica não só a
diversidade entre organismos com um conjunto
de genes semelhante, mas também permite que
diferentes tipos de tecidos tenham diferentes funções com base nos mesmos genes, bastando que os
editem de um modo diferente para produzir proteínas diferentes. Assim, a prevalência do SA
aumenta com a complexidade de um organismo.
Estima-se que mais de 60% dos genes humanos
sofrem SA [3], enquanto que, por exemplo, na
levedura Saccharomyces cereviseae nunca foi des-
crito o processo de SA [10]. Actualmente, começamos também a compreender como erros nos mecanismos de “splicing” podem levar a diversas patologias [11-14] e, por isso, como determinadas
variantes de “splicing” podem ser úteis como marcadores no diagnóstico dessas disfunções. Por
exemplo, a Disautonomia Familiar (ou Neuropatia
Hereditária Sensorial e Autónoma, Tipo III) é uma
doença neurodegenerativa recessiva que resulta
de uma mutação num único nucleótido do gene
IKBKAP (IkappaB kinase-associated protein) que
leva ao seu SA no sistema nervoso. Isto provoca a
diminuição da quantidade proteína IKBKAP normal, originando o desenvolvimento anormal do
sistema nervoso que leva à morte de cerca de metade dos pacientes com esta doença antes dos 30
anos [15, 16]. Sabe-se hoje que cerca de 15% das
mutações que originam doenças genéticas fazem-no afectando o “splicing” do RNA mensageiro
[17]. As variantes normais duma proteína produzidas por “splicing” alternativo, podem ser específicas de um determinado órgão ou tipo celular,
tornando-se alvos terapêuticos ideais para o desenvolvimento de novos fármacos que assim não
afectam mecanismos semelhantes noutros tecidos
que envolvem as outras variantes de “splicing”
dessas proteínas.
O gene que codifica a proteína fosfatase 1 gama
(PP1ã) sofre SA para originar duas isoformas: a
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Figura 3: Representação diagramática da produção das variantes de “splicing” do gene da PP1ã (PP1ã1 e PP1ã2). Exões
e intrões não estão desenhados à escala, e os exões estão numerados. A variante específica de testículo, PP1ã2, é
produzida por “splicing” alternativo do exão 7. A sequência específica de aminoácidos no C-terminal de cada uma
das variantes está indicada. STOP, indica a localização do codão stop.
ubíqua PP1ã1 e a PP1ã2 enriquecida no testículo
dos mamíferos [18]. Estas duas proteínas diferem
apenas nos respectivos terminais carboxílicos
(Fig. 3). Assim, um fármaco desenvolvido para
actuar sobre o C-terminal da PP1ã2 no testículo, é
improvável que afecte outros órgãos. Dado que as
fosfatases em geral e a PP1γ2 são enzimas multifuncionais envolvidas no controlo de variadíssimos processos intracelulares, e que a sua regulação é feita através da sua interacção com proteínas
reguladoras, outra estratégia, possivelmente ainda
mais eficiente, seria desenhar novos fármacos
terapêuticos contra essas proteínas reguladoras.
Estas proteínas reguladoras estão certamente envolvidas num menor número de acontecimentos
celulares do que a própria fosfatase, sendo assim
ainda mais específicas para essas funções.
Pensa-se que a PP1ã2 tem um papel importante
na regulação da motilidade dos espermatozóides
humanos [19, 20], dado que os espermatozóides
imóveis tratados com inibidores específicos adquirem motilidade. Por outro lado, a PP1 actua
sempre associada a outras proteínas, formando
holoenzimas e adquirindo assim especificidade
para as suas múltiplas funções. Recentemente, investigámos a natureza das proteínas reguladoras
da PP1ã2 no testículo humano, algumas das quais
podem estar envolvidas na regulação da motili-
dade [21, 22]. Após a identificação de várias proteínas reguladoras da PP1ã2 em testículo humano,
utilizando o Sistema Dois Híbrido de Levedura,
constatou-se que muitas dessas proteínas eram
elas próprias objecto de SA. Neste momento algumas estão a ser estudadas com o intuito de desenvolver, a longo prazo, estratégias terapêuticas que
actuem especificamente nas variantes de SA
unicamente expressas no testículo ou nos espermatozóides humanos. Deste modo, pretende-se
utilizar os sistemas de sinalização celular da
PP1ã2 como alvos específicos de uma terapia de
transdução de sinais direccionada para interferir
com a espermatogénese ou com a motilidade dos
espermatozóides. Espera-se que novas abordagens biomoleculares deste tipo possam levar ao
desenvolvimento de novos métodos de contracepção masculina ou ao tratamento de alguns tipos de
infertilidade masculina.
Métodos
Imunodetecção de proteínas
Os tecidos utilizados foram homogeneizados
em 1% SDS, a concentração proteica foi determinada pelo método de BCA e, consoante o tecido e o
anticorpo utilizados, uma quantidade adequada
de proteína (indicada nas legendas das figuras) foi
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Figura 4: (A) Expressão
da PP1ã1 e da PP1ã2 em
córtex de rato (25ìg),
testículo humano
(200ìg) e esperma
humano (100ìg). A
detecção foi realizada
com o anticorpo CBC3C
que reconhece as duas
isoformas pois estas só
diferem numa pequena
porção do C-terminal.
(B) Expressão da PP1ã2
em testículo e esperma
humanos (50µg). A
detecção foi realizada
com o anticorpo CBC502
específico para a PP1ã2.
separada por electroforese em condições desnaturantes (SDS-PAGE). De seguida, as proteínas foram transferidas do gel de poliacrilamida para
uma membrana de nitrocelulose e a membrana
foi depois incubada com o anticorpo anti-PP1ã1
(CBC3C) ou anti-PP1ã2 (CBC502), seguido de um
anticorpo secundário conjugado com peroxidase,
sendo a detecção efectuada por ECL (Amersham).
Detecção de PP1ã2 em espermatozóides
por imunofluorescência
Espermatozóides humanos (500ìl) ressuspendidos em 1XPBS, depois de lavados e centrifugados a 350g durante 7min, foram incubados em
lamelas tratadas com poli-L-ornitina durante 15
minutos. De seguida, os espermatozóides foram
fixados com 4% paraformaldeído, lavados com
1XPBS e permeabilizados com metanol durante
2min. Depois, foram incubados com anticorpo
primário CBC502 diluído 1:250 em 3%BSA em
PBS durante 1h à temperatura ambiente. O anticorpo primário foi removido e após 3 lavagens
com 1XPBS, o anticorpo secundário diluído 1:300
em 3%BSA em PBS foi incubado durante 1h. Depois de lavar 3 vezes com 1XPBS, as lamelas foram
montadas numa lâmina com uma gota de Fluoro-
guard. Os espermatozóides foram visualizados
num microscópio de epifluorescência Olympus.
Resultados
Realizou-se anteriormente um rastreio a uma
biblioteca de cDNAs de testículo humano, para
identificar proteínas reguladoras da PP1ã2 que
potencialmente pudessem ser alvos para a regulação da motilidade dos espermatozóides. Os resultados obtidos poderão ter aplicação prática no tratamento da infertilidade masculina associada à
baixa motilidade, ou mesmo ausência de motilidade, dos espermatozóides ou, no sentido oposto, para o desenvolvimento de um contraceptivo
masculino que iniba por completo a motilidade
dos espermatozóides, impedindo-os assim de alcançar o óvulo.
A PP1ã2 é uma proteína fosfatase específica
para serina e treonina enriquecida no testículo, ao
contrário da PP1ã1 que é ubíqua. Curiosamente, a
PP1ã2 é a forma predominante nos espermatozóides, sendo a sua expressão relativamente mais elevada do que em testículo (Fig. 4). Por imunocitoquímica, localizámos a PP1ã2 em espermatozóides humanos utilizando o anticorpo primário
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Figura 5: Imunolocalização da PP1γ2 em espermatozóides humanos. A figura da esquerda mostra dois
espermatozóides humanos em contraste de fase (60X). À direita estão os mesmos espermatozóides marcados com o
anticorpo específico anti-PP1γ2 (CBC502). Na figura mostram-se duas células diferentes para melhor exemplificar os
locais onde a PP1γ2 está presente uma vez que a cauda e a cabeça do espermatozóide estão em planos diferentes; na
célula do painel superior a PP1γ2 está presente na cauda e na célula do painel inferior na zona equatorial da cabeça.
anti-PP1ã2 (CBC502) e um anticorpo secundário
fluorescente. A PP1ã2 está presente na cauda e
também na cabeça do espermatozóide, em especial na zona equatorial que é a área que contacta
com o óvulo aquando da fecundação (Fig. 5). A sua
localização sugere que a PP1ã2 pode estar não só
envolvida na regulação da motilidade, mas possivelmente também na fecundação.
Do rastreio da biblioteca de cDNAs de testículo
humano com a PP1ã2 resultou a identificação de
28 proteínas que se ligam à PP1ã2, e por isso possíveis reguladoras da motilidade dos espermatozóides. Várias destas proteínas são novas variantes, produzidas por “splicing” alternativo, de proteínas já conhecidas. Um exemplo é a proteína
Nek2C [21-23], uma nova variante da proteína
cinase Nek2, que é produzida por SA 3’ de um pré-mRNA que também produz a proteína originalmente identificada como Nek2A [24]. A Nek2A é
uma proteína cinase que regula a estrutura dos
centrossomas durante o ciclo celular [25], especificamente durante a transição G2/M. Sabe-se que a
PP1 desfosforila a Nek2A assim como alguns dos
seus substratos [24].
No rastreio efectuado obtiveram-se 71 clones
positivos para a Nek2, 65 dos quais codificavam a
Nek2A e 6 a Nek2C. Obtivemos vários clones independentes para ambas as isoformas, fragmentos
de cDNA com diferentes tamanhos, o que indicia
que esta nova variante de “splicing” não é simplesmente um artefacto da biblioteca. Através da sequenciação completa dos clones verificou-se que
a nova isoforma, Nek2C, tem 24 nucleótidos a
menos que a isoforma já conhecida, Nek2A, correspondendo à ausência de 8 aminoácidos (Fig.
6A). Ambas possuem o motivo consenso de
ligação à PP1 (RVHF), presente na grande maioria
das proteínas que se ligam à PP1. Como consequência, a Nek2C possui um sinal de localização
nuclear activo que não existe na Nek2A. Assim,
a localização celular de uma proteína pode ser
controlada pelo mecanismo de SA [23]. O gene da
Nek2A está localizado no cromossoma 1 [26]. Alinhando o cDNA da Nek2A com o cromossoma 1 é
possível identificar os exões e intrões (Fig. 6A). A
Nek2A é codificada por 8 exões distribuídos ao
longo de 13Kb, e o “splice” alternativo da Nek2C
ocorre no exão 8 [22].
Discussão
A importância do SA como mecanismo de
produção de diversidade proteica é evidente pelo
crescente número de genes identificados que são
objecto de SA, bem como do cada vez maior número de investigadores envolvidos no seu estudo. Esta investigação, apesar de ainda estar numa
fase embrionária, aponta num futuro próximo para aplicações terapêuticas quer em doenças hereditárias quer nas adquiridas, como o cancro. Um
exemplo descrito em 2003 consiste em induzir o
“splice” de um exão que normalmente seria passado. Usou-se este método em células humanas
em cultura para corrigir defeitos de “splicing” em
versões mutadas do gene BRCA1, implicado no
cancro da mama, e no gene SMN2, que causa atrofia muscular espinal [27].
Várias evidências atribuem um papel importante à PP1 na regulação da mitose. A PP1 está presente em múltiplas estruturas mitóticas como cro-
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Figura 6: (A) Mecanismo
de “slicing” alternativo
da Nek2. Os exões e
intrões não estão
desenhados à escala, e
os exões estão
numerados. (B) Possível
uso de oligonucleótidos
anti-senso para alterar a
expressão genética.
Desenhando um
oligonucleótido
específico para o local
de “splicing” (barra
verde) poder-se-ia tentar
favorecer a formação do
RNA mensageiro da
Nek2A uma vez que o
local de ‘splice’ da
Nek2C fica mascarado,
aumentando assim o
rácio Nek2A/Nek2C.
mossomas, fuso e centrossomas. Muitas das alterações que ocorrem durante o ciclo do centrossoma
devem-se a fosforilação proteica [28], sendo uma
das proteínas cinase envolvidas a Nek2A, relacionada com a separação dos centrossomas. A Nek2A
está associada aos centríolos através da ligação a
uma outra proteína, C-Nap1 [29], também relacionada com a separação dos centrossomas e que é
fosforilada pelo complexo Nek2-PP1. Além da
Nek2A e da Nek2B [26], identificados em linfócitos primários, nenhuma outra isoforma da Nek2
tinha sido descrita até muito recentemente. Neste
trabalho, descrevemos a identificação de uma variante de “splice” da Nek2 em testículo humano, a
que chamamos Nek2C (AY863109), e reforçamos a
importância do SA. A expressão da Nek2A em
testículo de rato é muito elevada e dependente das
várias etapas da espermatogénese [30]. A ocorrência de SA em testículo foi já amplamente demonstrada [31], não sendo talvez inesperada a identificação de um novo “splice” da Nek2 neste órgão.
Como já referido acima, a nova variante tem menos 24 nucleótidos, o que corresponde a menos 8
aminoácidos (ELLNLPSS) que podem ter um papel importante na regulação da PP1. Esta nova
isoforma da Nek2, a Nek2C, pode ter um papel importante na regulação específica da PP1ã2 em testículo. No entanto, outras experiências necessitam
ainda de ser realizadas para perceber o significado
biológico deste novo “splice” em testículo. De
qualquer modo, a Nek2C, sendo específica de testículo, é potencialmente um alvo bastante atractivo para o desenvolvimento de novos fármacos
para o tratamento de infertilidade ou para o desenvolvimento de um contraceptivo oral masculino,
não-hormonal. Por exemplo, poder-se-ia, através
do controlo do mecanismo de SA do gene da Nek2
favorecer uma ou outra isoforma, através de técnicas de oligonucleótidos anti-senso (Fig. 6B). Ao
contrário da técnica de RNA de interferência [32]
ou outras que destinam o RNA para a destruição, a
técnica dos oligonucleótidos anti-senso permite
actuar sobre o SA mudando o rácio das variantes
de “splicing” que ocorrem naturalmente, modulando assim a expressão do RNA. Por exemplo, o
antigénio de membrana específico da próstata
(PSM) tem uma isoforma curta e outra longa (PSM
e PSM’) produzidas por uso alternativo de locais
de ‘splice’ 3’ no exão 3. A razão PSM/ PSM’ é 150
vezes maior no cancro da próstata do que em tecidos normais. Este rácio pode ser usado como marcador do aparecimento e progressão deste tipo de
cancro [33]. Apesar de não haver evidências de
que a PSM’ cause o cancro da próstata, trabalhos
recentes sugerem a sua aplicabilidade como alvo
terapêutico [34, 35]. No caso presente, seria interessante avaliar se alterações no rácio Nek2A/
Nek2C teriam alguma influência na espermatogé-
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nese e na motilidade dos espermatozóides. Esta
técnica já foi utilizada para restaurar a produção
de hemoglobina funcional em células humanas
progenitoras do sangue de pacientes com talassemia em que um local de splice 5’ aberrante leva à
produção de hemoglobina mutante. Mascarando a
mutação com oligonucleótidos anti-senso que se
ligam especificamente àquela região do RNA foi
possível restaurar o local de “splicing” [36].
Esta abordagem é facilitada pelo facto dos
oligonucleótidos anti-senso já estarem aprovados
para o tratamento de pacientes. Vitravene foi a primeira destas drogas a ser usada para o tratamento
da retinite provocada por citomegalovirus [37],
actuando na diminuição da expressão do gene
causador da doença. Hoje, o grande desafio é utilizar oligonucleótidos anti-senso para manipular as
vias de SA.
Agradecimentos
Este projecto foi apoiado pelo Centro de Biologia Celular da Universidade de Aveiro, e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através dos projectos POCI/SAL-OBS/57394/2004 e REEQ/1023/
BIO/2005. MF é recipiente de uma bolsa de pós-doutoramento (SFRH/BPD/16132/2004).
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