DanteCultural-09 - Colégio Dante Alighieri

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DanteCultural-09 - Colégio Dante Alighieri
DanteCultural
Ano IV - nº 9 - Junho/2008
ISSN 1980-637X
A cidade
da saudade
Italianos tentaram recriar em São Paulo casinhas como as de sua
terra e ainda trouxeram uma arquitetura requintada para erguer
grandes monumentos da capital paulista
Ennio Candotti
O presidente de honra da SBPC trabalha
pela divulgação da ciência no Brasil
Cinema
15 anos sem Federico Fellini, mestre da
fantasia, do humor e do humanismo
Juó Bananére
O criador de paródias em linguagem macarrônica
que imitava o sotaque dos imigrantes italianos e
foi precursor do modernismo
Puglia
A gastronomia de misturas ousadas
e as atrações turísticas da região
que liga a Itália ao Oriente
Aqui contamos a história do
amanhã
Sala Ho
ra
do Conto
Centro de Pesquisa Multimídia
Biblioteca Infantil
Biblioteca Central
Colégio Dante Alighieri
Onde seu filho começa uma grande história
Educação Infantil (Maternal e Jardim) s Ensino Fundamental s Ensino Médio
www.colegiodante.com.br / (11) 3179-4400
Mensagem
do Presidente
O Sino
Uma taça invertida de metal, com badalo suspenso no seu interior, quando percutida,
produz sonoridade musical.
No século IX a.C., na Ásia, o instrumento já era confeccionado. Na China, era utilizado nas
aldeias. Presume-se que, nos momentos festivos, avisava as comunidades a pretexto de
convite para participação nos eventos. No mesmo período, na Assíria, era também
fabricado.
Descoberto por arqueólogos, já apresentava ricos ornamentos.
Referem os pesquisadores que, na Grécia antiga, o seu repicar destinava-se ao anúncio da
chegada do peixe fresco nas feiras-livres.
Quando invasores eram vistos à porta das cidades, tal instrumento prevenia seus habitantes
de que se preparassem para a defesa.
Roma, que já possuía cultos religiosos, dele se utilizava para chamar os fiéis. Porém, o sino
somente chegou ao norte da Europa por meio das tribos célticas, que já haviam aprimorado
sua fundição.
A França o introduziu no ano 550 d.C.. Cem anos depois, a Inglaterra passou a utilizá-lo.
Obediente ao espaço que me é destinado nesta revista cultural, desejo apenas aduzir que o
sino, no nosso Colégio, teve origem no ano de 1911, no nascimento da própria instituição.
Acredito que foi introduzido, àquela época, com a finalidade de acordar os preguiçosos
“excito lentos”.
Residia eu, no ano de 1935, quando matriculado no 1º ano elementar, na Alameda Franca.
Como eu, a grande maioria de alunos e de professores residia nas proximidades do então
Istituto Medio-Italo Brasiliano Dante Alighieri.
Daí a razão pela qual o 1º sineiro da Escola, Ezio Baldi (1878/1941), com vigoroso
entusiasmo golpeava o sonante instrumento. Já o 2º sineiro, Marino Serafini (1906/1983),
muito embora não houvesse conhecido o primeiro, percebeu, desde logo, que os
dorminhocos deveriam ser acordados com suaves vibrações....
Por meio desta singela crônica, a Diretoria eleita para o triênio 2008/2011 houve por bem
homenagear essas duas figuras imortais, que nos educaram a respeitar o horário dos
compromissos.
Nos nossos ouvidos vibra ainda aquele timbre claro e nítido, encantando também as novas
gerações!
Nós, os velhos guerreiros, quando do sino nos lembramos, tornamo-nos alunos! Acreditamos
que os novos guerreirinhos, quando hoje ouvem o seu soar, se projetam para um futuro
acalentador e amoroso!
José de Oliveira Messina
3
A.E.D.A.
COLÉGIO
DANTE ALIGHIERI
Próximo ao seu centenário, que será comemorado em 2011, o Colégio Dante Alighieri, em parceria com
a associação de seus ex-alunos (AEDA), quer entrar em contato com pessoas que nele tenham estudado.
Para tanto, solicita a você, que lá também estudou, o preenchimento do formulário abaixo, que deverá
ser enviado para o Departamento de Comunicação e Eventos do Colégio Dante Alighieri, à Alameda
Jaú, 1061 - 01420-001 - São Paulo - SP.
Obrigado.
CADASTRO DE EX-ALUNO
Nome completo:
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Ano que entrou no Colégio:
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Ano que saiu no Colégio:
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Nacionalidade:
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Data Nascimento:
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Formação acadêmica:
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Atividade atual:
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Estado civil:
Quantos filhos?
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Curso/Série:
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Sexo:
Fo
Mo
Os filhos estudam no Dante? Sim o Não o
O cônjuge estudou no Dante? Sim o Não o
Endereço:
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Telefone: (
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Nota: Este cadastro é sigiloso e intransferível, resguardamos com carinho que merece sua personalidade e de sua família.
* Os campos marcados são de preenchimento obrigatório
Carta ao leitor
Caros Leitores:
Assim como este Colégio, próximo de seu centenário, as construções planejadas pelos
arquitetos italianos de São Paulo são um bom exemplo da solidez dos projetos feitos pelos
oriundi. Na matéria de capa deste número da DanteCultural, vamos conhecer um pouco da
obra desses artistas, desde os anônimos construtores do fim do século XIX até Telesforo
Cristofani, famoso arquiteto falecido em 2002, passando por Tommaso Gaudenzio Bezzi,
que projetou o Museu do Ipiranga, e Giulio Micheli, que, além do viaduto Santa Ifigênia,
traçou as linhas do nosso Dante.
Lutador incansável pela divulgação da Ciência, Ennio Candotti é o nosso ex-aluno
entrevistado nesta DanteCultural. Nascido na Itália, veio jovem para o Brasil, e nunca mais
parou de viajar. Hoje, é presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), entidade que já dirigiu.
Outro personagem retratado em nossas páginas é um homem que brincava com as palavras,
um brasileiro que escrevia propositalmente em um italiano macarrônico. Trata-se de
Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que, sob a alcunha de “Juó Bananére”, em seus
textos publicados no jornal O Pirralho, debochava dos poetas parnasianos, chegando a ser
um dos grandes inspiradores do movimento modernista.
Gianni Ratto, artista completo, é o homenageado da seção Perfil. Amante do teatro e das
mulheres (não necessariamente nessa ordem), Ratto buscava na sua Itália natal as
referências estéticas de seu trabalho. Chegou ao fim de uma longa, fértil e atribulada vida
de uma forma também singular: bebendo vinho em sua casa.
Outro artista, este do canto, tem sua vida contada por nós neste número. Um dos grandes
tenores italianos, Giuseppe Di Stefano, que cantou com a lendária Maria Callas, não soube,
porém, preservar sua brilhante carreira. Faleceu no início deste ano, 16 anos depois de sua
última apresentação pública.
Federico Fellini completa a tríade dos brilhantes artistas italianos presentes nesta edição.
Mestre do cinema e criador de filmes inesquecíveis, Fellini foi o diretor mais premiado da
história do Oscar. E ainda teve a sorte de ter se casado com uma mulher que lhe dedicava
amor incondicional e recíproco, Giulietta Masina.
Salto da bota formada pelo mapa da Itália, a Puglia é a região contemplada na nossa seção
de Turismo. Seus mares, suas catedrais e suas construções inusitadas são descritas com
primor, deixando-nos uma grande vontade de percorrer a região. Vontade que só aumenta
quando chegamos à seção de Gastronomia, com as descrições de pratos e com receitas
tentadoras da comida pugliese, indicadas pela chef Silvia Percussi.
Encerrando a edição, Silvana Leporace, coordenadora do Serviço de Orientação Educacional
do Colégio Dante Alighieri, conta, em artigo, o que é o bullying, e por que devemos
combatê-lo com rigor.
Boa leitura a todos!
Fernando Homem de Montes
Publisher
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Notas 8
Visitas ilustres da Literatura, do Cinema e da Música agitaram a vida cultural no Dante
Cartas 9
Entrevista 10
O ex-aluno Ennio Candotti fala de educação, divulgação científica e intercâmbio de conhecimento
Capa 16
Um pouco da história de São Paulo contada por projetos de arquitetos italianos
Pastifícios 24
Três famílias que produzem massas e doces muito apreciados na cidade
Juó Bananére 27
Um deboche modernista na linguagem das ruas
Literatura 30
A vida descrita em curvas de estrada no mais recente livro de Alessandro Baricco
Música 34
Giuseppe di Stefano: o auge e o fim da carreira de um grande tenor
Cinema 36
Contar a vida divinamente fez de Federico Fellini o diretor mais premiado da história do Oscar
Perfil 38
A intensa expressão artística de um dos nomes mais importantes do teatro: Gianni Ratto
Espaço aberto 42
“São fios de existência em meio a tantas mortes, é a vida resistindo apesar de tudo.”
Ensaio fotográfico 44
Italianos e descendentes que construíram suas vidas com muito trabalho, em família
Gastronomia 48
A cozinha homogênea e detalhista da Puglia
Turismo 52
Nem terremotos nem guerras tiraram da Puglia o posto de uma das regiões mais charmosas da Itália
Artigo/Educação 58
A postura construtiva dos adultos é essencial para que se acabe com o bullying
Memória 59
Álbum aberto
6
Capa: Arthur Fujii
Arthur Fujii Walter Albertin, New York World-Telegram & Sun Collection - Library of Congress
Tadeu Brunelli C4 Arquivo Pessoal Ennio Candotti C5 André Santana C6 Gianni Ratto: www.gianniratto.com
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C5
C6
A Revista DanteCultural (ISSN 1980-637X)
é uma publicação do Colégio Dante Alighieri
José de Oliveira Messina - Presidente
José Luiz Farina - Vice-presidente
Renato Bernardo Fontana - Diretor Secretário
Salvador Pastore Neto - 2º Diretor Secretário
João Ranieri Neto - Diretor Financeiro
Milena Montini - 2ª Diretora Financeira
José Piovacari - Diretor Adjunto
Francisco Parente Júnior - Diretor Adjunto
Sérgio Famá D'Antino - Diretor Adjunto
José Perotti - Diretor Adjunto
Lauro Spaggiari - Diretor Geral Pedagógico
DanteCultural
Fernando Homem de Montes - Publisher
Marcella Chartier - Editora (jornalista responsável - MTb: 50.858)
Revisão: Luiz Eduardo Vicentin
Projeto Gráfico: Nelson Doy Jr.
Diagramação e arte: Simone Alves Machado e Joyce Buitoni (assistente)
Ilustrações: Milton Costa
Comercial: Vinicius Hijano
Colaboradores: André Santana, André Tadao Kameda, Arthur Fujii, Daniel Lima,
Edoardo Coen, Kátia Mello, Kelly Cristina Spinelli, Itamar Cardin,
Julia Zanolli, Luisa Destri, Silvana Leporace, Silvia Percussi,
Tadeu Brunelli
Cartas
Mande suas sugestões e críticas para [email protected]
Tiragem: 6 mil exemplares
Colégio Dante Alighieri
Alameda Jaú, 1061. São Paulo-SP
Fone: (011) 3179-4400
www.colegiodante.com.br
Notas
A nova geração do Cinema Brasileiro
Quico Meirelles (que cursa Audiovisual na USP, à
esquerda na foto) e Pedro Morelli (estudante de
Cinema da mesma universidade, à direita) vieram ao
Dante a convite do Departamento de Língua
Portuguesa, no dia 26 de março, para falar aos
alunos das 3as séries do Ensino Médio sobre o filme
Ensaio sobre a cegueira (Blindness), apresentado na
abertura do Festival de Cannes deste ano e com
estréia prevista no Brasil para setembro. A obra,
uma co-produção do cinema nacional com o
Canadá, o Reino Unido e o Japão, é baseada no livro
homônimo (adotado na Escola para os
terceiranistas), do escritor português José
Saramago. A direção é de Fernando Meirelles, pai
de Quico e um dos sócios da O2 Filmes
(responsável pela produção brasileira). O pai de
Pedro, o diretor Paulo Morelli, também é sócio da
produtora.
Pedro participou das filmagens como estagiário da
figuração (foram mais de mil figurantes para
representar a população de uma cidade em que
todos ficam cegos), e Quico estagiou na assistência
da direção. No Dante, os dois exibiram, pela
primeira vez, o documentário Um dia no escuro, que
realizaram como laboratório para o filme Ensaio
sobre a cegueira. Nele, a dupla passa 24 horas em
uma casa com mais quatro pessoas, todos
vendados. O curta divertido provocou risos na
platéia, mas também uma reflexão sobre os efeitos
da cegueira coletiva na casa.
Após a apresentação do documentário, os alunos
saciaram suas dúvidas sobre o trabalho no cinema,
os cursos de Quico e Pedro na faculdade, e
discutiram também um pouco sobre o livro de
as
Saramago. As 3 séries do Ensino Médio estavam,
naquela semana, finalizando um documentário
sobre a mesma obra. "Foi muito rica a visita ao
Dante porque discutimos com o público, pela
primeira vez, as questões do nosso filme", diz
Quico. "E ainda demos idéias para os
documentários deles", conclui Pedro.
Cores e boa música da Itália no Dante
Enquanto os músicos Enzo Favata e Marcello
Peghin executavam os arranjos de música italiana
em seus instrumentos (saxofone, clarinete, violões
acústicos, e outros étnicos de sopro livre), o artista
visual Mariano Chelo desenhava, de improviso, de
acordo com a inspiração que os sons lhe traziam. As
imagens, de cores e traços que acompanhavam a
cadência das músicas, eram projetadas em uma tela
atrás dos músicos, em um auditório apenas
parcialmente iluminado. "O público se hipnotizou
com a união das cores e dos sons, foi um momento
para nos abandonarmos à visão e à audição",
comenta Luigina Peddi, diretora do Istituto Italiano
8
Sandro Mitter
João Florêncio
di Cultura de São Paulo. O órgão foi responsável
pela promoção da bela apresentação Música:
Colore & Spirito, que aconteceu no Dante no dia 6
de junho.
O repertório incluiu música popular da Sardenha
(ilha italiana), jazz e uma homenagem à música
brasileira, com a interpretação de uma canção do
compositor e arranjador Egberto Gismonti."Achei
fantástico, um espetáculo de grande gabarito, com
músicas muito bem executadas e uma composição
visual incrível", opina Marco Marsilli, cônsul da
Itália em São Paulo, que esteve presente.
“Apagar as luzes e aceitar o escuro”
"Antes que vocês me façam perguntas sobre minha
obra, preciso dizer que me esqueço de meus livros
depois que os escrevo. Senão os personagens
tomam conta de mim. Então perdoem se eu não me
lembrar de algo, sinto vergonha". Foram as
primeiras palavras do escritor moçambicano Mia
Couto na palestra ministrada no Dante no dia 26 de
março (e promovida pelo Departamento de Língua
as
Portuguesa) aos alunos das 3 séries do Ensino
Médio - mas que também foi assistida por
professores e funcionários, o que resultou em um
auditório Miro Noschese lotado por um público
atento às palavras do autor africano.
A declaração de Mia Couto no início da palestra
retrata a necessidade do autor de expurgar a
amplidão que cada livro seu guarda, para conseguir
se afastar, e então se preparar para o envolvimento
com novos personagens e histórias. Não é à toa que
ele tenha essa necessidade: em seus livros, a
linguagem fácil de acompanhar e até mesmo o
humor convivem com elementos fantásticos da
cultura africana, crenças daquele povo,
apontamentos sobre o preconceito racial e a
formação de estereótipos, e referências constantes
à guerra que matou mais de um milhão de pessoas e
culminou na independência de Moçambique, em
1975. "A literatura ajuda a recobrar a ferida e a
transformar a dor da guerra em história", disse
Couto. Para tratar das memórias dolorosas de modo
a permitir que elas cicatrizem, o autor revelou o
segredo: "Temos que fazer da tristeza nossa amiga,
não fugir dela. E apagar as luzes dentro de nós,
aceitando o escuro sem medo, para podermos
enxergar as estrelas".
O Colégio adota dois títulos de Mia Couto para os
alunos do Ensino Médio: O outro pé da sereia e O
último vôo do flamingo. O autor soube disso apenas
durante a viagem ao Brasil. "Fiquei muito feliz, para
mim foi uma surpresa. Fiquei aflito com isso no
começo porque achei que poderia ser a morte do
livro, se tivesse havido uma relação fria desses
jovens com a literatura. Mas hoje vi aqui que foi
muito mais que isso, os alunos perceberam muito
dos meus livros e refletiram de verdade", comentou
Couto.
João Florêncio
João Florêncio
Cartas
Em meu nome e em nome de toda a equipe do Ca'd'Oro,
gostaria de agradecer a linda e generosa matéria alusiva à
nossa empresa, publicada na edição nº 8 da excelente
revista Dante Cultural.
Como ex-aluno dessa gloriosa escola, à qual muito devo
pela minha formação, fiquei duplamente feliz e emocionado.
Aurelio Guzzoni
Diretor-presidente
Indústria de Hotéis Guzzoni S/A
Gostaria de parabenizar a equipe pela
excelente qualidade de suas matérias.
Durval Paupério Sério
Bela, como sempre, a Dante Cultural.
Apreciei a matéria "A Mérica da Colheita"
e os tristes e heróicos acontecimentos da
história do Palestra Itália.
Lino Pretto
9
Entrevista
Divulgação
10
Conhecimentos múltiplos
para entender o mundo
Grande nome da divulgação científica no Brasil, Ennio Candotti está sempre de mudança.
Mantém o olhar atento às peculiaridades e à história de cada lugar,
atitude essencial para a compreensão de realidades e para o cultivo das diferenças
Por Marcella Chartier
Imagens: Arquivo pessoal Ennio Candotti
A pesar de o entrevistado desta edição da DanteCultural ser reconhecido como físico de carreira
dedicada à ciência, o que se nota, depois de se conhecer sua trajetória, é a multiplicidade. Ennio
Candotti foi aluno do Dante de 1953 a 1960 e, depois de graduado em Física pela USP, passou dez
anos na Europa (principalmente entre Itália e Alemanha), estudando outras áreas, como Ciências
Sociais, Geografia e História. De volta ao Brasil em 1974, envolveu-se com a organização do Instituto
de Física do Rio de Janeiro, no qual edificou uma de suas principais bandeiras: o desenvolvimento e a
divulgação da ciência no país. Para se concentrar nesses objetivos, não prescindiu do olhar
abrangente, atento também à totalidade e às nuances dos fenômenos que vão além dos físicos. Tal
amplitude de foco é resultado de seu passeio interdisciplinar pelo conhecimento, que marcou todos os
projetos dos quais participa até hoje.
De lá pra cá, Candotti reconhece uma evolução satisfatória, tanto na área de desenvolvimento e
divulgação, quanto na de infra-estrutura da produção científica. "Em 1980, as pessoas que se
dedicavam a isso por aqui cabiam numa Kombi. Hoje, já precisamos de um avião para colocar todos",
comemora. Mas o otimismo em relação ao tema, para ele, depende diretamente de um progresso na
educação. "Nosso ensino ainda é muito teórico, pouco prático, os laboratórios não ocupam espaço
maior que os das salas de aula expositiva", afirma. Para ele, a variedade de talentos deve ser
respeitada, e cada habilidade, depois de detectada, aperfeiçoada. "Tem pessoas que não sabem
resolver uma questão algébrica, mas sabem pensar em maneiras de se mover no espaço, dançando.
Por que não dar a elas a chance de se manifestarem e se comunicarem por meio dessa capacidade?",
questiona.
Aos 66 anos, o ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) - hoje
presidente de honra da mesma instituição -, está se mudando de Vitória, onde era professor da
Universidade Federal do Espírito Santo, para Manaus, no Amazonas, para conduzir o que chama de
sua mais recente paixão: a fundação do Museu de Ciências Naturais do Estado Amazônico. "O projeto
promove um modo de olhar para a floresta amazônica, atento às peculiaridades daquele lugar. É
essencial que se procure entender a Amazônia sem fixar parâmetros rígidos", afirma. Antes da partida,
concedeu esta entrevista à DanteCultural, na qual falou sobre ciência, educação, intercâmbio de
intelectuais entre os países da América Latina, e também lembrou os tempos de aluno do Dante.
O senhor nasceu na Itália e se mudou ainda criança
para cá. Como foi a viagem ao Brasil e a adaptação
no novo país?
Nasci em Roma, em fevereiro de 1942, e cerca de
dois anos depois, meu pai - que era diretor de um
banco - foi transferido para Veneza. Em 1945, foi
transferido novamente, desta vez para Trieste. Lá
que eu fui alfabetizado. Depois nos mudamos para
San Remo, onde meu pai ficou desempregado.
Vivíamos em plena crise do pós-guerra e ele era um
alto funcionário sem perspectiva de trabalho em
uma cidade pequena. Decidiu, então, emigrar para o
Brasil. Veio no início de 1952, e logo em seguida
viemos eu, minha mãe e meu irmão mais novo.
Viajamos em um navio de emigrantes de 17 mil
toneladas. Hoje, quando vejo esses navios
pequenos atravessarem o oceano, me dá até medo.
Era quase uma caravela, cheia de gente, e me
lembro bem das noites de mar muito agitado.
Chegamos no fim de 1952 ao porto de Santos, e a
primeira lembrança que tenho do Brasil é de quando
me ofereceram guaraná, quente, e não gostei.
Viemos morar em São Paulo, e dois meses depois
eu já estava no Dante. Morava pertinho, então ia
todos os dias a pé para a escola. Como eu ainda
tinha dez anos no momento da matrícula, em
fevereiro, tive que cursar de novo o último ano do
primário. Mas foi bom para que eu pudesse
aprender a língua portuguesa com mais calma.
Quais são suas lembranças dos tempos de Dante?
Lembro de jogar bola no campo de futebol, de
comer sanduíche de mortadela da cantina no
recreio, do sr. Marino (Marino Serafino, porteiro do
Colégio na época) tocando o sino, das filas que se
formavam para descer ao pátio e para subir à sala de
aula. Lembro também que era muito comportado,
talvez até demais, e era muito bom aluno de
História, Geografia e Desenho, não de Física. Talvez
eu devesse ter me dedicado mais à História do que à
Física.
Tive professores atentos e generosos, uma
professora em especial foi muito importante,
lecionava italiano, chamava-se Camerini. Era mãe
11
de um físico que tinha sido colega do Cesar Lattes
(um dos maiores físicos brasileiros, também exaluno do Dante). E foi ela que me fez encontrar o
Lattes para fazer uma entrevista, que foi publicada
no jornal de que eu fazia parte na escola, em 1959.
Eu cismava em estudar Física, um pouco por
teimosia, mas também por influência de uma leitura
que fiz quando pequeno. Meu avô era advogado e
diretor de uma escola secundária, e lia bastante,
tinha uma biblioteca fabulosa em casa. E me deu de
presente, antes de eu sair da Itália para vir ao Brasil,
um livro chamado Este mundo grande e terrível, da
Ginestra Amaldi. Era um livro de divulgação
científica, de física, zoologia, astronomia, que eu lia
durante a viagem, deixava embaixo do travesseiro.
E a entrevista e o livro motivaram o senhor a estudar
Física...
É. Mas acabei fazendo, por um tempo, Física
durante o dia e Economia à noite, neste prédio da
[rua] Maria Antonia em que estamos (a entrevista
foi concedida na sede da SBPC).
Depois, passei dez anos na Europa estudando
outras áreas que não a Física. Me envolvi com
atividades culturais, interdisciplinares, me
aproximei da Geografia, das Ciências Sociais, da
Antropologia, da História. Um pouco das dúvidas
que tive no momento da escolha da minha profissão
se explicitaram e acabaram se tornando objetos de
atividade permanente. Esta foi a minha grande
sorte: encontrar um caminho pelo qual eu pude
conviver com profissionais de diferentes áreas e
aprender muito com eles, estudar, me interessar por
Depois de passar caminhos cruzados.
o início da infância E como foi o retorno ao Brasil?
na Itália, Candotti Foi em 1974, quando comecei a morar no Rio de
emigrou para Janeiro e participei da organização do Instituto de
o Brasil. Na foto Física de lá, que acabou me envolvendo com a
à esquerda, está com SBPC. Voltei ao Brasil justamente para tratar da
o avô, que lhe divulgação científica por aqui. Em 1980, participei
presenteou com um da criação de uma revista que tinha esse objetivo,
livro de divulgação chamada Ciência Hoje - que ainda circula -, e mais
científica, primeiro tarde, em 1986, elaboramos a Ciência Hoje das
estímulo que recebeu, Crianças, que foi inspirada pelo Corriere dei Piccoli,
ainda garoto, para um jornalão italiano para crianças que exerceu
entender e descobrir grande influência na minha formação. Tinha muito
os fenômenos da desenho, com histórias para crianças escritas por
ciência. Na foto cientistas.
à direita, Ennio e
sua mãe, na Itália
Foi difícil escrever para crianças?
Menos do que se imagina. Se você tem alguma
coisa para dizer, encontra a fórmula. Tem pessoas
mais habilidosas que podem ajudar também, e o
segredo dessas revistas é que sejam feitas a seis
mãos: o autor escreve, o redator ajuda a esclarecer,
o desenhista, diagramador ou profissional da arte
dá conta das ilustrações e das imagens - o que, no
caso das publicações infantis, é extremamente
importante, chega a ocupar 60% do espaço.
Por que o senhor quis escrever para crianças?
Por duas razões: uma é que a curiosidade delas é
muito grande - e eu também sempre fui muito
curioso, desde pequenininho desmontava relógios
em casa, para desespero dos meus pais. E essa
curiosidade tinha pouca ressonância, pouca
resposta, publicações infantis tratavam sempre dos
mesmos temas envolvendo a fantasia livre, mas
sem abrir as caixas para ver por dentro o que
acontece nos seres, nos objetos, no mundo. Achei
que seria importante incorporar a curiosidade
científica, em relação ao que não se vê a olho nu,
com o olhar desarmado. Estimular a educação do
olhar para enxergar as mesmas coisas que todos
vêem, mas com aspectos curiosos, diferentes,
estabelecer conexões.
Além disso, naquela época tinha nascido meu filho
(Fábio, que nasceu do casamento com Maria Elisa
da Costa Magalhães), e como dedicava pouco
tempo a ele, pensei: pelo menos faço uma revista
para ver se ele lê. Mas como bom cientista social,
nunca deu muita bola para a Ciência das Crianças.
Quando o senhor foi à Europa, tinha o objetivo de
estudar e acabou permanecendo por muito tempo
lá. Teve vontade de não voltar ao Brasil?
Fui com uma bolsa da FAPESP (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para
fazer graduação, mas também tinha sido convidado
pelo governo da Itália como aluno italiano no Brasil.
Era um curso de dez meses. Aí conheci, pelo
Instituto de Física da Universidade de Pisa, um
professor que trabalhava com o Lattes, e fui para
Pisa. Quando cheguei lá, vi que dez meses eram só
o começo, então pedi que a bolsa da FAPESP me
fosse concedida por mais tempo, e consegui. Passei
dois anos em Munique, na Alemanha, depois fui
para Nápoles por mais dois anos. Quis voltar ao
Brasil em 1969, mas muitos colegas de faculdade
estavam fugindo daqui porque a situação política
era lamentável. As pessoas que chegavam na
Europa me aconselhavam a não voltar. Fiquei muito
abalado, tive amigos que foram mortos pela
repressão. A indignação com aquilo que estava
acontecendo me fez procurar entender as questões
políticas, o mundo, e fiquei mais cerca de quatro
anos na Europa estudando. Quando recebi o convite
para me estabelecer no Rio de Janeiro, voltei.
Sempre gostei de cidades com mar e não foi difícil
aceitar.
E quando assumiu seu primeiro cargo na SBPC?
Eu fui secretário regional no Rio de Janeiro de 1977
a 1981. Depois fui conselheiro, vice-presidente, e
quatro vezes presidente. Hoje sou presidente de
honra e membro do conselho, quase parte dos
móveis da SBPC (risos).
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Também pelo vínculo com a SBPC pude conviver
com profissionais de muitas áreas, escrever,
promover e continuar a divulgar a ciência.
Encontrei meio propício para contribuir com a
educação no país, e para criar instituições
capazes de promover o desenvolvimento
científico. Tenho muita satisfação em ver que
muitas idéias, projetos e propostas têm sido
realizados pelo país todo, o que acompanho de
perto viajando. Então tenho um razoável
conhecimento do que acontece em diferentes
estados em que realizamos esses eventos. Hoje
estou empenhado em criar um museu de
Antropologia e História em Manaus. Mais uma
vez, deixarei meu apartamento de Vitória, no
Espírito Santo, perto do mar...
Vai ficar mais perto de um rio...
É, no meio da floresta. Já mudei de casa umas 25
vezes nesses anos todos... (risos) Só de carregar
livros para cima e para baixo já tenho uma certa
experiência.
Ao longo dos seus diferentes mandatos na SBPC,
como notou as mudanças no desenvolvimento e
na divulgação da ciência no Brasil?
Em 1980, as pessoas que se dedicavam à
divulgação científica em nosso país cabiam numa
Kombi. Hoje, já precisamos de um avião para
colocar todos. Há um número grande de
jornalistas, escritores e pesquisadores
universitários que se dedicam com atenção à
responsabilidade de contar tudo o que se sabe,
explicar, e não apenas a escrever, mas também a
criar museus, centros de pesquisa, laboratórios, a
participar da renovação até mesmo da educação,
que ainda hoje é um pouco antiquada. Atualizar a
educação é tarefa complexa, mas muito
importante. Nosso ensino é ainda muito teórico,
muito pouco prático, os laboratórios não ocupam
espaço maior que o das salas de aula expositiva.
E a tendência, daqui a 20, 30 anos, é que o
espaço dedicado a exercício e prática, ao
movimento, à música, à arte, seja maior que o da
exposição oral e de orelhas grandes e atentas ao
que diz o professor. Fazer junto com os
professores é um desafio que aos poucos a
educação vai entendendo.
Vamos falar um pouco sobre a atuação do
governo em relação à ciência. O senhor acha que
ela está sendo tratada com a devida atenção?
Acompanho isso há 30 anos, e a luta pela criação
de instituições científicas no país é bemsucedida. Temos uma infra-estrutura de
produção científica muito superior à que
tínhamos 50 anos atrás. Formamos hoje muito
mais gente de alto nível de especialização.
Estamos em condições de enfrentar de igual para
igual o desenvolvimento científico e as
exigências do conhecimento no mundo moderno,
e também de executar sua aplicação em um
mundo produtivo. Não estamos muito longe de
poder competir com centros mais avançados.
Aqui se fazem aviões, se extrai petróleo em
condições muito complexas, e isso é produto de
nossas universidades. Claro que se usam
Formamos hoje muito mais gente
de alto nível de especialização e
estamos em condições de enfrentar
de igual para igual o desenvolvimento
científico e as exigências do
conhecimento no mundo moderno,
e também de executar sua
aplicação em um mundo produtivo.
conhecimentos
internacionais, mas
eles estão à disposição
de quem sabe lê-los, e
saber ler é saber fazer
igual. O país mudou
completamente: de
importador e fascinado
pelo que os países do
Norte faziam, para um
país que tem capacidade de pensar com a própria
cabeça, infra-estrutura para isso. A USP é hoje
muito diferente do que era 30, 40 anos atrás. Eu
lamento apenas que institutos como o da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
não tenham sobrevivido como eram, centros de
interdisciplinaridade, com atividades intelectuais
muito intensas. Quando estudante, eu chegava aqui
às 8 horas da manhã, assistia às aulas de graduação
em Física, à tarde dava algumas aulas ou estudava,
e voltava para assistir às aulas de Filosofia, de
Ciências Sociais, de Literatura, Arte, que me
marcaram muito.
Essa interdisciplinaridade sempre foi seu interesse e
se mantém até hoje.
Sem dúvida.
E cada vez mais se nota que a educação fora da sala
de aula estimula isso...
Exato. A educação precisa se diversificar,
incorporando as dimensões artísticas, nossas
faculdades que vão além do somar e subtrair, do ler
e escrever, mas usando as artes: a música, o
desenho, a criação, a poesia. Isso tudo educa e é
importante que conviva com uma educação mais
formal, que sozinha acaba sempre pendendo para a
disciplina e a organização, o que tolhe, muitas
vezes, o que há de mais rico na formação dos
jovens.
O senhor morou em muitos lugares. Por isso pôde
perceber, pessoalmente, a importância de cada
ambiente ser observado no que diz respeito às suas
peculiaridades e necessidades, o que é uma de suas
principais bandeiras...
Sim, aos poucos fui aprendendo a distinguir os
pontos de vista e a sempre procurar me colocar em
algum ângulo que possibilitasse a revelação das
riquezas, não do emaranhamento de cada lugar. Se
você vai à Amazônia e a olha com nossos olhos de
asfalto, não vai entender nada. Se você olhar
pensando no movimento das águas, nas possíveis
formas de conviver com ele e aproveitar o que ele
pode lhe oferecer, você encontra as chaves do
transporte, do movimento,
da compreensão da vida
que nos cerca. E isso vale
para a cidade grande e para
a pequena. Há sempre uma
maneira de se aproximar.
Precisamos ver as
comunidades ribeirinhas,
as indígenas, ou até
mesmo as universitárias do
interior de São Paulo com
13
Sala de aula em
Trieste, cidade do
nordeste italiano,
onde Candotti foi
alfabetizado
Precisamos ver as comunidades
ribeirinhas, as indígenas, ou até
mesmo as universitárias do interior
de São Paulo com olhos atentos à
sua história, às suas peculiaridades,
ao modo como cresceram, como se
formaram, e procurar entender
como elas são sem tentar olhar
com parâmetros fixos e rígidos.
olhos atentos à sua
história, às suas
peculiaridades, ao
modo como
cresceram, como
se formaram, e
procurar entender
como elas são sem
tentar olhar com
parâmetros fixos e
rígidos. Isso permite
colher o que de melhor
cada lugar e cada pessoa podem oferecer, como
cada comunidade pode contribuir para a vida em
comum, com participação social no país. Quando
você desenha um objeto, faz isso segundo um
ponto de vista. Se você sai desse ponto, vê outra
coisa, não quer dizer que seja melhor nem pior, mas
é diferente. Aprendi isso, sem saber, com os
mestres da arte toscana quando eu estava em Pisa.
O mundo precisa ser olhado com ponderação e
critérios para ser compreendido. O projeto do
museu amazônico de que eu falava é um pouco
isso, um modo de olhar para a floresta. O olhar que
uma pessoa de cultura indígena brasileira tem para
com a floresta é completamente diferente do que o
de um norte-americano ou o de um brasileiro de
Brasília.
A curiosidade infantil característica peculiar
também de Candotti,
que desmontava
relógios em casa
quando menino - serviu
de motivação para
que ele participasse
da criação de uma
revista de divulgação
científica para crianças,
a Ciência das Crianças
Fale um pouco sobre esse projeto do Museu de
Ciências Naturais do Estado Amazônico.
É a última paixão que tem me envolvido. Nesses
últimos quatro, cinco anos de participação na
SBPC, fui muitas vezes à Amazônia discutir os
desastres, a audiências no Congresso Nacional,
discussões na TV ou privadas, e com isso tomei um
bom conhecimento do que se passa lá, dos desafios
que se encontram em toda a Amazônia. Isso me
levou a sugerir que se criasse um museu de
sociodiversidade, antropologia, das culturas
tradicionais e também da diversidade biológica,
incorporando a floresta com diferentes olhares e
usando também a tecnologia (como censores de
radiação infra-vermelha e ultravioleta, que nos
permitem ouvir sons que não conseguimos, sentir
cheiros que não percebemos). Estar numa floresta e
poder acompanhar cheiros, cores e estímulos com
amplificadores é maravilhoso. Fiz essa proposta a
amigos que têm capacidade de decisão em Manaus
e eles aceitaram, desde que eu fosse dirigir a
orquestra. Então, como bom maestro,
aceitei o desafio e estou me mudando
para lá. M as estamos ainda
comprando os instrumentos,
treinando as flautas, os oboés, os
violinos...
O senhor está sempre de mudança...
É, mas fiquei bastante tempo em
alguns lugares: 20 anos no Rio, 13 em
São Paulo, 12 em Vitória..., mas já
estava impaciente, chegando ao limite
da minha capacidade de permanência.
Queria que o senhor falasse um pouco
sobre sua proposta de intercambiar
estudantes entre os países da América
Latina.
Esqueci de contar que passei dois anos em Buenos
Aires, de 1987 a 1989, trabalhando na criação da
Ciencia Hoy, que é a versão argentina da Ciência
Hoje. A partir dessa experiência, eu percebi a
importância de se intensificar a cooperação entre os
países latinos para a educação ser dada em
múltiplas dimensões. Não há nada mais triste do
que ver um jovem se formar de uma forma
monocromática, incapaz de ver as nuances, a
multiplicidade de cores e de tons, o que ocorre
muitas vezes quando a educação se fecha em suas
poucas verdades, certezas e normas. E as normas
se sobrepõem à capacidade de renovação delas
mesmas - muitas vezes porque o pensamento
conservador é temeroso, educa no temor, e isso
também acontece na Argentina. A soma de um
mais um sempre dá mais do que dois, porque cada
um descobre não apenas o que o outro pensa, mas
como é limitado o seu próprio modo de pensar.
Tenho a impressão de que a necessidade de
reescrever a história da América Latina é
fundamental para que esses países tenham
respeito, níveis de consciência melhores e uma boa
auto-estima para a realização de seus projetos à
altura de sua gente, que é magnífica, mas é tolhida,
aprisionada por uma história mal escrita, uma
memória mal contada, uma impossibilidade de
alcançar os melhores ideais. É um mundo que
precisa ainda se libertar de muitas restrições que
sofreu por vários anos. Na Europa, os países
superaram tudo isso porque eles lá tiveram Idade
Média. Ao contrário de nós, eles tiveram tempo
para entender e incorporar as culturas
antecessoras. Aqui ainda existe, hoje, uma
dificuldade imensa de aceitar as comunidades
tradicionais indígenas. Não se fez aquela enorme
purgação que os europeus fizeram. A Idade Média
permitiu repensar as próprias culturas locais,
assentá-las, mostrar as diferenças. Dificilmente,
sem Idade Média, teríamos hoje uma Europa unida.
Eles passaram por profundas diferenças, conflitos,
tiraram isso a limpo e agora conseguem, de vez em
quando, convergir. Não conseguimos ainda nos
entender muito bem na América Latina - apesar de
estarmos próximos disso - porque as razões de
nossas diferenças ainda não foram explicitadas. As
histórias foram sempre escritas por diferentes
pontos de vista, não cruzados, com olhares muito
pouco atentos a isso e a entender a essência dos
conflitos e das convergências. Por isso acho
essencial a cooperação científica americana, o
intercâmbio cultural, dentro dos limites que a
política permite. Nesse momento é muito favorável
a possibilidade de um maior acercamiento, de um
confronto genuíno de interesses.
Pensando nas necessidades específicas de cada
lugar, qual a principal que o senhor enxerga no
campo científico no Brasil e na América Latina?
Conhecer o país é muito importante. A biologia,
biodiversidade, a cultura, a própria história, que
está sendo revelada aos poucos. Temos uma
porção de clichês, de uma história muito marcada
por acontecimentos do exterior. E as instituições de
educação e de ciência são muito frágeis. Ainda é
preciso se demonstrar a necessidade de fazer
ciência, e que determinados sacrifícios devem ser
feitos. Tem programas de apenas dez, 15 anos, que
são prazos muito curtos, e isso não é porque os
governos mudam, é porque as sociedades não
conseguem sustentar esses programas com ou sem
governo e levá-los adiante.
A discussão sobre as células-tronco, por exemplo:
ninguém se dá conta de que, não só para saber que
as células-tronco são importantes, mas também
para saber que no processo é necessário sacrificar
aquele óvulo fecundado (o embrião de onde são
extraídas as células), foi preciso sacrifício. Foi
necessário saber romper os limites de nossa
ignorância, e interferir naquele mundo. A toda hora
fazemos escolhas, sacrificamos pessoas em sua
dignidade, em sua vida cotidiana. Esse tráfego mata
quantas pessoas por dia? Por isso vamos proibir os
automóveis de circular? Temos que continuar as
pesquisas. Até aquilo que os mais radicais sabem
foi graças ao sacrifício de algumas pessoas.
Precisamos ainda fazer com que a educação seja
um instrumento de vida coletiva, construção,
tolerância, entendimento entre as pessoas, e
estamos muito longe disso. Não basta ter
educação, é necessário que ela seja boa. Ter uma
má educação pode prejudicar ainda mais, porque
um conhecimento mal utilizado é uma arma que
causa danos.
Arquivo Dante
Ainda falando de educação, o senhor também
defende a intensificação das relações entre o ensino
médio e as universidades...
Sim, eu acredito que a falta de canais de
comunicação não é uma falta de livros e de leitura,
mas de práticas. No sistema de educação que
temos hoje em dia, ensinar a resolver uma equação
matemática de primeiro grau vale mais do que
ensinar a fazer um bom arroz. Pois eu afirmo que
saber fazer o arroz é muito mais difícil. Claro que é
preciso ter uma certa abstração para resolver uma
regra de três, por exemplo, mas é uma tarefa que
tem uma seqüência de normas a serem obedecidas.
Fazer o arroz, não. Precisa fazer muito arroz,
apanhar muito, queimar, errar na dose da água, do
sal, na qualidade do arroz, compreende? São muitas
coisas para entender. E nós continuamos a ver com
desconfiança ou admiração desmedida - que é uma
forma de distância - quem sabe fazer um bom arroz.
Não há nada mais triste do que
ver um jovem se formar de
uma forma monocromática,
incapaz de ver as nuances,
a multiplicidade de cores e
de tons, o que ocorre muitas
vezes quando a educação
se fecha em suas poucas
verdades, certezas e normas.
E isso vale para um bom
marceneiro, para um
bom pedreiro, para uma
pessoa que saiba
construir uma TV, um
computador. Então, a
prática da oficina é a
capacidade de realizar e
de pensar. O espaço
desenhado sobre uma
folha de papel tem duas
dimensões, mas na realidade tem três, e na escola o
volume do espaço em que nos movemos é
transformado em uma folha. Isso tolhe, reprime,
inibe, reduz a capacidade de expressão. Tem
pessoas que não sabem resolver uma questão
algébrica, mas sabem pensar em maneiras de se
mover no espaço. Por que não dar a elas a chance
de se manifestarem e se comunicarem por meio
dessa capacidade? Eles aprenderão também, da
mesma forma que as pessoas que sabem lidar com
as equações. Não podemos
obrigar todos a seguirem um
padrão. Essa padronização
d a e d u c a ç ã o é
empobrecedora, esteriliza a
criatividade do jovem. Se
não respeitarmos as
diferentes simpatias e
vocações de cada um,
ficaremos em uma
sociedade de conflitos que
está mais preocupada em
frustrar do que em cultivar.
Candotti guarda ainda
cadernetas escolares
e outras lembranças
dos tempos de Dante,
como boletins e
exemplares de um
jornal produzido com
outros ex-alunos
quando cursavam
o último ano na
Escola, o Gazzettino
Capa
Uma cidade erguida por
italianos
Bairros inteiros - e alguns dos prédios mais famosos de São Paulo - surgiram por
causa da imigração italiana no final do século XIX
Por Kelly Cristina Spinelli
I
Fotos: Arthur Fujii
magine uma pequena cidade silenciosa, com
casinhas de taipa, alguns edifícios de repartições
públicas, poucas lojas, ruas sem calçamento, e
grandes chácaras, afastadas do centro. Essa era a
cidade de São Paulo até, aproximadamente, 1870.
Os paulistanos eram então herdeiros diretos dos
portugueses, e a arquitetura da cidade na época (o
pouco que se conhece dela) seguia padrões
coloniais. As chácaras eram chalés de um andar,
com janelas e portas grandes para amenizar o calor.
Os maiores palacetes do centro tinham de dois a
três andares, pequenas sacadas sobressalentes,
telhados salientes e fachadas revestidas de azulejos
de diferentes cores.
Ninguém ali acreditaria se dissessem que, em pouco
tempo, a pacata São Paulo estaria completamente
transfigurada na maior e mais importante cidade do
país.
As casinhas de operários
A Itália havia passado por décadas de guerra em
busca de sua unificação, que aconteceu em 1871.
A densidade demográfica era grande na região, uma
das mais populosas de Europa, e as condições
14
Museu do Ipiranga (hoje Museu Paulista da USP)
Logo depois da proclamação da Independência, em 7 de setembro de
1822, surgiu a proposta de se levantar um monumento
comemorativo no próprio local onde a data histórica aconteceu, às
margens do rio Ipiranga. Porém, por falta de verbas e de
entendimento sobre o projeto, só depois de 68 anos o edifício foi
inaugurado, em 1890.
O engenheiro-arquiteto italiano contratado para projetá-lo foi
Tommaso Gaudenzio Bezzi. Nascido em Turim em 1844, Bezzi foi
oficial do exército, além de voluntário nas campanhas de Giuseppe
Garibaldi pela unificação italiana. Em 1875, veio para o Brasil e
começou a trabalhar com arquitetura, sua profissão de formação. A
construção ficou a cargo de Luigi Pucci, italiano nascido em
Grassina, província de Florença, que seguiu o projeto fiel e
rapidamente.
O monumento à independência, em seu projeto original, tinha a
forma de um E, mas duas alas laterais foram abandonadas por
razões de economia. Ele é repleto de elementos decorativos e
inspirados no estilo neoclássico italiano. Era o maior prédio da cidade
na época de seu lançamento. Mais tarde, entre 1908 e 1909, o
paisagista belga
Arsenius Puttemans
projetou os jardins em
torno do edifício,
inspirados no
paisagismo barroco
francês, como o do
Palácio de Versailles.
econômicas, difíceis. Faltava emprego e os
impostos eram altos.
Sete milhões de italianos emigraram entre 1860 e
1920, segundo o IBGE. Cerca de 1,4 milhão deles
vieram para o Brasil entre 1870 e 1920, muitos
atraídos pela imigração subvencionada (os
fazendeiros queriam imigrantes para substituir
como trabalhadores livres os escravos abolidos pela
Lei do Ventre Livre, de 1871, e o governo
financiava passagens e alojamentos para lhes
incentivar a vinda).
O estado de São Paulo recebeu boa parte dos
imigrantes, e muitos se instalaram na capital. Para
se ter uma idéia, em 1900 havia 50 mil
trabalhadores em fábricas paulistas, dos quais 90%
eram italianos. Foi uma revolução cultural,
econômica, social e, além disso, arquitetônica na
cidade, que já em 1900 era conhecida como a
“cidade italiana” do país.
Com o pouco dinheiro que conseguiam juntar, os
italianos se ajudavam na construção das primeiras
casas operárias da cidade. Ruas e bairros inteiros se
formaram pelas mãos dos imigrantes. Eles usavam
práticas de construção trazidas de seu país de
origem para erguer casinhas parecidas com as que
lembravam ter na Itália e das quais sentiam falta.
A São Paulo fim-de-século surgiu assim, e
pesquisadores como Anita Salmoni e Emma
Debenedetti, autoras do livro Arquitetura italiana
em São Paulo, classificam a capital da época como
"a cidade da saudade".
As casas dos trabalhadores italianos eram, em sua
Teatro Municipal
Uma das mais importantes criações do escritório de Ramos de
Azevedo, o Teatro Municipal foi projetado e erguido por dois
italianos, que, apesar de terem o mesmo sobrenome, não eram
parentes: Cláudio Rossi e Domiziano Rossi. O autor do projeto
monumental foi o primeiro, que tinha um gosto particular pelos
materiais nobres e por uma decoração suntuosa.
O prédio foi inaugurado em 12 de setembro de 1911, depois de
nove anos de trabalho consecutivos.
Em 1922, serviu de palco para a Semana de Arte Moderna, marco
inicial do modernismo no
Brasil. Alguns arquitetos
o criticavam pela má
utilização de espaços
internos e problemas de
acústica. Ainda assim, se
tornou cartão postal da
cidade e foi tombado
como patrimônio
histórico. Desde a sua
inauguração, três
reformas aconteceram
para restaurá-lo e
modernizá-lo.
maioria, geminadas, ou seja, separadas uma da
outra por muros finos. Sua planta era muito
parecida: uma entrada lateral, quartos enfileirados,
sala, cozinha e quintal. Deram à cidade uma
estética padronizada. Vila Buarque, Higienópolis,
Campos Elíseos, Bom Retiro e Brás se tornaram
bairros parecidos.
17
Viaduto Santa Efigênia
Em 1910, depois de quase duas décadas de impasses
burocráticos, o viaduto que liga os largos São Bento e Santa
Efigênia começou a ser planejado. Os sócios italianos Giulio
Micheli e Giuseppe Chiappori ganharam o projeto entre 20
propostas.
O viaduto foi esteticamente concebido em estilo art nouveau,
com belos arcos de ferro fundido incrementados de detalhes
artísticos, como rosáceas. A estrutura foi totalmente fabricada
na Bélgica. O viaduto foi inaugurado em 1913 pelo prefeito
Raymundo Duprat. Depois, em 1978, passou por reformas que
mudaram e descaracterizaram boa parte do projeto original.
Uma cidade italiana
Os bairros, que surgiam no lugar das enormes
chácaras ao redor da cidade, eram ocupados aos
milhares. Um exemplo é a Chácara das Palmeiras,
que, leiloada em 1874, tornou-se as ruas Baronesa
de Itu, Martim Francisco, Barão de Tatuí,
Albuquerque Lins, a Avenida Angélica e a Alameda
Barros.
Os italianos ergueram quilômetros de ruas em
poucos anos (muitas ganharam nomes como Rua
Veneza, Rua Príncipe de Nápoles, ou Rua dos
Italianos). Começaram a aparecer pequenos
profissionais que se autodenominavam mestres-deobras, engenheiros e arquitetos, especializados
nessas construções. Alguns imigrantes, os que
enriqueciam, contratavam compatriotas para
erguer seus palacetes. Famílias brasileiras também
passaram a usar a mão-de-obra dos imigrantes.
A cidade mudou tanto e tão rápido pelo
18
empreendimento coletivo, que houve quem, em
1900, se espantasse. Salmoni e Debenedetti citam
em seu livro o texto de Alfredo Moreira Pinto, um
advogado que havia deixado a cidade em 1870 e
voltou para uma visita, 30 anos depois. "Era então
S. Paulo uma cidade puramente paulista; hoje é uma
cidade italiana!", escreveu, e foi além:
"Tinhas então as tuas ruas sem calçamentos,
iluminadas pela luz baça e amortecida de uns
lampeões de azeite, suspensos a postes de
madeira; tuas casas quasi todas térreas (...) O Braz,
a Mooca e o Pary eram então insignificantes
povoados com algumas casas de sapê (...) Não
posso mais dar-te o tratamento de tu; fidalga como
és, mereces hoje o tratamento de excellencia. Está
V. Excia. completamente transformada, com
proporções agigantadas, possuindo opulentos e
lindíssimos prédios, praças vastas e arborizadas,
ruas todas calçadas, belas avenidas (...)"
Os grandes projetos
Ao lado dos operários, vieram também a São Paulo,
mas em menor quantidade, arquitetos já formados e
muitas vezes reconhecidos em seus países. Eles
importaram para São Paulo estilos que, embora
muitas vezes já fora de moda na Itália, eram porém
muito apreciados por aqui, como representações do
neoclássico, tendência até as primeiras décadas de
1900, e, mais tarde, manifestações do estilo
barroco, do gótico e do floreal, além de traços da
arquitetura moderna.
Enquanto nos bairros habitacionais os mestres-deobras construíam uma imensidão de casinhas,
esses outros arquitetos foram necessários para
erguer bancos, lojas, escritórios, edifícios, hospitais
e universidades. A cidade crescia e ganhava novas
necessidades.
O primeiro grande trabalho que São Paulo
encomendou a italianos foi a construção do
monumento em homenagem à Independência. O
Museu do Ipiranga (Museu Paulista da USP) foi
projetado por Tomaso Gausenzio Bezzi e executado
por Luigi Pucci entre 1884 e 1890.
Na década seguinte, a arquitetura italiana em São
Paulo ganhou mais fôlego e importância por causa
de um brasileiro, Francisco de Paula Ramos de
Azevedo. Arquiteto paulistano, ele fundou a
companhia que levava o seu sobrenome e que foi
responsável pela construção de muitos edifícios
históricos da cidade, como o Teatro Municipal, o
Mercado Municipal, o Palácio das Indústrias e o
Palácio da Justiça.
Ramos de Azevedo também reformulou o Liceu de
Artes e Ofícios, até então uma escola genérica de
cultura, transformando-a em um centro eficiente de
criação de mão-de-obra prática. Muitos alunos do
Liceu foram posteriormente seus colaboradores.
Para completar, Ramos de Azevedo tinha um gosto
particular pelo trabalho dos italianos. Eles eram
contratados como pedreiros, mestres-de-obras,
auxiliares, projetistas ou arquitetos das obras do
escritório. "Entre eles e seus descendentes tenho
encontrado os meus melhores auxiliares de todos
os misteres; e seria injusto se não salientasse a sua
notável colaboração no desenvolvimento e
aperfeiçoamento dos processos e artes da
construção", disse em discurso, em 1921.
Um italiano que foi particularmente importante para
o escritório foi Domiziano Rossi, que havia chegado
a São Paulo em 1895. Ele foi inspetor do Curso de
Artes do Liceu e se associou a Ramos de Azevedo
em diversos projetos, como o Palácio das Indústrias
e o Teatro Municipal (este assinado também por
Cláudio Rossi).
Entre 1900 e 1920, outro escritório foi importante
para a arquitetura da cidade, mudando de nome de à
medida que se sucediam os arquitetos que o
representavam: Pucci e Micheli (depois
denominado Micheli e Chiappori e, mais tarde,
Chiappori e Lanza). No início, foi criado pela
associação de Luigi Pucci (que executou o Museu
do Ipiranga) com Giulio Micheli. A seguir, Micheli se
associou a Giuseppe Chiappori e este, por fim, a
Aldo Lanza.
Entre outros trabalhos, o escritório foi responsável
por refazer a Ladeira Porto Geral, próxima à Rua 25
de março, construir o Viaduto Santa Ifigênia, a
Santa Casa de Misericórdia, além de muitos
edifícios de habitação e escritórios, fábricas e, por
fim mansões na Avenida Paulista e na Avenida
Brasil.
Edifício Conde Matarazzo (Banespinha)
O Edifício Conde Matarazzo foi encomendado em 1938
por Ermelino Matarazzo ao italiano Marcello Piacentini,
arquiteto oficial do regime fascista de Mussolini.
Matarazzo o usou por anos para abrigar a sede de suas
indústrias.
O edifício, localizado ao lado do Viaduto do Chá, na Praça
Patriarca, é repleto de linhas sóbrias e pilares altos, que
lembram um pouco construções medievais. No topo, há um
belo jardim, pelo qual ficou conhecido. Em 1947, o prédio
passou para o Banespa (Banco do Estado de São Paulo) e,
por isso, ganhou o apelido de Banespinha. Em 2004, o
Banespinha passou a ser a sede da prefeitura de São Paulo.
17
Edifício Martinelli
Com 30 pavimentos, o Edifício Martinelli foi o primeiro arranha-céu de
São Paulo, inaugurado em 1929 (com 12 andares), mas finalizado
apenas em 1934. O projeto, que não tem grande valor estético, é de seu
proprietário, o italiano Giuseppe Martinelli.
Martinelli havia chegado a São Paulo em 1893, diplomado pela Escola
Popular de Belas Artes. Na cidade, fez fortuna e quis construir o prédio
para que seu nome ficasse na história. Na época, ele era tão alto que
assustava. Martinelli morou na cobertura do edifício para provar que
era seguro.
O edifício passou por épocas de maior e menor importância e chegou
até a ser abandonado, em 1950. Reformado e tombado como
patrimônio histórico, hoje ele abriga muitos estabelecimentos
comerciais e algumas secretarias municipais.
Do neoclássico ao moderno
Quando o estilo neoclássico, uma revisão da
arquitetura clássica que surgiu na Europa no fim do
século XVIII (e que usava elementos como
abóbadas, cúpulas monumentais, formas
simétricas e materiais nobres), chegou ao Brasil
com os imigrantes, o estilo entrava em decadência
na Itália.
Por aqui, perdurou ainda alguns anos. A partir de
1920, porém, começou a ser deixado de lado.
Surgia então o estilo floreal, ou a art nouveau. Foi
quando o cimento e o uso de estruturas metálicas
começaram a ganhar o mundo - e os arquitetos
quiseram usá-los de forma decorativa, inspirandose na natureza, em flores e animais para decorar
seus projetos. O Viaduto Santa Efigênia foi
concebido com base nesse estilo.
Teve influência na cidade, também, Marcello
Piancentini, o arquiteto oficial do fascismo italiano.
Ele criou uma espécie de neoclassicismo
simplificado, usado na Itália de Mussolini e também
em São Paulo, pela classe dirigente que se
identificava com o regime. Piacentini projetou, por
exemplo, o Edifício Matarazzo, atual sede da
prefeitura.
Dali em diante, com o concreto, as casinhas de São
Paulo do começo do século foram, aos poucos,
dando lugar aos edifícios comerciais, às largas
avenidas - sendo que o primeiro arranha-céu da
cidade, o Edifício Martinelli, foi também levantado
por italianos em 1929.
A partir de então, as obras não tinham elementos
que as fizessem "tipicamente italianas", como as
casinhas dos mestres-de-obras. No mundo mais
cosmopolitano, a arquitetura passa a ser uma
linguagem comum a todos os países, mais eclética e
destacada pelo talento individual.
20
MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand)
Inaugurado em 1968 por Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários e Emissoras
Associados, e pelo professor Pietro Maria Bardi, jornalista e crítico de arte italiano,
o atual prédio do MASP é uma obra arquitetônica ousada.
Lina Bo Bardi, casada com Pietro e arquiteta modernista formada em Roma, foi
responsável pelo projeto. A construção, porém, teve de respeitar uma condição da
prefeitura: a de que mantivesse desobstruída a vista da avenida Paulista até o
centro da cidade.
Assim, ela idealizou um edifício sustentado por quatro pilares, com um vão livre que o
tornou famoso: o espaço entre eles (74 metros), na época, era o maior do mundo. O
museu tem hoje sete mil peças em seu acervo, avaliado em 1 bilhão de dólares, mas
tem sofrido com problemas financeiros.
Obelisco do Parque Ibirapuera (Monumento do Soldado Constitucionalista)
Erguido em homenagem aos heróis da Revolução Constitucionalista de 1932, o obelisco não
se define como projeto de um arquiteto, mas sim de um escultor: o italiano Galileo
Emendabili, que chegou ao Brasil em 1923, fugindo do regime fascista de Mussolini.
O monumento, localizado em frente ao Parque Ibirapuera, foi feito em mármore travertino e
tem 72 metros de altura. Faz parte da arquitetura moderna da cidade, tendo sido
inaugurado em 1955. É decorado com
mosaicos de cenas bíblicas e da
história da cidade. Dentro dele, um
mausoléu guarda as cinzas de quatro
estudantes mortos durante um protesto
contra o primeiro governo de Getúlio
Vargas (Martins, Miragaia, Drausio e
Camargo, nomes cujas iniciais foram o
símbolo da revolução
constitucionalista) e de mais 713 excombatentes.
19
Nesse período, chegava no Brasil a arte moderna.
Gregori Warchavchik - que era russo, mas havia
estudado na Itália - foi quem primeiro construiu, em
São Paulo, uma casa moderna, na Rua Santa Cruz.
Entre os italianos, Giuseppe Battista Bianchi foi
quem mais defendeu a implantação da nova
arquitetura, que valorizava a funcionalidade e as
estruturas metálicas, em detrimento da decoração.
A novidade perturbou muitos críticos da época.
Mesmo assim, a arquitetura moderna, em suas
fases seguintes, desenvolvida principalmente no
Rio de Janeiro, conseguiu triunfar no país. Em São
Paulo, italianos ou brasileiros que estudaram na
Itália se destacaram bastante a partir de então como Lina Bo Bardi.
Em poucos anos, a intensa imigração italiana
mudou a cara de São Paulo. Difícil saber que cidade
teríamos hoje, que vida seria a paulistana, não fosse
a influência dos italianos. Por um lado, o
crescimento desordenado poderia ter sido
diferente. Por outro, a arquitetura da cidade poderia
não ter chegado ao grau de desenvolvimento e
respeitabilidade que atingiu.
A descoberta da arquitetura de interiores
Telesforo Cristofani é italiano só de nascença.
Passou apenas os primeiros dois anos de vida em
sua cidade natal, Viareggio, comuna da região da
Toscana. Logo em seguida, em 1931, veio para o
Brasil e fez sua vida e carreira em São Paulo e
região.
Desde pequeno, estudou pintura com artistas
plásticos italianos que moravam no Brasil, o que lhe
deu boa noção de estética. Estudou no Dante, onde
passou sua infância e adolescência, e depois
graduou-se em Arquitetura no Mackenzie, onde
voltou para lecionar.
Edifício Giselle,
no Itaim Bibi
22
Dar aulas, aliás, foi uma das grandes paixões de
Cristofani. Foram mais de 25 anos dedicados a
faculdades como a FAU-USP, a FAU-Santos e o
Mackenzie. "Nunca vi ele preparar uma única aula,
mas ensinava de uma maneira muito leve", diz a
viúva Myrna Corsi Cristofani, com quem ele foi
casado por 49 anos.
O professor lecionou até cerca de 15 dias antes de
falecer, em 2002, aos 73 anos. Segundo Myrna,
tanto era o grau de admiração dos alunos por ele,
que uma turma do Mackenzie pediu que a sala de
aula fosse transferida do primeiro andar para o
térreo, de modo que Cristofani, já de idade
avançada, não precisasse subir escadas.
Pertencente à segunda fase dos modernistas em
São Paulo, Cristofani ficou conhecido na cidade por
projetar prédios como o restaurante vertical do
Fasano, no centro, de 1965, o edifício Giselle, no
Itaim Bibi, de 1968, e a sede da Telesp, no Paraíso,
de 1970. "Uma pena que eles todos tenham
passado por reformas que mudaram o projeto
original", diz Myrna.
De suas obras, o Fasano é o que mais chamava a
atenção pela criatividade. O restaurante era vertical
e foi a solução encontrada para um prédio de pouco
espaço, mas que tinha cinco lajes. No térreo, ficava
a confeitaria, no mezanino, a sala de espera, no
primeiro pavimento, o bar, no segundo e no
terceiro, o salão de chá e o restaurante, e, no quarto
e quinto pavimentos, ficava a cozinha.
Talvez por causa de seu apurado senso estético,
Cristofani acabou sendo um dos pioneiros da
arquitetura de interiores em São Paulo. "Ele não se
conformava como eram horríveis e de mau gosto os
móveis que colocavam dentro de suas
construções", conta Myrna. "Fazia edifícios
modernos que não podiam ser decorados daquele
jeito". Foi assim que, então, Cristofani, além de
projetar, começou a se envolver com a escolha do
piso e do forro, o planejamento da iluminação, e até
com o desenho dos móveis internos.
A arquitetura italiana no Dante
Além de ter sido um dos responsáveis pelo famoso
projeto do Viaduto Santa Efigênia, o florentino
Giulio Micheli, que chegou ao Brasil em 1888, aos
26 anos, foi autor do projeto do Dante.
O Colégio nasceu do desejo dos italianos que se
estabeleciam em São Paulo, logo depois da
imigração, de ter onde difundir e fortalecer sua
identidade cultural. O Istituto Medio Italo-Brasiliano
Dante Alighieri se tornou possível depois de 1911,
quando o conde Rodolfo Crespi decidiu angariar
fundos para a construção.
O edifício Leonardo da Vinci, na Alameda Jaú, ficou
pronto em 17 de fevereiro de 1913. Em sua
inauguração, o Dante contava com apenas 60
alunos.
Antes de vir para o país, Micheli tinha viajado
bastante pela Europa, e se diplomado em Paris,
seguindo o conselho do pai, Vincenzo, que fora
diretor da Academia de Belas Artes de Florença. Em
São Paulo, montou um escritório com Luigi Pucci,
que lhe confiou o projeto da Santa Casa. Mais tarde,
quando Pucci se aposentou, levou o escritório em
frente com outro italiano, Giuseppe Chiappori. O
Viaduto Santa Efigênia foi construído por eles um
ano antes do primeiro projeto do Dante, em 1910.
21
Pastifícios
Por Marcella Chartier
Em um primeiro contato, o sotaque ao telefone até
As massas artesanais
da Pissani, em sabores
mais tradicionais
ou inovadores
se assemelha ao italiano. Mas basta um pouco mais
de atenção para que se note a diferença: a língua
que se oculta no português mais cantado do que o
dos paulistanos é a espanhola.
Cristina, de 29 anos, é a dona da voz, esposa e
sócia de Carlos Pissani, de 46. O casal uruguaio é
proprietário do Pastifício Pissani, inaugurado no
final de 2007 nos Jardins, em São Paulo. A loja,
sofisticada e moderna, contraria o estereótipo das
tradicionais casas de massa italianas. Não se vê
aquela grande quantidade de comida em exposição,
nem aqueles fregueses já amigos dos donos
escolhendo seus pratos de sempre para levar à
família toda. Ali, o princípio é diferente. Logo na
entrada, à esquerda, partes de manequins de
mulher têm como adorno colares feitos por anéis de
massa fresca. À direita, um balcão com os produtos
parece mais uma vitrine: massas coloridas em
caixas de presente com laços de fita, e vidros
estilizados guardando molhos. Ao lado, uma
gôndola com vinhos italianos,
argentinos, chilenos e franceses.
Nas paredes, quadros com
alguns dos mais de 20 tipos de
formas (que, combinadas com os
diferentes recheios, geram mais
de 30 tipos de massas)
identificados com os nomes.
"Fazemos uma massa premium,
fina mesmo, que não precisa de
muito molho para ter sabor",
explica Carlos. "É extremamente
artesanal, nunca uma peça fica
idêntica à outra. As nossas são
montadas uma por uma, por uma
equipe de oito pessoas, e eu que
crio e faço os recheios". Carlos conhece as origens
de cada forma de massa, e é evidente o apreço que
tem por esclarecer aos mais curiosos os motivos de
suas denominações, principalmente durante as
degustações promovidas na loja nos fins de semana
e, abertas aos clientes mais fiéis, que se interessam
não só em conhecer as combinações da Pissani,
mas também em dar seus palpites.
Sabores mais conhecidos, como espinafre com
nozes (massa que sai por 38 reais o quilo, opção
mais barata da casa) convivem com surpreendentes
misturas como a de maçã, mel e shimeji, ou tipos
requintados como o recheio de lagostim (o mais
caro, que custa 89 reais o quilo). "Brincamos muito
com a farinha também, colocando sementes,
corantes, tudo natural. Temos uma horta aqui no
quintal, onde plantamos as ervas e recolhemos
vários dos ingredientes que utilizamos", conta
Carlos.
A escolha de São Paulo como cidade em que o casal
instalaria a Pissani se justifica por dois fatores.
"Além de ser a capital gastronômica da América,
com uma variedade enorme de restaurantes, São
Paulo tem uma colônia italiana muito importante. É
um lugar onde contamos com os clientes de
paladares mais tradicionais, mas também temos
interessados em novidades. Não só em
Montevidéu, mas em todo o Uruguai, há um público
muito pequeno para inovações", explica Carlos.
Quando se mudou para o Brasil, antes de assumir
totalmente a profissão de chef de cozinha, Carlos
era consultor internacional. Formara-se engenheiro
civil e trabalhara como executivo em vários países.
"Vivíamos em hotéis, e em 2006 trabalhei para uma
empresa aqui em São Paulo. Estava muito
estressado e resolvi, com minha mulher, largar tudo
e investir no pastifício", conta. Mas, em casa,
Divulgação - Pissani
24
Cinema e sfogliatelle
Na família Macellaro di Perna, as delícias feitas pela
cozinheira de mão cheia também foram, um dia,
complemento do orçamento familiar. Antes de
assumir o negócio de venda de doces caseiros
como base da renda, Amedeo trabalhou como
garçom e operador de cinema, enquanto sua
esposa, Elide, passava dias e noites entre panelões
de creme de baunilha, açúcar e muita farinha. "Às
vezes eu ajudava minha mãe a fazer os canolis
(canudos de massa folhada recheados com creme
de baunilha) passando a clara ou a gema do ovo na
massinha para grudá-la depois, e assim colar os
canudinhos antes de ela fritar. Aquele cheiro era tão
gostoso, eu rezava para que quebrasse o canudinho
para eu poder comer", lembra Ana (filha de Elide),
que na época era criança e acabava no canto da
cozinha com um potinho cheio de creme de
confeiteiro, ainda quente. Hoje, tem 52 anos e
administra, com o marido e a mãe (agora com 85
anos), um dos pastifícios mais tradicionais da
cidade: o Il Pastaio.
A história, neste caso, também começou com a
partida de italianos em um navio para a América.
Elide e Amedeo saíram de Salerno, perto de
Nápoles, há quase 60 anos. Chegaram no dia 19 de
março, dia de San Giuseppe. "Minha mãe
comemora essa data como se fosse a de
casamento, de tão importante que foi para ela",
comenta Ana. O chamado de uma irmã de Elide
garantia o emprego de garçom a Amedeo, o que
daria uma vida melhor aos recém-casados e ao bebê
que já estava a caminho - ela estava grávida de oito
meses. Passaram um tempo vivendo no quarto de
Divulgação - Il Pastaio
Carlos já inventava suas receitas e as servia a
amigos.
Na verdade, não é de hoje que ele brinca com
comida. "Minha mãe conta que eu gostava muito de
ir à cozinha quando era pequeno. Uma vez, quando
ainda não alcançava a mesa, virei uma lata de creme
de leite aberta e fiquei com a boca aberta embaixo,
enquanto o creme pingava", lembra.
A lata de creme de leite aberta era, de fato, item
comum na cozinha da casa de Carlos. Sua mãe era
ótima cozinheira, e foi quem o ensinou a preparar
massas frescas. Carlos chegou a trabalhar no
pequeno restaurante que ela tem até hoje em um
hotel, em Montevidéu. Mas a história culinária da
família começou bem antes, em 1897, quando
Teresa Pissani, bisavó de Carlos, deixou a
Lombardia (região norte da Itália) para tentar uma
vida melhor no Uruguai. Teresa veio acompanhada
da família. Os filhos homens sustentavam a todos
trabalhando como pedreiros. Ela continuou fazendo
aqui o que gostava de fazer por lá: preparar a boa
pasta italiana. Começou, então, a vender a iguaria,
e a renda que conseguia complementava
orçamento familiar.
Apesar do pouco tempo em funcionamento, a
Pissani já conquistou o respeito de uma clientela
exigente: vende produtos para restaurantes como o
Tatou, o Santo Grão e o do Hotel Intercontinental.
"Mas tem lugares que não vou citar, porque sei que
eles gostam de dizer que a massa é de fabricação
deles", comenta Carlos, sorrindo.
Acima, o sfogliatelle,
doce que transformou
a produção que servia
apenas de complemento
ao orçamento em base
da renda dos Macellaro
di Perna. Ao lado,
Ana, Elide e Fábio:
administração em
família
depósitos que ficava nos fundos do bar, até que
Amedeo conseguiu um emprego melhor, o de
operador de cinema, o que depois se tornou quase
uma carreira: começou no Cine Majestic, depois
trabalhou no Cine Estrela e no Cine Lins. Quando
Amedeo começou a trabalhar no Cine Estrela, a
família mudou-se para uma pequena casa atrás do
cinema. "Era bem mixuruquinha. Mas eu gostava
porque assistia à matinê quando eu queria", lembra
Elide.
É nessa fase que ela passou a ter um pouco mais de
espaço para cozinhar e colocar em prática os dotes
culinários que aprendera com seu irmão, ainda na
Itália. "Ele era prisioneiro de guerra e tinha
aprendido a fazer doces quando estava preso",
afirma. O principal preparado de Elide era o
sfogliatelle, feito de massa folhada (até hoje um dos
produtos mais procurados no pastifício da família).
Em 1949, Amedeo começou a vender os doces
feitos pela esposa. O atendimento das encomendas
ficou mais fácil quando, em 1956, o operador de
cinema foi admitido como gerente no Cine Lins.
"Meu marido era muito inteligente, então logo subiu
de cargo e tudo melhorou muito. Depois, um dos
dois donos vendeu sua parte do cinema para nós, e
nos tornamos donos também. Ele até comprou um
carro para fazer as entregas", explica Elide. "Era
muito sfogliatelle, chegávamos a fazer mil por dia",
recorda ela, que contava com a ajuda de
funcionárias na cozinha de casa.
Finalmente, em 1968, a família Macellaro di Perna
passou a viver apenas com a renda dos doces.
Amedeo largou o ramo do cinema e comprou a casa
onde até hoje está instalada a Il Pastaio, no bairro do
Paraíso aberta em 1970.
Catorze anos depois, Amedeo fez sua última
25
viagem à Itália, e por lá faleceu, aos 62 anos. Logo a
geração seguinte se envolveu com o negócio. Ana é
arquiteta, mas largou a carreira para se dedicar
exclusivamente ao pastifício. O marido, Fábio
Vitalli, também tinha a mesma profissão e hoje
comanda a cozinha do almoço executivo servido no
Il Pastaio todos os dias. "Quando assumimos o
negócio, meu marido e meu irmão (que participou
alguns anos da administração) viajavam todo ano
ao exterior para comprar máquinas. Nós queríamos
crescer", afirma Ana.
A fidelidade dos clientes e o equilíbrio entre tradição
e modernização são os principais ingredientes da Il
Pastaio. Ali, consumidores vão à procura do
sfogliatelle mais famoso da cidade, do
saborosíssimo rondelle (espécie de rocambole de
massa recheada com queijo, espinafre, por
exemplo), marca registrada da família, ou de
novidades como produtos de baixas calorias. "Os
clientes pedem mudanças, sugerem ingredientes, e
nós criamos novidades com base nisso também",
Abaixo, Donato Di Cunto afirma Ana.
com sua esposa Rosalia
e os filhos, e o casarão
feito pelo próprio punho
do imigrante. A família
vivia no andar superior e,
no térreo, ficava a padaria
Panetone e coxinha
Em uma das mais antigas casas de massas e doces
da cidade, a Di Cunto, a opinião dos consumidores
tem o mesmo valor. "Nosso maior termômetro aqui
são os clientes, que são nossa referência. Atender
no balcão é isto: se ele
estiver insatisfeito, ele
vai falar. E tem gente
que vem aqui três vezes
por dia, há anos.
Imagina o respeito que
temos que ter por um
cliente desse!", afirma
Marco Di Cunto, de 28
anos, quarta geração da
família fundadora do
estabelecimento e que
cuida do marketing da
empresa. Ele cresceu
sentindo a ausência do
pai, que até hoje passa
m u i t o t e m p o
trabalhando. "Esse sem
dúvida foi um dos
motivos que me fizeram
vir trabalhar aqui. Além,
é claro, da magia que a
Di Cunto sempre teve
nas nossas vidas",
conta.
O primeiro Di Cunto que
veio ao Brasil foi
Donato, aos 17 anos,
em 1878. Ele saiu
também de Salerno e
deveria desembarcar no
porto de Montevidéu,
no Uruguai, onde vivia
um tio que o aguardava.
Foi orientado para que
descesse na terceira
parada (a primeira seria
no Rio de Janeiro e a
Arquivo pessoal família Di Cunto
26
segunda em Santos). Mas, como era comum na
época, houve surto de uma doença contagiosa no
navio, que precisou parar em um porto provavelmente o de Recife - para quarentena.
Donato acabou desembarcando no porto de Santos
e, quando percebeu o engano, já era tarde para
retomar o caminho certo. Foi para a capital, onde
trabalhou como carpinteiro e economizou dinheiro
suficiente para abrir, com um sócio, uma padaria.
Pouco depois, com o sucesso dos negócios,
comprou a segunda, já no atual endereço da matriz
da Di Cunto, na Mooca. A família passou a viver,
posteriormente, na casa erguida pelos próprios
punhos de Donato.
Em 1896, em boas condições financeiras e com a
vida organizada, o imigrante já podia matar as
saudades de sua terra natal. Foi à Itália, apaixonouse por Rosália, e os dois se casaram. Voltaram ao
Brasil, país que já tinha conquistado um grande
espaço no coração do pioneiro, trazendo um irmão
de Donato, José, e aqui tiveram seus dois primeiros
filhos. "Mas o objetivo dele era, na verdade, trazer
toda a família da Itália para viver aqui. Não
conseguiu, porque um dos irmãos dele tinha
problemas físicos e a locomoção não foi possível.
Mudou de idéia, e voltou para a Itália de vez, onde
nasceram mais oito filhos do casal", conta Marco.
A paixão pelo Brasil, no entanto, foi transmitida de
pai para filhos, e, logo que Donato faleceu, em
1932, a família toda mudou-se para cá.
Reformaram a casa e, em 1935, reinauguraram
oficialmente os fornos da padaria. Tudo feito em
família, novamente. Entre os quatro sócios
fundadores, um deles era avô de Marco. Hoje, à
frente da Di Cunto, estão os filhos desses
fundadores, incluindo o pai de Marco.
No final da década de 1930, uma iguaria italiana
passou a fazer parte dos produtos da Di Cunto,
trazendo uma fama que seria definitiva na história
da empresa: um doce saboroso que, na Itália, era
consumido o ano todo, mas que no Brasil tornou-se
um pão especial da época do Natal. "A Di Cunto
hoje é a mais antiga fábrica de panetone em
atividade. E por aqui, vendemos esse item o ano
todo", afirma Marco.
Agora, o carro-chefe em termos de quantidade e
unidades vendidas é uma apetitosa surpresa: a
coxinha. Somando os números das três lojas Di
Cunto, são cerca de 500 mil coxinhas vendidas por
ano. "Existe até uma comunidade no Orkut (site de
relacionamentos da internet) que se chama 'eu amo
a coxinha da Di Cunto'", conta Marco, achando
graça. Prova de que as culturas brasileira e italiana
têm, aqui, traços fortes na mesma medida.
S
Pissani
Alameda Franca, 1413, Jardins
Tel: (11) 3081-6847
S
Di Cunto
Unidade Mooca: Rua Borges de Figueiredo,
61/103
Tel: (11) 2081-7100
S
Il Pastaio
Alameda Santos, 44, Paraíso
Tel: (11) 3289-8897
Juó Bananére
U inginiero chi
scribía nu giurnale
Há 75 anos falecia Alexandre Marcondes Machado - ou Juó Bananére -,
o tradutor da belle époque paulistana
Por Kátia Nogueira de Mello
Q
Imagens: Divulgação/Editora 34
uando substituiu Annibale Scipione na seção
"Cartas d´Abax´o Pigues", do semanário
O Pirralho (comandado pelo modernista Oswald
de Andrade), o estudante de engenharia
Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (18921933) não sabia que viria a ser um dos grandes
inspiradores da linguagem e da postura
escrachada apresentadas pelos poetas
modernistas na Semana de Arte Moderna,
realizada em 1922 em São Paulo.
Annibale Scipione, pseudônimo de Oswald de
Andrade, falava com seus leitores em linguajar
macarrônico, misturando o português e o italiano.
Como Andrade tinha planos de viajar para a
Europa, começou a procurar um substituto que
ocupasse o seu lugar.
Sob o pseudônimo de Juó Bananére - que estreou
no jornal em 1911 -, o estudante natural de
Pindamonhangaba, interior deSão Paulo, não só
respondia às cartas dos leitores como fazia
paródias de poemas famosos, como "Meus Oito
Anos", do poeta romântico Casimiro de Abreu,
"Canção do Exílio", do também romântico
Gonçalves Dias, e "Via Láctea", do parnasiano
Olavo Bilac.
Bananére debochava sem medo do preciosismo
métrico e poético dos parnasianos, que
respeitavam estruturas fixas como os sonetos,
sempre decassílabos ou dodecassílabos, e
gastavam o português descrevendo vasos,
estátuas e outros objetos para fugir do
sentimentalismo. Segundo o ensaísta e crítico
literário Otto Maria Carpeaux, "Juó Bananére
pode ser considerado como precursor do
modernismo, para o qual contribuiu
desmoralizando os deuses parnasianos".
Bananére também fazia graça do excesso de
sentimentos do Romantismo, que carregava nas
tintas de amores não-consumados, do sofrimento
proveniente de perdas e de saudades latejantes e
irremediáveis.
Um dos poemas mais famosos de Bananére é "Os
Meus Otto Anno" (veja box na próxima página).
Para justificar a literatura macarrônica que usava,
Bananére declarou, em uma edição de O Pirralho
de 1912, que "a artografia muderna é una
maniera de scrivê, chi a genti scrive uguali come
dice". Como estudava na Escola
Politécnica, então no bairro do Bom
Retiro, e morava no Bexiga (que ele
tratava como "Abaxo o'Pigues"),
Bananére passou a tomar contato com
os imigrantes italianos que trabalhavam
nas fábricas da região, além de circular
também pelos bairros do Brás e Barra
Funda. Com isso, transformou o O
Pirralho. "Bananére pode ser
considerado o primeiro articulista de
massas no Brasil. Ele falava
diretamente com o povo, usando a
linguagem das ruas", afirma Cristina
Fonseca, escritora e documentarista
que lançou, em 2001, o livro Juó
Bananére - o abuso em blague (Editora
34), obra que traz a biografia do
escritor e uma contextualização
histórica de Bananére na capital
paulista.
Acima,
Juó Bananére,
“o precursor do
modernismo”, como
definiu Otto Maria
Carpeaux. Ao lado,
a primeira edição
do semanário que o
lançou, substituindo
Oswald de Andrade,
O Pirralho
27
Em 1915,
Juó Bananére foi
dispensado de
O Pirralho por
conta de críticas
a Olavo Bilac
O periódico, que antes era lido pelas classes mais
abastadas da sociedade, passou a circular entre
os operários, que procuravam o jornal por causa
da coluna irreverente do escritor. Juó estabeleceu
uma empatia imediata com as massas, não só
pelo linguajar, mas por fazer troça da "alta
literatura", confinada à burguesia, única classe
social que tinha pleno acesso à alfabetização.
Além disso, Bananére usava alvos populares,
como o presidente Hermes da Fonseca (que
governou de 1910 a 1914) e o então prefeito
de São Paulo Washington Luís (1914-1919). "Ele
usava seu recurso de linguagem em forma de
crítica, com frases como 'o gorpo indecinti da
Gademia Brasillera de Letras' (corpo docente da
Academia Brasileira de Letras)", afirma Cristina.
Em maio de 1915, Juó Bananére viveu o auge de
sua carreira ao lançar La Divina Increnca, título
que satiriza o clássico A Divina Comédia, de
Dante Alighieri. O livro, que teve dez edições
lançadas entre 1915 e 1966, trazia uma
coletânea de poemas publicados em O Pirralho,
alguns satíricos, como "Migna Terra", inspirado
em "Canção do Exílio", e outros marcados por
referências ao cotidiano do próprio autor, como
"O Studenti du Bó Retiro (Poisia Patriótica)".
"Os Meus Otto Anno"
O chi sodades che io tegno
D'aquillo gustoso tempigno,
C'io stava o tempo intirigno
Brincando c'oas mulecada.
Che brutta insgugliambaçó,
Che troça, che bringadêra,
Imbaxo das bananêra,
Na sombra dus bambuzá.
Che sbornia, che pagodêra,
Che pandiga, che arrelía,
A genti sempre afazia
No largo d'Abaxo o Pigues.
Passava os dia i as notte
Brincando di scondi-scondi,
I atrepáno nus bondi,
Bulino c'os conduttore.
Deitava sempre di notte,
I alivantava cidigno,
Uguali d'un passarigno,
Allegro i cuntento da vita.
Dibia un caffé ligêro,
Pigava a penna i o tintêro
Iva curréno p'ra scuóla.
Na scuóla io non ligava!
Nunga prestava tençó,
Né nunga sapia a liçó.
O professore, furioso,
C'oa vadiaçó ch'io faceva,
Mi dava discompostura;
Ma io era garadura
I non ligava p'ra elli.
Inveiz di afazê a liçó,
Passava a aula intirigna
Fazéno i giogáno boligna
Ingoppa a gabeza dos ôtro.
O professore gridava,
Mi dava un puxó de oreglio,
I mi butava di gioeglio
Inzima d'un grão di milio.
Di tardi xigava in gaza,
Comia come un danato,
Puxava u rabbo du gatto,
Giudiava du gaxorigno,
Dulia co'a guzignêra,
Brigava c'oa migna ermá;
I migna mái p'rá cabá,
Mi dava una brutta sova.
Na rua, na visinhança,
Io era mesmo un castigo!
Ninguê puteava commigo!
Bulia con chi passaga,
Quebrava tuttas vidraça,
I giunto co Bascualino
Rubava nus bottechino
A aranxia pera du Rio.
Viva amuntado nus muro,
Trepado nas larangiêra;
I sempre ista bringadéra
Cabava n'un brutto tombo.
Mas io éra incorrigive,
I logo nu otro dia
Ricominciava a relia,
Gaia traveis di novo!
A migna gaza vivia
Xiingna di genti, assim!!...
Che iva dá parti di mim.
Sembrava c'un gabinetto
Di quexa i regramaçó.
Mei páio, pobre goitado,
Vivia atrapagliado
P'ra si liverá dos quexozo.
I assi di relia in relia,
Passê tutta infança migna,
A migna infança intirigna.
Che tempo mais gotuba,
Che brutta insgugliambaçó,
Che troça, che bringadêra,
Imbaxo das bananêra,
Na sombra dus bambuzá!
O Studenti du Bó Retiro
Poisia Patriotica
(Premiata c'oa medaglia di pratina na insposiçó da Xéca-Slovaca i c'oa medaglia di brigliantina
na sposiçó internazionale da Varzea du Carmo).
ANTIGAMENTE a scuola era rizogna e franga;
Du veglio professor a brutta barba branga
Apparecia un cavagnac da relia,
Che pugna rispetto inzima a saparia.
O maestro éra um veglio bunitigno,
I a scuóla era no Bellezigno.
Di tarde inveiz, quano cavaba a scuola,
Marcáno o passo i abaténo a sola,
Tutto pissoalo iva saino in ligna,
Uguali como un bando di pombigna.
Ma assi chi a genti pigliava o portó,
Incominciava a insgugliambaçó;
Tuttos pissoalo intó adisparava,
I iva mexeno c'oa genti chi passava.
***
Oggi inveiz stá tutto mudado!
O maestro é um uomo indisgraziado,
Che o pissoalo stá molto chétamente
E illo giá quére dá na gente.
Inveiz un dí intrô na scuóla un rapazigno
Co typio uguali d'un intalianigno,
O perfilo inergico i o visagio bello.
Come a virgia du pittore Rafaello.
Stava vistido di lutto acarregado,
Du páio che murreu inforgado.
O maestro xamô elli un dia,
I priguntô: - Vuc sabe giograffia?
- Come nó!? Se molto bê si signore, Quale é o maiore distritto di Zan Baolo?
- O maiore distritto di Zan Baolo,
O maise bello e ch'io maise dimiro
É o Bó Ritiro!
O maestro furioso di indignaçó,
Batte con nergia u pé nu chó,
I gritta tutto virmeligno:
- O migliore distritto é o Billezigno.
Ma u aguia do piqueno inveiz,
C'oa brutta carma dissa otraveis:
- O distritto che io maise dimiro,
É o Bó Ritiro!
O maestro, viremglio di indignaçó,
Alivantô da mesa come un furacó,
I pigano un mappa du Braz
Disse: Mostre o Bó Ritiro aqui si fô capaiz!
Alóra o piqueno tambê si alevantô
I baténo a mon inzima o goraçó,
Disse: - O BÓ RITIRO STÁ AQUI!
Atrevido, o anarquista não perdoava ninguém.
Ainda em 1915, Marcondes Machado foi
dispensado de O Pirralho por alfinetar, em duas
semanas consecutivas, o poeta parnasiano Olavo
Bilac. Nessa época, Oswald de Andrade havia
retornado ao Brasil e retomado o comando do
periódico. Apesar de já ter entrado em contato
com a cultura pré-modernista na Europa, Oswald
ainda não era o revolucionário contestador que
viria a ser em 1922. Ligado a Bilac por motivos
políticos (O Pirralho apoiava a Campanha Civilista,
movimento que tinha Bilac entre os mentores),
Andrade não aceitou as críticas de Bananére e o
demitiu. A pesquisadora Cristina Fonseca aponta
outro agravante: Bananére teria zombado da
bailarina Landa Kosbach, uma adolescente que
Andrade namorava na época.
Em 1916, Marcondes Machado lançou o tablóide
Vespa, com espírito ideológico parecido com o de
O Pirralho - marcado por fortes críticas ao
governo. No ano seguinte, formou-se em
engenharia e abandonou o nome Juó Bananére. O
pseudônimo foi, aos poucos, se apagando do
cotidiano de Marcondes Machado. Em 1919
lançou o livro A arquitetura colonial no Brasil,
com fotos, no qual descreve sua viagem pelas
cidades históricas de Minas Gerais, e a peça "Vai
dar o que falar", ambos assinados com seu nome
verdadeiro. Os últimos registros escritos de
Machado foram publicados no jornal O Estado de
S.Paulo, entre 1926 e 1927. Em 1931 lançou
dois compactos (discos de sete polegadas que
armazenavam entre uma e duas canções de cada
lado), com os poemas "Non Fui Ista a Inrevoluçó
que Io Sugné", "O Indiscobrimento do Brazil", "O
Lobo i u Gorderigno" e "U Cavagnac". Dois anos
depois, produz o jornal Diário do Abaxo o'Pigues,
mas teve pouco tempo para escrever: morreu em
agosto de 1933.
Curiosamente, Marcondes Machado não tinha
raízes italianas. Conseguiu, porém, absorver e
traduzir como poucos
as peculiaridades da
população paulistana
da época, que contava
com cerca de 500 mil
habitantes, dos quais
cerca de 25% eram
imigrantes. Uma
sociedade fortemente
dividida entre as
aristocracias cafeeira e
industrial e o
proletariado, formado
principalmente por
trabalhadores
assalariados (italianos,
camponeses e exescravos), que se
tornaram os principais
responsáveis pela tão
miscigenada língua
paulistana.
29
O auge do escritor
foi no mesmo ano em
que saiu de O Pirralho,
ao lançar La Divina
Increnca, uma
coletânea de seus
poemas publicados no
semanário modernista
Literatura
Por Luisa Destri
A precisão curvilínea da vida
Romance de 2005 mescla ficção e realidade para narrar a vida de alguém
que sempre esteve no lugar certo
Ultimo Parri tem a sombra de
ouro. Se você não nasceu no
norte da Itália, é pouco
provável que compreenda
o que isso quer dizer.
Expliquemos assim: ele é
daquelas pessoas cuja
presença sentimos. Não
precisamos ver que está ali,
simplesmente sabemos. É de
tipos como o dele que dizemos especial.
Tanto que, para contar a história desse seu
personagem, o escritor Alessandro Baricco teve
que se valer de diferentes artifícios. Em Esta
história, que é a de Ultimo, alternam-se o relato
jornalístico, o diário, o monólogo interior, a
tradicional narrativa em terceira pessoa. Falta ao
livro apenas a própria voz de seu protagonista.
A obra, em sua estrutura prismática, procura dar
conta de toda a vida do personagem. Mais
especificamente, a partir de quando o menino
descobre sua paixão e vocação. Pelas curvas,
pelas estradas. Assim, Ultimo dá conta de sua
própria existência em uma manhã de 1902, aos
cinco anos, quando vê, saído de uma nuvem de
poeira, um demônio metálico rindo por meio de
seu radiador. E se torna adulto não apenas em
razão de uma tragédia na família, mas porque
descobre que pode tomar posse do corpo das
mulheres apenas ao se imaginar como um piloto
acelerando em seus aclives e curvas.
O fato é que, a partir do momento em que entra
em contato com o mundo dos automóveis - ainda
incipiente em sua infância -, seus pensamentos
passam a ser inteiramente determinados pela
existência dessas máquinas. Seja pelas metáforas
que constrói, seja pela visão geométrica que
desenvolve do espaço e dos episódios que se
sucedem. Seja, ainda, pela maneira de construir
seu raciocínio e visualizar a rota até seu objetivo.
Nessa mitologia que aos poucos desenvolve, há
pontos de inflexão aos quais sua vida acaba
sempre retornando. Um deles é a noite que passa
com seu pai em Turim, aos 11 anos. Eles
estavam lá porque Libero Parri havia se arriscado
alguns anos antes: em uma época em que nem
sua mulher acreditava na existência dos
automóveis, decidira vender as 26 vacas que
sustentavam a família para montar uma oficina.
Preocupado com o futuro que não vinha, decidiu
procurar Gardini, um dos primeiros a se arriscar
nos motores, para lhe pedir conselhos. Deveria
insistir na aposta ou comprar as vacas de volta?
Mas essa noite marcou Ultimo não pela conversa
de seu pai com o industrial, e sim por conta das
onze voltas que deram em um mesmo quarteirão
30
da cidade. Com efeito, nesse percurso de cerca
de 40 minutos, o menino, sem ousar qualquer
alerta ao pai, teve a sensação de que os dois
poderiam desaparecer (já que entendia aquilo, um
"caminho às avessas", como subtração, e não
soma de passos). O trajeto circular, parecendo-lhe
mágico, uniu-se à paixão pelos carros. E foi a
partir deles que o menino pôde entrever a direção
para onde iria sua vida: sempre ao ponto de
partida. "E pela primeira vez, embora de maneira
confusa, intuiu que todo movimento tende à
imobilidade, e que bonito é apenas o ir que leva
a si mesmo."
Talvez seja por isso que a parte inicial do livro,
"Overture", só ganhe sentido quando chegamos
ao fim da história. Ou melhor: é por isso que
sentimos necessidade de voltar a ela e
compreendê-la.
Trata-se do relato - romanceado - da corrida ParisMadrid de 1903, em que oito pessoas, entre
espectadores e motoristas, morreram, e outras
tantas ficaram feridas. O percurso longo incluía
regiões mais populosas, pouco preparadas para
a passagem de veículos a 140 quilômetros por
hora. O descontrole não só levou o governo
francês a interromper o evento antes que os
corredores chegassem a Paris, como também fez
surgir a necessidade de o automobilismo ser
praticado em circuitos fechados.
"Overture" a um só tempo abre o livro, retrata
o anúncio de uma nova fase da corrida de carros
e contém cenas que, tal e qual o giro de um
circuito, a vida de Ultimo tornará a repetir.
A geometria da guerra
Passadas a primeira parte, e a subseqüente "A
infância de Ultimo", chegamos a "Memorial de
Caporetto": mais um ponto de inflexão - desta
vez, no que diz respeito a estratégias de guerra.
Foi em outubro de 1917, em Caporetto, que
alemães e austríacos impuseram à Itália uma
grande derrota na Primeira Guerra.
O episódio, novamente romanceado, tem como
pano de fundo a sensação de impotência de um
pai. Seu filho havia sido companheiro de guerra
de Ultimo. Muitos soldados, ao se depararem na
mão do inimigo, fugiram. Desistiram de lutar.
Esse rapaz foi considerado desertor, e fuzilado
oito dias após a batalha. O pai não compreende:
na confusão, quando outros 400 mil combatentes
fugiram, por que justamente seu filho foi
condenado? O que houve naquele desespero?
Ele de fato havia desertado?
As respostas são procuradas por esse pai, um
senhor fascista - e matemático. Ele entrevista
Ultimo - que tem fixação pela geometria - e um
antigo cirurgião da companhia. Esses três
homens, de pensamento exato, formulam
diversas hipóteses. Há também o depoimento de
Cabiria, outro companheiro de Ultimo.
O ponto comum está centrado nas trincheiras:
"o que a memória coletiva guardou, depois, com
genial gesto sintético, como ícone sagrado
daquela guerra". O problema é que a tomada de
Caporetto inverteu toda a lógica da guerra.
Os italianos não compreenderam como os
inimigos conseguiram entrar. Ou melhor,
engessados em suas táticas, não souberam
perceber os furos deixados e por onde se
infiltraram alemães e austríacos.
O pensamento exato e meticuloso dos homens se
desestabilizou com essa imprevisão. E todos eles
procuram uma forma matemática de explicar tudo
o que se sucedeu na batalha e por que logo
depois estourou uma segunda guerra. Cada um,
na rigidez de seu pensamento, tenta esquematizar
os eventos. Mas há algo ali que escapa a
qualquer sistema de compreensão. Como é típico
a toda guerra.
Rumo inalterável
Poderíamos continuar desvendando os turning
points sobre os quais se desenrolam as partes
seguintes: "Elizaveta", o diário escrito por uma
amiga do protagonista; "1947. Sinnington,
Inglaterra", o fluxo de seu irmão, que também é
alguém especial; "1950. Mil linhas", o relato de
outra grande corrida; "Epílogo", a narração de um
episódio que ao mesmo tempo sela e reinaugura
o percurso de Ultimo.
Mas é justamente essa a graça do livro. Perceber,
na delicada escrita de Baricco, que não se trata
apenas de um garoto com perspectiva geométrica
do ambiente que o cerca. Desenha-se uma outra
concepção de vida e destino. O garoto não
enxerga nenhuma linha do tempo. Vê curvas,
aclives e depressões de uma trajetória circular. Há
algo de mítico aí. Sua vida estava desde sempre
desenhada, e o que narrativa nos oferece são
pistas desse tal destino.Daí o título do livro, "Esta
história": algo fechado, sempre a refletir em si
mesmo. O narrador, se estivermos atentos,
também nos dá algumas indicações de onde
procurar o destino. "É importante ver como as
pessoas escolhem os nomes. Morrer e dar nomes
- não se faz nada mais sincero, provavelmente,
por todo o tempo que se vive."
Assim, recusando qualquer acaso que o tenha
motivado na escolha do nome do personagem,
o que Baricco nos diz, a todo momento, sem de
nenhuma forma mencionar este clichê, é que
Ultimo foi levado, pelas curvas do destino, a ser
sempre o primeiro.
Trecho da obra
Ultimo olhou para o céu, para ver quanto faltava
para escurecer. Quando o Baretti se ofereceu para
levá-lo à cidade com sua carreta, disse Não,
obrigado, vou sozinho. E foi buscar a motocicleta.
Viram-no pôr os óculos de Lafontaine e enfiar uma
folha de jornal por baixo do pulôver. Alguém lhe deu
um tapa nas costas. Ficaram todos com o coração na
mão ao vê-lo partir assim, sozinho. Mas tinha
movimentos de homem, de repente, e ninguém
ousou detê-lo. Seja prudente, disse uma mulher.
A estrada para a cidade corria reta no meio dos
campos. As sombras eram longas, e a noite estava
refrescando. Ultimo pôs o motor no máximo e
dobrou-se sobre a moto, porque tinha alguma coisa
para lhe dizer e queria que ouvisse direito. Disse-lhe
que tinha que chegar antes da morte, e conseguiria
certamente, bastava que ela se comportasse bem.
Disse-lhe para observar como a estrada decidira
ajudá-los e se pusera toda retinha, para que
pudessem chegar antes. E explicou-lhe que a beleza
de uma linha reta é inalcançável, porque nela se
desmanchou toda curva e insídia, em nome de uma
ordem clemente e justa. É uma coisa que as estradas
podem fazer, disse-lhe, e que, ao contrário, não
existe na vida. Porque não corre reto o coração dos
homens e não há ordem, talvez, em seu andamento.
Depois, parou de falar e ficou por um bom tempo
em silêncio, perguntando-se de onde lhe vinham
aquelas palavras.
Minúscula, no nada da noite, desfilava a motocicleta,
pequeno batimento de coração na imensidão do
campo. À sua passagem, erguia uma frágil crista de
poeira e deixava para trás um perfume, ácido, de
queimado. Depois, o perfume esvaía-se e a poeira se
dissolvia na luz. Assim, tornava a fechar-se o cerco
do acontecer, na quietude aparentemente imutável
das coisas.
(p.73)
Esta história
Alessandro Baricco
Companhia das Letras/ 296 páginas
31
Quando nos resta nada
Romance híbrido retrata as lacunas existentes em todo tipo de relacionamento
Fragmentos se tornaram
por excelência a forma de
representar nosso
pensamento e nossas
relações. O acúmulo de
aforismos, cenas, breves
informações e pílulas de
reflexão procura dar conta
de um todo cindido e
irrecuperável. Na literatura,
há tempos um romance
clássico e homogêneo já
não basta para dar conta de
uma existência cuja compreensão invariavelmente
nos escapa. É nessa vivência fragmentada que se
encontram Natalia Ginzburg e os personagens de
seu Caro Michele.
Das 42 partes em que se divide o livro, seis são,
de fato, um episódio relatado pelo narrador.
As outras são cartas trocadas entre membros e
amigos de uma mesma família - todos unidos a
partir de Michele, o que está distante - ou trechos
em que se alternam a forma epistolar e a
narrativa.
Apesar de escreverem sobre si e interessados em
saber um do outro, os personagens não chegam
de fato a se comunicar. Isso se traduz inclusive
na falta de atenção com que cada um lê a
correspondência da qual é destinatário. É assim
com Michele, chamado pela mãe de "avaro de
cartas": ela se queixa porque o filho, distante,
não cumpriu a promessa de lhe construir uma
gaiola para os coelhos, o que a obrigou a
contratar um carpinteiro. Na resposta, o filho
reforça a promessa, ignorando o fato de que, se
retornar, a gaiola já estará pronta.
Quando se referem a outras pessoas, não é com
pouca freqüência que os autores dessas cartas
lhes dizem sentir pena. Mas apenas dizem. Pois,
se de fato sentissem, haveria entre eles alguma
espécie de solidariedade. Em trechos breves e
superficiais, tudo o que esses personagens
conseguem dizer de si é sua incapacidade de se
relacionar com o outro.
É a mãe de Michele quem, ao comentar o
comportamento de um amigo de seu filho, acaba
resumindo a postura de todos os que participam
da trama: "Não me parece exato defini-lo fútil,
porque não se espera nada da futilidade, e dele
esperamos, ao contrário, que de repente descubra
e revele aos outros a sua razão de existir".
Se dessem mais atenção a si e aos outros, todos
poderiam se identificar com a conclusão da mãe
de Michele: "Nós nos consolamos com nada
quando não temos mais nada".
Caro Michele
Natalia Ginzburg
Editora Paz e Terra/ 110 páginas
Há sempre um homem triste atrás do que ri
Vencedor do Nobel de 1934 expõe em histórias curtas os desenganos
da vida em sociedade
A
o procurar definir o humor
de Luigi Pirandello, Alfredo
Bosi escreveu que cabe ao
humorista encarnar a
consciência de nosso inevitável
desajuste à vida em sociedade,
"revelando cada contraste,
cada dissensão entre o ser e o
parecer, cada fissura do
comportamento humano, para
desnudar a impotência de
nossa condição". A dor seria
então o que move todo desejo
de provocar riso, e o verdadeiro humorismo,
"sentir e ressentir a agonia dos contrastes".
O que o crítico observa se revela em todas as
histórias de O marido de minha mulher.
A temática predominante nos 12 contos é a dos
enganos e desenganos da relação entre casais.
32
A breve história que dá título ao livro é narrada
por Lucas Léuci, um homem doente que escreve
para deixar em testamento seu rancor - embora
não o assuma. Quer deixar claro à mulher que ele
morre sabendo como seria a vida da família na
sua ausência. Em tom sarcástico, nega crer que
tenha sido traído e elogia o comportamento do
futuro marido de sua mulher em relação a seu
filho.
A atitude do homem doente, que o tempo inteiro
esconde o sofrimento da partida com sua ironia
mordaz, se metaforiza em uma de suas manias:
cheio de edemas, tem a mania de afundá-los com
os dedos para vê-los surgir novamente. Tamanha
é a importância de suas inflamações, que assim
lhes confere a medida: "não peso muito (quarenta
e cinco quilos, com todos os edemas)"."Superior
stabat lupus" retoma o mote dos que oprimem
injustificadamente os inocentes, numa referência,
As histórias que contamos
Pequena seleção traz pela primeira vez as narrativas de Straparola
Embora seja
constantemente referido
como um dos momentos
fundamentais da história do
conto e dos contos de
fada, o livro Noites
agradáveis, de Giovan
Straparola, não podia ser
encontrado no Brasil até a
publicação dessa pequena
seleção. Na edição preparada por Renata
Cordeiro, consta a tradução de quatro das 75
histórias originais.
Assim como o Decamerão, de Boccaccio, a obra,
de 1553, concentra-se em torno de um quadro e
se fundamenta na narrativa oral. Naquele livro,
dez jovens, isolados em razão da Peste,
contavam dez histórias por dia como forma de
preencher seu tempo. Neste, os personagens se
articulam em torno de uma corte: divertem-se,
mas não porque estão confinados.
E se Boccaccio se destaca por combinar o
trabalho de coleta das histórias populares ao do
escritor, que interfere no registro, Straparola
efetua, segundo os especialistas, poucas
mudanças nos contos originais.
Na segunda narrativa da seleta, "O abade
scarpacífico", a estrutura é semelhante à das
histórias medievais. Um padre avaro é enganado
por três camponeses, que armam um ardil para
desde o título, à fábula de Esopo em que o lobo,
a despeito de haver se posicionado no leito rio
acima, acusa o cordeiro, a sua jusante, de lhe
turvar a água. Na história, um velho se casa com
a filha da mulher por quem era apaixonado. O pai
da garota havia fugido, apavorado, após a morte
de sua mulher, vitimada em decorrência do parto.
O jogo do autor consiste em constantemente
brincar com as expectativas do leitor. Quem é
o inocente atacado pelo lobo? É a própria garota,
que, sem escape, deve se sujeitar ao casamento
com aquele que pensava ser seu velho tio? E
quem oprime o cordeiro? Será o velho homem?
Tendemos a crer que não, pois a história não se
encerra sem o aparecimento de outra figura
central.
O mesmo se dá em "Como se fossem gêmeas",
em que o homem deve se dividir entre o parto da
mulher, que ocorre em sua casa, e o da amante.
lhe tomar o burro recém-comprado. Quando se dá
conta da armadilha de que foi vítima,
o abade decide se vingar. A partir de então,
a trama se desenrola em uma sucessão de
enganos, em que digladiam duas formas de
elaborar trapaças.
"Doralice" é um exemplo de como se transformou
nossa maneira de contar histórias para as
crianças. Hoje seria inconcebível narrar aos
pequenos, por exemplo, as dificuldades por que
a protagonista do conto passa no momento em
que seu pai, não conseguindo superar a morte da
mulher, decide se casar com ela própria. Filha do
rei, Doralice foge com a ajuda da criada. Mas, em
sua nova vida, continuará a sofrer a maldição que
a atitude de seu pai lhe infligiu.
Os contos selecionados não são, como nos faz
deduzir o prefácio de Renata Cordeiro, os
principais de Noites agradáveis - tanto que a
autora recorre com freqüência a outras histórias,
tomando-lhes como exemplo de elementos não
centrais à seleção. Mas, ainda que a amostra seja
bastante modesta, há que se dar importância à
possibilidade de termos acesso, de alguma forma,
a essa obra.
Noites agradáveis
Giovan Francesco Straparola
Landy Editora/ 144 páginas
Ao contrário do que se imagina, o título diz
menos sobre as crianças nascidas no mesmo
momento do que sobre outras relações implicadas
no conto.
A leitura exige até mesmo um esforço de
reconhecimento. Sempre por meio do humor, nos
são dadas as marcas mais profundas de todos os
personagens: um gesto estabanado, uma frase
atravessada, um segredo - pequenos detalhes
pelos quais se entrevê o todo. O processo por
que nos conduzem os contos de Pirandello talvez
tenha como resultado uma percepção semelhante
à de Lucas Léuci: estaremos prontos para
identificar nossas fissuras quando soubermos que
nossa medida inclui o peso dos edemas que
insistimos em afundar.
O marido de minha mulher
Luigi Pirandello
Odisséia Editorial/ 187 páginas
33
Música
O tenor
interrompido
Ídolo de Pavarotti e parceiro de Maria Callas, Giuseppe Di Stefano levou a emoção
e a simplicidade à ópera em uma carreira curta e acidentada, mas intensa e influente
Por Daniel Lima
Imagens: www.giuseppedistefano.it
Giuseppe di Stefano e a esposa saíam de casa,
numa vila em Diani, próximo de Mumbasa, no
Quênia, quando um grupo não identificado de
assaltantes atacou o casal e atingiu a cabeça de
Di Stefano, deixando-o gravemente ferido. Era
dezembro de 2004. Por dias, um dos mais
aclamados tenores da história esteve à beira da
morte, em coma. O cantor finalmente acordou,
após duas cirurgias no Quênia e uma
transferência para Milão, na Itália, mas nunca se
recuperou do incidente. Seria a reclusão definitiva
para um tenor de carreira curta, cujo auge chegou
tão rápido quanto se foi, mas que deixou marca
indelével no ouvido e no coração de fãs de
diversas gerações.
Nascido na vila de Motta Santa Anastasia, na
Sicília, em 24 de julho de 1921, Giuseppe di
Stefano mudou-se ainda criança para Milão.
Apesar de cantar em corais na infância, iniciou
treinamento vocal apenas aos 18 anos,
O tenor, que era ídolo
de Luciano Pavarotti,
não tinha a disciplina
peculiar dos cantores
de ópera: antes de
suas apresentações,
abusava de bebidas
alcoólicas e fumava
34
estudando com os tenores Luigi Montesanto e
Mariano Stabile.
Os estudos foram logo interrompidos pela 2ª
Guerra Mundial. Convocado para servir na
enfermaria do exército no front russo, passava o
tempo cantando para os companheiros de
batalhão. Ironicamente, foi a música que o tirou
da batalha: o médico Giovanni Tartaglioni,
entusiasta da ópera, reconheceu no rapaz um
talento nato e julgou que ele teria mais serventia
cantando, longe do exército, e o dispensou.
"A maioria do regimento nunca retornou da
guerra, incluindo o médico", relembraria Di
Stefano, que guardou uma fotografia de seu
salvador pelo resto da vida.
De volta à Itália, trabalhou como cantor popular,
apresentando-se em cinemas (antes do início dos
filmes) até 1943, quando se mudou para a Suíça,
onde finalmente iniciou sua carreira operística no
rádio. Já demonstrava suas qualidades mais
notáveis: a dicção impecável e cristalina, e a
interpretação expressiva. Prezava, antes de tudo,
a emoção e a simplicidade. "O ideal é que as
pessoas não notem sequer que estou cantando",
dizia. "Quero que a música de meu personagem
soe natural, quase como a fala."
Di Stefano estreou em abril de 1946 na Itália, no
Teatro Municipale, em Reggio Emilia, como Des
Grieux na ópera "Manon", do francês Jules
Massenet. Apresentou-se tão bem que logo
repetiria o papel no Teatro dell'Opera, em Roma,
e no La Scala, de Milão - duas das mais
prestigiadas casas de ópera do mundo. No ano
seguinte, já assinava um contrato com a
gravadora EMI. Logo, atravessaria o Atlântico
para cantar no Metropolitan Opera, em Nova
York. Zarpava em alta velocidade para a condição
de ídolo do mundo da ópera.
Talentoso, "Pippo", como era carinhosamente
conhecido, apresentava um legítimo entusiasmo
pela música - e também pelas mulheres e pelos
prazeres da vida. Nem sempre soube, entretanto,
conciliar essas paixões.
Os sinais eram claros desde cedo: chegou a
estudar num seminário, mas abandonou a carreira
religiosa ao se interessar por uma jovem
tricoteira. Já tenor profissional, dispensava as
convenções de preparo para as desgastantes
performances no palco (mais especificamente,
a abstinência sexual antes de apresentações,
recomendada para conservação da resistência).
Além disso, fumava, bebia e se esbaldava em
festas - hábito mortal para tenores. Sua vida
desregrada parecia ofender alguns fanáticos pela
ópera. Em suas memórias, Rudolf Bing, diretor do
Metropolitan, fala sobre o talento e a ambição de
Di Stefano, mas também diagnostica suas óbvias
fraquezas. "Como temi, sua falta de disciplina
terminou por prejudicar uma carreira que seria
comparada à de Caruso [um dos tenores mais
famosos da história], mas não era para ser."
Antes do inevitável declínio, no entanto, Di
Stefano brilhou. Sua parceria com a expressiva
soprano Maria Callas talvez tenha sido sua
realização mais conhecida. Alcançaram o auge na
mesma época, em meados dos anos 1950, e
juntos interpretaram clássicos como "Tosca" e
"Lucia di Lammermoor". Apresentaram-se na
Itália, na Alemanha, nos EUA, no México e até no
Brasil - cantando uma elogiadíssima "La Traviata"
no Teatro Municipal, em São Paulo, em 1951.
O dueto rendeu muitas outras apresentações
marcantes, como a da "La Traviata" no Scala,
sob direção do lendário cineasta italiano Luchino
Visconti. O Scala, aliás, foi terreno prolífico para
Di Stefano, que lá se apresentou 185 vezes em
mais de 40 produções.
Com o final da década, sua carreira começava a
definhar, junto com sua voz e seu
comportamento irregular. Começou a cancelar
apresentações sob a justificativa de que uma
alergia a fibras sintéticas havia inflamado suas
cordas vocais. Entre os profissionais do mundo da
ópera, a desculpa era encarada com ceticismo.
Para muitos, os problemas vocais seriam
resultado de sua técnica limitada, castigando sua
voz em tons abertos demais.
Os fracassos se seguiram pela década de 1960.
Em 1963, cancelou uma apresentação na
Inglaterra e o substituto foi um desconhecido:
Luciano Pavarotti. Um grande fã, por sinal.
"Lembro que briguei uma vez com meu pai",
disse Pavarotti no documentário O último tenor,
"porque escutávamos no rádio os tenores
cantando, e Beniamino Gigli era o principal tenor
daquela época [1890-1957]. Um dia, ouvimos
uma voz jovem e não era Beniamino Gigli. Era Di
Stefano. Eu disse: 'Pai, ouvi alguém de quem
gosto mais do que Gigli'. Acho que foi a única
vez em que meu pai me estapeou o rosto."
No começo dos anos 1970, convenceu Maria
Callas, já afastada dos palcos, a voltar à ativa
para uma turnê. As apresentações, ainda que
razoavelmente bem recebidas pelo público, foram
execradas pela crítica e afastaram definitivamente
Callas, que morreu em 1977.
Depois disso, a carreira de Di Stefano
praticamente terminou. Apresentava-se
raramente. Enquanto isso, vozes como a de
Pavarotti e Plácido Domingo arrebatavam o
público. O tenor não se abalava. "Nunca tive
inveja de ninguém", dizia. "Nunca precisei sair
por aí dizendo que tive uma grande voz.
Felizmente, fiz gravações em número suficiente
para que as pessoas tirem suas próprias
conclusões a esse respeito." Sua última
performance foi em Roma, em 1992. Morreu em
Milão, no dia 3 de março de 2008, aos 86 anos.
35
Foi em parceria com
Maria Callas que
Di Stefano alcançou
o auge de seu sucesso,
apresentando-se com
a cantora em uma
turnê que incluiu,
em 1951, o Teatro
Municipal de São Paulo
Cinema
Doce,
mas dura
Sonhos e perturbações formam o rico contraponto da vida de Federico Fellini,
que morreu há 15 anos
Por Itamar Cardin
Milhares de pessoas estavam presentes no
Walter Albertin, New York World-Telegram & Sun Collection - Library of Congress
Para o diretor mais
premiado da história
do Oscar, o cinema
era um “modo divino
de contar a vida”
Estúdio 5 da Cinecittá, em Roma, para dar o
último adeus a Federico Fellini. Na multidão,
amigos, políticos, parentes, companheiros de
profissão e admiradores de todo o mundo.
Faltava, no entanto, alguém. Debilitada por um
câncer no pulmão, sua companheira Giulietta
Masina permaneceu em casa e acompanhou a
despedida ao marido pela televisão. E apesar de
seu amor não estar mais presente, ele era então
de ouro: Fellini morreu no dia 31 de outubro de
1993, um dia após completar 50 anos de casado
com Giulietta, em decorrência de uma parada
cárdio-respiratória, e após ter suportado o coma
por duas semanas.
Foi amparado pela mulher que o diretor deixou
seu legado ao cinema. Na profícua geração
italiana de Rossellini, Antonioni, Visconti e De
Sica, ele talvez tenha sido o maior. A sutil
mistura de fantasia, humor e humanismo, tornouo o diretor mais premiado da história do Oscar
(estatuetas por "A Estrada", "Noites de Cabíria",
"Fellini 8 e ½", "Amarcord" e pelo conjunto da
obra, em 1993). Também levou a Palma de Ouro
de Cannes, por "A Doce Vida", e o Leão de Ouro
de Veneza, pela carreira cinematográfica.
Os 24 filmes da obra de Fellini, gravados entre
1950 e 1990, nascem quase que de um
paradoxo. Mesmo tendo criado um cinema
fortemente autoral, de características inovadoras
e inconfundíveis, ele sempre lutou para ser um
antiintelectual. Fã de 007, o Gordo e o Magro,
Buster Keaton, e desconhecedor assumido de
grandes clássicos, Fellini afirmava que "o cinema
é um modo divino de contar a vida" e fazer as
pessoas sorrirem. Seus filmes, intrincados e nem
sempre de fácil digestão, eram uma passarela dos
mais diversos aspectos humanos.
Certa vez, questionado sobre o que mais o
emocionava, respondeu de pronto: "A inocência".
E é notável que, em cinco de seus primeiros
filmes, há sempre uma frágil mulher a perguntar:
"Você gosta de mim?". Questão simples. Além de
colocar em xeque a superioridade segura dos
homens, desconstruía a sensação de dependência
e carência que depreendia dessas mulheres.
Dois desses filmes, "A Estrada" (1954) e "Noites
de Cabíria" (1957), têm Giulietta no papel
principal. Com um sutil arquear de sobrancelhas,
um sorriso quase torto e um divertido esgueirar
de olhos, ela materializa na tela a inocência
desejada pelo marido e personifica a ternura das
frágeis personagens - uma atrapalhada ajudante
de circo e uma bondosa prostituta. É uma doçura
alheia à aspereza que as cercam.
A perfeita sintonia entre Fellini e Giulietta é a
marca da primeira década do cineasta. Alegria
que também poderia servir como redenção: dois
anos após o casamento, celebrado em 1943, o
casal perdeu o único filho com apenas quinze dias
de vida, por insuficiência respiratória.
Uma brusca mudança ocorre no cinema do diretor
após o lançamento de "A Doce Vida" (1960): os
personagens populares desaparecem, os gestos
de sutileza diminuem, os traços oníricos se
intensificam e as criaturas incomuns passam a ser
dominantes. O filme gira em torno de um
jornalista de origem humilde, interpretado por
Marcelo Mastroianni, que passa a se envolver em
um mundo repleto de festas surreais e
personalidades quase grotescas - como artistas,
nobres e outros profissionais da imprensa.
Embora Giulietta seja a atriz principal de um outro
longa, "Julieta dos Espíritos" (1965), filme que a
homenageia e que faz perfeita contraposição de
cores e imagens para separar o real do onírico,
Marcelo Mastroianni é o ator mais marcante da
nova fase. Fellini dizia que gostava de trabalhar
com ele porque não questionava como os
americanos. Marcelo preferia aceitar o trabalho,
não ler o roteiro e definir o personagem conforme
o filme transcorria. Como é notável nas brilhantes
interpretações em "A Doce Vida" e "Fellini 8 e
½" (1963), quando a derrocada moral dos
personagens encontra perfeita simetria nos
gestos e olhares do ator.
Sobre "Fellini 8 e ½" conta-se uma história
fantástica. O diretor escrevia uma carta sobre a
desistência em fazer o filme - mesmo com set
alocado, máquinas e câmeras posicionadas,
atores contratados - quando foi convidado por um
maquinista, que participava das filmagens e
aniversariava, a tomar champanhe. "Este será um
grande filme, doutor. Viva!". Foi um baque.
Envergonhado, voltou para o escritório, olhou
para a carta e teve a idéia: "um filme sobre a
história de um diretor que não sabia qual o filme
que iria fazer". "8 e ½" nada mais era do que o
número de rolos de filme utilizado até o
momento. Ou, mais do que isso a abertura de um
outro universo felliniano: o memorialista.
Nascido em Rimini, pequena cidade do nordeste
da Itália, Fellini se orgulhava de sua infância livre
- só se mudaria para Florença em 1938, aos 18
anos, para trabalhar como ilustrador de uma
revista. E a partir de "8 e ½", esse orgulho se
torna inspiração: as personagens passam a
conviver com o passado do diretor. O exemplo
mais precioso desse período é "Amarcord"
(1973), que narra a vida escolar e familiar de um
jovem na década de 30, sempre com um olhar
temeroso ante o fascismo.
Os mínimos detalhes de conhecidos do cineasta,
desde os amigos mais íntimos até os
trabalhadores, prostitutas, aristocratas,
fotógrafos e religiosos que ele apenas observava,
tornaram-se matéria-prima para seus filmes. "O
cinema é um modo de fazer concorrência ao Pai
Eterno", dizia, a respeito da criação dos
personagens. Também não deixava de lado a
paixão pelo circo, que com sua cadência leve e
grandiosa conduz boa parte dos filmes.
Até as experiências do próprio diretor já foram
inspiração para a dosada loucura de seus
personagens. Na época em que aumentavam as
convocações para a Segunda Guerra, Fellini
obteve um atestado de um médico amigo,
amarrou uma toalha na cabeça e brandiu uma
espada imaginária em um hospício por três dias.
Tamanha fonte criativa e experimental influenciou
uma série de cineastas que vieram na seqüência.
Almodóvar, Woody Allen, Cronemberg e David
Lynch são alguns dos que carregam herança
felliniana. A força dos traços distintos de Fellini,
Divulgação Versátil
somada à obsessão pelo cinema autoral, gerou,
no entanto, uma crítica padrão nos últimos quinze
anos de sua carreira: ele estava preso ao seu
modelo e, sem força criativa, apenas se repetia.
Tornara-se quase uma grife.
Entre os últimos filmes, talvez o que mais fuja à
regra seja "Ginger e Fred" (1987). Com Giulietta
e Mastroianni, ele narra o contraponto entre a
gravação de um programa de televisão e a
estranheza de dois ex-dublês idosos. Ambos os
personagens, vertentes mais verossímeis da
realidade concreta, têm as esperanças e
expectativas esfaceladas quando confrontados
com aquele bizarro mundo da TV - como a trupe
de anões dançarinos e os travestis sósias de
grandes escritores e pensadores. Esse
contraponto, aliás, parece ser o grande tema de
Fellini. O fantástico, o onírico e o incomum nada
mais são do que a faceta de uma existência
distorcida, mas real, que sempre conturba seus
personagens mais humanos.
É em "A Doce Vida", filme que cunhou o termo
"paparazzi" para o mundo, que o conflito parece
mais bem desenhado. Se à primeira vista o clima
festivo, a música alegre e a ausência de
preocupações embriagam o jornalista humilde
vivido por Mastroianni - poucas cenas são tão
célebres no cinema como o banho na Fontana di
Trevi entre ele e Anita Ekberg -, essas são
ambientações que apenas dão mais vazão ao
desespero existencial e aniquilam a força
intelectual do personagem. Pode-se imaginar
Fellini em sua casa natal, em Rimini, a sorrir e
soletrar o singelo clichê que une vida e rapadura:
"doce, mas dura".
Toda essa ambigüidade só pode ser mais bem
entendida mediante a relação de Fellini e Nino
Rota - responsável pela música de "O Poderoso
Chefão". Falecido em 1979, ano em que foi
homenageado pelo diretor em "Ensaio de
Orquestra", Rota fez a trilha sonora de todos os
filmes do cineasta produzidos até aquela data. De
tão específica e livre, sua música quase atua na
obra. Era comum Rota esbravejar depois de Fellini
detalhar o filme a ele e a música já estar pronta:
"Mas será que vou ser sempre o último a saber
de certos personagens?" E nessa combinação de
genialidades independentes, a tensão se tornava
leveza, o grotesco, palpável, e a rispidez, amor.
Nada mais condizente com a obra, a vida e o
grande final de Fellini e da esposa. Sem
abandonar a inocência, Giuletta se renderia ao
câncer apenas cinco meses depois da morte do
marido.
O jogo de fantasia e
humanismo em seus
filmes faz o espectador
sorrir e se comover
Perfil
Um
homem de
todas as
artes
Gianni Ratto exerceu todos os seus talentos até o final da vida, deixando marcas
bem pessoais em sua produção profissional
Imagens: www.gianniratto.com (cenas do documentário "A mochila do mascate")
"Gianni Ratto, diretor, cenógrafo, figurinista,
Gianni Ratto ficava
feliz em ver uma
mulher bonita,
em beber um bom
vinho e, sobretudo,
em ouvir música
clássica. Ele regia
de olhos fechados
iluminador, escritor e ocasionalmente ator. Um
longo e acidentado percurso teatral feito de
reencontros, redescobertas e gratificantes
decepções". Era assim que o próprio artista se
definia. Um dos grandes nomes da cenografia na
Itália e do teatro no Brasil, Ratto transitou
também pela música, pela literatura e pelo
cinema, em uma trajetória que revolucionou a arte
nos dois lados do Atlântico.
Ratto viveu até os 89 anos, produziu mais de 300
trabalhos, teve três filhos e se casou com sete
mulheres. "Oficialmente foram sete, sem contar
as namoradas", conta, sorrindo, sua última
esposa, Vaner Ratto, com quem passou 18 anos.
"Engana-se quem pensa que ele era um
conquistador. Gianni tinha um grande respeito e
admiração pela figura feminina", garante ela.
Certa vez, já com cabelos brancos e
hospitalizado, Ratto foi transferido da maca para
a cama. A enfermeira desequilibrou-se e disse:
"Quase que eu caio em cima do senhor". Ele
respondeu, com muita elegância: "Teria sido
maravilhoso!".
Na Itália, sua terra natal, Ratto fundou o Piccolo
Teatro de Milão, em 1947, com o designer e
fotógrafo Paolo Grassi e com o diretor Giorgio
Strehler. Também foi vice-diretor artístico e
cenógrafo no Scala de Milão, famoso teatro de
óperas, onde trabalhou ao lado de artistas como a
cantora lírica Maria Callas e o maestro Igor
Stravinsky. "Certa vez fui convidado para um
jantar com o maestro. Eu disse: 'Estou com
medo' Stravinsky deu um sorriso e respondeu:
'Eu também!'. Isso me deixou um pouco mais à
vontade. Sentei ao lado dele e abri meu
embrulho. mostrando, um a um, meus desenhos,
que foram examinados demorada e
detalhadamente".
Arquivo Pessoal
Por Julia Zanolli
Em 1954, Ratto veio para o Brasil em busca de
novas possibilidades expressivas do teatro. Aqui,
tornou-se diretor e fundou o Teatro dos Sete,
companhia formada com os atores Fernanda
Montenegro, Fernando Torres, Sergio Britto e
Ítalo Rossi (os três últimos também diretores). Foi
a primeira companhia capaz de se manter no Rio
de Janeiro com um projeto próprio, que
privilegiava não a individualidade do ator, mas a
potencialidade das peças encenadas. No Brasil,
atuou ainda em áreas como iluminação,
figurino,cenografia e direção.
Há quem diga que, no Brasil, Gianni Ratto se
tornou "um homem de teatro completo", mas na
Itália é que estavam todas as suas referências
estéticas e sua formação artística em arquitetura
e cinema, evidente em seus croquis para os
cenários, tanto pela beleza dos desenhos quanto
pela concepção do palco como um espaço a ser
construído. Ratto se considerava um artesão do
teatro. Sua visão da cenografia revolucionou a
concepção teatral italiana: "A melhor cenografia é
aquela que não se percebe", dizia ele.
Se o teatro
não é basicamente
um ato de amor,
um ato de fé, não
sei mais o que
é teatro
Gianni Ratto
Pioneirismo e amor pela arte
Gianni Ratto nasceu em Milão, em 1916, e
cresceu em Gênova com sua mãe, professora de
canto e pianista, que lhe ofereceu um contato
direto com a música. Ainda jovem, participou de
um concurso de cenário.
O pioneirismo desse artista não se restringe
apenas ao campo técnico. Ele inovou ao conceber
a cenografia como um organismo polivalente e ao
revolucionar a integração da arte com o palco,
construindo uma espécie de poesia visual.
Segundo Ratto "a cenografia é resultante de um
ato interpretativo que envolve, além dos
conhecimentos técnicos indispensáveis, toda uma
postura de vida dirigida para um conhecimento
amplo e humanista do homem". Para ele, não
havia diferença entre vida e teatro.
O valor das coisas, para Gianni Ratto, não estava
nelas mesmas, e sim no que elas poderiam gerar.
Talvez por esse motivo sua vida toda tenha sido
uma busca pelo ato singular da criação, da
descoberta do inexplorado e dos efeitos disso.
Ainda nessa procura, a partir dos 70 anos, Ratto
se aventurou na literatura e publicou cinco livros:
Antitratado de cenografia: variações sobre o
mesmo tema (Senac, 1999); Crônicas
improváveis (Codex, 2002); Noturnos (Codex,
2005). Seu livro A mochila do mascate
(Hucitec,1996), uma coletânea de escritos e
fragmentos de memória, deu origem a um
documentário homônimo e poético dirigido por
Gabriela Greeb, convidada pela filha de Gianni,
Antônia Ratto.
O documentário, feito em 2003, fala muito mais
sobre a alma e o pensamento de Gianni Ratto do
que sobre sua vida. "O filme é o Gianni, busquei
ele próprio ao filmar as imagens", diz a diretora.
O título, que já está disponível nas locadoras e
pode ser comprado desde abril, refaz a história de
Ratto, começando em sua infância, e visita
lugares que marcaram sua trajetória profissional,
como o Piccolo Teatro de Milão e o Scala. "Foi a
primeira vez que ele visitou esses lugares como
espectador, por isso foi muito emocionante para
ele e para as pessoas com quem ele já
trabalhou", diz a viúva. Ratto já tinha 87 anos
quando fez a viagem à Itália e sabia que seria a
39
Parte da biblioteca
do cenógrafo que
fará parte do Instituto
Gianni Ratto
última vez que veria todos aqueles lugares. "Foi
ao mesmo tempo uma despedida para o Gianni e
um encontro para a Antônia, que queria conhecer
melhor as raízes e a história de seu pai", relembra
Vaner.
O documentário é um elogio aos sentidos, tanto
pela textura e riqueza poética de suas imagens,
quanto pela qualidade de sua música. A
expressividade de Ratto é transferida para a
estética do filme, e o ritmo das imagens, a
construção dos planos e a trilha sonora foram
concebidos para representá-lo. Ratto disse à
diretora durante as filmagens: "Não se preocupe
em falar tudo, não tenha medo de um filme de
silêncios e repetições, pois assim sou eu".
A ordem da narrativa não é cronológica, mas
De volta à Itália já
no fim de sua vida,
Ratto revê parte
de seu passado em
cartas, documentos
e fotografias
segue um fluxo de pensamento e, talvez por isso, o
filme seja tão fluido, entremeado de pausas e
reflexões. Além disso, o documentário não tende
ao tom nostálgico (esperado em uma biografia de
alguém em idade avançada), já que a diretora
procurou registrar as impressões do presente sobre
o que Ratto produziu.
Por ser reservado, Ratto não gostava muito de
estréias e só comparecia quando a sua presença
era realmente necessária. Mas quando "A mochila
do mascate" foi exibido na 29ª Mostra
Internacional de Cinema, Gianni Ratto foi aplaudido
em pé durante 15 minutos. Gabriela conta que, ao
final do filme, Gianni lhe deu os parabéns e disse
que o documentário era transparente como a sua
cabeça. Segundo Vaner, "foi muito gratificante
O que não foi pertence a tempo nenhum
e o que foi - se algum valor já teve - hoje só
vale se o amanhã for um começo e não uma
continuação, um prolongamento,
uma cadeira de balanço
Gianni Ratto
Croqui para a peça
'A tempestade',
de William Shakespeare,
no Jardim de Boboli,
em Florença. Abaixo,
Ratto, sempre muito
crítico com sua obra,
analisa seus desenhos
para ele trabalhar com tanta gente jovem no final
da vida. Gianni era uma pessoa muito ativa,
sempre pensando para frente, tanto é que os
trabalhos perdiam o sentido para ele depois que
eram feitos".
Em 30 de dezembro de 2005, Gianni Ratto
morreu em sua casa, bebendo um bom vinho.
Trabalhou até o final. Os amigos se reuniram em
um teatro para recitar trechos de sua obra e
celebrar sua vida, que marcou de forma definitiva
tantas outras vidas e palcos mundo afora.
Um espaço disponível
Depois da morte de Gianni, Vaner Ratto deparouse com uma enorme quantidade de desenhos,
gravuras, partituras e livros. Por sua postura
muito crítica em relação a seu próprio trabalho, e
por sua crença no fato de que o que já foi feito é
passado, o artista chegou a queimar uma parte de
sua obra. "Mas eu não poderia fazer isso", diz
Vaner. Para Gianni, o valor era a idéia, e toda
parte plástica era apenas um instrumento. A
família chegou a considerar a doação do acervo
para alguma instituição, mas decidiu entrar em
um edital da Petrobras para memória,
conservação e restauro daquelas obras. O projeto
do Instituto Gianni Ratto foi contemplado com
esse incentivo e deve ficar pronto até o final do
ano. "A idéia é que seja um espaço aberto para
leituras, debates. Como diria o Gianni, os espaços
têm que ser disponíveis", esclarece Vaner.
Eu procuro o que une as coisas,
não o que separa
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Espaço Aberto
Por André Tadao Kameda
Sobre vida na cidade grande
... e são tantos os desencontros, os desentendidos, o dito pelo não dito, que às vezes penso por
mais quanto tempo vai ser possível viver nesta metrópole desvairada. Penso especialmente na
megalomania, no gigantismo, no modo de levar a vida: tudo leva a crer que as coisas estão
estruturadas de modo a não ser possível uma convivência saudável entre os co-habitantes da
dita cidade grande. Então vão se criando a desconfiança e o medo do próximo, cultiva-se a
intolerância, e não dá nem para parar e pensar se isso está mesmo correto; vai-se vivendo.
Não falo somente do senhor mal-ajambrado do lotação que senta sempre no mesmo banco e
com quem você nunca trocou palavra; nem da mulher que passa correndo na rua todos os dias,
talvez atrasada para o trabalho; também não me refiro ao homem-estátua, parado todos os dias
no viaduto do Chá, a quem você sempre teve vontade de perguntar se ganha a vida só com as
gorjetas de seu exótico ofício.
Falo principalmente da vida em comunidade, das pessoas com quem se escolhe conviver. Vou
tentar resumir o que penso: seus amigos têm outros amigos, a quem eles também precisam ver
de vez em quando. Somem-se a isso o trabalho, a família, a namorada, o futebol da semana, os
42
projetos (esta cidade vive de projetos; não sei se isso é bom ou ruim - é apenas uma
constatação). Até daria pra fazer tudo isso, não fosse o trânsito, o precário transporte público, e
mesmo o gigantismo da metrópole. Tempo e espaço são variantes que definitivamente não se
equacionam em São Paulo.
Mas é em meio a esse cenário de terra arrasada que a humanidade deve se afirmar. Não aceitar
tudo isso e nadar contra a corrente. Já que as utopias morreram e o que se vislumbra é somente
um horizonte nebuloso, temos de procurar viver o dia-a-dia baseados em princípios que parecem
estar sumindo: a compreensão, o afeto, a preocupação com o outro. Reatar os laços que a
cidade desamarra; fazer os remendos no grande tecido tramado entre as pessoas, que se
esgarça todo dia, e a cada dia mais.
Isso me faz lembrar um episódio, que devo ter lido em algum livro. Aconteceu na ilha italiana da
Sicília, onde o sol bate forte o ano inteiro e a pobreza sempre foi muito presente. Corria o ano de
1282 e os sicilianos, há séculos vivendo sob a opressão de estrangeiros, ficaram sabendo que
um soldado francês violentara a filha de uma camponesa. A notícia correu as vielas e todo
francês encontrado na rua era morto pelo povo ilhéu. A mãe da menina saiu correndo às ruas
gritando angustiadamente: ma fia, ma fia. Dizem os historiadores locais que daí se originou a
palavra máfia.
O fato é que o povo se cansou da exploração e resolveu se unir contra o jugo estrangeiro. Os
franceses foram expulsos da ilha e formou-se uma ética interna de união. A partir de então, os
sicilianos passaram a se ajudar uns aos outros, e os grupos que se formaram foram o embrião do
que hoje chamamos de organizações mafiosas.
Não digo que grupos de amigos devam formar a sua própria máfia e sair por aí afrontando os
poderes constituídos, sejam eles justos ou não; nem quero fazer a apologia do crime. Mas
podemos olhar para dentro dessas organizações e observar alguns - repito, alguns - aspectos
que as fizeram sobreviver em meio a uma sociedade nem sempre justa. O apoio a cada membro
do grupo, a ajuda mútua e a honra são valores que esses grupos cultivavam e para os quais
podemos prestar mais atenção nesses tempos em que vivemos.
Por falar em valores que surgem em meio a crises, há um livro do cronista Rubem Braga em que
ele conta a sua saga de correspondente na Itália, onde foi cobrir a 2ª Guerra Mundial ao lado dos
pracinhas brasileiros. Nesse livro, chamado Crônicas da guerra: com a FEB na Itália, o maior
cronista brasileiro reproduz as histórias dos pracinhas que foram lutar com os Aliados, muitos
dos quais sem saber direito o que estavam fazendo lá.
São histórias comoventes, que mostram a guerra pelo ponto de vista de quem esteve nos
campos de batalha. Na leitura, não vemos número de mortes, quantidade de armamentos,
capacidade logística dos exércitos ou estratégias de combate; pelo contrário, vamos
conhecendo a história de cada um daqueles soldados, como viviam nos acampamentos, as
atividades nas horas vagas, as saudades dos familiares, o que faziam antes de ir para a guerra.
São fios de existência em meio a tantas mortes, é a vida resistindo apesar de tudo. O certo é que
esses momentos de crise - e a guerra é a crise levada às últimas conseqüências - nos obrigam a
parar e refletir sobre as coisas. O primeiro passo para que a mudança comece.
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Ensaio fotográfico
Trabalho e família. Conceitos que, para boa parte
dos italianos e descendentes, se entrelaçam
facilmente. E mesmo na São Paulo de 2008, onde o
estilo de empreendimento familiar é cada vez mais
escasso, essa herança italiana se mantém viva em
pequenas, médias e grandes empresas, dividindo os
cargos e as funções entre trabalhadores do mesmo
sangue.
O Ensaio desta edição traz exemplos de pessoas
que construíram suas vidas no Brasil com muito
esforço, e em família. Todos vieram para a grande
São Paulo na infância, aprenderam sobre seus
respectivos ofícios ainda jovens, trabalhando
manualmente e crescendo em suas atividades.
Hoje, são donos de seus próprios negócios e
desejam que as gerações seguintes levem adiante o
que construíram.
Os fotografados têm, no entanto, mais do que
características comuns, como o empenho e o
trabalho em família, em suas trajetórias. Todos eles,
a partir de uma simples conversa, transformam, em
poucos minutos, as formalidades e discrições de um
primeiro contato em um tratamento tão próximo
que faz o interlocutor se sentir uma agradável
companhia.
Comendador Alberto Trofa, de 74 anos - Diretor do Grupo Industrial Trofa
"Se der a palavra, não volte atrás."
Com a estrutura financeira da família destruída pela guerra, Trofa veio para o
Brasil, a convite do irmão (Antonio), somente com a roupa do corpo. Em
seguida, mais um irmão chegou (Vincenzo), e os três fundaram a empresa.
6
Pietro Cemino, de 84 anos - Diretor da Mepre - Mecânica de Precisão e Com. Ltda.
"São Paulo é minha segunda mãe."
Ex-combatente da Segunda Guerra, veio ao Brasil para reconstruir sua vida.
Trabalhou como operário até 1964 e economizou dinheiro para montar sozinho
sua própria empresa.
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Antônio de Caprio, de 70 anos - Diretor da Sapataria Barone
"Para ficar atrás do balcão,
deve-se entender da profissão."
Ainda na Itália, aos 13 anos, descobriu que sua
vocação era consertar artigos de couro e sapatos.
Arranjou um emprego no navio que o trouxe para o
Brasil e, quando chegou a São Paulo, aperfeiçou-se
em uma fábrica de bolsas, até juntar dinheiro para
alugar sua primeira sapataria.
46
6
Francesco Coscarelli, de 31 anos - Empresário, engenheiro
da tecnologia da informação e músico
"Se você não almeja grandes objetivos,
não conseguirá nem os pequenos."
Aos 8 anos, ainda na Itália, aprendeu a cantar e a tocar piano sozinho. Já adulto, se apresentava em
bares e restaurantes. Formou-se engenheiro e veio para o Brasil a fim de aprender mais sobre samba e
bossa nova. Hoje, é músico e cantor profissional e administra sua própria empresa.
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Gastronomia
Por Silvia Percussi
Fotos: Tadeu Brunelli
Misturas marcantes
e muita pasta
A
massa, o azeite e o vinho constituem a base
gastronômica da Puglia, região que, por estar
localizada no Sudoeste da Itália, tem sua
alimentação reconhecida como tipicamente
mediterrânea. Ali, peixes e verduras também são
ingredientes com os quais mais se preparam
refeições típicas, famosas em toda a Itália pela
generosidade de seus sabores. Os pugliesi, naturais
da região, têm na cozinha uma preferência: gostam
de criar pratos compostos, misturando ingredientes
que, à primeira vista, podem ser considerados
incompatíveis. Mas digamos que sua cozinha
apresenta-se geograficamente de forma muito
homogênea: nos quatro cantos da região podem ser
degustados os mesmos pratos, com pequenas
variações na preparação.
As entradas são freqüentemente constituídas de
embutidos. Entre eles, os mais famosos são o
capocollo, a sopressata e as lingüiças feitas com
sementes de erva doce conhecidas também como
sanguinaceo.
A massa, como sucede em todas as regiões do
Centro-Sul italiano, é a rainha da mesa pugliese. As
orecchiette são as mais famosas, e têm o formato
de uma pequena concha que abriga o molho de
maneira excelente. São muitas as receitas de molho
à base de peixe ou carne para acompanhá-las. Na
cidade de Bari, por exemplo, foi criado o ragu
apuliano, chamado ciambotto, que é obtido com
diferentes pescados do mar Adriático e acabou se
tornando um dos molhos mais apreciados e
conhecidos. Mas os pugliesi também utilizam o ragu
de carne, que pode ser feito com vitela, castrato,
carne suína, ou ainda com uma combinação dos
três. A massa vem sempre acompanhada de uma
salada feita de pimentões, tomates, salsinha, alho e
cebola, chamada scattiata tarantina (veja receita na
página 50).
Outra pasta substanciosa e preparada em ocasiões
especiais é o maccheroni al forno, que consiste em
massa de grano duro cozida e temperada com
molho de tomate. Colocado em uma forma forrada
com uma massa de torta adocicada, recebe, antes
de ser levado ao forno, pequenas almôndegas de
carne, ovos cozidos picadinhos, fatias de salame, e
lascas de queijos pecorino e scamorza.
O sabor diferenciado dos produtos oferecidos pelo
solo pugliese, em especial o trigo para preparar a
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massa, faz da pizza um prato excepcional, de sabor
muito intenso e difundido em toda a região. São
bem conhecidas as pizzas de verdura e a pudicca,
que consiste em dois discos de massa sobrepostos
que se fecham sobre um recheio de cebolas,
tomates, azeitonas pretas e anchovas. O povo ali se
considera o inventor do calzone, que aparece com
um recheio rico em azeitonas, cebolas e queijo
pecorino.
Entre os pratos principais, não podemos deixar de
fora as sopas de peixe, de favas e chicória, ou ainda
a maritata, uma sopa feita de chicória, escarola e
pecorino.
Já nos segundos pratos, os peixes são ingredientes
considerados nobres. As receitas são sempre muito
simples para não alterar o sabor natural dos
pescados. Um método muito usado é o escabeche,
palavra de origem espanhola que indica o método
de fritar o peixe ou a verdura e depois deixá-los
marinar em vinagre.
A carne na Puglia é menos importante que o peixe,
mas também ocupa um lugar de destaque no seu
receituário. Há muito consumo de carne de cordeiro
assada no forno e temperada com alecrim e alho,
acompanhada de pedaços de queijo pecorino,
novamente, mas aqui cortado em cubinhos.
As verduras têm um sabor marcante, muitas das
quais com nomes ainda desconhecidos da maioria
dos italianos. Um exemplo são os lampascioni, que,
pelo formato, lembram a cebola e possuem sabor
levemente amargo, porém agradável. Ficam ótimos
cozidos e consumidos com salada, mas também
podem ser reduzidos a uma geléia e espalmados
sobre uma fatia de pão tostado.
Entre os queijos, destacam-se a mantecata, que
contém um suave coração de manteiga, e a burrata,
um laticínio com uma consistência similar à da
mozarela de búfala, que tem no interior um recheio
de creme de leite fresco.
Nas sobremesas, são muito usadas as frutas
frescas ou desidratadas, e as amêndoas. Entre os
doces mais conhecidos, merecem destaque as
carteddate, feitas com massa folhada, temperadas
com mel e aromatizadas com canela (veja receita na
página 50). A sobremesa mais original é o sorvete
ao forno: duas fatias de pão-de-ló recheadas com
sorvete e frutas secas, assadas rapidamente no
forno.
Orecchiette al pomodoro e ricotta dura
Ingredientes:
400 g de orecchiette
250 g de molho de tomate fresco
3 colheres de sopa de ricota dura ou defumada picante
Sal a gosto
Modo de Preparo:
Cozinhe a massa em abundante água fervente e salgada. Aqueça o molho
de tomate e, quando a massa estiver “al dente”, escorra-a e tempere com
o molho. Depois, adicione a ricota ralada. Misture bem e sirva.
Scattiata tarantina
Ingredientes:
4 pimentões vermelhos e/ou amarelos
1 cebola em rodelas
5 tomates frescos picados, sem pele e sem
semente
1 dente de alho socado
Salsinha a gosto
Azeite a gosto
Modo de Preparo:
Tire a pele dos pimentões e deixe-os sobre
o bico do fogão aceso até que fiquem
completamente pretos. Retire-os e, sob a
torneira com água corrente, remova a pele
queimada. Corte-os em tiras e reserve.
Em uma frigideira coloque azeite. Em
seguida, adicione as cebolas e refogue.
Acrescente o alho, depois os tomates e os
pimentões, e tempere com sal. Deixe um
pouco no fogo até que se reduza o líquido
dos tomates. Coloque mais sal se
necessário, e tempere com salsinha. Deixe
esfriar e sirva.
Carteddate
Ingredientes:
500 g de farinha de trigo
20 g de fermento biológico
1 cálice de marsala ou vinho do porto
Açúcar
Mel
Canela
Óleo de canola
Sal a gosto
Modo de Preparo:
Misture a farinha e o fermento dissolvido em um pouco de
água morna e salgada. Adicione 100 g de óleo e o licor, até
obter uma massa como a do pão. Deixe fermentar durante
duas horas. Quando a massa tiver crescido, abra uma folha
bem fina e corte tiras de 50 cm de comprimento por 2,5 cm
de largura. Forme rodelas em formato de rosas e frite-as em
óleo quente, deixando escorrer em papel toalha.
Em outra panela, coloque bastante mel e deixe ferver até
formar bolhas. Adicione com cuidado as rosas de massa,
deixando-as absorver o mel por poucos minutos e virando-as
de lado. Coloque-as em formato de pirâmide em uma
travessa e pulverize-as com canela e açúcar. Podem ser
servidas ainda quentes ou frias.
A chef Silvia Percussi, autora do livro"Funghi - cozinhando
com cogumelos" (editora Keila & Rosenfeld), é responsável
pelo cardápio do restaurante Vinheria Percussi 'desde
1988'. Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jardim América. De
terça a domingo. Fone: 3088-4920/3064-4094
50
Turismo
Taranto, fundada pelos gregos,
tem até hoje uma grande
importância por sediar o
porto de Brindisi
52
Uma ponte
para o Oriente
A Puglia guarda vivas as influências da colonização grega em belas cidades
admiradas por turistas do mundo todo
Por Edoardo Coen
Imagens: Ente Nazionale Italiano per il Turismo (Enit)
A
longada entre os mares Adriático e Jônio, a antiga Apúlia, hoje conhecida como Puglia, é a região
localizada no extremo sul-oriental italiano. São 360 quilômetros de uma ponte natural para o Oriente. Por
causa da proximidade com a Grécia, nela ainda sobrevivem ilhas lingüísticas e culturais influenciadas pelo
país dos helenos.
No século VIII a.C., a Puglia foi colonizada pelos gregos, que fundaram um importante centro de
civilização: Taranto. Depois da conquista romana, a região tornou-se privilegiada no Império,
principalmente por seu papel de ligação com o Levante, já que sediava o porto de Brindisium, hoje Brindisi,
terminal da via Ápia (a mais antiga estrada romana, que por essa razão era chamada de "regina viarum", ou
seja, rainha das estradas).
Bari, a antiga Barium dos romanos, é a capital da região. Cidade próspera por sua condição de ponte com o
Oriente, abriga moradores orgulhosos que dizem: "Se Paris tivesse mar, seria uma pequena Bari!" Mas não
foi sempre assim. Segundo a lenda, essa cidade foi fundada alguns séculos antes de Roma. Além dos
costumeiros terremotos, triste herança da Itália meridional, Bari sofreu, na Idade Média, incursões dos
bárbaros e dos piratas sarracenos, e foi campo de luta entre bizantinos e normandos.
53
poderemos aproveitar doces, como os
"taralli", preparados com mel,
amêndoas e ricota.
Antes de encerrar o nosso dia em Bari,
precisamos conhecer o Castelo,
construído na primeira metade do
século XIII, por Federico II, sobre as
ruínas de uma construção defensiva
normanda.
Hoje próspera,
e de beleza que
atrai turistas do
mundo todo,
a capital Bari já
sofreu invasões
bárbaras e
sarracenas
A menina dos olhos
de Bari é a Catedral
de San Nicola, que
leva o nome do
santo padroeiro
da cidade
Visitando Bari
Começaremos nosso tour pela capital. Não
podemos deixar de visitar o seu maior orgulho: a
arquitetura românica da Catedral do patrono da
cidade, San Nicola, concluída em 1139 pelo rei
normando Rugero, mas que desde 1089 já
conservava as relíquias trazidas da Lícia, numa
cripta consagrada pelo papa Urbano II. Em seu
interior, destaca-se um precioso cibório com o trono
episcopal e o de Santo Elias, além de pinturas como
"Cristo aparece a San Roque" de Tintoretto,
"Virgem em trono", de Paris Bordone, e "Virgem em
glória", de Veronese. Nos arquivos da Catedral,
uma obra que deve ser contemplada: trata-se de um
antigo pergaminho escrito por um calígrafo
beneditino.
Merece também uma visita mais demorada o
Palácio da Universidade, onde está o Museu
Arqueológico, contendo relíquias da Idade da Pedra
e do Bronze, urnas funerárias e cerâmicas.
Agora, já que estamos na cidade velha, entraremos
em suas ruas estreitas e irregulares à procura de um
restaurante típico onde poderemos degustar pratos
de massa locais, como os "cavatelli" ou as
"orecchiette", acompanhadas por um delicioso
vinho: o "Primitivo", um tinto local produzido com
uvas negromaro e malvasio. Para encerrar,
À procura de burgos antigos
Iniciaremos nossa visita aos pequenos
burgos da Puglia, que conservaram no
decorrer dos séculos as legítimas
características e tradições locais,
representando integralmente, no
presente, um passado remoto.
Percorreremos apenas poucos
quilômetros até surgirem três cidadezinhas:
Bitonto, Bitetto e Sannicandro di Bari.
Bitonto é um centro agrícola de uma região famosa
pelas magníficas oliveiras. Os lugares de interesse
turístico se encontram em duas áreas distintas: a
praça Cavour, no limiar da Porta Baresana, com a
Torre Anjoina; a igreja de San Gaetano e vários
palácios no estilo renascentista e barroco; e a praça
da Catedral, com a sua Basílica. A Catedral é uma
construção típica do estilo românico-pugliese, cujas
linhas parecem imitar as da Catedral de San Nicola,
em Bari. Construída em 1175, possui três naves,
destacando-se pelo portal com leões de mármore,
duas janelas geminadas e uma grande rosácea
central.
Mais próxima que poderíamos imaginar, está
Bitetto, cidade que conserva um núcleo histórico
enriquecido por construções populares, burguesas
e camponesas. Sede de um bispado desde o século
IX, revela a ausência de um projeto urbanístico, mas
em seu núcleo original prevalecem construções
medievais. A sua Catedral, dedicada a San Miguel,
merece uma visita. Com sua bela fachada de estilo
românico em pedra escura, possui três majestosas
portas, uma rosácea e uma cobertura feita com
telhas nas cores verde e amarela.
Sannicandro di Bari, a 183 metros do
nível do mar, é o ponto de entrada de
alguns dos mais importantes percursos
medievais da região. É um burgo rural,
onde se mantêm os antigos costumes
populares. O lugar era ocupado por um
vilarejo chamado Mezardo, que em
grego significa "terra fértil". O seu
Castelo, conquistado pelos
Ostrogodos e pelos Longobardos, foi
fortificado pelos Bizantinos, mas em
seguida completamente destruído pelo
imperador Constante II. Cem anos
depois, alguns religiosos basilianos se
estabeleceram nessas ruínas,
construindo uma igreja dedicada a San
Nicandro.
As casas de Sannicandro se encontram
em ruas que são verdadeiras
escadarias. Esse panorama agreste, genuíno, é
moldura de um ambiente no qual as festas
tradicionais, entre as quais a de San Giuseppe e a da
Madonna di Torre, ainda constituem um
acontecimento memorável. Os edifícios religiosos
também são parte da simplicidade agreste do lugar:
as igrejas do Espírito Santo, do Crucifixo e a Capela
dedicada à Sagrada Família seguem essa linha.
Altamura, província de Bari, também é um burgo
agrícola, erguido ao redor de uma Catedral. Antiga
cidade de um povo estabelecido na região desde a
época da Idade do Ferro e do Bronze, foi destruída
pelo Sarracenos, ressurgindo no século XV por
desejo de Federico II. Da cidade primitiva sobram
restos de um muro megalítico e uma porta chamada
Áurea. A fundação da Catedral se impôs logo como
elemento aglutinador e organizador. Foi-se
definindo uma tipologia de moradia, copiada dos
modelos gregos e em parte dos árabes. Criou-se,
então, o sistema de vielas sem saída com pátios
usados pela população como áreas de serviço. A
Catedral, em volta da qual a cidade cresceu, é
caracterizada por duas torres com sinos, e deu
origem a uma praça muito freqüentada pela
população local, além de ser o ponto de confluência
de várias estradas radiais. As casas foram
construídas com um vão no térreo, outro na parte
superior, com acesso por meio de uma escada
externa.
Um lugar conhecido
Chegamos agora a Polignano a Mare, cidade que
deu origem ao nome de uma rua paulistana onde,
todos os anos, ocorre a tradicional festa de São
Vito, organizada pela comunidade pugliese em São
Paulo. Polignano a Mare é um lugar encantador,
com casas de cor cândida localizadas à beira de um
penhasco que emerge das águas esmeraldinas do
mar Adriático.
Suas origens são desconhecidas, mas parece que a
cidade surgiu onde havia um povoado grego. Na
base do penhasco, batido pelas ondas, a erosão
formou numerosas grutas, onde os raios do Sol
criam jogos coloridos de luz na água límpida. Assim
são as grutas do Palazzone, da Foca e das Rondini,
que oferecem um espetáculo maravilhoso. As vielas
da cidade, calçadas com lajes de pedra, são
estreitas e tortuosas, e as casas se acumulam com
a mesma vivaz confusão das casas orientais.
A vida da população gira em torno das duas praças
centrais, que podem se comunicar por meio do Arco
della Pace. Na praça Garibaldi, encontra-se o
palácio Marchesale, e na outra, a Vittorio Emanuele
II, está a Casa Parrocchiale, do século XVI. Seu
estilo românico-gótico original sofreu várias
alterações. A construção conserva, porém,
uma imponente torre de sinos e valiosas
obras de arte em seu interior, como um belo
púlpito lígneo do século XVI, uma pia
batismal de 1776, com cobertura piramidal
em mármore policromo e esculturas de
Stefano di Putigliano.
Os "trulli" di Alberobello
O termo "trullo" deriva do grego antigo
tholos, que no grego mais novo se
transformou em trullos, com o significado de
"túmulo". Os "trulli" são as construções de
arquitetura popular conhecidas no mundo
todo seja por sua beleza formal, seja por sua
unicidade. Apesar de sua construção ser
relativamente recente, a concepção é uma
O Castelo Del Monte,
construído no
século XIII, fica
na cidade de Andria
Os famosos
Trulli de Alberobello:
ao todo, são 1.070
na cidade
das mais antigas da área do Mediterrâneo. Trata-se
de um local de planta quadrada, geralmente baixo,
com a cobertura construída com circunferências
concêntricas de pedra, sempre estreitas. A base é
caiada, enquanto a cobertura é preta. Os gregos, já
na guerra de Tróia, conforme Homero descreve em
sua Ilíada, usaram essa técnica para levantar o
túmulo de Agamenon. Ela foi se repetindo e, mais
de 2.000 anos depois, ainda é aplicada nas costas
opostas do mar Adriático.
Alberobello é particularmente famosa por essas
construções. A visita à cidade deve ser feita a pé, já
que a paisagem surpreende continuamente, com
belos enquadramentos disponíveis aos amantes das
fotografias. A área mais interessante do ponto de
vista turístico compreende os bairros Monti e Aia
Piccola, inteiramente construídos com "trulli": no
total são 1.070, unidos ao longo de ruelas
tortuosas. Cada "trullo" tem o portal em forma de
arco, com a cúspide de pedra trabalhada, enquanto
nas coberturas são desenhados com cal símbolos
religiosos. Convém visitar o "Trullo Sovrano", único
de dois andares de toda a cidade, construído depois
de 1797, quando Alberobello foi declarada livre.
A simpatia e a gentileza dos moradores são
tradicionais. Acostumados à visita dos turistas,
chegam a convidá-los a entrar em suas casas, para
conhecer seu interior.
Losciale, Garrappa, Speziale Piccola: as masserie
A alguns quilômetros de Alberobello encontramos
Losciale, Garrappa e Speziale Piccola, as três
masserie. Masseria é uma construção que surgiu da
elaboração total ou parcial de um castelo ou de uma
torre de defesa.
Na época das invasões sarracenas, os habitantes
dessa área enfrentavam várias dificuldades, como
56
as contínuas guerras entre cidades rivais, os
salteadores que devastavam o campo, a grande
distância dos centros nos quais se podia adquirir o
necessário para a subsistência, além de péssimas
estradas. Surgiu então a masseria, uma espécie de
aglomerado auto-suficiente, onde a produção
agrícola devia levar em conta todas essas
dificuldades, pondo-se a salvo de qualquer
contratempo. Os agricultores da região
organizaram então sua produção, usando
estruturas defensivas como torres e pequenos
castelos com muralhas de proteção.
As componentes essenciais desse tipo de estrutura
eram substancialmente três: a "curtis", a "domus"
e o "casilinum". A "curtis", a moderna corte, era o
fulcro de um espaço delimitado pelas construções,
e onde se criavam principalmente galinhas e suínos;
a "domus" era a residência permanente do
"massaro" (o gerente) e de seus auxiliares; e o
"casilinum" servia de depósito para instrumentos
de trabalho e para sementes.
Com o passar dos séculos, e com o aumento das
necessidades, a esses três elementos se
acrescentaram: o "jazzo", ou seja, o redil; a adega;
o "trappeto", lugar destinado ao cultivo das
oliveiras; e a "cafoneria", onde residiam os
trabalhadores temporários.
Losciale, a primeira masseria, que surge no
território entre as cidades de Monopoli, Fasano e
Ostuni, é uma masseria a torre, já que o seu núcleo
inicial é constituído por uma casa-torre.
Estamos chegando ao fim de nossa viagem pela
ensolarada Puglia. Uma viagem que nos permitiu
conhecer aspectos que nos deram uma sensação
quase concreta da alma da Puglia. Tivemos ainda a
oportunidade de respirar uma atmosfera mágica,
perfumada por antigas lendas e lembranças
mitológicas que as várias civilizações que se
sucederam nesta terra deixaram como legado.
E ainda existem muitos outros lugares
encantadores como Brindisi, Lecce, Taranto,
Foggia e pequenos povoados, encravados nas
encostas dos montes ou ao longo de trilhas
seculares.
Puglia
FOGGIA
BARI
BRINDISI
TARANTO
LECCE
Unidade Jardins
Rua Manuel da Nóbrega, 498
Jardins Tel.: 3051-7828
JARDINS
Elevador Discovery
Discoteca Completa
Cama Elástica
Barco Vicking
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Moema Tel.: 5051-1818
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Menu Kacher
Menu Japonês
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Menu Árabe
lembrancinhas
e outros...
personalizadas
Unidade Higienópolis
Rua Bahia, 764 Higienópolis
Tel.: 3661-7640
HIGIENÓPOLIS
Barco Vicking
Games / Air Boy
Super Brinquedão
com área baby
Máquina de Dança
Mono Rail
Cama Elástica
Área Teens
Lanchonete Infantil
Casinha do Macaco
Parede de Alpinismo
Carrossel
Dardo Eletrônico
Games (jogos em rede)
Super Tombo
Espelho Mágico
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Estacionamento
com Manobrista
ITAIM
Boliche Eletrônico
Cama Elástica
Barco Vicking
Parede de Alpinismo
Games / Air Boy
Super Brinquedão
com área baby
Lanchonete Infantil
Casinha de Boneca
Máquina de Dança
Vitrine Animada
Carrossel
Super Tombo
Street ball
e muito mais...
Unidade Itaim
Rua Dr. Alceu de
Campos Rodrigues, 174
Itaim Bibi Tel.: 3845-3006
Arquivo
Artigo
Bullying:
Por Silvana Leporace
o diálogo é a
melhor solução
O "bullying", conjunto de atividades agressivas,
intencionais e repetitivas que causam sofrimento
aos indivíduos, sempre existiu. Mas, felizmente,
agora tem se falado de forma mais aberta a respeito
do assunto, em especial na escola.
Não podemos considerar o bullying uma brincadeira
própria de uma idade,
inocente, sem intenção de
ferir. Ele é intencional, não
pode ser subestimado, e a
preocupação com as
conseqüências deve
existir. Pode ser encontrado em qualquer faixa
etária e nível de escolaridade.
Hoje, existe também a
forma virtual de bullying, o
"ciberbullying", em que se
utilizam ferramentas da
internet e de outras
tecnologias de informação
para maltratar, humilhar e
constranger. Em qualquer
tipo de bullying, porém,
existe sempre o agressor, a
vítima e os observadores. O
agressor, com o passar do
tempo e sem a intervenção
do adulto, fortalece seu
comportamento e compromete a própria aquisição de
valores humanos como
cooperação, respeito às
diferenças e solidariedade.
Todos nós nos preocupamos, e com razão, para que os nossos filhos não
sejam alvo de "bullies" (nome dado aos que
praticam o bullying). Mas precisamos refletir a
respeito do que nós, adultos, estamos fazendo para
que nossos filhos não sejam os autores dessa
prática.
É sabido que a convivência com as diferenças
promove conflitos variados, e somente utilizando
estratégias respeitosas é que podemos chegar a
uma solução. Muitas
famílias ensinam seus
filhos a trabalharem com
os conflitos e confrontos
de modo pacífico,
educado, e sempre por
meio de um diálogo
conciliador. É preciso, cada
vez mais, atentarmos para
essa postura construtiva,
pois a presença educativa
e apaziguadora dos adultos
é essencial. A prática da
tolerância é um aprendizado que se realiza no
cotidiano do processo
educativo.
Nunca podemos nos
esquecer de que é na
escola que iremos
conviver, conhecer as
diferenças e aprender a
lidar com elas. E se não
tivermos clareza sobre a
importância do respeito ao
outro, o comportamento
agressivo irá gradualmente
se instalar nas diferentes
esferas da sociedade.
É preciso,
cada vez mais,
atentarmos para esta
postura construtiva,
pois a presença
educativa e
apaziguadora dos
adultos é essencial.
A prática da
tolerância é um
aprendizado
que se realiza
no cotidiano do
processo educativo
58
Silvana Leporace é coordenadora do Serviço de
Orientação Educacional do Colégio Dante Alighieri
Memória
Arquivo Centro de Memória - Colégio Dante Alighieri
Acima, a fachada do
Colégio Dante Alighieri
quando ele ainda se
chamava Istituto Medio
Italo-Brasiliano Dante
Alighieri, nome que durou
até 1942. Ao lado, a
fachada atual
New Face Photos
59

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